Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:415/15.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:FATURAÇÃO FALSA. INDÍCIOS.
Sumário:1. Quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa falsas, cabe-lhe provar os respetivos indícios.
2. A faturação falsa é uma conclusão extraída a partir  de uma atividade probatória que se refraciona em duas fases. A primeira, faz recair sobre a AT a prova (indiciária) de que os documentos não titulam transações reais, tal como estão documentadas.
3. A segunda, onera o Contribuinte com o encargo de afastar os indícios recolhidos pela AT provando que as operações faturadas são reais e ocorreram tal como estão documentadas/faturadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: FAZENDA PÚBLICA
RECORRIDOS: L......., LDA.
OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por L......., LDA. versando sobre as liquidações adicionais de IVA relativas a períodos diversos dos anos de 2012 e 2013, bem como as consequentes liquidações de juros compensatórios, no montante total de 853.371,37 €.


CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A. No âmbito do procedimento inspectivo efectuado à autora, recolheram os serviços competentes da Autoridade Tributária elementos sérios e credíveis, claramente indiciadores que as faturas cujo direito à dedução do IVA nas mesmas contido foi desconsiderado, não correspondiam a aquisições efectivamente realizadas àqueles emitentes;
B. Tais conclusões encontram-se descritas e profusamente documentadas no relatório do procedimento inspectivo e são o corolário lógico de anteriores procedimentos inspectivos efectuados aos identificados fornecedores, de onde resultou a conclusão que aqueles não dispunham de estrutura nem evidencia de poderem efectuar as transmissões que faturaram, quer por serem possuidores de prédios onde fosse possível produzir a cortiça alienada, quer ainda por não lograrem identificar os seus fornecedores.
C. Como a jurisprudência tem vindo a assinalar, à AT, não se impõe provar a falsidade dos documentos, mas sim elencar indícios sérios e credíveis que infirmem a presunção de veracidade que gozam as declarações do sujeito passivo, o que foi cabalmente conseguido.
D. Nestas circunstâncias, em que é afastada a presunção de veracidade dos elementos do sujeito passivo, recai sobre este o ónus de demonstrar a sua veracidade,
E. O que a autora intentou chamando a depor aqueles fornecedores que os serviços de inspecção tributária haviam considerado como não detentores de condições para efectuarem os fornecimentos em causa,
F. Que, mais não fizeram que confirmar o alegado pela autora, evidenciando o conhecimento do negócio, que será comum a qualquer mero interveniente neste tipo de negócio,
G. E que o Douto Tribunal, não obstante o devido respeito desta Representação por diverso entendimento, valorou como suficiente para desconsiderar as conclusões do relatório inspectivo, quando se impunha a valoração dos depoimentos prestados no contexto em que os seus emitentes se encontravam,
H. De onde, se impõe, no entender desta Representação, a reanálise desses mesmos depoimentos, por contraponto aos elementos elencados no relatório do procedimento inspectivo, por esse Superior Tribunal e a consequente revogação da sentença ora sob recurso e a sua substituição por decisão que mantenha na ordem jurídica as liquidações impugnadas, assim se fazendo JUSTIÇA.
Mais se requer que, visto o comportamento das partes e também a ausência de especial complexidade no processo, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias, nos termos do n° 7 do artigo 6° do Regulamento das Custas Processuais.

CONTRALEGAÇÕES apresentadas:

A) O recurso interposto tem por objeto "a reanálise desses mesmos depoimentos, por contraponto aos elementos elencados no relatório do procedimento inspectivo", estando pois o seu objecto cingido à apreciação da matéria de facto sem que, a Recorrente indique:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

B) As indicações referidas são um ónus necessário à admissibilidade do recurso, ónus esse que, não sendo cumprido determina a sua rejeição, pelo que se deve concluir pela rejeição do recurso apresentado;

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA foi devidamente notificado e pronunciou-se pelo provimento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em  saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao determinar a anulação das liquidações impugnadas.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

a) Em 29/09/2011, foi constituída a sociedade Impugnante, cujo objeto social consiste no "Comércio de cortiça em bruto";

b) No desenvolvimento da sua atividade a Impugnante compra cortiça ao peso, medida em arrobas, e cortiça à pilha, designada igualmente por "a globo" que implica dar e pagar um preço sobre um volume de cortiça;

c) A Impugnante era proprietária, nos anos de 2011 e 2012, das viaturas…….., ………e……….;

d) Em 17/10/2014, o gerente da Impugnante assinou a ordem de serviço n° OI201300522, a qual tinha âmbito parcial, visando análise de IVA, com referência aos anos de 2011 e 2012, a qual foi firmada pelo Diretor de Finanças Adjunto J......., e na qual identificava como funcionários M...... e R...... - cfr. documento n° 20 junto com a petição inicial;

e) No mesmo dia, iniciou-se a ação de inspeção acima identificada - cfr. documento n° 20 junto com a petição inicial / relatório de inspeção tributária completo;

f) Em 27/03/2015, o prazo do procedimento inspetivo foi prorrogado por um período de três meses - cfr. documento n° 20 junto com a petição inicial / relatório de inspeção tributária completo;

g) Em 13/05/2015, os inspetores tributários deslocaram-se à sede da sociedade, onde trabalha o técnico oficial de contas da Impugnante, para procederem à notificação do gerente da Impugnante da alteração do âmbito da ação de inspeção em curso de parcial, para geral, tendo o gerente recusado assinar a notificação - cfr. documento n° 20 junto com a petição inicial / relatório de inspeção tributária completo, especificamente, anexo III;

h) Em 15/06/2015 foram concluídos os atos inspetivos - cfr. documento n° 20 junto com a petição inicial / relatório de inspeção tributária completo;

i) Por ofício datado de 19/06/2015, a Impugnante tomou conhecimento do teor do projeto de relatório de inspeção tributária para, querendo, exercer, no prazo de quinze (15) dias, o direito de audição - cfr. documento n° 20 junto com a petição inicial / relatório de inspeção tributária completo;

j) Em 10/07/2015, a Impugnante exerceu o seu direito de audiência prévia - cfr. documento n° 20 junto com a petição inicial e relatório de inspeção tributária completo, especificamente, anexo XIII;

k) Em 17/07/2015, na sequência da ação inspetiva acima identificada, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, no âmbito do qual se fez a seguinte caracterização da Impugnante:


«imagem no original»


- cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial;

l) Resulta do mesmo relatório de inspeção a descrição das diligências efetuadas e das            conclusões      gerais  obtidas:


«imagem no original»

 - cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial:

 m) No que respeita ao fornecedor V...... foi concluído, no que respeita

aos anos de 2011 e 2012 que:


«imagem no original»


 - cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial:

n) De acordo com o relatório de inspeção tributária, no que respeita ao fornecedor "P......, Lda", concluiu com referência aos anos de 2011 e 2012:


«imagem no original»


o) De acordo com o relatório de inspeção tributária, no que respeita ao fornecedor "P......, Lda" concluiu com referência aos anos de 2011 e 2012:

«imagem no original»


- cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial;

p) De acordo com o relatório de inspeção tributária, no que respeita ao fornecedor J...... concluiu com referência aos anos de 2011 e 2012:


«imagem no original»


- cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial;

q) De acordo com o relatório de inspeção tributária, no que respeita ao fornecedor M......, concluiu com referência aos anos de 2011 e 2012:

 


«imagem no original»


- cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial;

r) De acordo com o relatório de inspeção tributária, no que respeita ao fornecedor P......, concluiu com referência aos anos de 2011 e 2012:


«imagem no original»


- cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial;

s) De acordo com o relatório de inspeção tributária, no que respeita ao fornecedor F...... concluiu com referência aos anos de 2011 e 2012:


«imagem no original»




- cfr. doc. n° 20 junto com a petição inicial;

t) Em 29/07/2015, foram emitidas as liquidações de imposto impugnadas no âmbito dos presentes autos, assim como as liquidações de juros compensatórios, cuja data de pagamento voluntário terminou em 07/09/2015 - cfr. documentos n° 1 a 19 juntos com a petição inicial;

u) Em 07/12/2015, a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial junto deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja;

v) A sociedade Impugnante foi constituída por L...... que através dela pretendeu prosseguir a sua atividade de comercialização de cortiça;

w) Este vem exercendo tal atividade há mais de 30 anos iniciando-a em nome individual;

x) A sociedade não detém quaisquer terrenos agrícolas ou silvícolas;

y) A atividade da sociedade Impugnante é exercida mediante compra de cortiça nas árvores a quem a detém, sua extração em alguns dos casos e posterior comercialização;

z) Os clientes da Impugnante são fábricas do norte de Portugal;

aa) Existem essencialmente três tipos de cortiça, a cheia, a delgada e a de refugo;

bb) A Impugnante compra os três tipos, designadamente quando compra já extraída e em pilha;

cc) Após a compra a Impugnante, através dos seus funcionários, procede a divisão da cortiça nos diferentes tipos e comercializa cada um deles aos clientes que pela mesma se interessam;

dd) A sociedade Impugnante contrata "tiradores" de cortiça na época de extração da mesma a fim de retirar a que compra ainda em árvores;

ee) A época de extração da cortiça está regulamentada como sendo de 2 meses por ano;

ff) A sociedade Impugnante para além da extração da cortiça procede ao transporte da mesma desde os terrenos até ao estaleiro que dispõe nas suas instalações em 3 camiões próprios que detém, sendo um deles de maiores dimensão e capacidade de carga;

gg) Com os mesmos veículos leva a cabo o transporte da cortiça até às instalações dos clientes;

hh) A sociedade Impugnante é um dos maiores compradores de cortiça da zona sul do país, concretizando negócios com os melhores e maiores fornecedores e clientes da área;

ii) Essa reputação decorre de procurar obter todos os anos fornecedores de cortiça diferentes para conseguir abastecer os seus clientes anualmente;

jj) A sociedade Impugnante abastece as grandes fábricas de transformação de cortiça do norte do país e necessita de deter faturação organizada das suas próprias compras para concretizar as vendas e contabilisticamente justificar todos os movimentos;

kk) O sobreiro é a árvore que produz cortiça sendo que têm que decorrer cerca de 30 anos desde a sua plantação até à primeira extração;

ll) A extração da cortiça é no mínimo cada 9 anos e no máximo cada 12 anos; mm) A Impugnante compra preferencialmente cortiça já extraída da árvores mas quando o faz recorre a equipas de "tiradores" profissionais a quem paga o trabalho, seguro, segurança social e refeições e estes emitem recibo verde;

nn) A compra e venda de cortiça pode ser levada a cabo por qualquer pessoa que detenha informações no meio, concretamente de quem detém para vender e procura para comprar;

oo) Esta é uma atividade em que tradicionalmente existem muitos intermediários entre produtor e comprador final para transformação;

pp) O negócio de compra de cortiça é normalmente programado e concretizado com muita antecedência em relação à sua efetiva extração das árvores;

qq) Esta antecedência pode conduzir a situações de desadequação do preço, ou seja, de perdas ou ganhos para ambas as partes;

rr) A compra de cortiça em pilha é definida, na maior parte das vezes, pela percentagem da maior parte da qualidade nela inserida;

ss) Por vezes esta compra acontece à distância, isto é, sem visualização da cortiça; tt) Para o carregamento da cortiça nos seus veículos a Impugnante contrata pessoas especificamente para o efeito, os empilhadores;

uu) Os carregamentos da Impugnante por vezes incluem cortiça de vários fornecedores da mesma zona geográfica por forma a rentabilizar a dimensão do veículo utilizado, as deslocações e o pessoal contratado;

vv) A fornecedora V...... foi durante 7 ou 8 anos vendedora de cortiça à Impugnante, designadamente nos anos de 2011 e 2012;

ww) Esta tinha estaleiro no Poceirão em local com acesso e visível;

xx) A compra a esta fornecedora era efetuada ou por análise da cortiça no estaleiro ou em pilha mediante deslocação de colaborador da Impugnante ou do filho do gerente da mesma;

yy) Esses negócios foram celebrados ou ao peso ou a "globo" mediante o volume da cortiça;

zz) Medido o volume da pilha de cortiça por metro cúbico este é convertido em arrobas, variando ainda este peso da zona de produção da cortiça;

aaa) Os pagamentos foram sempre efetuados mediante deslocação da própria fornecedora V...... ao escritório da Impugnante, local em que o recebia através de cheque emitido pelo gerente desta e emitindo a fatura na presença do mesmo; bbb) As guias de transporte da cortiça eram passadas sempre antes do mesmo ter início, quer pelo gerente da Impugnante, pelo seu filho ou um funcionário;

ccc) O gerente da Impugnante não questionou a fornecedora V...... acerca da proveniência da cortiça, como não questiona nenhum outro fornecedor, por se tratar de segredo do negócio;

ddd) Do mesmo modo nunca solicitou a V......, ou o faz a qualquer outro fornecedor, as faturas de compra da cortiça;

eee) O estaleiro da empresa P...... situava-se na mesma zona que o estaleiro de V......, em local visível;

 fff) Esta empresa era representada perante a Impugnante por I...... e por M.....;

999) O guarda do estaleiro da P...... era um Acácio;

hhh) Os negócios com esta empresa eram concretizados por I...... e era M..... que se deslocava às instalações da Impugnante a fim de receber os cheques para pagamento e entregava as faturas;

iii) O gerente da Impugnante tem por hábito apor a palavra PAGO e o número do cheque nas faturas que entregava aos fornecedores;

jjj) A sociedade P..... foi outra empresa que forneceu cortiça à Impugnante nos anos de 2011 e 2012, tendo sido constituída pela V...... em determinado momento;

kkk) As cargas de cortiça relativas a esta empresa e a V...... foram sempre efetuadas pela própria Impugnante;

lll) Esta fornecedora vendeu igualmente cortiça nos anos de 2011 e 2012 a clientes finais como a fábrica de que é proprietário H.....; mmm) A sociedade Impugnante recorria esporadicamente ao veículo de R....... para o transporte de alguns restos de cortiça por deter menor dimensão; nnn) O fornecedor J....... tinha estaleiro em Lagameças;

ooo) O negócio celebrado entre a sociedade Impugnante e este fornecedor foi celebrado por colaborador da primeira que igualmente a carregou;

ppp) O gerente da Impugnante deslocou-se a Setúbal a fim de se encontrar com este fornecedor para lhe pagar;

qqq) A fornecedora M...... tem estaleiro em Cajados, Palmela;

rrr) Foi fornecedora da Impugnante durante vários anos, designadamente em 2011 e 2012;

sss) Esta fornecedora é intermediária pelo que a Impugnante comprou cortiça que carregou do seu estaleiro mas também do mato onde foi extraída e por ela foi adquirida aos produtores;

ttt) É do conhecimento do gerente da Impugnante que C....... é pessoa da família de M......., razão pela qual emitia e assinava faturas;

uuu) O gerente da Impugnante treinou os seus funcionários, colaboradores e seu filho para analisarem a qualidade da cortiça e concretizarem os negócios em sua representação;

vvv) Deste modo, nomeadamente quando esta fornecedora detinha cortiça para venda contactava o gerente da Impugnante que fazia deslocar ao seu estaleiro um desses colaboradores a fim de concretizar o negócio;

www) Em quase todas as situações M....... deslocava-se às instalações da Impugnante a fim de assistir à pesagem e receber o respetivo pagamento;

xxx) Esta situação alterou-se durante o período em que a fornecedora supra referida esteve em tratamento por doença oncológica, sendo substituída nessas tarefas por sua filha C.......;

yyy) A fornecedora M....... após o recebimento dos cheques de pagamento da Impugnante procedia sempre ao seu levantamento ao balcão das instituições bancárias por ter penhoras pendentes sobre as suas contas bancárias e para pagar aos seus fornecedores que preferiam receber em monetário;

zzz)Esta fornecedora pagava aos seus fornecedores e produtores da cortiça quando recebia dos seus clientes;

aaaa) Nunca foi inquirida pela Administração Tributária acerca dos negócios celebrados com a sociedade Impugnante;

bbbb) O gerente da Impugnante encontra-se mais presente nas instalações da mesma onde recebe os fornecedores e clientes e serve de ligação entre eles;

cccc) O fornecedor P....... apenas concretizou um fornecimento de cortiça à Impugnante, sendo que este foi efetuado via telefone;

dddd) O fornecedor F....... é habitual vender cortiça à Impugnante e assim foi nos anos de 2012 e 2013;

eeee) O gerente da Impugnante desconhece a proveniência da cortiça adquirida a este fornecedor;

ffff) Nos negócios celebrados pela Impugnante de compra de cortiça em árvore é emitida uma fatura que titula o negócio antecipado;

gggg) No negócio da cortiça e entre os seus diversos intermediários e inclusive o cliente final desconhecem a proveniência concreta da matéria prima, apenas lhes sendo facultada indicação quanto à zona do país;

hhhh) Esta é uma informação que é eticamente reprovado questionar no meio;

iiii) A sociedade C......, Lda é cliente da sociedade ora Impugnante;

jjjj) Os negócios entre ambas celebrados consistem na aquisição da cortiça de refugo comprada pela Impugnante após seleção uma vez que a sua atividade é a produzir granulado de cortiça;

kkkk) Nesses negócios intervierem como fornecedores da Impugnante a V......, a P...... de onde conhecia cada um dos sócios e respetivos papeis na atividade, o J....... e o F.......;

llll) A sociedade Impugnante tem como seu representante pessoa respeitada no mercado da cortiça quer por fornecedores quer por clientes, laborando na atividade desde pequeno e na decorrência de família já que o seu próprio avô era feitor de uma propriedade de exploração de cortiça pertença de uma das maiores fábricas do ramo sitas no norte de Portugal;

 

mmmm) O mercado da cortiça é livre pelo que comprar e vender é possível para qualquer possível;

nnnn) Durante os anos de 2011 e 2012, o trabalhador da Impugnante V....., que conduzia os veículos desta, transportou neles cortiça compradas aos fornecedores V......, sociedade P....., sociedade P......, M......., F....... e P....... até ao estaleiro da Impugnante;

oooo) Este antigo funcionário da Impugnante conheceu o estaleiro de todos estes fornecedores mas em muitos casos os carregamentos que fazia era de cortiça ainda localizada nas propriedades onde era extraída.

- DOS FACTOS NAO PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa, não foi provado que:

1) Foi proferido despacho fundamentado de ampliação do âmbito da ação de inspeção (cfr. relatório de inspeção tributária completo).

7.

MOTIVAÇAO DE FACTO

A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos juntos aos autos e nos depoimentos que foram, na sua essência, coerentes entre si e com a prova documental apresentada.

No que se refere à audiência de julgamento, quer a parte quer as testemunhas demonstraram a sua razão de ciência, tendo sido importante para a valoração dos seus depoimentos a fluidez e coerência do discurso e o modo espontâneo como esclareceram aspetos relativos aos diferentes aspetos a que foram solicitados, quer de âmbito mais geral quer concretizando em circunstâncias referidas no relatório de inspeção. Tal credibilidade, de uma forma geral, decorreu ainda da confrontação das testemunhas com documentos constantes dos autos.

Com efeito, assim se entendeu da análise dos seus depoimentos:

- L......, gerente e representante legal da sociedade Impugnante é o seu rosto visível, respeitado na área pela longevidade de exercício na mesma e dimensão que conferiu ao negócio fruto do emprenho e trabalho que lhes dedicou, conforme referiu. Relatou pormenorizadamente como empreendeu a atividade, como a executa por sua via ou por colaboradores que treinou, meios e formas empregues. Indicou como procura manter-se no mercado da cortiça como um dos principais fornecedores. Referiu-se a aspetos práticos da sua atividade como ter ensinado colaboradores e o seu filho a concretizá-la por forma a permanecer no estaleiro a fim de receber a mercadoria e servir de ligação como os fornecedores a quem pagava, confiando na sua capacidade de análise e de compra. Discriminou como se processa a documentação inerente ao negócio, desde o contrato antecipado, à emissão de faturas e cheques para pagamento e até às guias de transporte que sempre eram emitidas por alguém da Impugnante já que o transporte sempre corria por conta desta com o fim de reduzir o preço. Neste âmbito indicou espontaneamente as matrículas dos veículos da Impugnante e da frequência com que efectuam carregamentos em simultâneo de vários fornecedores por forma a rentabilizar a dimensão dos mesmos e dispêndio da deslocação e equipas de carregamento contratadas. Referiu-se a todos e cada um dos fornecedores em causa no relatório de inspeção relatando discriminadamente como eram os negócios com estes celebrados e confirmando toda a documentação a eles inerente, parte por si mesmo emitida, como os cheques e a aposição da expressão PAGO nas faturas. Referiu-se ao segredo do negócio como algo inerente ao mesmo, afirmando que tal não lhe suscita qualquer convicção quanto a eventual proveniência ilícita da cortiça e que face à circunstância de sempre comprar com fatura para vender desse modo não tinha como duvidar da mesma. Prestou as suas declarações de forma clara e esclarecedora.

- C....., engenheiro eletrotécnico que trabalhava em 2011 e 2012 na sociedade C......, Lda como comerciante de cortiça, laborando no negócio há pelo menos dez anos. Referiu que, da sua experiência, a Impugnante é uma grande comerciante de cortiça, tendo estaleiro, meios logísticos próprios e pessoas que contrata para extrair e escolher a cortiça. Referiu que trabalha num negócio complementar, na medida em que a Impugnante compra a parte boa da cortiça e os desperdícios são vendidos à empresa da testemunha que utiliza para produção de aglomerados. Identificou como comerciantes de cortiça V...... e a sociedade "P......, Lda.", relativamente à qual referiu que encetava os negócios com o I......, mas os documentos eram assinados por M...... Afirmou, perentoriamente, que em relação aos fornecedores identificados celebrou contratos de fornecimento no âmbito dos quais, a Impugnante comprou a cortiça de melhor qualidade e a testemunha, em representação da sua entidade empregadora, comprou a refugo da mesma cortiça. Em abono destas declarações, foram exibidos os documentos que a testemunha trazia consigo que consistiam nas faturas emitidas pela sociedade "P......, Lda.", em 2011, verificando-se que são semelhantes às faturas emitidas à Impugnante no ano subsequente. Depôs de forma clara e esclarecedora.

- H....., industrial na área da cortiça, atualmente reformado. Falou sobre os hábitos do mercado da cortiça e da venda. Referiu que não acredita que a Impugnante tenha adquirido cortiça a fornecedores irregulares, porque é um comerciante com nome no mercado da cortiça e alvo de muito controle. Relatou o início da atividade do gerente da Impugnante, a quem conhece desde muito jovem, caraterizando-o como muito trabalhador e sério. O seu depoimento foi credível, fluido e assertivo.

- V....., atualmente é comerciante de cortiça e, entre 2010 e 2015, para além dessa atividade era trabalhador da Impugnante, como condutor dos seus veículos que identificou. Explicou que se deslocava aos diversos estaleiros dos vendedores, onde os veículos eram carregados por uma equipa contratada pelo gerente da Impugnante e a seguir a testemunha regressava ao estaleiro da Impugnante em Grândola. Explicou que num dia poderia fazer vários transportes, dependendo da distância dos estaleiros. Identificou todos os indicados no relatório de inspeção como fornecedores de cortiça à Impugnante durante os anos de 2011 e 2012 e relativamente aos quais efetuou diversos negócios e carregamentos de cortiça para os estaleiros da sua entidade patronal à data. O seu depoimento foi coeso, sem contradições e hesitações que não fosse prontamente esclarecidas, tendo sido convincente.

- A....., comerciante há cerca de 30 anos, conhece a Impugnante e o seu gerente do meio. Referiu-se à idoneidade do mesmo e de como nos últimos anos procedeu a indicação de negócios para este celebrar, nos quais por vezes recebe uma comissão. Referiu-se à existência de centenas de agentes no meio da cortiça e de como é do seu conhecimento de que os maiores comerciantes e produtores já se encontram coletados e emitem faturas enquanto os mais pequenos procuram escapar-se ao controle dos "papéis".

- O..... - É carregador de cortiça e trabalha como tal com frequência para a Impugnante, nomeadamente já em 2012. Diz que é atividade que especialmente é desenvolvida de maio a agosto. Que pertence a uma equipa denominada de rancho e que não é contratado, funcionando a atividade como prestação de serviços. Que a sociedade Impugnante tem os camiões que se deslocam para o local em que se encontra a cortiça assim como as equipas de homens que são lideradas por um chefe que faz os contactos e organiza o serviço de desloca dos trabalhadores. Desconhece o meio da compra e venda, não logrando identificar os fornecedores da Impugnante.

- J..... - Trabalhador da sociedade Impugnante como empilhador até há pouco tempo atrás. Tinha como tarefas ajudar no descarregamento da cortiça e na escolha e empilhamento de acordo com o tipo. Desconhecia quem eram os fornecedores da Impugnante.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença proferido pelo MMº juiz do TAF de Beja que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IVA relativas a diversos períodos  dos anos de 2012 e 2013 apurados na sequência de inspeção realizada ao sujeito passivo concluindo que as operações faturadas pelos fornecedores de cortiça constituíam operações simuladas.

A sentença recorrida julgou a impugnação (parcialmente) procedente com fundamento na inexistência de indícios sérios de que a faturação emitida pelos fornecedores analisados na sentença era simulada. Em relação às restantes questões, a impugnação foi julgada improcedente.

O Exmo. Representante da Fazenda entende que a atividade de produção e tiragem de cortiça reveste muita informalidade. Mas da parte das empresas transformadoras, organizativamente mais formais, todos os fornecimentos são documentados, daí que os fornecedores destas empresas têm necessidade de documentar as aquisições efetuadas a montante, de forma a diminuir não só os montantes de IVA a entregar ao Estado mas também o resultados dos exercícios. Razão pela qual se vêm na necessidade de recorrer às usualmente designadas “faturas de favor” que mais não são do que o documento de suporte de reais aquisições, apenas não efetuadas ao emitente da fatura. Tal é o caso dos autos.

Defende ainda ter provado a indiciação de que os fornecedores do Impugnante  não podiam ter efetuado as transmissões que faturaram “quer por serem possuidores de prédios onde fosse possível produzir a cortiça alienada, quer ainda por não lograrem identificar os seus fornecedores”.

Discorda ainda do teor dos factos provados, assentes na prova testemunhal, por entender que os mesmos resultam de depoimentos que mais não fizeram que confirmar o alegado pela autora, evidenciando o conhecimento do negócio que será comum a qualquer mero interveniente neste tipo de negócio  mas que o tribunal valorou como suficiente para desconsiderar as conclusões do relatório inspetivo, quando se impunha a valoração dos depoimentos prestados no contexto em que os seus emitentes se encontravam, impondo-se a reanálise de tais depoimentos.

Comecemos, então, pela impugnação da matéria de facto que desde já se adianta não poder proceder por ter sido omitido o cumprimento do disposto no art. 640/2-a) do CPC.

Com efeito, alega que a valoração dos depoimentos não foi correta, mas demite-se de especificar os requisitos enunciados nas alíneas a) a c) do n.º 1 e n.º 2, al a)  do art. 640º CPC.

Omissão que implica a imediata rejeição do recurso nesta parte, como expressamente determina o n.º 1 do art. 640º do CPC, parte final.

Prosseguindo, vejamos agora o erro de direito imputado à sentença.

Em matéria de faturação falsa, quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo-lhe fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.

Os indícios são aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” – João Castro Mendes, cit. por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.

Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão deste TCA Sul de 07/06/2018, proc.º 813/11.8 BELRA (09855/16) e do TCAN, de 28/02/2013, proferido no proc.º 00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios.

Ou seja, os indicadores de falsidade das faturas não têm, necessariamente, que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.

A existência de faturação falsa é uma conclusão extraída a partir  de uma atividade probatória que se refraciona em duas fases. A primeira, faz recair sobre a AT a prova (indiciária) da falsidade das facturas, ie, que as mesmas não correspondem a transações reais, tal como estão documentadas.

Cabe, no entanto, notar que não é indispensável demonstrar a sua falsidade. Basta-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.° 810/04), invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem falsas.

Tão elevada que seja capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

E se este ónus for satisfatoriamente cumprido, recairá sobre o Contribuinte o encargo de afastar os indícios recolhidos pela AT e provar que as operações faturadas são reais e ocorreram tal como estão documentadas/faturadas.

No caso, mesmo que da prova alcançada concluíssemos que os indícios de faturação falsa foram satisfatoriamente recolhidos pela AT, a verdade é que o Impugnante logrou afastar a prova indiciária demonstrando com sucesso a materialidade das operações faturadas, como podemos ver dos factos provados nas alíneas VV a OOOO, devidamente separadas para cada fornecedor. 

Ora, tendo o Impugnante provado a materialidade ou veracidade das operações faturadas, cumprindo o seu ónus probatório, concluímos que o recurso não merece provimento e a sentença deverá ser confirmada.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela AT.

Lisboa, 13 de maio de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)