Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:964/15.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2017
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Sumário:I. A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II. É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e titular do direito de reversão que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.
III. A outorga pela Oponente de escritura pública relativa a bem do acervo patrimonial da devedora originária não deve ser valorizada de modo a dela se poder concluir, na ausência de outros factos, que aquela participava na gestão de facto da devedora originária atenta a ampla forma de a obrigar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo sul

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA (adiante recorrente) veio recorrer da decisão da Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal inicialmente instaurada contra a Sociedade «... Gestão de Empreendimentos Turísticas, S.A.» para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e Juros Compensatórios (JC) relativa ao exercício de 2005, no montante de 1.459.056,58€ e que reverteu contra a oponente O....

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição à execução fiscal à margem identificada, julgando procedente a presente oposição e, em consequência, extinta a execução contra a Oponente, salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Representação Fazenda Pública (RFP) conformar-se com o decidido, entendendo que a douta sentença se encontra ferida de erro de julgamento de facto e direito.

B. A Oponente citada como revertida no processo de execução fiscal (PEF) n°..., que corre termos no Serviço de Finanças ..., instaurado contra a sociedade ... GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS SA., portadora NIPC ..., por dívidas de IRC relativa ao exercício de 2005, veio apresentar a presente Oposição, peticionando a extinção da execução contra si, fundamentando, em síntese, a ausência do exercício de facto da gerência por si, a falta de demonstração da fundada insuficiência de bens penhoráveis e a inexistência de culpa sua na insuficiência do património da devedora originária.

C. Defendeu a Fazenda Pública na sua contestação que:
i. A Oponente afirma que os documentos que assinou em representação da devedora originária fê-lo de acordo com as instruções e exigência do Presidente do Conselho de Administração, considerando que aqueles não evidenciam atos de administração, ora, resulta dos autos, a representação, pela Oponente, da sociedade em ato de disposição de bem imóvel, junto a Notário, na qual vincula a sociedade e se apresenta como estando em representação da mesma, assim como a emissão de procuração a mandatário, em nome da sociedade, dando-lhe poderes para representar a devedora originária em tribunal, entende a RFP que aqueles documentos demonstram amplamente o exercício da administração por aquela, sendo que, esta não alega nem prova, que não os assinou, que os mesmos são nulos, ter renunciado à administração, nos termos do artigo 404° do CSC ou sequer ter designado, eleito ou nomeado outro representante.
ii. Evidencie-se que a escritura na qual a Oponente intervém na qualidade de representante da devedora originária, titula o negócio jurídico que levou à liquidação de imposto cujo não pagamento originou a dívida executiva aqui em causa.
iii. Relativamente à invocada falta de prova da insuficiência/inexistência, não pode a Oponente ignorar que foi em 16-12-2014 registada a dissolução e encerramento da liquidação da devedora originária, e, entende esta RPF que se encontra publicamente demonstrado a inexistência de bens da devedora originária, tanto que, ambos os procedimentos administrativos, seja da AT, seja da Conservatória de Registo Comercial, são compostos por notificações obrigatórias às entidades e aos seus administradores que foram efetuados, além de que, sempre se dirá que, não obstante a Oponente invocar a não verificação deste requisito não demonstra que a devedora originária tenha bens suficientes para responderem pelo valor em dívida, nem sequer que tem algum bem.
iv. Afirma ainda a Oponente que "Não foi por culpa sua que o património da devedora se tornou insuficiente para solver as dívidas", mas não apresenta qualquer facto, ou fundamento, que justifique porque não foi pago o valor em divida.

D. Considera a RFP que a sentença de que se recorre incorreu em erro de julgamento de facto, uma vez que, do ponto 2. do subtítulo II.1- Dos Factos Provados, na página 3 da sentença de que se recorre, se encontra incompleto, devendo ainda constar do mesmo a forma de obrigar da sociedade, conforme resulta da certidão de registo comercial da ... junta aos autos com a contestação como documento 2 folhas 174 e seguintes - numeração SITAF :
"2. Em 2005, figuram como representantes da ... - Gestão de Empreendimentos Turísticos, SA, os seguintes sujeitos que compõem o seu Conselho de Administração, obrigando a sociedade com a) pela assinatura de dois administradores: b) de um administrador em conjunto com um mandatário com poderes bastantes: c) de um só administrador no qual o Conselho de Administração tenha delegado poderes suficientes e dentro dos limites dessa delegação; d) de um ou mais mandatários, em conformidade com os respectivos poderes do mandato:

“Imagem no original”

E. E que, deveria constar da sentença em causa, o seguinte facto provado, conforme decorre do relatório de inspeção tributária, junto aos autos como documento da contestação em 4-11-2015, folhas 183 e seguintes - numeração SITAF, por ter interesse para a causa:
"Em cumprimento do disposto na ordem de serviço n°01200906044 de 2009.07.30, foi ordenado procedimento de inspeção interno, ao exercício de 2005 da sociedade "... GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, SA.", com origem no facto de o sujeito passivo não ter procedido à entrega da respetiva declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, verificando-se ainda que efetuou, no exercício em causa, a venda de um imóvel, no valor de € 7.500.000,00, das conclusões desta ação inspetiva decorreram correções à matéria coletável que originou a emissão de uma liquidação de IRC e respetivos juros no valor de € 1.723.823,62, cuja falta de pagamento voluntário originou a instauração do processo de execução fiscal n°...”.

F. Decidiu a douta sentença de que se recorre, procedente a oposição por considerar que a AT não cumpriu o ónus da prova que o artigo 24° da LGT lhe impõe, ao não carrear para os autos de prova suficientes para concluir o exercício de administração de facto da Oponente na devedora originária.

G. No entanto, resulta dos autos que:
i. a Oponente procedeu à representação da sociedade em escritura pública, ato de disposição de bem imóvel, junto a Notário, na qual vincula a sociedade e se apresenta como estando em representação da mesma - facto provado em 3.; e
ii. subscreveu procuração a mandatário, em nome da sociedade, dando-lhe poderes para representar a devedora originária em tribunal, sendo que atendendo à forma de obrigar a sociedade a sua assinatura era essencial à para que aquele mandato produzisse efeito - facto provado em 4.

H. Assim como, afirma a Oponente que assinou documentos na qualidade de vogal, artigo 15° da petição inicial, entende a RPF que esta afirmação consiste numa assunção da administração de facto.

I. Não impugna a Oponente os documentos juntos nem demonstra que renunciou à administração ou que carece de capacidade para entender o que estava a assinar.

J. O artigo 24° da LGT exige a gerência/administração de facto para que possa operar-se a reversão, e, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que aquela administração de facto não se presume pela administração de direito, como a Lei não define no que consiste a gerência/administração vem a doutrina e a jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes/administradores praticam atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros, atento os contornos normativos que dela é feita nos artigos 252°, 259°, 260°, 408° e 409° do CSC [veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo 06732/13 de 31-10-2013] assim, é gerente/administrador aquele(s) que exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, praticando atos que traduzem tarefas de fiscalização, aprovação de contratos, pagamentos, assinaturas de diversos documentos que vinculem a sociedade, perante clientes, fornecedores, bancos, Estado, trabalhadores.

K. Neste sentido, ainda no Acórdão do TCA Sul de 06.10.2009 no processo 03336/09:
" VII) -Provando-se que o Oponente foi nomeado gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercia/ da sociedade, tem-se por verificada a gerência de facto não obstante se admita que todos os demais atos típicos de gerência eram praticados por terceira pessoa."
(…)
" Tal como vem sendo jurisprudência/mente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto."

L. Resulta assim, claramente, dos autos que a Oponente aceitou a administração da devedora originária em 12-10-2001, não prova ou sequer invoca não ter capacidade para entender o ato que estava a praticar, ficando assim incumbida dos deveres fundamentais do artigo 64° do CSC, praticou atos de administração de facto, aliás como ela própria assume na petição inicial, atos válidos que vincularam a sociedade nos termos dos artigos 408° e 409° do CSC, quer na data a que se reporta o imposto quer na data limite de pagamento.

M. Assim, incorreu em erro de julgamento a douta sentença, salvo o devido respeito por opinião diversa, ao concluírem sentido diverso.

N. Evidencie-se ainda que, resulta claramente dos autos que, a escritura supra referida, na qual a Oponente intervém na qualidade de representante da devedora originária, titula o negócio jurídico que levou à liquidação de imposto cujo não pagamento originou a dívida executiva aqui em causa, já que, não obstante a venda efetuada no valor de €7.500.000,00, a devedora originária não apresentou declaração de IRC relativa ao exercício de 2005, pelo que, os Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa notificaram a devedora originária para proceder à apresentação das declarações em falta, uma vez que, não foram as declarações apresentadas, procedeu a Inspeção Tributária à liquidação aqui em cobrança coerciva.

O. Ora, no caso dos autos, estão verificados os requisitos para o chamamento à execução da Oponente através do mecanismo da reversão.

Nestes termos e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.».


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A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo do modo que segue:

«a) A recorrida foi vogal da administração da executada devedora originária, mas nunca exerceu, de facto, a administração da sociedade.

b) Foi nomeada como vogal a pedido do seu marido, presidente do Conselho de Administração da executada, por haver necessidade de preencher o lugar deixado vago, mas apenas até ser escolhido novo elemento.

c) Não tem habilitações literárias ou outros conhecimentos que lhe permitam exercer qualquer cargo de gestão e a sua permanência como vogal da administração destinou-se, apenas, a cumprir uma formalidade legal,

d) A recorrida nunca tomou qualquer decisão de gestão. Limitava-se a receber e cumprir com ordens emanadas do Presidente do Conselho de Administração. Só por questões de necessidade e conveniência da executada e por forte pressão do seu marido é que fez parte da sua administração como vogal.

e) Todos os documentos que assinou, na qualidade de vogal da administração da executada, foram-no de acordo com as instruções e exigência do Presidente do Conselho de Administração, que era quem tomava todas as decisões na empresa.

f) A responsabilidade subsidiária do art°24° n°1 da LGT, depende do exercício efectivo do cargo da gerência ou administração.

g) É à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão contra o responsável subsidiário, que compete fazer prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.

h) E a Fazenda Pública não fez prova da gerência de facto da ora oponente, mas apenas de direito.

i) Não estão verificados os requisitos referidos no art°24°, da LGT, designadamente a gerência de facto, para que seja efectuada qualquer reversão das dívidas da sociedade para o oponente, o que constitui ilegitimidade um dos fundamentos da oposição à execução (art°204°, n°1, al.b) do CPPT).

j) A ilegitimidade do executado subsidiário determina a extinção da reversão no processo de execução fiscal, pelo que a responsabilidade assacada à recorrida, enquanto responsável subsidiária, é ilegal porque desconforme com o disposto no art°24° da LGT.

Termos em que, e por mais que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso interposto pela A. T. ser julgado totalmente improcedente, por ilegal reversão das dívidas da sociedade devedora originária, determinante da carência de legitimidade do chamado para a execução de acordo com o disposto na alínea b) do n°1 do art°204° do CPPT, determinando-se, em consequência, a total extinção da execução, assim se fazendo

JUSTIÇA».


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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos das Juízas Desembargadoras adjuntas, cumpre decidir em conferência.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste contexto, colocam-se à apreciação deste Tribunal Central Administrativo as seguintes questões:
(i) se a sentença padece de erro de julgamento de facto, por não ter levado ao probatório factos que a recorrente entende documentalmente comprovados e relevantes para apreciar e decidir a causa;
(ii) se, em face da factualidade que se tenha como provada, se mostra acertada a procedência da oposição com fundamento na ilegitimidade (substantiva) da recorrida para a execução fiscal.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A originária devedora, ... - Gestão de Empreendimentos Turísticos, SA., iniciou a sua atividade em 01/01/1997, com objeto social "Construção e Engenharia Civil", sendo que em 28/06/2008, passou a exercer como atividade principal o "arrendamento de bens imobiliários" e como atividade secundária a "compra e venda de bens imobiliários" bem como a " construção de edifícios" - cfr. fls. 132 a 135 e 144 dos autos;

2. Em 2005, figuram como representantes da ... - Gestão de Empreendimentos Turísticos, SA, os seguintes sujeitos que compõem o seu Conselho de Administração:

“imagem no original”
- cfr. fls. 132 a 135 e 144 e 144 verso dos autos;

3. Em 11/11/2005, é celebrada escritura pública de compra e venda de um imóvel, prédio urbano sito na Av. ..., freguesia das ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 9970, figurando como primeiros outorgantes " a) António ... e mulher O... (...) e, b) Jaime ... (...) outorgam como administradores únicos da ... - Gestão de Empreendimentos Turísticos, SA, (...)" -cfr. fls. 47 a 50 dos autos;

4. Em 29/01/2010, a ... - Gestão de Empreendimentos Turísticos, SA., "representada pelos seus administradores" António ... e O..., outorgam procuração forense -cfr. fls. 131 dos autos;

5. Em 16/01/2015, no âmbito do processo de execução fiscal n°3263201001033921, ..., 3263201301008668 e 3263201301203312, em que é originária executada, a ... -Gestão de Empreendimentos Turísticos, SA., são proferidos despachos de reversão, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., que resumidamente enunciam: " (...) Fundamentos da reversão: " Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.23°/n°2 LGT). Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº1/b/ LGT]. Quantia exequenda a exigir em sede de reversão € 1.459.056,58, em virtude de estar a decorrer termos a impugnação, proc.n°405/10.9BELRS, no TT Lx – 1º UO" - cfr. fls. 15 a 18,19 a 20,21 a 24, 25 a 26, 27 a 30, 31 a 32, 33 a 35 e 36 a 38 dos autos;

6. A dívida exequenda constante do processo de execução fiscal n°..., reporta-se a IRC e juros compensatórios do exercício de 2005, como a seguir se enuncia:
    PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
      IMPOSTO
    VALOR (€)
        ...
    IRC/JC/2005
    1.459.056,58
    TOTAL Divida Exequenda
    1.459.056,58

- cfr. fls. 15 a 18 dos autos;

7. Em 28/01/2015, O..., é citada no âmbito do processo de execução fiscal com n° ..., para proceder ao pagamento da dívida exequenda - cfr. fls. 82 a 86 dos autos;

8. Em 26/02/2015, é entregue no Serviço de Finanças de ..., p.i. que consubstancia a presente oposição - cfr. fls. 106 dos autos.»

Consta ainda da sentença recorrida a título «dos factos não provados» que «Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados» e, em sede de «motivação» que «A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente, referidos no probatório supra.».

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DO ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A recorrente impugna a matéria de facto dada como provada na sentença, pretendendo que seja aditado à redacção do ponto 2 da matéria de facto provada a factualidade que verteu na Conclusão D) e ainda que se considere provada a matéria constante na Conclusão E) de recurso.
No caso, a recorrente cumpriu o ónus consagrado no artigo 640.º, do CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
E isto porque, identificou os concretos pontos de facto que pretende ver aditados à matéria assente pela 1ª instância referindo os respectivos meios probatórios.
Por isso, e por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, por estar em causa a (i)legitimidade substantiva da recorrida na execução fiscal a que se reporta a presente oposição, impõe-se o pretendido aditamento, nos seguintes termos:
9. Na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, pela Ap.15/19961204, foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial «... – Gestão de Empreendimentos Turísticos, S.A.» e dela constam:
«FORMA DE OBRIGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS:
Forma de obrigar: a) Pela assinatura de dois administradores; b) de um administrador em conjunto com um mandatário com poderes bastantes; c) De um só administrador no qual o Conselho de Administração tenha delegado poderes suficientes e dentro dos limites dessa delegação; d) De um ou mais mandatários, em conformidade com os respectivos instrumentos do mandato.
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
António ..., designado por ...- Construções Civis, S.A.”
Cargo: Presidente
O...
Cargo: Vogal
Jaime ... – por deliberação de 2004/02/26
Cargo:Vogal.» - cfr. certidão permanente da sociedade, junta a fls. 132 a 135 do processo de execução fiscal apenso-.
Relativamente à matéria enunciada na conclusão E. não indica a recorrente as razões da pretendida ampliação e não vislumbra este Tribunal a relevância da mesma para a decisão de direito, por isso, revelando-se a ampliação dispensável à mesma se não procederá.
Termos em que procede parcialmente neste aspecto o recurso, justificando-se, por isso, a ampliação da matéria de facto, apenas, nos termos supra referidos.
O poder de correcção e ampliação deste Tribunal Central Administrativo não se esgota aos casos em que a recorrente, impugna a matéria de facto, pois que, também nos termos do artigo 662.º do CPC pode alterar oficiosamente a decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido.
Dito isto, afigurando-se-nos relevante para a apreciação do mérito do presente recurso e documentalmente comprovado nos autos, adita-se ao probatório ao abrigo do artigo 662.º do CPC, a seguinte factualidade:
10. A data limite de pagamento voluntário da dívida exigida na execução identificada no ponto 6 ocorreu em 23.12.2009- cfr. fls. 82 a 86 dos autos-.

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B.DE DIREITO

A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição, respeita a dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e Juros Compensatórios (JC) relativa ao exercício de 2005, no montante de 1.459.056,58€ inicialmente exigida à sociedade denominada «... Gestão de Empreendimentos Turísticos, S.A

Para julgar improcedente a oposição à execução fiscal entendeu a Juíza do Tribunal “a quo”, em síntese, que a outorga da escritura pública de compra e venda (ponto 3 do probatório) e da procuração forense (ponto 4 do probatório), por se tratarem de actos «(sem conexão temporal próxima) desgarrados de outros elementos de prova» não permite concluir que a Administração Tributária carreou factos suficientes de modo a demonstrar que a Oponente exerceu no ano de 2005 a gerência na devedora originária.

A recorrente insurge-se com o decidido, alegando que a representação da devedora originária em acto de disposição de imóvel, assim como a emissão de procuração a mandatário, demonstra amplamente o exercício da administração pela Oponente.

Sendo a questão a decidir a delineada em ii), impõe-se, um registo sobre os normativos legais aplicáveis à responsabilidade dos administradores e gerentes à data dos factos em juízo.

Vejamos, então.

Como se sabe, o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), assim porque a dívida exequenda se constituiu exercício de 2005, é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.

Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…).».

Na aplicação deste regime, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que, em qualquer uma das suas alíneas a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência (neste sentido, entre muitos outros, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No que respeita ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, louvando-se do entendimento da nossa jurisprudência, aliás pacífica e uniforme, é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.

Vale aqui, o sustentado, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no processo n.º 1132/06, onde se escreve que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

O mesmo entendimento está ínsito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 21.11.2012, proferido no processo n.º 0474/12 e que se transcreve (parcialmente), atento o interesse para a decisão da presente causa: «(…) Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346° do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Feito este enquadramento, vejamos, agora, o caso em apreciação.

Resulta da matéria assente que a devedora originária é uma sociedade comercial na forma anónima [ponto 1 do probatório].

O regime jurídico das sociedades anónimas consta dos artigos 271.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

O conselho de administração constitui o órgão encarregado da gestão da sociedade, cabendo-lhe praticar todos os actos conducentes à realização do objecto social e à representação da sociedade (cfr. artigos 405.º e 406.º do CSC). E os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade (cfr. n.º 4 do artigo 409º do CSC).

No caso subjudice, o Conselho de Administração da devedora originária é composto pelos seguintes membros: a Oponente (Vogal), Jaime ... (Vogal) e António ... (Presidente do Conselho de Administração), obrigando-se a mesma «a) Pela assinatura de dois administradores; b) de um administrador em conjunto com um mandatário com poderes bastantes; c) De um só administrador no qual o Conselho de Administração tenha delegado poderes suficientes e dentro dos limites dessa delegação; d) De um ou mais mandatários, em conformidade com os respectivos instrumentos do mandato.» [ponto P. do probatório].

Pois bem.

Efectivamente, tal como entende a Juíza da 1ª instância analisada isoladamente a intervenção da Oponente na outorga da escritura pública relativa a bem do acervo patrimonial da devedora originária não deixa de ser insuficiente para que se possa concluir que exerceu a efectiva gerência da sociedade.

Por um lado por se tratar de acto isolado e por outro lado, a sociedade devedora originária podia desenvolver a sua actividade sem a participação da Oponente, atenda a ampla forma de se obrigar.

E decorre do conteúdo declarativo do instrumento de procuração identificado no ponto 4 do probatório, extrai-se que através dele, a Oponente em representação e na qualidade de administradora da devedora originária, constituiu mandatário, a quem conferiu poderes forenses. No entanto, embora agindo em representação, o certo é que a outorga do instrumento de procuração e a concessão dos poderes respectivos ocorreu em data posterior ao pagamento da dívida exequenda (cinco anos após a ocorrência deste).

Não podemos, pois, sabendo tudo o que ficou referido, sufragar a tese avançada pela recorrente, por entendermos, que o facto inscrito no ponto 3 do probatório não deve ser valorizado de modo a dele se poder concluir, na ausência de outros factos, que a Oponente participava na gestão de facto da devedora originária.

Aliás, como já atrás dissemos e repetimos novamente, a devedora originária poderia, funcionar legalmente, de facto ou de direito, sem a participação da Oponente, já que para obrigar a sociedade não era imperioso a sua assinatura.

Assim, impõe-se concluir que a recorrente não logrou provar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da devedora originária, a Oponente também exercia de facto a gerência, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício no ano aqui em causa (2005) e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT e, nessa medida, não se mostrando provado o pressuposto supra analisado, é de concluir pela ilegitimidade da Oponente para a execução.

Assim sendo, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que o recurso terá de improceder e, em consequência confirmar-se a sentença recorrida.

DA DISPENSA DO PAGAMENTO DE REMANESCENTE DE TAXA DE JUSTIÇA

Conforme entendimento expresso no acórdão do STA de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13 a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável, tendo-se limitado, como referido, grosso modo, à discussão da questão jurídica da (i)legitimidade substantiva da oponente na execução fiscal,

Nada obsta que a recorrente seja dispensada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendo o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

IV. CONCLUSÕES

I. A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II. É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e titular do direito de reversão que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.

III. A outorga pela Oponente de escritura pública relativa a bem do acervo patrimonial da devedora originária não deve ser valorizada de modo a dela se poder concluir, na ausência de outros factos, que aquela participava na gestão de facto da devedora originária atenta a ampla forma de a obrigar.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.


Condena-se a Recorrente em custas, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º7, do RCP.

Registe e notifique.


Lisboa, 13 de Outubro de 2017.

[Ana Pinhol]

[Anabela Russo]

[Lurdes Toscano]