Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:173/11.7 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/25/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
PENA DE DEMISSÃO
CONFISSÃO;
Sumário:I – Na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo.
O direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados no caso concreto pela factualidade apurada e definida no procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstratamente elencadas.
II – O chamado controlo jurisdicional da adequação da decisão aos factos determina que o Tribunal se não pode substituir à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes.
Efetivamente, não compete aos Tribunais apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, o que aqui se não vislumbra, pois que tal se insere no poder discricionário da Administração.
III - Em concreto não é censurável que a Administração perca em definitivo a confiança, decidindo pela cessação da relação laboral por motivos disciplinares, perante uma trabalhadora que se apropriou indevidamente de dinheiros públicos.
Tal comportamento encerra um desvalor e gravidade muito graves, só por si inviabilizador que tal trabalhadora possa continuar a exercer as funções públicas que vinha desempenhando, com o inerente risco de continuação de comportamentos desviantes face aos procedimentos administrativos instituídos, sendo que a sua manutenção ao serviço sempre determinaria que se consolidasse um pernicioso sentimento de impunidade permissiva, suscetível de determinar algum “contágio”.
IV - Na fixação da medida da pena, a Administração, embora tenha que respeitar os parâmetros legais, goza de certa margem de liberdade que só é sindicável pelo tribunal quando se verifique erro grosseiro ou palmar.
V – A confissão será tida como relevante e espontânea quando for feita em tempo útil, de forma livre, tiver contribuído decisivamente para a descoberta da verdade e não resultar da evidência dos factos.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I Relatório

M.......,, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município de Loures, tendente a impugnar a pena de demissão consubstanciada na deliberação deste último, de 6 de Outubro de 2010, resultante do processo disciplinar n° 02/PDI/2010, inconformada com a Sentença proferida em 4 de novembro de 2019, no TAC de Lisboa, que julgou improcedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, concluindo:
“I- A entidade demandada ora recorrida veio a ser absolvida pela Sentença do Tribunal a quo, mantendo-se consequentemente a Pena de Demissão, não se decretando, assim, a manutenção do seu posto de trabalho.
II- Tal Sentença, salvo o devido respeito, não fez um correto enquadramento jurídico dos factos provados, como a situação subjetiva da demandante ora recorrente enquanto funcionária exemplar durante 27 anos, com mérito reconhecido pelos seus superiores hierárquicos, inclusive a nível de cadastro disciplinar com o tempo de serviço de 18 anos, e classificações na sua avaliação de desempenho.
III- Igualmente, a Sentença não teve em consideração as circunstâncias atenuantes da ora recorrente, como a confissão integral dos factos, a sua situação pessoal, familiar e psicológica surgidas com a morte repentina do seu pai e doença do foro psiquiátrico de uma das filhas, tendo inclusivamente recorrido a apoio psicológico.
IV- Igualmente, não foi tida em consideração a reposição integral do montante em falta, bem como a sua manifestação sincera de arrependimento pelo sucedido, acrescendo o facto de a ora recorrente encontrar-se, ainda, a exercer funções na entidade demandada e ora recorrida, tendo sido objeto de avaliação de desempenho com a classificação de Relevante, encontrando-se, assim, perfeitamente integrada e reabilitada no que toca à sua vida profissional e pessoal.
V- Tendo tal continuidade de desempenho de funções sido o fator determinante para a sua plena recuperação e reintegração profissional, social e psicológica, numa duração que vai em mais de 9 anos - cfr. art.° 190.°, n.° 2, da LGTFP.
VI- A Pena de Demissão, a manter-se, causará prejuízos na esfera pessoal da ora recorrente que poderão ser irreparáveis.
VII- Tais desideratos vêm ferir a Sentença de ilegalidade por violação do princípio da proporcionalidade - art.° 18.° da Constituição da República Portuguesa.
VIII- O poder disciplinar é um poder funcional, cujo exercício tem por finalidade a defesa dos interesses da entidade, ilícita e culposamente prejudicados pelo trabalhador, cuja ponderação deve imperar na aplicação de sanções disciplinares, a gravidade da infração e o grau de culpa da trabalhadora, bem como as circunstâncias atenuantes do caso concreto, em pleno respeito pelo princípio da proporcionalidade.
IX- Pelo exposto, deve a sanção disciplinar a aplicar ser meramente corretiva, e não punitiva como a Pena de Despedimento, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade.
Termos em que se requer a V.ª Ex. cias que o recurso seja declarado procedente, por provado, devendo a Sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, por respeito ao princípio da proporcionalidade, venha a aplicar sanção corretiva e não punitiva, sob pena de tal sanção revestir um carácter absoluto, desproporcional e arbitrário, fazendo-se cumprir com as necessárias consequências legais, fazendo-se assim a habitual e necessária Justiça.”
O aqui Recorrido/Município não veio apresentar contra-alegações de Recurso.
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 4 de março de 2020.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 23 de abril de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, que a Sentença não fez um correto enquadramento jurídico dos factos provados, não tendo tido, igualmente, em consideração as circunstâncias atenuantes da ora recorrente, como a confissão integral dos factos, e a sua situação pessoal, familiar e psicológica.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada:
“1) Em 11/02/2010, foi elaborada a informação n° 101/DE-DASE/CS, pela Chefe de Divisão da Ação Social Escolar, C........., a qual consta de fls. 1 a 6, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se referia nomeadamente o seguinte:
“(...) Perante estes factos, foi solicitado à Assistente Técnica H......... que reunisse os documentos possíveis a fim de se apurar o montante efetivamente em dívida por parte da Assistente Técnica L..........
Em suma, com base nos documentos descobertos pela Assistente Técnica H......... foi possível apurar que:
- Relativamente ao ano de 2008 (Maio - Dezembro) — valores apurados em falta: 5019,566;
- Relativamente ao ano de 2009 (Janeiro - Outubro) — valores apurados em falta: 17569,516;
- Outros (refeições extra, pagamentos faseados, reanálises sociais) 2009 - valores apurados em falta: 4728,096;
- Total dos valores apurados em falta - 27 317,166
Face ao exposto, julga-se, s.m.o., que estamos perante uma situação de desvio de verbas públicas passíveis de punição, pelo que se informa superiormente do mesmo.
A Assistente Técnica L......... mantém o apoio psicológico, continuando a revelar instabilidade emocional. À atenção superior”.
2) Sobre essa informação foi lavrado, em 17.2.2010, proposta no sentido da instauração de processo disciplinar à requerente (cfr. fls. 6, do processo administrativo).
3) O Vereador do Departamento de Educação da Câmara Municipal de Loures, R........., proferiu despacho sobre a informação descrita em 1) no sentido da instauração de processo disciplinar à requerente (cfr. fls. 1, do processo administrativo).
4) Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Loures de 3.3.2010, foi determinada a suspensão preventiva da requerente, com os fundamentos constantes da informação n° 28/VRL/10, de 2.3.2010, a qual consta de fls. 13, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) Em 25/03/2010, foi emitida a informação n° 14/DRH/CS, declarando que, consultado o processo individual da requerente, do registo disciplinar nada consta em seu desabono (cfr. fls. 14, do processo administrativo).
6) No âmbito desse processo disciplinar constam os autos de declarações de:
- C........., na qualidade de participante, a fls. 17 a 18, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Mais acrescenta que a arguida se demonstrou arrependida e se prontificou a devolver a quantia em dívida que não sabia qual seria o montante. Acrescenta que a arguida chorou muito dizendo que tinha problemas pessoais graves, pelo que lhe sugeriu que fizesse acompanhamento clínico através da DHSSOAS, o que esta acatou.”;
- S........., na qualidade de testemunha, a fls. 264, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Mais declara que não sabe se algum trabalhador pode ter ficado com dinheiro do SAF nem a arguida, até porque não reconhece sinais exteriores de riqueza na arguida ou em qualquer outro trabalhador do SAF.”;
P........., na qualidade de testemunha, a fls. 265, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: "(...) Mais declara que não sabe se alguma trabalhadora do SAF pode ter ficado com dinheiro recebido dos encarregados de educação, nem a arguida, nem conhece sinais exteriores de riqueza na arguida ou em qualquer outro trabalhadora do SAF.”;
- T........., na qualidade de testemunha, a fls. 267, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Mais declara que não sabe se alguma trabalhadora do SAF pode ter ficado com dinheiro recebido dos encarregados de educação, nem a arguida, nem conhece sinais exteriores de riqueza quer na arguida ou em qualquer outro trabalhadora do SAF.”;
- A........., na qualidade de testemunha, a fls. 270, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Tendo-lhe sido perguntado se viu ou vê sinais de riqueza na arguida disse que não e desconhecendo concretamente onde esta possa ter gasto o dinheiro acima referido.”;
- O........., na qualidade de testemunha, a fls. 274, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Tendo-lhe sido perguntado se viu ou vê sinais de riqueza na arguida disse que não”;
- L.P........., na qualidade de testemunha, a fls. 278, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Tendo-lhe sido perguntado se viu ou vê sinais de riqueza na arguida, disse que nunca notou”;
- J........., na qualidade de testemunha, a fls. 282, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Tendo-lhe sido perguntado se viu ou vê sinais de riqueza na arguida, disse que não que pelo contrário, e que apenas tem ideia de esta ter tido um choque emocional pela perda do pai.”;
I........, na qualidade de testemunha, a fls. 283, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Tendo-lhe sido perguntado se viu ou vê sinais de riqueza na arguida, disse que não./(...) Acrescenta que sabe que a arguida está muito abalada desde a morte do pai e acredita que esta tem alguma perturbação. Mais acrescenta que conhece a arguida há muitos anos e que esta não está no estado psicológico/emocional normal que lhe conheceu por terem trabalhado juntas há alguns anos, mas não sabe se se deve à morte do seu pai ou outras causas familiares. Mais acrescenta que sabendo a causa do processo disciplinar e não sabendo se a arguida fez ou não fez o que vem acusada, acredita que se esta tivesse no seu estado normal que lhe conhece, sabe que esta não seria capaz de desviar dinheiros.”;
- A.M........, na qualidade de testemunha, a fls. 284, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Tendo-lhe sido perguntado se viu ou vê sinais exteriores de riqueza na arguida, disse que nunca viu”;
- M......., na qualidade de arguida, a fls. 289 a 290, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Tendo-lhe sido perguntado se elaborou a informação n° 54/DE-DASE/CL, de 20101/02/05, na qual se detetaram irregularidades entre os valores depositados e a listagem dos pagamentos dos munícipes, disse que é verdade e deveu-se ao facto de ter utilizado o dinheiro recebido dos encarregados de educação para benefício próprio. Mais acrescenta que tem dois créditos com duas instituições financeiras desde 2007 que a pressionavam para que liquidasse as prestações mensais, situação que em 2009 teve dificuldade de gerir devido facto também de ter as suas duas filhas doentes e precisar de apoio clínico especial forçando-a a despesas que não conseguiu controlar, embora sempre tencionasse repor tudo.
(...)
Tendo-lhe sido perguntado porque não entregou todos os talões de depósito referentes a todo o dinheiro que recebeu dos encarregados de educação que atendeu no SAF na Casa do Adro e os respetivos recibos, disse que a lista de pagamentos estava atualizada, mas como utilizou o dinheiro para si não o depositou na conta da Câmara, pelo que não tinha os talões para entregar e não podia fazer as informações respetivas.
Tendo-lhe sido perguntado porque não tinha o seu trabalho atualizado, disse que por ter utilizado o dinheiro e não o ter depositado não podia informar superiormente enquanto não conseguisse repor.
(...)
Tendo-lhe sido perguntado se relativamente ao ano de 2009, dos meses de Janeiro a Outubro, pode ter sido apurado em falta aquantia de 17.569,516 (...), disse que sim.
Tendo-lhe sido perguntado se relativamente ao ano de 2009, pode ter sido apurado em falta a quantia de 4.728,096 (...) referente a refeições extra, pagamentos faseados, reanálises sociais, disse que sim que não depositou este valor na conta da Câmara porque o utilizou para si embora tencionando repor.
Tendo-lhe sido perguntado se pode ter em falta no total das suas contas a quantia de 27.317,16€ (...), disse que não e que apenas assume a quantia de 4.728,096 (...) e 17.569,516 (...), quantias que pretende devolver à Câmara.
Tendo-lhe sido perguntado se tem conhecimento que algum trabalhador do SAF pode ter ficado com dinheiro do Serviço, disse que não sabe.
Tendo-lhe sido perguntado se pode ter ficado com algum dinheiro que foi pago pelos encarregados de educação no SEF, disse que sim.
Tendo-lhe sido perguntado se reconhece sinais exteriores de riqueza em alguma trabalhadora do SAF, disse que não.
Tendo sido perguntado se quer acrescentar alguma coisa, disse que trabalha na Câmara há dezoito anos, que tem consciência que esta situação de ter desviado dinheiro é muito grave e que se deveu ao facto de em 2009 ter sofrido alguns problemas pessoais e com as suas filhas e tendo sido forçada ter de recorrer ao crédito situação que se descontrolou, mas que quer repor todo o dinheiro que deve à Câmara, tendo a sua casa à venda como prova da sua intenção de regularizar todas as situações que tem em dívida. Mais acrescenta que também perdeu recentemente o pai o que a destabilizou emocionalmente e financeiramente, porque era um pai muito presente e que ajudava-a sempre.”;
- H........, na qualidade de testemunha, a fls. 291 a 293, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...)
Tendo-lhe sido perguntado se viu ou vê sinais exteriores de riqueza na arguida, disse que não.”;
- P.M........, na qualidade de testemunha, a fls. 338, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta designadamente o seguinte: “(...) Mais acrescenta que não viu, nem vê sinais de riqueza na arguida (...)/(...) Acrescenta que sabe que a arguida está muito abalada desde a doença e posterior morte do pai e acredita que esta não terá ultrapassado esta situação. Mais acrescenta que conhece a arguida há muitos anos e que esta não está no seu estado psicológico e emocional normal que lhe conheceu, por terem trabalhado juntas alguns anos, pois a arguida já não é uma pessoa bem disposta e brincalhona.
Mais acrescenta que sabendo a causa do processo disciplinar e não tendo a certeza se a arguida fez ou não fez o que vem acusada, acredita que se esta estivesse no seu estado normal que lhe conhece, sabe que esta não seria capaz de desviar dinheiros.”.
7) Bem como os documentos entregues pela participante, aquando da sua audição, os quais constam de fls. 20 a 245, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 19, do processo administrativo).
8) Em 13/04/2010, foi passada, pela psicóloga clínica do Serviço de
Saúde Ocupacional, da Câmara Municipal de Loures, e pelo médico psiquiatra do mesmo Serviço, uma declaração atestando que a requerente vem sendo acompanhada pelo Serviço Ocupacional da Câmara Municipal de Loures desde 3.2.2010, na especialidade de psicologia clínica, e desde 10.2.2010, na especialidade de psiquiatria (cfr. fls. 277, do processo administrativo).
9) Idêntica declaração à descrita em 8) foi passada em 13.7.2010, apenas com o acrescento, a pedido da requerente, de que o seu acompanhamento era feito “por apresentar um quadro depressivo” (cfr. fls. 320, do processo administrativo).
10) Em 16/06/2010 e no âmbito desse processo disciplinar, foi deduzida acusação contra a requerente — a qual lhe foi notificada pelo menos em 18.6.2010 nos termos constantes de fls. 294 a 299, do processo administrativo/fls. 29 a 40, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 302, do processo administrativo).
11) A requerente apresentou a sua resposta à acusação nos termos constantes de fls. 314 a 319, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12) Em 14/07/2010, foi passada, pela Chefe de Divisão, da Divisão Administrativa de Pessoal e Vencimentos, do Departamento de Recursos Humanos, da Câmara Municipal de Loures, uma declaração com as classificações de serviço/ avaliação de desempenho da requerente, a qual consta de fls. 340, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13) Em 29/06/2010, foi elaborado um documento de reserva de propriedade, o qual consta de fls. 341, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta a assinatura da requerente como promitente- vendedor do imóvel sito na Travessa do P….., Lote……., Caneças.
14) Juntamente com o qual foi entregue um cheque, o qual consta de fls. 342, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em 22/09/2010, foi elaborado o relatório final, constante de fls. 353 a 356, do processo administrativo/fls. 21 a 28, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde consta o seguinte:
“O presente processo disciplinar veio instaurado por Despacho do Senhor Vereador R........., de 24 de Fevereiro de 2010, registado sob o n° 2/PDI/2010, contra a arguida M......., trabalhadora em funções públicas por tempo indeterminado, do mapa de pessoal da Câmara Municipal de Loures, a desempenhar funções de assistente técnica na Divisão Municipal de Habitação - DMH, do Departamento de Gestão Urbanístico - DGU, residente na Urbanização Quinta Nova de Santo António, Lote……., 1675 - 511 Caneças, na sequência da participação da Senhora Chefe da Divisão da Ação Social Escolar - DASE, do Departamento de Educação - DE, desta Câmara Municipal, C..........—
O processo foi autuado com os documentos de fls. 1 a 6 e procedeu- se à instrução no âmbito da qual foram efetuadas as competentes ações de prova necessárias ao apuramento da verdade dos factos, das quais resultam as seguintes diligências/conclusões:—
Junção do certificado de registo disciplinar a fls. 14 e 15; —
Declarações da participante a fls. 17 e 18 verso;—
Junção de 16 documentos a fls. 20 a 245; —
Relatório clínico da arguida a fls. 277 Declarações da arguida a fls. 289 e 290 verso e —
Declarações das testemunhas a fls. 264 a 265 verso, 267 a 267 verso, 270 a 270 verso, 274 a 274 verso, 278 a 278 verso, 282 a 284 verso e 289 a 293 verso.—
Foi apenso ao processo disciplinar suspensão preventiva de funções da arguida, cfr. Inf. N° 13/DRH/CS, de 25/03/2010, na qual se encontra anexa lnf. n.° 28/VRL/10, de 2010/03/02, respetivamente fls. 12 e 13.—
Foi deduzida acusação contra a arguida nos termos do n° 2 do art. 48° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas ( Estatuto ), aprovado pelo Decreto - Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro, fls. 294 a 299 verso, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.—
A arguida apresentou Defesa, em duplicado, fls. 306 a 311 por cópia e 314 a 319 o original, inclusive, juntando um documento - declaração de situação clínica da arguida, fls. 312 e 320, declaração nos mesmos termos do relatório clínico remetido pela Divisão de Higiene e Segurança, Saúde Ocupacional e Ação Social - DHSSOAS e anexo em sede da instrução, fls. 277, e procuração, fls. 304, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, para todos os efeitos legais.—
A arguida requereu a audição de duas testemunhas, P.M........ e I........, mas não indicou os factos sobre que cada uma das testemunhas respondem, pelo que a instrutora notificou a mandatária da arguida para indicar os factos a que cada uma das testemunhas respondem, através do ofício n.° 030692, de 04/08/2010, registado com aviso de receção, recebido em 06/08/2010 no domicílio profissional da mandatária da arguida, Dra. S.L........, fls. 322 a 324.— A mandatária da arguida não respondeu ao ofício, não tendo indicado os factos a que as testemunhas que arrolou respondem.—
A testemunha S…… foi ouvida durante a realização da instrução, pelo que a instrutora considerou ter esta testemunha sido indicada como abonatória e considerou suficiente o seu depoimento e inútil para a descoberta da verdade material a sua nova audição, ficando integralmente assegurada a defesa da arguida, conforme o disposto no n° 1 do art. 53° do Estatuto.—
A testemunha P….. não foi ouvida, nem foi referida em sede de instrução nas declarações prestadas pelos trabalhadores/testemunhas ouvidos nesta fase, sequer pela arguida ou pela participante, pelo que embora a mandatária da arguida não tenha referido os factos a que esta deve responder e consequentemente a instrutora a tenha considerado abonatória, porém em caso de dúvida, por forma a assegurar a integral defesa da arguida e por forma a não prejudicar a descoberta da verdade material a instrutora decidiu ouvir a mesma testemunha P….., assegurando integralmente a defesa da arguida.— Realizadas todas as diligências de prova pertinentes para a descoberta da verdade disciplinar em sede de instrução, não existindo qualquer outra diligência a realizar ou motivo para a realização de qualquer outra diligência de prova necessária ao apuramento da verdade dos factos, até porque sobre a participação apresentada se afigurava de desenvolver e concretizar os factos e as condições de modo, tempo, lugar e agente, o que se verifica agora, pela prova anexa, dão-se como concluídas as diligências de prova tendentes ao apuramento da verdade material/disciplinar e dá-se por concluída a instrução do presente Processo Disciplinar.—
No prosseguimento do processo disciplinar e, como se disse, tendo- se prosseguido com todas as diligências, está-se agora na posse da demais informação recolhida, pelo que somos a elaborar o relatório final com base e conforme conclusões recolhidas no desenvolvimento da instrução.—
Neste contexto, e atendendo à matéria de facto, teremos os seguintes factos e teremos como provada, seja por prova direta, seja em declarações a fls. 264 a 265 verso, 267 a 267 verso, 270 a 270 verso, 274 a 274 verso, 278 a 278 verso, 282 a 284 verso e 289 a 293 verso, seja por confissão da arguida a fls. 289 e 290 verso, bem como os documentos anexos, fls. 20 a 245, a seguinte matéria, indicando-se de forma resumida, para benefício da leitura:—
- O processo disciplinar veio a ser instaurado com base na participação ínsita na Inf. N° 101/DE- DASE/CS, de 2010/02/11
- Foi nomeado instrutor por despacho de 02/03/2010 do Sr. Vereador do Departamento de Educação, R.........; —
- Na instrução pretendia-se apurar se se confirma que a arguida desviou o valor monetário de 27.317,16 euros (vinte e sete mil trezentos e dezassete euros e dezasseis cêntimos) da Câmara Municipal de Loures, pagos pelos pais/encarregados de educação e de que foi acusada;—
- A arguida passou a trabalhar no Serviço de Apoio à Família - SAF em Março de 2008 fls. 289;—
- Este serviço foi criado para ajudar os pais/encarregados de educação e integra a Divisão de Ação Social Escolar - DASE, do Departamento de Educação - DE;—
- Ficou provado que a participante solicitou várias vezes à arguida que informasse sobre os pagamentos dos pais/encarregados de educação dos alunos que frequentavam os agrupamentos de escolas que estavam à sua responsabilidade;—
- A participante confrontou a arguida que assumiu ter utilizado verbas da Câmara Municipal de Loures para benefício próprio, dinheiro público, fls. 5 e 18 verso e fls. 290 do processo disciplinar;—
- A arguida assumiu ter o trabalho atualizado na base de dados na aplicação de gestão de consulta de rede escolar, tendo a lista de pagamentos em dia, fls. 290;—
- Não se confirmou ter sido a arguida, nem a arguida assumiu ter sido quem desviou e dever à Câmara Municipal de Loures a quantia de 27.317,16 euros (vinte e sete mil trezentos e dezassete euros e dezasseis cêntimos) fls. 290;—
- A arguida admitiu a parcial veracidade dos factos que lhe foram questionados e imputados e com os quais foi confrontada, fls. 290; —
- A arguida admitiu ter utilizado dinheiro público para benefício próprio, por isso reconheceu as irregularidades da sua Inf. 54/DE-DASE/CL, de 2010/02/05, fls. 290;—
- A arguida admitiu que não fez o depósito do dinheiro da Câmara Municipal de Loures que desviou para sua utilização e benefício, pelo que não tinha os respetivos talões de depósito e consequentemente não podia elaborar as informações, tendo o seu trabalho atrasado, fls. 290;- A arguida não assumiu ser a responsável pela quantia de 5.019,56€ (cinco mil e dezanove euros e cinquenta e seis cêntimos) referente aos meses de Maio a Dezembro de 2008, fls. 290;
- A arguida assumiu dever à Câmara Municipal de Loures a quantia de 17.569,51€ (dezassete mil quinhentos e sessenta e nova euros e cinquenta e um cêntimos) referente aos meses de Janeiro a Outubro, de 2009, fls. 290;—
- A arguida assumiu dever à Câmara Municipal de Loures a quantia de 4.728,096 (quatro mil setecentos e vinte e oito euros e nove cêntimos) reportado a outros (refeições extra, pagamentos faseados reanálises sociais) referente ao ano de 2009, fls. 290;—
- A arguida admitiu devolver as quantias que assumiu ter desviado, para benefício próprio, a quantia de 17.569,516 (dezassete mil quinhentos e sessenta e nova euros e cinquenta e um cêntimos) e de 4.728,096 (quatro mil setecentos e vinte e oito euros e nove cêntimos), no total de 22.297,60 (vinte e dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), fls. 290;—
- A arguida declarou ter colocado a sua casa à venda através da Imobiliária I…. para liquidar a quantia que desviou da Câmara Municipal de Loures e informou a instrutora do processo disciplinar de ter vendido a sua casa de morada estando a aguardar a marcação do contrato de compra e venda, cfr. declarações a fls. 290 verso e documento anexo a fls. 341 e 342;—
- Nenhuma das testemunhas ouvidas viu ou vê sinais exteriores de riqueza na arguida;—
- A arguida disse ter dois créditos em duas entidades financeiras, fls. 290 e 290 verso;—
- A arguida tem duas filhas as quais têm estado doentes, fls. 290 verso;—
- A arguida tem estado doente e a ser acompanhada pelo Serviço de Saúde Ocupacional da DHSSOAS, do Departamento e Recursos Humanos - DRH, fls. 18 verso, 290 verso e documento a fls. 277, 312 e 320; —
- A arguida perdeu o pai que a ajudava emocional e financeiramente, fls. 283 verso, 290 verso;-
- A arguida trabalha na Câmara Municipal de Loures há 18 anos, fls. 340;—
- Ficou claro que a arguida é trabalhadora prestável que ajudou as colegas novas e que estava sempre pronta a explicar o trabalho até as colegas perceberem, fls. 265 verso, 267 verso e 278 verso;—
- A arguida mostrou-se arrependida perante a participante, perante a testemunha P….., como em sede de audiência, respetivamente fls. 18 verso, 325, 289;—
- Comprovou-se em termos de circunstâncias agravantes, o prejuízo e o desarranjo funcional para o Serviço de Apoio à Família, do Departamento de Educação e para a própria Câmara Municipal de Loures, em termos orçamentais, em 22.297,60 (vinte e dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) e não de 27.317,16 euros (vinte e sete mil trezentos e dezassete euros e dezasseis cêntimos);—
- Comprovou-se a existência de circunstâncias atenuantes, desde a declaração/confissão clara e espontânea dos factos, a grande pressão familiar, a perda do pai, não ter a arguida reparos de ordem técnica ou funcional a apontar pelas funções e nos Serviços que integrou desde há 18 anos, cuja avaliação tem sido sempre de Muito Bom e Bom, ter mais de 10 anos de serviço na Câmara Municipal de Loures e a não existência de qualquer registo de natureza disciplinar contra a arguida;—
- Não se fez prova de que se trata de negligência;—
- Resulta provado o enriquecimento sem causa a favor da arguida;—
- Quanto ao serviço - SAF, foi possível apurar que as trabalhadoras não entregavam o dinheiro recebido dos pais/encarregados de educação à chefia;—
- Foi dada a indicação de que os depósitos seriam semanais, o que não era rigorosamente cumprido podendo ser feitos os depósitos dos valores recebidos quando tinham uma quantia considerada alta;—
- Era considerada alta a quantia de 1000,00 (mil) euros;—
- É unânime de que há muito trabalho no SAF, que é difícil ter o trabalho em dia e que não há condições de fazer informações diárias, pelo que a arguida e a trabalhadora H......... chegaram a levar trabalho para casa e a trabalhar alguns sábados;—
- As trabalhadoras do SAF no sábado dia 6 de Fevereiro descobriram que as contas não estavam certas e que havia irregularidades; —
- Resultou provado que o horário do SAF é entre as 9horas e as 10 horas;—
- É unânime que não há condições para fazer depósitos diários porque o SAF encerra o atendimento às 16h00 e o Banco onde a Câmara Municipal de Loures tem a sua conta - Caixa Geral de Depósitos encerra o atendimento ao público às 15horas;—
- Percebeu-se que o dinheiro recebido dos pais/encarregados de educação era guardado nas gavetas das secretárias das trabalhadoras do SAF; —
- Não resultou claro que o dinheiro recebido pelas trabalhadoras do SAF e guardado por estas nas suas gavetas, em cofre ou em caixa de gelados, estava em segurança;—
- Não resultou claro que houvesse sempre uma trabalhadora na sala e que o dinheiro não ficava só;—
- O dinheiro recebido dos pais/encarregados de educação ficou alguns fins de semana nas gavetas das secretárias das trabalhadoras do SAF na Casa do Adro;—
- Algumas trabalhadoras levaram o dinheiro recebido dos pais/encarregados de educação para as suas casas em alguns fins de semana por forma a procederem ao depósito na segunda feira seguinte;—
- Em 2008 e em parte do ano 2009 eram trabalhadoras do SAF apenas a arguida e a trabalhadora H........., estando-lhes entregue o trabalho dos 13 agrupamentos de escolas;- Ficou provado que havia necessidade de as trabalhadoras que fazem o atendimento no SAF terem algum dinheiro, cerca de 100,00 (cem) euros, para facilitar o troco;—
- Resultou das declarações das testemunhas que as trabalhadoras do SAF se podem ter enganado no troco;—
- Percebeu-se que a indicação de "engano” na base de dados poderia surgir no mês seguinte ao pagamento dos pais/encarregados de educação, de acordo com a assiduidade do aluno;—
- O computador do atendimento do SAF, que abre com password, é habitualmente ligado pela trabalhadora H.........;—
- Para receber os valores monetários dos pais/encarregados de educação é necessário abrir 3 programas cada um com password: aplicação de gestão de consulta de rede escolar, back Office das faturas e consulta ao S IBS ;
- O computador pode estar todo o dia ligado com a mesma password, bem como os programas de trabalho com a mesma password;—
- As trabalhadoras do SAF não recebem abono para falhas;—
- A chefe da DASE não tem a certeza de não haver enganos nos valores encontrados nas informações entregues pelas trabalhadoras da DASE, fls. 18 verso.—
DA CULPA—
A arguida refere na sua Defesa que « (.. .) nunca foi intenção da Arguida fazer seus, os valores recebidos.», que «Nunca tendo a Arguida querido, de forma intencional e dolosa, fazer seus quaisquer valores que pertencem à Câmara Municipal de Loures.», acrescentando que «(. . .) apenas geram uma aparência de culpa.» e ainda que «(. . .) nunca houve por parte da trabalhadora - Arguida qualquer intenção de causar qualquer prejuízo à Câmara Municipal de Loures, faltando deste modo o elemento dolo, elemento este integrador de "justa causa”, para aplicação de qualquer pena.» e ainda que «Militando também a seu favor a ausência de dolo (.. .)», respetivamente nos artigos 26.°, 30.°, 36.°, 37.° e 41.° todos da Defesa. —
Como se percebe, nos artigos enunciados da Douta Defesa a arguida alega não representar com a prática daquela sua conduta a violação do dever de que vem acusada. Parece, então, estar, mentalmente, criado um quadro que, a existir, excluiria a ilicitude, não configurando a sua ação como sendo ilícita. —
Nos artigos subsequentes a arguida faz as mesmas alegações mas remetendo para negligência também das chefias, concluindo reforçando não ter havido dolo seu.—
Verificando-se que o dolo não pode ser afastado porquanto a arguida reconhece que pretende devolver o valor em causa, o que configura o seu perfeito conhecimento da ilicitude da infração e reconhece a sua culpa. —
A arguida tem conhecimento de que não devia ter utilizado dinheiro da Câmara Municipal de Loures no total de 22.297,60 (vinte e dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), dinheiro que não lhe pertence, mas que devia ter depositado na conta bancária desta edilidade e consequentemente não realizou o seu trabalho, concretamente não informou dos valores pagos pelos pais/encarregados de educação dos alunos inscritos nas escolas dos agrupamentos de escolas que eram da sua responsabilidade, apesar de lhe ter sido solicitado pela participante mais do que uma vez e portanto tendo o seu trabalho atrasado.—
Resulta dos factos que é uma conduta dolosa, porque sabendo que devia proceder aos depósitos e de fazer as respetivas informações acompanhadas dos talões de depósito, conformou-se com o facto de haver para si (mesmo que por um certo período de tempo), o dinheiro que ia recebendo diariamente e ainda sem o devolver, ainda que mais tarde apesar de todas as tentativas de apurar o atraso na entrega das informações pela sua superior hierárquica, Dra. C.......... Portanto, nem à posteriori da prática dos factos depositou os valores na conta bancária da Câmara na Caixa Geral de Depósitos.—
Não assiste, por isso, razão à Defesa.—
ASSIM:--- Não obstante, interessa, ainda, indagar e esclarecer a questão do valor de 5.019,56€ (cinco mil e dezanove euros e cinquenta e seis cêntimos), quantia não assumida pela arguida e da qual não se fez prova de ter sido a arguida, não se provando os artigos 15°, 18°,26° e 38° na parte referente a este valor aqui referido, todos da Acusação e na sua exata formulação.—
Como não se fez prova do artigo 30° da Acusação.—
No caso concreto, e ponderadas todas as provas aportadas ao processo, é possível dar como provados os artigos l° a 14°, 16° e 17°, 19° a 25°, parcialmente o artigo 26° quanto às quantias 17.569,51 e 4.728,09, 27° a 29° e 31° a 39° da Acusação.—
A arguida podia e devia ter implementado maior diligência na sua conduta devida e imposta pelo conhecimento, obrigatório, das normas reguladoras da sua atividade enquanto trabalhadora em funções públicas por tempo indeterminado há 18 anos, até porque nos parece que a arguida devia ter desenvolvido, em tempo, o seu trabalho em função do conhecimento que detém, em função das tarefas que desenvolvia na DASE e face aos procedimentos implementados. - Violando a arguida com a sua conduta os deveres de prossecução do interesse público, isenção, de zelo, de obediência e lealdade, o que nos resulta claro.—
Para clarificação, temos que a arguida não terá representado a violação dos deveres com a sua conduta, mas agiu de forma consciente, cfr. declarações da arguida e da participante.—
Ora, resultando, automaticamente, a subsunção aos ditames censórios da norma em apreço, portanto a aplicação irreversível de uma pena, toma-se necessário que o comportamento da arguida, apurado em processo disciplinar, reflita, traduza, acarrete a impossibilidade de esta se manter ao serviço sem impunidade.—
Sendo este o procedimento, conclui-se sendo inviável a manutenção da relação funcional da arguida com esta edilidade. —
EM SÍNTESE:—
1 - Por um lado, a tomada de conhecimento da matéria factual e legislação violada pela trabalhadora em funções públicas desta Câmara Municipal de Loures, consubstanciando-se as circunstâncias de modo, tempo e lugar (quem, como e quando) em que se verificaram, suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico disciplinar;—
2 - Em resultado da realização da instrução do presente processo disciplinar parece claro quais os princípios violados pela arguida em face da sua conduta violadora, conforme vem aportado para o processo disciplinar; —
3 - Resultou provado quer pelas declarações da participante, Dra. C........., pelas declarações das testemunhas e da própria arguida, sua confissão, de que houve violação do dever de prossecução do interesse público, do dever de isenção, de zelo, de obediência e de lealdade pela arguida, concretamente prova-se resultar violado princípios/deveres que devem pautar a conduta dos trabalhadores em funções públicas; —
4 - Tendo-se obtido elementos de facto que permitem concluir pela existência de ilícito, qual o agente, e permitir, assim, a eventual aplicação de uma sanção disciplinar;—
5 - A ter sido como relatado quer na instrução do processo disciplinar, nas declarações prestadas e pela confissão, documentos anexos, a irregularidade de comportamento apresentado foi possível determinar, exatamente a sua veracidade e dimensão, como os exatos contornos procedimentais cumpridos e a responsabilidade atinente à ora arguida;—
6 - Constatando a aplicação direta no Direito Disciplinar face à prova feita na instrução que permite concluir pela existência de ilícito disciplinar;—
7 - Pelo que no final do presente Processo Disciplinar é possível e necessário apurar a responsabilidade disciplinar da arguida indiciada na conclusão do presente processo por os haver.—
CONCLUSÃO—
Ponderada a natureza da infração de desvio de dinheiros públicos claramente dolosa e o consequente atraso do trabalho da arguida, operando a escolha da sanção em função da mesma, considerando-se os fins especiais e gerais inerentes ao exercício do poder disciplinar, ponderadas todas as circunstâncias, agravantes e atenuantes, é meu parecer que a arguida deverá ser sancionada com a pena de demissão e a reposição integral da quantia de 22.297,60 (vinte e dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) à Câmara Municipal de Loures, porquanto se entende que a arguida violou, efetivamente, os deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de obediência e de lealdade, nomeadamente previstos no art. 3° (Infração disciplinar) n° 1, n° 2 alíneas a), b), e), f) e g) e n°s 3, 4, 7, 8 e 9, art. 10° (Caracterização das penas) n° 5, art. 18° (Demissão e despedimento por facto imputável ao trabalhador) n° 1 al. m) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas ( Estatuto ), aprovado pelo Decreto - Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro, ao ter desviado dinheiro da Câmara Municipal de Loures, para seu beneficio próprio, dinheiro que recebeu dos pais e/ou dos encarregados de educação dos alunos das escolas do concelho de Loures, escolas da responsabilidade da Câmara Municipal de Loures, dinheiro que é da Câmara Municipal de Loures, entidade pública, sem que o tenha devolvido até ao momento, causando prejuízo económico, bem como atraso na entrega das informações sobre os pagamentos dos pais e/ou encarregados de educação dos alunos inscritos nas escolas dos agrupamentos à responsabilidade da arguida, infração que inviabiliza a manutenção da relação funcional da arguida com a Câmara Municipal de Loures, uma vez que a pena de demissão parece a única pena adequada à repressão e prevenção de novas infrações, atento o disposto no art. 20° (Escolha e medida das penas), conforme art. 11° (Efeitos das penas) n° 4 e art. 54° (Relatório final do instrutor) do Estatuto. —
Militam a favor da arguida as circunstâncias atenuantes da confissão espontânea dos factos, da imediata predisposição em pagar e tendo colocado a sua casa à venda, da situação pessoal em que se encontrava e encontra a ser acompanhada por médico da especialidade, mais de 10 anos de serviço e a ausência de qualquer infração disciplinar registada.—
Face ao exposto conclui-se pela aplicação da pena de demissão prevista no art. 18° n° 1, al. m) do Estatuto aprovado pelo Decreto - Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro, por violação do dever de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de obediência e de lealdade, cfr. art. 10° n° 5 por aplicação do art. 3° n° 2 do Decreto-Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro, o que se propõe, notificando-se a arguida do seu teor, nos termos do disposto pelos art.s 57° e 49° do Estatuto, após decisão.— À Consideração Superior.”.
16) Em 28/09/2010, foi elaborada a proposta n° 675/2010, pelo Vereador do Departamento de Educação da Câmara Municipal de Loures, R........., a qual consta de fls. 350-351, do processo administrativo/fls. 1819, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde se escreveu nomeadamente o seguinte:
“(...) Assim, concluído o processo disciplinar em 22/09/2010 e sendo da competência desta Câmara Municipal aplicar a pena.
Tenho a honra de propor A Reunião do Executivo o Relatório Final do Processo Disciplinar n.° 2/PDI/2010, da arguida M......., nos termos do art. 54° n° 3 do Estatuto, para deliberação da aplicação da pena de demissão prevista no art. 18° (Demissão e despedimento por facto imputável ao trabalhador) n° 1 al. m) [«Sejam encontrado em alcance ou desvio de dinheiros públicos;»]do Estatuto e violação dos deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de obediência e de lealdade, nomeadamente previstos no art. 3° (Infração disciplinar) n° 1, n° 2 alíneas a), b), e), f) e g) e n°s 3, 4, 7, 8 e 9, por desvio de dinheiros públicos para benefício próprio, infração que inviabiliza a manutenção da relação funcional, e, ainda, a reposição da quantia de 22.297,60 (...) devida à Câmara Municipal de Loures, nos cofres desta edilidade, nos termos e com os fundamentos propostos no relatório Final.
Anexo:
Relatório Final e Processo Disciplinar n° 2/PDI/2010.”.
17) Em 6/10/2010, na 19a Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Loures, foi aprovada, por votação secreta, com 11 votos a favor, a proposta descrita em 16) (cfr. fls. 350, do processo administrativo).
18) O Manual de Controlo Interno, aprovado em reunião da Câmara Municipal de Loures de 30.4.2002, consta de fls. 41 a 86, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde consta designadamente o seguinte:
“(...) Centros emissores de receitas O controlo das receitas é feito do seguinte modo:
1.27. Compete às Tesourarias Municipais procederem à cobrança de receitas municipais;
(...)
1.30. São identificados os seguintes serviços emissores de guias de receita, podendo, de acordo com as necessidades, e após despacho do Presidente da Câmara ou vereador com competência delegada para o efeito, ser criados novos postos emissores:
0301 - Divisão Financeira - Repartição de Contabilidade;
130101 — Departamento de Administração Urbanística;
20101 — Departamento Administrativo;
20102 — Secção Administrativa de Sacavém;
20103 — Secção Administrativa de Moscavide;
20103 — Secção Administrativa de S. João da Talha;
020501 — Divisão de Arquivo Municipal;
020201 — Divisão de Administração Geral.
1.31. Os serviços emissores anteriormente referenciados, terão que efetuar diariamente o depósito das cobranças efetuadas, na(s) conta(s) bancária(s) que a DF definir;
1.32. Os documentos contabilísticos são remetidos à DF no dia seguinte à data de emissão dos mesmos, nomeadamente as guias de receitas e os comprovativos dos depósitos bancários efetuados;
1.33. A responsabilidade pela cobrança das receitas efetuadas nos serviços emissores de guias de receita é do responsável máximo da respetiva unidade orgânica e este é que responde perante a DF;
(...)
1.35. Estes postos de cobrança (centros de proveitos) respondem diretamente perante a DF, sendo responsável pelos fundos arrecadados o superior hierárquico da unidade orgânica onde se efetua a referida cobrança;
1.36. São arrecadadas receitas nos seguintes postos:
1 — Museu Municipal Qf do Conventinho
2 — Museu da Cerâmica em Sacavém
3 — Bibliotecas Municipais
4 - Parque Municipal Cabeço de Montachique
5 - Pavilhão Paz e Amizade
6 - Pavilhão António Feliciano Bastos
7 - Pavilhão José Gouveia
8 - Gabinete de Atendimento Juventude - Loures
9 - Gabinete de Atendimento Juventude - Sacavém
10 - Galeria Municipal - Loures
11 - Divisão Informação e Relações Públicas Iniciativas Municipais
12 - Refeitório Municipal
1.37. Todos estes postos de cobrança têm recibos, de acordo com modelo definido e são emitidos preferencialmente de forma informática como suporte à venda de bens ou serviços. Os recibos para além de identificarem o posto de cobrança, de acordo com o código anteriormente atribuído, são numerados sequencialmente. O recibo poderá ser substituído nos casos em que existam bilhetes de ingresso, ou senhas de acesso ao refeitório municipal. Os bilhetes são igualmente numerados sequencialmente e o serviço emissor ficará com uma prova da sua emissão;
1.38. Diariamente é elaborada uma folha de caixa, de acordo com
modelo definido, com registo de todos os movimentos de entrada;
1.39. Todos os postos de cobrança depositarão diariamente o produto da venda de bens e ou serviços, na(s) conta(s) bancária(s) indicadas pela DF;
1.40. A folha de caixa, conjuntamente com os duplicados dos recibos ou bilhetes são enviados no dia seguinte à DF, que procede ao registo contabilístico da receita arrecadada;
(...)
1.42. No início de cada mês são emitidos os recibos respeitantes a rendas a rendas de habitação social. Até dia 15 de cada mês, os vários serviços que cobram rendas de habitação, apresentam à DF os recibos não pagos. A DF em conjunto com a Divisão Municipal de Habitação estabelecerão um plano de regularização de dívidas.” (cfr. fls. 42, dos autos em suporte de papel).
19) Em 6 de Outubro de 2010 a Câmara Municipal de Loures aprovou, por unanimidade, a seguinte proposta:
“Os vereadores da CDU face ao desaparecimento de avultadas quantias no Departamento de Educação, que constituem receita municipal e cujo destino só parcialmente se encontra esclarecido, vem propor à Câmara Municipal:
A urgente abertura de processo de inquérito capaz de esclarecer o
paradeiro de € 5.019,56, montante de cujo desaparecimento a arguida no processo disciplinar não reconhece responsabilidades.
O inquérito deverá ainda permitir apurar responsabilidades quanto ao claro incumprimento, neste caso concreto, do estipulado no articulado do Manual de Controlo Interno em vigor no Município.” (cfr. fls. 87, dos autos em suporte de papel).
20) Neste momento a Divisão-DASE - onde a requerente se encontra a exercer funções - não efetua arrecadação de receitas, tendo competência para este efeito a Tesouraria Municipal (acordo — art. 118o n.° l, do CPTA).
21) Na altura em que foi desencadeado o processo disciplinar a requerente foi colocada na Divisão Municipal de Habitação (por acordo).
22) A Autora já repôs a totalidade do montante de 22.297,99€ (por acordo nos presentes autos).”

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“Do erro sobre os pressupostos
Assume a Autora que a conduta que foi trazida à colação para substanciar a medida da pena que lhe foi aplicada, não se harmoniza com a violação dos deveres de que foi acusada e que constam do Relatório Final.
Com efeito, a Autora foi acusada da violação dos deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de obediência e de lealdade.
(…)
Importa que o Tribunal pode imiscuir-se no conhecimento de matéria de facto e correspondentemente no direito aplicado quando ocorram erros manifestos e grosseiros que impossibilitem uma decisão correta e rigorosa.
Isto porque, na instrução do procedimento disciplinar, a verdade deve ser incessantemente buscada, quer mediante a prova documental, como pela prova testemunhal quer pela audição de outros intervenientes que esclareçam, sem mácula, as circunstâncias, o modo, o tempo, o lugar e o histórico dos factos.
Reza, a propósito, o Acórdão do TCA Norte, Processo n° 00747/09.6BEPNF, de 2012.04.27, que “No âmbito do processo disciplinar vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, acolhido no art° 32°, n° 2 da CRP, pelo que a prova coligida no processo disciplinar tem que legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, (para além de toda a dúvida razoável), bem como do circunstancialismo que rodeou a prática da infração imputada (circunstâncias atenuantes e agravantes com peso na avaliação da culpa do arguido)
Verifica-se, em conclusão, que o procedimento em análise não se encontra lesado por uma acusação errónea, sem fundamentação, nem por violação de lei quanto ao enquadramento da situação em causa e na respetiva qualificação da moldura da pena aplicável, tendo sido levado em consideração, nessa avaliação, o que era essencial e insuprível, ou seja, com rigor, toda a situação fáctica que lhe subjaz, pelo que esse modus operandi cursado pelo Senhor Instrutor não enferma o procedimento disciplinar nem o ato impugnado de quaisquer vícios.
Salienta-se, ainda, que “no uso do poder disciplinar ao titular do respetivo poder, cabe formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos, através das provas produzidas, segundo a sua livre convicção, fixando por esse modo os factos pressupostos da infração disciplinar, com ampla margem de liberdade e julgamento. E, a censura judicial sobre tal poder de decisão apenas pode ocorrer se forem invocados a violação de normas legais de direito probatório ou erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder no âmbito da discricionariedade (...) ” - vide Acórdão do TCA Sul, Processo n° 06625/10 de 2012.09.13, in www.dgsi.pt - o que, se reitera, não se verifica in casu.
Nesta senda, reza, ainda, o Acórdão do STA, Processo n° 046052, de 2002.05.07 e Processo n° 01977/03, de 2004.07.28, e Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, 2003 vol. II, p 79/84, que o domínio da discricionariedade técnica da administração apenas é sindicável, quanto ao respetivo mérito técnico, com fundamento em erro manifesto ou na base de critério manifestamente inadmissível ou desacertado.
Do que antecede, não se subsumindo na tramitação e instrução operada pelo Senhor Instrutor no processo sub juditio, a violação às normas estatuídas no ED, o seu modus operandi não é, por isso, atacável.
Consequentemente, dúvidas não restam que se mantém a deliberação de 6 de Outubro de 2010 da Câmara Municipal de Loures, resultante do processo disciplinar n° 02/PDI/2010, que aplicou à Autora a pena de demissão, e, que, por isso, não se decreta a manutenção do seu posto de trabalho.”

O direito disciplinar aqui em análise é predominantemente regulado pelo Estatuto Disciplinar, aprovado pelo DL nº 58/2008, de 9 de Setembro.

Lê-se no Acórdão nº 12868/03 do TCA-Sul de 09/06/2004: “(...) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se-ão os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)” (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina, 1971, pág. 37.).

Por seu turno, José Beleza dos Santos sustenta: “(…) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (...) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua atuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho atual ou futuro (...). No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respetivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (...)” (José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora SARL/1968, págs.113 e 116.).

Tal não significa que o princípio da legalidade e consequente função garantística de direitos subjetivos públicos esteja arredada do direito sancionatório disciplinar, nomeadamente ao amparo da conceção da relação jurídica de emprego público como relação especial de poder (Luís Vasconcelos Abreu, Para o estudo do procedimento disciplinar no direito administrativo português vigente: as relações com o processo penal, Almedina, Coimbra/1993, pág. 30. Francisco Liberal Fernandes, Autonomia coletiva dos trabalhadores da administração. Crise do modelo clássico de emprego público, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, 9, Universidade de Coimbra, Coimbra /1995, págs.146/147).

Todo este labor legislativo traduz-se na adoção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação laboral (vinculativos) o que outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar, uma vez definidos quais os factos provados, uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do ato), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto (Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo – FDL/1980, págs.621 e 787. Bernardo Diniz de Ayala, O défice de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 91).

A operação de subsunção da factualidade provada ao conceito identificado pelos substantivos abstratos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.

O direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados no caso concreto pela factualidade apurada e definida no procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstratamente elencadas.

A questão a aqui a analisar prende-se predominantemente com a necessidade de verificar se se verificarão os vícios processuais e procedimentais suscitados.

Se é certo que as garantias dos direitos dos arguidos não podem ser vistas, como muitas vezes sucede, como categorias abstratas, formais, tipo pronto-a-vestir, mas como instrumentos concretos cujo conteúdo há de ser conformado em função da natureza e características da matéria disciplinar em causa, o que se pretende é que o arguido em processo disciplinar compreenda o conteúdo da acusação que lhe é dirigida e que dela se possa defender.

Como é sabido, o chamado controlo jurisdicional da adequação da decisão aos factos, conforme entendimento corrente dos Tribunais Administrativos Superiores, determina que o Tribunal se não pode substituir à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes (cfr. Ac. STA, 1ª Secção, de 9.3.83; in Ac. Dout. Ano XXIX, nº 338, p. 191 e ss).

Efetivamente, não compete aos Tribunais apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, o que aqui se não vislumbra, pois que tal se insere no poder discricionário da Administração.

Em concreto não é censurável que a Administração perca em definitivo a confiança, decidindo pela cessação da relação laboral por motivos disciplinares, perante uma trabalhadora que se apropriou indevidamente de dinheiros públicos.

Tal comportamento encerra um desvalor e gravidade muito graves, só por si inviabilizador que tal trabalhadora possa continuar a exercer as funções públicas que vinha desempenhando, com o inerente risco de continuação de comportamentos desviantes face aos procedimentos administrativos instituídos, sendo que a sua manutenção ao serviço sempre determinaria que se consolidasse um pernicioso sentimento de impunidade permissiva, suscetível de determinar algum “contágio”.

Desta forma, atendendo às infrações consideradas provadas, não pode ser entendido que a pena disciplinar aplicada viole o princípio da proporcionalidade e, muito menos, que padeça de um erro manifesto de apreciação que pudesse ser sindicado judicialmente.

Sempre se dirá, ainda, que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender de forma uniforme, o entendimento de que, na fixação da medida da pena, a Administração, embora tenha que respeitar os parâmetros legais, goza de certa margem de liberdade que só é sindicável pelo tribunal quando se verifique erro grosseiro ou palmar.

Ocorrerá erro grosseiro ou palmar quando a pena disciplinar é manifestamente injusta ou manifestamente desproporcionada (Cfr. Ac. do STA de 29/04/1999, no Rec. n.º 40579).

Não deverá pois “(...) o juiz, em princípio, sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida de poder disciplinar, reservando antes a sua intervenção aos casos em que a pena aplicada, atentos os elementos enunciados nos citados preceitos, revele erro grosseiro, por manifesta desproporção entre a sanção infligida e a falta cometida, em clara violação do princípio de proporcionalidade (art. 266, n.º 2 da CRP), o qual necessariamente preside ao exercício de poderes discricionários da Administração, funcionando como seu limite interno” (cfr. Ac. do STA de 20-10-1994, no Proc. n.º 032172).

“A gravidade da pena a aplicar depende do grau de responsabilidade do agente. Ora a apreciação desta está entregue ao critério dos titulares do poder disciplinar que a avaliarão de acordo com os conhecimentos da personalidade do infrator e das circunstâncias em que agia. (...) Por isso, ao contrário do que sucede no direito criminal, não se estabelece a correspondência rígida de certas sanções para cada tipo de infração, deixando-se a quem haja de decidir amplo poder discricionário para punir as infrações verificadas.” (vide Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, páginas 818 a 820).

Acresce que o princípio da proporcionalidade impõe que, tendo em consideração os fins a atingir, a sanção disciplinar aplicada ao arguido deva ser, simultaneamente, a menos gravosa e a mais adequada à gravidade dos factos (Cfr. Acórdão do TCA Norte de 25.05.2006, no Proc. 00162/02).

A este propósito doutrina o Acórdão do STA, de 24/03/04, proferido no âmbito do Proc. 757/03, ainda que relativamente ao anterior Estatuto Disciplinar, que “Resta, finalmente, a questão da inviabilidade da manutenção da relação funcional.
“O n.º 1 do art. 26.º estabelece que “as penas de aposentação compulsiva e demissão serão aplicáveis em geral às infrações que inviabilizarem a manutenção da relação funcional”.
“Desta diretriz legal resulta, de acordo com Jurisprudência consolidada, a vinculação de quem pune a ponderar, para efeitos da al. h), se as circunstâncias do caso concreto (seja pela gravidade dos factos, pelo reflexo no serviço, pela personalidade do arguido ou por outro elemento atendível) indiciam, num juízo de prognose, que a relação funcional se tornou inviável (cf. a doutrina dos Acs. de 18.6.96, Proc.º nº 39.860, 16.5.02, Proc.º nº 39.260, 5.12.02, Proc.º nº 934/02 e 1.4.03, Proc.º nº 1228/02).

“Muito embora o órgão com competência disciplinar possua, no preenchimento dessa cláusula geral, ampla margem de liberdade administrativa, tal tarefa está limitada pelos princípios da imparcialidade, justiça e proporcionalidade – além de ficar, depois, sujeita ao poder sindicante dos tribunais administrativos, se forem detetáveis erros manifestos – cf. o cit. Ac. de 5.12.02.”.

Em síntese, está aqui em questão a aplicação da pena disciplinar de demissão a uma trabalhadora que, no desempenho das suas funções, se apropriou indevidamente, ao longo de um identificado lapso temporal, de quantias a que apenas tinha acesso por força e no exercício das funções que exercia.

Tal sanção revela-se, assim, necessária e adequada, nomeadamente, face aos fins de prevenção geral próprios do poder disciplinar, como também para a salvaguarda e restauração da imagem do serviço público em apreço.

É pois manifesto que a aplicação da pena de demissão a um comportamento da natureza do que está em causa nos autos, não ofende, designadamente, os princípios da justiça ou da proporcionalidade.

Acresce ao referido que não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer erro na interpretação e aplicação das normas aplicáveis do Estatuto Disciplinar, mormente no que concerne à escolha e à medida da pena.

Assim, não se mostra censurável, também face à analisada questão, a Sentença recorrida.

No que respeita à invocada confissão feita pela aqui Recorrente, refira-se que “tem sido entendido que a confissão será tida como relevante e espontânea quando for feita em tempo útil, de forma livre, tiver contribuído decisivamente para a descoberta da verdade e não resultar da evidência dos factos (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12-10-2012, proc. n.°01266/04.2BEVIS).

Igualmente afirma Manuel-Leal Henriques (Processo Disciplinar, 3.ª edição, pág. 180) que «Só pode ser considerada como tal a confissão que é feita em tempo útil (isto é, que seja oportuna), livre (ou seja, não provocada) e ter contribuído para a descoberta da verdade (quer dizer, não deve resultar da evidência dos factos).»

Em concreto, a confissão feita não foi espontânea, antes tendo resultado da evidencia dos factos, nada de substancial tendo trazido para o desfecho do Processo.

Finalmente, a alegada desconsideração da “situação pessoal, familiar e psicológica surgidas com a morte repentina do seu pai e doença do foro psiquiátrico de uma das filhas, tendo inclusivamente recorrido a apoio psicológico”, não se mostram justificativos do comportamento desviante da aqui Recorrente, não se alcançando em que medida tal poderá ter determinado o desvio de dinheiros públicos em proveito próprio, num total de 22.297,99€.

Em face de tudo quanto supra se expendeu, improcedem todos os vícios recursivamente suscitados, sendo de manter a Sentença Recorrida.

* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença objeto de Recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 25 de janeiro de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco

Pedro Figueiredo

Carlos Araújo