Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1810/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NATUREZA TAXATIVA DOS FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
ARTº.204, Nº.1, DO C.P.P.T.
NATUREZA RECEPTÍCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
LIQUIDAÇÕES OFICIOSAS DE I.R.C. DEVEM SER NOTIFICADAS POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO.
ARTº.38, Nº.1, DO C.P.P.T.
ÓNUS DA PROVA.
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA (CFR.ARTº.204, Nº.1, AL.I), DO C.P.P.T.).
Sumário:1. A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça.
2. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
3. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A., então em vigor).
4. De acordo com a interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C.P.Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário). Em resumo, o regime processual de defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
A-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
B-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
C-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação.
5. No caso “sub judice”, resulta dos autos que as liquidações de I.R.C. que consubstanciam a dívida exequenda não se devem à entrega da declaração periódica de rendimentos pelo sujeito passivo, antes sendo liquidações oficiosas as quais, nos termos do disposto no artº.38, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.artº.102, nº.2, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2007 e 2008), devem ser notificadas por carta registada com aviso de recepção pois visam alterar a situação tributária do contribuinte, mais não lhes sendo aplicável as excepções previstas nos nºs.3 e 4, do mesmo preceito (isto apesar do I.R.C. ser um imposto periódico).
6. Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
7. Com estes pressupostos, deve o Tribunal concluir que os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no citado artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.130 a 137 do presente processo, através da qual julgou procedente a oposição, intentada pelo recorrido, F……, na qualidade de executado/responsável subsidiário, visando a execução fiscal nº……-2008/….. e apenso, a qual corre seus termos no 7º. Serviço de Finanças de Lisboa, propondo-se a cobrança coerciva de dívidas de I.R.C., relativas aos anos de 2005 e 2006 e no montante total de € 5.632,81.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.154 a 157 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-De acordo com a douta sentença recorrida, a Administração Tributária não logrou fazer prova de que as notificações correspondentes às liquidações de IRC relativas aos anos de 2005 e 2006 foram remetidas ao oponente;
2-Dão-se aqui por reproduzidos os nºs.2, 3 e 4 da matéria de facto constante da decisão recorrida;
3-Assim ficou demonstrado nos presentes autos que as liquidações sindicadas foram enviadas, e neste seguimento deverá também ficar provado que as liquidações foram notificadas, de acordo com o previsto no n.º 6 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT);
4-Como decorre dos autos, o ónus da prova que competia à Administração Tributária (AT), nos termos do art. 74.º da LGT, deverá se considerar cumprido, constando o registo de correspondência emitido pelos CTT, do qual se excogitam elementos suficientes esclarecedores de que as notificações em causa foram remetidas à sociedade, devedora originária;
5-O n.º do registo da remessa das liquidações, é um registo próprio dos Correios de Portugal e não da AT e portanto a sua atribuição, envio e entrega incumbe aquela entidade;
6-Acrescendo o facto de que, de acordo com o n.º 2 do artigo 39.º do CPPT, competia ao interessado afastar a presunção de notificação, o que não foi feito, porque não basta dizer que nada foi recebido;
7-Efetivamente durante um determinado lapso temporal os CTT guardam em arquivo a informação relativa aos registos, sendo que no caso em apreço não foi possível obter essa informação, por decorrer deste tempo;
8-Desta forma consideramos que cabia ao oponente ilidir a presunção da notificação, de harmonia com o n.º 2 do artigo 39.º do CPPT;
9-As razões da discordância da Fazenda Pública relativamente à douta decisão prendem-se com o facto de terem sido juntas aos autos os registos inerentes à entrega nos CTT, das notificações das liquidações em causa, as quais, contrariamente ao decidido não constituem apenas um documento interno dos serviços;
10-Por outro lado é de sublinhar que a AT cumpriu todas as normas legais a que se encontrava adstrita no que se refere às formalidades das notificações controvertidas, entender de outra forma significaria permitir um formalismo exacerbado que resultaria em deixar ao sabor das conveniências e dos contribuintes o recebimento das notificações;
11-E ainda permitir que certos administrados poderiam escapar impunemente ao cumprimento das obrigações fiscais, onerando os contribuintes cumpridores;
12-O interesse público, a certeza e segurança jurídica não se compadecem com esta possibilidade. Assim e porque se considera magistralmente posto, permita-se citar a Conselheira Fernanda Maçãs, no acórdão.º 331/11, do STA, proferido em 12/04/2012:
“sob pena de se tornar impossível à Administração fiscal cumprir a sua missão de liquidação e cobrança dos impostos, quaisquer irregularidades ou omissões ocorridas no cumprimento dos deveres atrás mencionados têm de se considerar da exclusiva responsabilidade dos sujeitos passivos e inoponíveis à Administração fiscal.”;
13-Devendo-se considerar validamente efectuadas as notificações realizadas à devedora originária, improcedendo os argumentos atinentes à pretensa inexigibilidade da dívida exequenda, por falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade;
14-Estas guias de expedição são o documento que acompanha a correspondência que é fisicamente entregue aos CTT, e constitui o registo comprovativo do envio da liquidação ao contribuinte, sem que exista um outro documento com um registo colectivo recebido pelos CTT com outros elementos;
15-E sempre deixaria de se poder considerar que aquelas guias são um documento meramente interno da Administração Tributária, a partir do momento em que lhe é aposto aquele carimbo pela Estação dos Correios receptora recebendo a recepção da correspondência nos CTT;
16-Pelo que, na situação dos presentes autos, existe um documento externo confirmando a entrega da correspondência registada na Estação dos Correios;
17-A esta factualidade acresce referir que, como decorre dos elementos de prova juntos aos autos, a correspondência em questão foi efectivamente remetida para o domicílio fiscal da sede do contribuinte;
18-A qual é retirada efectivamente das bases de dados da AT;
19-Tendo sido junta aos autos a informação referente ao domicílio fiscal que constava das bases de dados da AT, para a qual foi remetida a correspondência;
20-A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por ter procedido a uma incorrecta apreciação da prova produzida e desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada;
21-Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.167 e 168 dos autos).
X
Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.131 a 133 dos autos):
1-A originária devedora/executada, a sociedade “L….. - Fábrica de Lâmpadas, Lda.”, até à dissolução e encerramento da liquidação, registada em 30/03/2009, tinha sede na Rua C……., nº 1-C, em Lisboa (cfr.cópia de certidão junta a fls.50 a 52 do processo físico);
2-Em 17/05/2007 e 18/05/2007, a A.T. procede à notificação de liquidação de IRC e juros compensatórios, tendo emitido a “notificação” de acordo com o registo postal dos CTT com nºs RY391998030PT e RY392090816PT, respectivamente (cfr.documentos juntos a fls.106, 107 e 110 do processo físico);
3-Em 19/05/2008 e 26/05/2008, a A.T. procede à notificação de liquidação de IRC e juros compensatórios, tendo emitido a “notificação” de acordo com o registo postal dos CTT com nºs RY457014895PT e RY457302962PT, respectivamente (cfr.documentos juntos a fls.108, 109 e 111 do processo físico);
4-Em 05/09/2008, é instaurado o processo de execução fiscal nº……-2008/…… e apenso, relativo a dívidas de IRC/2005/2006 e respetivos juros compensatórios no valor de € 5.632,81 (cfr.documentos juntos a fls.1, 2, 102 e 103 da certidão do processo de execução fiscal apensa);
5-Em 26/10/2011 é proferido despacho (reversão) contra F………, na qualidade de responsável subsidiário da originária devedora, a sociedade “L…….. -Fábrica de Lâmpadas, Lda.”, para pagamento da dívida exequenda no valor de € 5.632,81 (cfr.documento junto a fls.20 da certidão do processo de execução fiscal apensa);
6-Em 03/11/2011, F………… é citado por via postal (cfr.documentos juntos a fls.22 a 25 da certidão do processo de execução fiscal apensa);
7-Em 02/12/2011, é remetida para o 7º. Serviço de Finanças de Lisboa a p.i. que originou a presente oposição (cfr.data de registo postal constante do documento junto a fls.30 do processo físico).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou que a A.T. tenha remetido para a sede da devedora originária, a sociedade L…….. Fabrica de Lâmpadas, Lda., notificação através de carta regista com A/R, com respeito às liquidações de IRC/2005/2006 e inerentes juros compensatórios.
Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente referidos no probatório, supra…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente oposição, devido a inexigibilidade da dívida exequenda de I.R.C., relativa aos anos de 2005 e 2006 e identificada no nº.4 do probatório supra, em virtude da falta de prova da notificação ao sujeito passivo dos mesmos actos tributários e dentro do prazo de caducidade.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em síntese, que de acordo com os nºs.2, 3 e 4 da matéria de facto constante da decisão recorrida ficou demonstrado nos presentes autos que as liquidações sindicadas foram notificadas ao sujeito passivo originário de imposto. Que o ónus da prova que competia à A. Fiscal, nos termos do artº.74, da L.G.T., deverá considerar-se cumprido. Que existe um documento externo a confirmar a entrega da correspondência registada na estação dos correios. Que a esta factualidade acresce referir que a correspondência em questão foi efectivamente remetida para o domicílio fiscal da sede do contribuinte. Que a sentença recorrida, ao assim não entender, se apresenta ilegal por ter procedido a uma incorrecta apreciação da prova produzida e estar em desconformidade com a lei (cfr.conclusões 1 a 20 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada/não provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.5989/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7256/13; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.).
Examinemos agora, a forma e conteúdo da notificação dos actos tributários de liquidação que consubstanciam a dívida exequenda.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A., então em vigor; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2011, proc.2727/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc. 5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.489 e seg.).
No caso vertente (cfr.matéria de facto não provada e supra identificada), as liquidações de I.R.C., relativas aos anos de 2005 e 2006 e identificadas no nº.4 do probatório supra, as quais constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº……-2008/….. e apenso não foi, alegadamente, notificada ao sujeito passivo originário de imposto, conforme decidiu o Tribunal “a quo”.
Pelo contrário, o recorrente entende que as identificadas liquidações foram devidamente notificadas à sociedade executada originária antes da instauração da execução fiscal.
Vejamos quem tem razão.
Conforme vinca o Tribunal “a quo”, resulta dos autos que as liquidações de I.R.C. que consubstanciam a dívida exequenda não se devem à entrega da declaração periódica de rendimentos pelo sujeito passivo, antes sendo liquidações oficiosas (cfr.documentos juntos a fls.60, 93 e 104 do processo de execução apenso) as quais, nos termos do disposto no artº.38, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.artº.102, nº.2, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2007 e 2008), devem ser notificadas por carta registada com aviso de recepção pois visam alterar a situação tributária do contribuinte, mais não lhes sendo aplicável as excepções previstas nos nºs.3 e 4, do mesmo preceito (isto apesar do I.R.C. ser um imposto periódico).
O oponente alega nos autos que a originária devedora não foi notificada dessas liquidações.
Neste contexto, cabe à A. Fiscal o ónus de demonstrar que as notificações foram validamente efectuadas, nos termos do disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T.
De acordo com o exame da factualidade provada/não provada constante da decisão recorrida e supra exarada, deve concluir-se que a A. Fiscal efectuou notificações ao sujeito passivo originário do imposto por meio de cartas registadas, não provando que o tenha feito com aviso de recepção, portanto, com observância da forma legalmente estabelecida. Para além disso, não prova a Fazenda Pública a remessa dessas notificações para a sede da empresa originária devedora (cfr.artº.41, do C.P.P.T.), pois que apenas junta meros “prints” informáticos visando a mesma prova.
No que respeita ao “print” do sistema informático da A. Fiscal, trata-se de um documento interno da Fazenda Pública, sem a necessária força probatória, quando desacompanhado de outros elementos probatórios. Por outro lado, nesse “print” não se encontra indicada a morada para a qual foi remetida a correspondência. Por sua vez, do “print” da base de dados dos CTT resulta que a entrega da correspondência foi devolvida, mas não vem indicado ou identificado o local de entrega da correspondência (cfr.nºs.2 e 3 do probatório). Logo, forçoso é concluir que a originária devedora não foi legalmente notificada, dentro do prazo de caducidade, das liquidações de IRC/2005/2006 que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº…..-2008/…. e apenso.
Nestes termos, não se provando que foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 384).
Com estes pressupostos, deve o Tribunal concluir que os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no citado artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495).
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, manter-se a decisão do Tribunal “a quo”, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Ana Pinhol - 1º. Adjunto)



(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)