Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:588/10.8BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:02/03/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:I – De acordo com o disposto no artigo 652.º, n.º 3, in fine, do CPC, conjugado com o disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA, o prazo para reclamar da decisão do relator é de 10 dias.

II – E de acordo com o disposto no art. 6.º-B, n.º 5, al.s a) e d), da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (que estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), o prazo para a prática do acto em causa – a praticar na vigência da nova lei - não se encontrava suspenso, pois que se tratava de acto processual de tramitação em tribunal superior e a praticar através de plataforma informática que possibilitava a sua realização por via electrónica e sem que houvesse ulterior diligências a efectuar.

III- Na vigência da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, por força do disposto na alínea d) do n.º 5 daquele artigo 6.º-B, não se suspende o prazo para a apresentação de requerimento de reclamação para a conferência do despacho do relator.

III- O que impede a convolação do requerimento anteriormente apresentado como recurso em reclamação para a conferência, atenta a sua extemporaneidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. C………………………e mulher reclamaram para o STA do despacho de 23.04.2021 que rejeitou o recurso interposto da decisão sumária que concedeu provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Estado Português, e não convolou aquele em reclamação para a conferência por ter sido apresentado fora de prazo.

2. Pelo STA foi decidido rejeitar a reclamação e determinar a baixa dos autos a este TCAS para aqui ser apreciada como reclamação para conferência.

Extrai-se da decisão do STA a seguinte fundamentação:

“No caso o Relator do TCA rejeitou o recurso de revista para este STA por ter considerado que da decisão proferida cabia reclamação para a conferência e não recurso.

Os reclamantes não põem em causa o despacho reclamado na parte em que decidiu rejeitar o recurso, concordando em que da decisão sumária cabia reclamação para a conferência, nos termos do n° 3 do art. 652° do CPC (cfr. pontos 4. e 5. da presente Reclamação).

O que defendem é que o recurso (indevidamente interposto) deveria ter sido convolado em reclamação para a conferência. Isto porque, segundo alegam, nos termos do art. 6°-B, n° 1 da Lei n° 4-B/2021, de 01/2 todos os prazos se encontravam suspensos, sendo, portanto, tal convolação possível por estar em tempo.

Ora, como se vê do que acabou de dizer-se com a presente reclamação não pretendem os Reclamantes a admissão do recurso de revista que interpuseram, mas, antes, que se decida que a convolação do mesmo em reclamação para a conferência é tempestiva (pelos fundamentos que aduziram).

Significa isto que não estamos perante a previsão do art. 643°, n° 1 do CPC, que tem como objecto a admissão de um recurso que não o foi (cfr. art. 641°, n°s 1, 2 e 6 do CPC), reclamação, essa sim, que é dirigida ao tribunal superior (cfr. n° 3 do art. 643° do CPC).

Aqui, mais uma vez, o que está em causa é, face ao requerido na reclamação: “...revogar-se o douto despacho proferido determinando-se a convolação do requerimento de recurso em reclamação para a Conferência”, uma reclamação para a conferência, pois que a parte se considera prejudicada por despacho do relator, que não é de mero expediente, podendo requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, submetendo o relator o caso à conferência (cfr. n° 3 do art. 652° do CPC e n° 2 do art. 27° do CPTA).

3. Foi apresentada resposta na presente reclamação.

4. Com dispensa de vistos, vem agora o processo à conferência para apreciação da reclamação deduzida.

5. A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator. Como estatuí o art. 635º, n.º 3, do CPC, “[s]alvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”.

6. Cumpre, pois, na sequência do caso julgado formado pela decisão do STA, reapreciar a questão suscitadas pelos ora Reclamantes e que consiste em saber se a convolação do requerimento em causa em reclamação para a conferência é, ou não, tempestiva.

7. Apreciando

7.1. Dos factos

Consideram-se relevantes para a decisão as seguintes incidências processuais que constam dos presentes autos:

A) Em 19.01.2021 foi proferida decisão sumária pelo Relator na qual concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, da sentença do TAF de Sintra, revogando-a, julgando a acção improcedente e absolvendo o R. do pedido.

B) Esta decisão foi notificada aos aqui Reclamantes, na pessoa do seu Mandatário, em 20.01.2021.

C) Desta decisão interpuseram os Reclamantes recurso de revista por requerimento de 25.03.2021, juntando a respectiva alegação e conclusões.

D) Em 23.04.2021, foi proferido despacho pelo Relator, o qual rejeitou o requerimento de recurso de revista para o STA interposto da decisão sumária proferida nos autos e não convolou, por intempestivo, o requerimento de recurso em reclamação para a conferência.

7.2. Do Direito

Como identificado pelo STA, é o despacho identificado em D) supra que é objecto da presente reclamação.

Recapitulando, dos fundamentos apresentados na reclamação resulta que “in casu a decisão (singular) foi proferida em 19/01/2021 e notificada em 20/01/2021 pelo que se encontrava abrangida exclusivamente pela regra geral de suspensão da prática dos actos processuais constante do nº 1 do citado artº 6º - B, o que significa dizer que o prazo de 10 dias apenas tinha o seu termo em 15/04/2021”. Pelo que, sustentam os Reclamantes, “deve a presente reclamação ser admitida e, em consequência, revogar-se o douto despacho proferido determinando-se a convolação do requerimento de recurso em reclamação para a Conferência”.

Vejamos o que se disse no despacho reclamado para sustentar a impossibilidade de convolação do requerimento de recurso em reclamação para a conferência:

“(…)

Da decisão do relator, proferida aliás com expressa invocação do art. 656.ºdo CPC, não cabe recurso jurisdicional, mas sim reclamação para a conferência deste TCA. Sobre isso dúvida não pode ocorrer, uma vez que, para além de a mesma ter sido assinada (apenas) pelo relator e de ter como título “decisão”, nesta se invocou expressamente que a sua prolação era-o a coberto disposto no art. 656.º do CPC, ex vi art. 140.º, nº 3, do CPTA.

Das decisões proferidas pelo relator cabe reclamação para a conferência e não recurso (art. art. 652.º, nº 3, 4 e 5, do CPC).

In casu, porém, a apreciação da reclamação para a conferência mostra-se impossível de efectuar, por não estarem reunidos os respectivos pressupostos adjectivos.

Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 652.º º, n.º 3, in fine, do CPC, conjugado com o disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA, o prazo para reclamar da decisão do relator é de 10 dias, prazo esse que se encontra precludido à data da apresentação do requerimento dos Recorrentes (mesmo considerando a multa dos 3 dias). A decisão em causa foi notificada electronicamente em 20.01.2021 (cfr. reg. SITAF n.º 004023706) e o requerimento deu entrada em 24.03.2021, manifestamente fora do prazo dos 10 dias e igualmente já para além do prazo com multa a que se reporta o art. 139.º, n.º 5, do CPC (que terminava a 3.02.2021).

Ademais, de acordo com o disposto no art. 6.º-B, n.º 5, al.s a) e d), da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (que estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), o prazo para a prática do acto em causa – a praticar na vigência da nova lei - não se encontrava suspenso, pois que se trata de acto processual de tramitação em tribunal superior e a praticar através de plataforma informática que possibilita a sua realização por via electrónica, sem que haja ulterior diligências a efectuar. [sublinhado nosso]

A decisão proferida pelo relator é de manter integralmente, nos exactos termos da sua fundamentação que aqui se reitera.

Sublinhe-se que foram aditados à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, os artigos 5.º-A, 6.º-B, 6.º-C, 6.º-D e 8.º-E, relevando aqui o artigo 6.º-B:

“Artigo 6.º-B (Prazos e diligências)

1- São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

5- O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

(…).”

Com efeito, atenta a redação das alíneas a) e b) do nº 5 do art. 6º-B Lei n.º 4-B/2021 de 1 de Fevereiro (que prevê a tramitação dos processos não urgentes, num caso a tramitação no tribunal superior e no outro caso a tramitação nomeadamente pelas secretarias judiciais), o prazo de recurso ou reclamação para a conferência, porque corrido em processo pendente em tribunal superior não estava suspenso, nos termos da al. a) do nº 5 do art. 6º da mesma Lei nº n.º 4-B/2021, devendo por isso a reclamação ser indeferida; como o foi.

Considerando o apontado regime legal, a suspensão dos prazos e diligências nos processos não urgentes não obsta, portanto, à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes nos termos previstos, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades, apresentação de requerimento da retificação ou reforma da decisão ou de requerimento de reclamação para conferência do despacho do relator (cfr., i.a. o ac. do T.R.Coimbra de 15.11.2021, proc. n.º 69/13.8TAALD.C1; idem, o ac. do T.R. Porto de 7.10.2021, proc. n.º 121276/19.8YIPRT.P1).

8. Pelo que, nada mais importando apreciar, na improcedência da presente reclamação, terá que manter-se a decisão do relator.

9. Sumariando:

I – De acordo com o disposto no artigo 652.º, n.º 3, in fine, do CPC, conjugado com o disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA, o prazo para reclamar da decisão do relator é de 10 dias.

II – E de acordo com o disposto no art. 6.º-B, n.º 5, al.s a) e d), da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (que estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), o prazo para a prática do acto em causa – a praticar na vigência da nova lei - não se encontrava suspenso, pois que se tratava de acto processual de tramitação em tribunal superior e a praticar através de plataforma informática que possibilitava a sua realização por via electrónica e sem que houvesse ulterior diligências a efectuar.

III- Na vigência da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, por força do disposto na alínea d) do n.º 5 daquele artigo 6.º-B, não se suspende o prazo para a apresentação de requerimento de reclamação para a conferência do despacho do relator.

III- O que impede a convolação do requerimento anteriormente apresentado como recurso em reclamação para a conferência, atenta a sua extemporaneidade.


10. Em face do exposto:

Acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação apresentada, confirmando o despacho do relator que decidiu não convolar, por intempestivo, o requerimento de recurso apresentado em reclamação para a conferência.

Custas pelos Reclamantes.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2022

Pedro Marchão Marques
Carlos Araújo
Rui Belfo Pereira