Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1287/19.0BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:02/04/2021
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CADUCIDADE DA ADJUDICAÇÃO
NÃO PRESTAÇÃO DA CAUÇÃO
Sumário:I – Um pedido de prorrogação de prazo para prestação de caução apresentado no último dia desse prazo após as 17.00 horas não pode ser considerado tempestivamente apresentado.
II – Tal pedido, ainda que seja formalmente dirigido ao júri, tem como destinatária a entidade adjudicante.
III – É fundado o juízo da entidade adjudicante no sentido de não considerar imputável ao adjudicatário a falta de apresentação tempestiva da caução quando já ocorreu a sua aprovação pela entidade bancária e não houve falta de diligência na obtenção da garantia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório:

G....., Lda. intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a presente ação de contencioso pré-contratual contra o Instituto da Segurança Social, IP e, na qualidade de contrainteressadas, A....., Unipessoal, Lda, A....., S.A., E....., S.A. e A....., S.A pedindo que fosse anulada a decisão que lhe foi notificada em 03.10.2019 segundo a qual a Entidade Demandada decidiu que “[n]ão foi detectado qualquer motivo que determinasse a caducidade da adjudicação realizada.” da proposta da Contrainteressada A.....; e que fosse declarada a (i) caducidade da adjudicação da proposta da Contrainteressada A....., por força do disposto no n.º 1 do artigo 91.º do CCP, e (ii) a adjudicação da sua proposta, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 91.º do CCP; ou, alternativamente, que fosse condenada a Entidade Demandada a praticar estes atos.

Por decisão de 30 de janeiro de 2020 foi admitida a ampliação do objeto da causa à anulação da deliberação do Conselho Diretivo da Entidade Demandada de 18 de setembro de 2019 e à anulação do contrato celebrado entre esta e a Contrainteressada A......

Por sentença de 9 de outubro de 2020 foi, a ação, julgada totalmente improcedente.

A A., inconformada, recorreu de tal decisão, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente caso tinha e tem tudo para que seja decidido pela procedência da ação, tendo mal decidido a Sentença recorrida;
2. O caso contém inúmeras incoerências por parte da decisão impugnada e a Sentença recorrida não as soube identificar, não obstante manifestas; com efeito,
3. A A..... invocou como único fundamento do seu incumprimento do prazo de prestação da caução “administradores” (que não se sabe quem) do Banco estarem de férias (sem que tenha sido provado, muito menos sem ser dado como provado pela Sentença, que estivessem de férias) e que por isso não poderiam autorizar em tempo a emissão da caução (sem que tenha sido provado que tal pretenso facto de tais pessoas, que não se sabe que, estarem supostamente de férias fosse impeditivo da emissão da caução pelo Banco; porém,
4. Mais: se o Tribunal a quo aceitou a resposta do Banco, quando foi instando para tanto, de que a informação sobre se os administradores (e quais) do Banco estavam de férias constituía matéria de sigilo bancário por relativa à “vida interna” do Banco que não podia ser revelada, não podia ao mesmo tempo, ao contrário do que fez na Sentença recorrida, considerar verosímil que o mesmo Banco teria dado essa mesma informação (negada ao Tribunal) à A..... (nota-se que o fundamento do sigilo bancário invocado não tinha que ver com o sigilo face ao caso concreto da A....., mas com a “vida interna” do Banco), não é razoável nem provável, e é no mínimo contraditório, pelo que não podia dar como provado tal facto, caso se considere que o foi no ponto 9 da Sentença recorrida;
5. E, se o Banco informou o Tribunal a quo que daria a conhecer os trâmites do caso concreto da emissão desta caução em discussão nos autos e o Tribunal notificou a A..... para autorizar, foi a própria A..... que não o autorizou que tal fosse feito, tendo ficado o portanto o Tribunal a quo numa situação de total desconhecimento sobre o ocorrido no procedimento junto do Banco para a emissão da caução (porque a própria A..... negou-lhe expressamente autorização para tanto), como poderia em coerência o Tribunal a quo limitar-se a aceitar como prova de factos que só o Banco poderia atestar, a mera declaração pela A..... (através do seu requerimento de prorrogação de prazo e do seu próprio depoimento de parte e do testemunho do seu próprio funcionário que acompanhou o procedimento no seu interesse)? Não podia, mas fez…
6. Como podia o Tribunal a quo, só com a palavra da própria A..... (através do seu requerimento de prorrogação de prazo e do seu próprio depoimento de parte e do testemunho do seu próprio funcionário que acompanhou o procedimento no seu interesse), aceitar que a culpa não era sua, quando esta não permitiu que o Banco, que se disponibilizou para tanto, prestasse ao Tribunal a quo as informações que o próprio Tribunal a quo considerou relevantes (caso contrário nas as teria solicitado ao Banco) para a decisão dos autos? Não podia, mas fez…
7. Como podia o Tribunal a quo considerar minimamente razoável e provável que um Banco, cuja atividade é intensamente regulada pelo Banco de Portugal, se colocasse numa situação em que teria todos os seus administradores (três e um suplente) com competência para emitir cauções de férias ao mesmo tempo e sem qualquer redundância (o que nem sequer é credível ou provável ter ocorrido quando, de acordo com o Relatório de Contas de 2019 do Banco, “O Conselho de Administração reúne, pelo menos, 1 vezes por semana, tendo realizado um total de 93 reuniões ordinárias no ano de 2019”, ano esse que teve 52 semanas), e isto no mês de setembro, onde, ao contrário dos meses de junho a agosto, já não é sequer tão comum que várias pessoas tirem férias ao mesmo tempo? Não podia, porque não é minimamente razoável ou provável... mas fez…
8. E ainda assim, o Tribunal a quo acabou por se bastar com o que a própria A..... lhe veio explicar, através do seu próprio depoimento de parte e da sua testemunha (funcionário da própria responsável pela intervenção da A..... no procedimento e, por isso, que atuou no interesse da própria), sem pelo menos que qualquer funcionário que fosse do Banco o viesse atestar como verdadeiro, para já não falar de qualquer documento emitido do Banco que o atestasse… Não podia, mas fez…
9. A mera situação de, à data do termo do prazo para prestar a caução, o procedimento junto do Banco para emissão da caução ainda se encontrar a decorrer não pode ser considerada automaticamente, ao contrário do que fez a Sentença recorrida, uma situação de imputação ao Banco, muito menos de uma situação de imputação exclusiva ao mesmo (e não também do adjudicatário, neste caso a A.....);
10. A Sentença recorrida não podia ter concluído que já havia materialmente uma caução à data do termo do prazo para a sua prestação pela A..... porque nem sequer ficou provado que a essa data já havia um encontro de vontades das partes que só faltasse ser formalizada (não foi provado quando enviou a A..... a sua aceitação ao Banco, estando o espaço do documento para a indicação da data pela A..... em branco, facto que erradamente, salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida considerou não ser relevante, o que é contraditório com a sua conclusão de que já haveria uma caução materialmente, e a própria Sentença recorrida admite na sua página 29 não saber de quem é a assinatura que aí consta);
11. Nos presentes autos não foi provado, em momento algum, que o incumprimento do prazo para prestação da caução ocorreu por culpa do Banco, pelo que não podia o Tribunal a quo, na Sentença recorrida, extrapolar tal conclusão sem factos provados concretos nesse sentido (e assim é porque, tendo havido um incumprimento, ele tem que ser imputável a alguém);
12. Ao admitir que o não cumprimento do prazo para prestar a caução não é minimamente imputável ao adjudicatário mas exclusivamente ao Banco porque o procedimento interno no Banco ainda estaria a decorrer quando o prazo terminou, sem aferir se houve efetivamente algum atraso por parte do Banco face aos tempos que lhe eram devidos e sem aferir se o adjudicatário praticou todos os atos que lhe eram devidos perante o Banco e em tempo, a Sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento e violou o disposto no n.º 1 do artigo 91.º do CCP e o ónus que incumbia ao A..... de provar que não lhe era imputável o seu incumprimento do prazo para prestação de caução (que só conseguiria provando a culpa do Banco, o que não fez);
13. O exposto pressupõe que o próprio pedido de prorrogação do prazo tivesse sido apresentado em tempo, o que nem sequer o foi, ao contrário do que a Sentença recorrida julgou, pelo que nem sequer era possível prorrogar o prazo, sendo indubitável que a regra do n.º 2 do artigo 469.º do CCP era aplicável ao mesmo, desde logo porque o pedido, ainda que incorretamente dirigido ao júri do procedimento pela A..... (quando o júri já nem sequer estava em funções e não tinha competência para a decisão em causa), só podia legalmente ser dirigido ao órgão competente para a decisão de contratar, a quem o n.º 2 do artigo 469.º do CCP é indubitavelmente aplicável, tanto que foi este quem decidiu sobre o mesmo;
14. Ao concluir que ao pedido de prorrogação de prazo para a prestação da caução apresentado pela A..... não era aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 469.º do CCP por o mesmo ser uma comunicação dirigida ao júri, a Sentença recorrida violou essa mesma norma legal e abre um precedente inadmissível de acordo com o qual bastará dirigir um pedido erradamente ao júri de um procedimento (quando por lei teria que ser ao órgão competente para a decisão de contratar) para contornar de forma fraudulenta a regra do n.º 2 do artigo 469.º do CCP.

O R. apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
1. A Recorrente no seu requerimento para interposição do presente recurso vem indicar que o mesmo “tem efeito suspensivo”, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, que invoca.
2. No entanto, ao abrigo do n.º 3 do artigo 143.º CPTA “Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.”
3. Assim, considerando que a matéria em causa respeita a um concurso público para o fornecimento de géneros alimentares no âmbito do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC), a suspensão da sentença será passível de originar prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos e privados por ela prosseguidos e mesmo de facto consumado, conforme por duas ordens de razões:
a) - Graves prejuízos financeiros que a não execução do presente contrato pode acarretar para o ora Recorrido e para o Estado Português, face à penalização pela aplicabilidade da regra do ano n+3, prevista no n.º 1 do artigo 59.º do Regulamento (UE) n.º 223/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de março, o qual determina que a Comissão Europeia procede à anulação de qualquer parte do montante destinado a um programa operacional, que não seja utilizado e reportado até 31 de dezembro do terceiro exercício financeiro, após o ano da autorização orçamental para esse programa operacional ;
b) – Graves repercussões para as famílias carenciadas que são apoiadas pelo FEAC, que deixam de receber o queijo de vaca curado meio gordo, que faz parte de um cabaz de alimentos – Programa Operacional de Apoio às Pessoas mais Carenciadas” elaborado pela Direção-Geral de Saúde, do qual constam detalhados os géneros alimentares a distribuir para cada um dos indivíduos tipo, bem como as respetivas quantidades por grupo etário para o período de um mês.
4. Tal situação vai gerar necessariamente um desequilíbrio da composição do cabaz de géneros alimentares, em termos proteicos e nutricionais, inviabilizando o cumprimento do objetivo de assegurar 50% das necessidades energéticas e nutricionais dos indivíduos, podendo acarretar problemas de saúde e bem-estar dos destinatários finais, por falta de acesso a géneros alimentares essenciais.
5. Nestes termos e nos mais de direito, requer-se que o presente recurso tenha mero efeito devolutivo.
6. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” que negou provimento à pretensão da ora Recorrente, no contencioso pré-contratual que correu termos sob o n.º 1287/19.0BELRA, e absolveu dos pedidos o ora Recorrido.
7. A Recorrente vem alegar que a mesma padece de vários erros de facto e de direito, pugnando desta forma pela revogação e substituição da sentença recorrida por outra que julgue integralmente procedente a ação intentada pela Autora.
8. Defende a Recorrente que, “(…) a Sentença considerou como provado que administradores do Banco teriam estado de férias naquela altura (…) Não o podia fazer, no entanto, porquanto foi produzida prova de tal (…) o ponto 9 da matéria de facto deve ser eliminado da mesma se aí estiver no sentido de que teria sido provado que administradores do Banco estavam de férias nessa altura e que teria sido por isso que não foi possível à A..... prestar a caução em tempo (…)”
9. Ora, conforme consta na douta sentença “(…) a convicção do Tribunal quanto à prova da factualidade em causa decorreu do teor das declarações de parte do representante legal da Contra-Interessada A....., (…) corroboradas (para o que aqui interessa) pela testemunha Alexandre José Louro. Com efeito, a testemunha em causa, colaborador da Contra-Interessada, acompanhou toda a tramitação do procedimento aqui em discussão, mais tendo tido intervenção nas diligências realizadas pela adjudicatária para obtenção de garantia bancária, de onde lhe advém o conhecimento directo quanto aos factos relativamente aos quais prestou depoimento de modo coerente e credível, sustentando o teor das declarações de parte, tendo descrito as diligências realizadas junto do banco, confirmado a aprovação da garantia bancária até ao dia 13.09.2019 e mais tendo corroborado que foram informados por funcionário do banco (que identificou como sendo J....., o que coincidiu, aliás, com a identificação também efectuada pelo gerente da Contra-Interessada) de que os seus administradores estavam de férias e por isso indisponíveis para assinar (…)”.
10. Do exposto resulta claramente da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, que os administradores do Banco se encontravam de férias.
11. Pelo que deve considerar-se como provado o facto indicado no ponto 9) da douta sentença.
12. Vem a Recorrente defender que “(…) o pedido de prorrogação do prazo para a apresentação da caução era extemporâneo, por ter sido apresentado após as 17h00 do último dia do prazo (…) alegando para tanto que (…) o entendimento expresso na sentença recorrida é manifestamente erróneo, conduz a resultados absurdos e é contrario ao entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo(…)”
13. A douta sentença, concluiu nos seguintes termos, “(…) Seguindo o assim decidido no caso em apreço, temos que à situação sub judice não é aplicável a presunção estipulada pelo artigo 469.º, n.º 2 do CCP, não sendo exigível àquela que tivesse apresentado o seu pedido de prorrogação de prazo para prestação de caução até às 17h00 do último dia do prazo de que dispunha para esse efeito. De tal modo que, concluindo, sendo a data limite de prestação de caução o dia 13.09.2019, a apresentação de pedido de prorrogação do respectivo prazo nesse mesmo dia, pelas 18h59, assume-se como tempestiva. Improcede, pois, o invocado fundamento de invalidade dos actos impugnados. (…)”
14. O n.º 2 do artigo 469.º do CCP, determina que – “(…) As notificações e as comunicações que tenham como destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público e que sejam efectuadas através de correio electrónico, telecópia ou outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, após as 17 horas do local de recepção ou em dia não útil nesse mesmo local, presumem-se feitas às 10 horas do dia útil seguinte (…)”.
15. Efetivamente, a lei não define que as comunicações em apreço nos autos, têm de ser enviadas até às 17:00 horas, e que não o sendo, são consideradas como recebidas no dia seguinte [e assim, fora de prazo, o que importa numa desvantagem para a contrainteressada], e também não restringe o horário da entrega, sendo que, o entendimento do ora Recorrente, contende com a fixação do prazo em dias úteis, e em horas, a que se reporta o artigo 470.º, n.º do CCP, e o artigo 87.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA].
16. Com efeito, os artigos supra relativos à contagem dos prazos, não excluem a aplicação do n.º 2 do artigo 469º do CCP, o qual contem uma presunção iuris tantu, respeitante à data das comunicações efetuadas.
17. No caso concreto, o programa de concurso, na cláusula 24, menciona o prazo de 10 dias após a notificação da adjudicação, para a apresentação da prestação de caução.
18. O Réu definiu como hora limite de entrega da caução, na plataforma eletrónica, as 23h:59, conforme notificação de prorrogação de prazo e email remetido, em 25/11/2019, pela acingov, que consta no Processo Administrativo.
19. O artigo 3.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, refere expressamente que “as comunicações, as trocas de dados e de informações processadas através das plataformas eletrónicas, nos termos estabelecidos no CCP, bem como o respetivo arquivo, devem obedecer às regras, requisitos especificações técnicas previstos na presente lei”.
“As plataformas eletrónicas devem garantir, no mínimo, os seguintes requisitos funcionais: o) Dispor de um relógio/contador relativo à hora oficial portuguesa indicativo do prazo restante, contado nos termos do CCP, para cada fase do procedimento, designadamente, para (…) prestação de caução (…)”, conforme previsto na alínea o) do n.º 1 do artigo 30.º do CCP.
20. Nesta medida, tendo a plataforma definido o prazo de entrega da prestação de caução, em horas, não se aplica o n.º 2 do artigo 469.º do CCP, ilidindo-se a presunção ínsita na norma, aplicando-se assim, a alínea e) do n.º 1 do artigo 87.º “À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras: (…) e) É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas; (…)”.
21. Neste sentido, temos o Acórdão do STA, de 23/11/2017, proferido no âmbito do Processo n.º 0943/17. “(…) Assim, o adjudicatário sabe que tem x dias para apresentar os documentos de habilitação e para prestar a caução, sendo que no último dia do prazo, se não o fizer até às 17 horas, presume-se que praticou/comunicou esses actos às 10 horas do dia útil seguinte. A esta conclusão não obsta o artigo 87.º do CPA, designadamente a sua al. e) (“É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas”), porquanto, desde logo, esta alínea refere-se a casos em que os prazos são indicados em horas, contrariamente ao que sucede no caso dos autos em que o prazo é dado em dias (dez dias). (…)” sublinhado nosso.
22. Pelo ora exposto considera-se que o pedido de prorrogação de prazo, entregue na plataforma eletrónica, no dia 13 de setembro de 2019, pelas 18h:59, foi efetuado dentro do prazo legal, atendendo a que a hora limite de entrega, que estava definida na plataforma eletrónica, era as 23h:59.
23. Defende por último a ora Recorrente, que “(…) estamos perante um claro caso de caducidade da adjudicação da proposta da A....., tendo incorrido o douto Tribunal a quo na Sentença recorrida de manifesto erro de julgamento desses mesmos factos.(…) invocando para tanto que – o Tribunal a quo aceitou a mera palavra da própria parte interessada – a A..... e de um seu funcionário (cfr. motivação da matéria de facto acima transcrita), ambos com testemunho
em causa própria – de que administradores do Banco – que não se sabe quem são – estavam de férias naquela altura – sem qualquer prova de tanto – e que seria por isso que a culpa tinha sido do Banco e não da A..... (…) a falta da prestação de caução atempada.
24. Ora, decorre do próprio Processo Administrativo, designadamente do requerimento entregue pela contrainteressada, A..... e da missiva anexa subscrita pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Beira Baixa (SUL), CRL com a Ref.ª...., o seguinte:
- A Contrainteressada, A..... já teria solicitado a emissão da garantia bancária, por carta com a ref.ª ....., datada de 09/09/2019;
- A garantia solicitada em tempo foi sujeita a reavaliação pela CCAM;
-Os Administradores da CCAM estavam de férias;
25. Nestes termos, da conjugação do fundamento invocado pela Contrainteressada e da missiva anexa da CCAM, facilmente se chega à conclusão que apesar da Contrainteressada ter solicitado em tempo a emissão da garantia, a mesma só não foi apresentada dentro do prazo legal, por facto que não lhe era imputável.
26. E para dissipar eventuais dúvidas, quanto à questão da (in)imputabilidade à adjudicatária da falta de prestação atempada de caução imputabilidade, foi realizada Audiência Final, para inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, que vieram corroborar os factos descritos na contestação.
27. E foi neste sentido, alicerçando-se na prova documental e na prova produzida em audiência final, que o Tribunal “a quo”, decidiu nos seguintes termos: “(…) à data em que foi efectuado o pedido de prorrogação de prazo para prestar caução, a Caixa de Crédito Agrícola já havia aprovado a garantia bancária solicitada pela ContraInteressada A....., conforme decorre expressamente da declaração de aprovação junta com aquele pedido (ponto 8 dos factos provados).
Do que se disse decorre, pois, que à luz dos documentos apresentados pela adjudicatária com o pedido de prorrogação de prazo, a garantia bancária correspondente ao procedimento aqui em discussão se encontrava já aprovada pela Caixa de Crédito Agrícola e aceite pela Contra-Interessada, cujo gerente se encontrava disponível à data de 13.09.2019. Significa isto, não se poderá deixar de salientar, que em falta estariam apenas questões formais relativas à emissão e assinatura da garantia bancária (aspectos cuja realização, na verdade, não incumbia à Contra-Interessada, à qual nada mais restava do que aguardar pela formalização e disponibilização da garantia pela Caixa de Crédito Agrícola), sendo certo que, em termos substanciais, a aprovação da caução estava já assegurada à data de 13.09.2019. À luz do exposto, nenhuma censura há a apontar ao juízo constante da deliberação de deferimento do pedido de prorrogação de prazo para prestar caução e da informação que a acompanha, na medida em que os documentos remetidos pela Contra-Interessada A..... naquela data suportavam a factualidade por si invocada e tornavam credível a conclusão de que não lhe era imputável a não emissão até àquela data da garantia bancária necessária (a qual, reitera-se, já se encontrava aprovada na data do termo do prazo legal para prestação de caução)
28. Termos em que, o ora Recorrido defende que não deve ser provimento a pretensão do Recorrente
29. E em consequência deverá a contrainteressada, A..... manter-se como adjudicatária no procedimento em crise e executar o contrato na íntegra.
30. Por se tratar de uma decisão perfeitamente legal, fundamentada e à qual não pode ser assacado qualquer vício de ilegalidade.
31. Por força de tudo o aludido, defende o ora Recorrido que a decisão do Tribunal a quo é claramente válida, devendo manter-se nos precisos termos.

A Contrainteressada A..... apresentou contra-alegações, não tendo formulado conclusões.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, à conferência, para julgamento.

Questão Prévia:
- Da junção de documentos:
Com a sua alegação de recurso a Recorrente juntou um documento intitulado “C.C.A.M. Beira Baixa (Sul) Crédito Agrícola, Relatório e Contas 2019”.
A junção de documentos na fase de recurso apenas se pode admitir a título excecional e depende da alegação pelo interessado nessa junção da impossibilidade da sua apresentação em momento anterior e de ter o julgamento em primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, como resulta dos art.ºs 651º, n.º 1 e 425º e 423º do CPC (cfr. v.g. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09.2012. processo 174/08, do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.02.2018, processo 176/14, do Tribunal da relação do Porto de 08.03.2018, processo 4208/16 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.11.2014, processo 628/13, todos publicados em www.dgsi.pt).
Nada tendo sido alegado em nenhum desses sentidos, não é admissível a sua junção que, portanto, se indefere.


II – Objeto do recurso:

Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir, de acordo com uma ordem lógica, as seguintes questões:
a) erro de julgamento quanto a matéria de facto: a factualidade vertida em 9) da Fundamentação de Facto;

b) erro de julgamento quanto a matéria de direito: a intempestividade do pedido de prorrogação de prazo apresentado pela Adjudicatária; violação do art.º 469º, n.º 2 do CCP;

c) erro de julgamento quanto a matéria de direito: imputabilidade do incumprimento do prazo para prestação de caução; violação do art.º 91º, n.º 1 do CCP.



III – Fundamentação De Facto:

Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

1) Por anúncio de procedimento com o n.º 2779/2019, publicado no Diário da República, II Série, de 18.03.2019, foi publicitada a abertura de concurso público pela aqui Entidade Demandada, cujo objecto tinha a designação de Fornecimento de cavala em filetes em óleo vegetal em latas individuais - FEAC - 2019/2022– cf. ficheiro com a designação DRE_Cavala que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

2) Do teor do programa de concurso referente ao procedimento mencionado no ponto anterior extrai-se, designadamente, o seguinte:
“(…) 1. TIPO E OBJETO DO PROCEDIMENTO
1.1. O presente procedimento concurso público encontra-se em conformidade com o disposto nos artigos 130.º e seguintes do Código dos Contrato Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, na sua atual redação.
1.2. O presente procedimento destina-se ao fornecimento do género alimentar (Filetes de Cavala em Óleo Vegetal), no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC) nos exatos termos previstos e definidos no presente programa do concurso, caderno de encargos e respetivos anexos, que dele fazem parte integrante.
(…) 17. PREÇO BASE
O preço base global do procedimento é de 9.927.107,19 € (nove milhões novecentos e vinte e sete mil e cento e sete euros e dezanove cêntimos), ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor, integrando o preço base do género alimentar, no montante de 9.828.819,00 € (nove milhões oitocentos e vinte e oito mil e oitocentos e dezanove euros) e o preço base do transporte, no montante de 98.288,19 € (noventa e oito mil, duzentos e oitenta e oito euros e dezanove cêntimos).
(…) 19. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
19.1. A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinado pela modalidade avaliação do preço, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 74.º do CCP.
19.2. O critério de adjudicação é aplicável ao preço global da proposta, com referência ao preço base global do procedimento definido no ponto 17.
(…) 24. CAUÇÃO
Para garantia da celebração do contrato e do exato e pontual cumprimento de todas as obrigações legais e contratuais que dele decorrem, o adjudicatário, deve prestar uma caução no valor de 5% do valor contratual (com exclusão do IVA), no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação para esse efeito e, no dia subsequente a este prazo, apresentar o respetivo comprovativo junto da entidade adjudicante, nos termos do n.º 2, do artigo 77.º do CCP. A caução é prestada através de garantia bancária de acordo com o modelo indicado no Anexo IV.
(…)” – cf. ficheiro com a designação Programa concurso FEAC_cavala que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

3) No âmbito do procedimento identificado em 1) foram apresentadas propostas pelas seguintes empresas:
- F....., S.A.;
- A....., Lda.;
- E....., S.A.;
- G....., S.A.;
- A....., S.A.
– cf. ficheiro com a designação Relatório Preliminar - Filetes de Cavala que integra o processo administrativo junto aos autos, para a qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzida;

4) No âmbito do procedimento identificado em 1) foi elaborado relatório final, em data não concretamente apurada, de cujo teor se extrai, designadamente, o seguinte:
“(…)

(…)” – cf. ficheiro com a designação Relatório Final Filetes da Cavala FEAC que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

5) Por deliberação do Conselho Directivo da Entidade Demandada, datada de 29.08.2019, foi proferida decisão de adjudicação da proposta apresentada pela Contra-Interessada A..... – cf. ficheiro com a designação Informação com a deliberação do CD e Minuta de Contrato que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

6) A decisão a que se refere o ponto anterior foi notificada aos concorrentes, através da plataforma electrónica onde decorreu o procedimento, em 31.08.2019 - docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos, bem como posição das partes nos articulados;

7) No dia 13.09.2019, pelas 18 horas e 59 minutos, a Contra-Interessada A..... apresentou na plataforma electrónica pedido de prorrogação de prazo para apresentar caução, de cujo teor se extrai, para além do mais, o seguinte:
“(…)


(…)” - cf. ficheiro com a designação Pedido_Prorroga_o_Garantia_Banc_ria que integra o processo administrativo junto aos autos, bem como documento junto aos autos em 29.04.2020, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos;

8) Juntamente com o pedido de prorrogação a que se refere o ponto anterior foi apresentada missiva da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Beira Baixa (Sul), de cujo teor se extrai o seguinte:
“(…)

(...)

(…)” - cf. ficheiro com a designação Pedido_Prorroga_o_Garantia_Banc_ria que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

9) Os administradores que se encontravam de férias a que se refere o pedido de prorrogação mencionado em 7) eram os administradores da instituição bancária que contratualizou a caução apresentada pela Contra-Interessada A..... - declarações de parte do representante legal da identificada Contra-Interessada, bem como depoimento da testemunha Alexandre José Louro;

10) O pedido de prorrogação do prazo para prestação da caução apresentado pela Contra-Interessada A..... foi deferido, por Deliberação do Conselho Diretivo da Entidade Demandada de 18.09.2019, exarada na informação n.º .....de 17.09.2019, fixando um prazo de 10 dias úteis para prestar a caução na modalidade de garantia bancária
- cf. ficheiro com a designação Informação com deliberação do deferimento da prorrogação que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

11) Da informação a que se refere o ponto anterior extrai-se, para além do mais, o seguinte:
“(…)


(…)” - cf. ficheiro com a designação Informação com deliberação do deferimento da prorrogação que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

12) A decisão de prorrogação de prazo para prestar caução foi notificada à Contra-Interessada A..... em 19.09.2019 - cf. ficheiro com a designação Notificação para apresentar a garantia que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

13) Em 02.10.2019 foi emitida garantia bancária pela Caixa de Crédito Agrícola, em nome da Contra-Interessada A....., para efeitos do procedimento identificado em 1) - doc. n.º 3 junto com a petição inicial, bem como ficheiro com a designação Garantia_Banc_ria que integra o processo administrativo, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzido;

14) Do teor da garantia a que se refere o ponto anterior extrai-se, para além do mais, o seguinte:
“(…)


(…)” - doc. n.º 3 junto com a petição inicial, bem como ficheiro com a designação Garantia_Banc_ria que integra o processo administrativo, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos;

15) Em 03.10.2019, a Contra-Interessada A..... apresentou a garantia bancária a que se refere o ponto anterior na plataforma electrónica onde decorreu o procedimento - docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos;
16) Nesse mesmo dia 03.10.2019, a Autora foi notificada da apresentação da caução, constando da plataforma electrónica, designadamente, o seguinte:
“(…)

(…)” - doc. n.º 4 junto com a petição inicial, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

17) Em 04.10.2019 foi celebrado contrato entre a Entidade Demandada e a Contra-Interessada A..... - cf. ficheiro com a designação contrato que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

18) Em 09.10.2019, a Autora apresentou impugnação administrativa, tendo em vista, em suma, a declaração da caducidade da decisão de adjudicação da proposta da Contra-Interessada A..... e a adjudicação da proposta daquela - doc. n.º 5 junto com a petição inicial, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;

19) Ao contrato a que se refere o ponto 17) foi concedido visto pelo Tribunal de Contas em 13.11.2019 - cf. ficheiro com a designação Ofício Tribunal de contas que integra o processo administrativo junto aos autos, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido;


20) A Contra-Interessada A..... é uma sociedade por quotas, que tem como gerente único o seu sócio R..... - doc. n.º 6 junto com a petição inicial, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido.”

Mais foi julgado que inexistiam factos não provados, com relevância para a decisão da causa.

IV – Fundamentação De Direito:

a) Do erro de julgamento quanto à matéria de facto:
Entende, a Recorrente, que “caso se considere que no ponto 9 da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida se terá dado como provado que os administradores do Banco estavam de férias naquela altura e que foi por isso que não foi possível a emissão da caução até 13.09.2020, então deve concluir-se que houve um claro erro de julgamento da matéria de facto pela Sentença recorrida porque nunca poderia concluir nesse sentido com a produção de prova que foi realizada, não só porque nenhum documento ou testemunho proveniente do Banco que atestasse tal facto foi apresentado nos autos, como o Tribunal a quo não se podia ter bastado com o depoimento (interessado, logicamente) da própria parte interessada que invocou esse facto que tinha que provar (A.....), nem na testemunha (também interessada, obviamente) que esta apresentou que era um seu funcionário com responsabilidades pelo cumprimento (que foi incumprido) do prazo de prestação de caução em causa”.
É o seguinte o teor da factualidade em questão:
“Os administradores que se encontravam de férias a que se refere o pedido de prorrogação mencionado em 7) eram os administradores da instituição bancária que contratualizou a caução apresentada pela Contra-Interessada A.....”.
O que resultava do requerimento apresentado em 13 de setembro de 2019 (referido em 7)) era que os “administradores envolvidos”, não se encontravam presentes por “nos encontrarmos em período de férias”.
Ora, tendo a. (Recorrente) questionado a que administradores se referiria tal requerimento, o Tribunal a quo terá entendido que se impunha a produção de prova designadamente sobre essa factualidade (não obstante a Contrainteressada A..... não ter administradores – já que é uma sociedade por quotas e o requerimento referido em 7) ter sido subscrito pelo seu gerente, invocando expressamente essa qualidade).
Foi a seguinte a motivação da sua decisão quanto a esta concreta matéria factual:
No que concretamente concerne ao ponto 9 do probatório, a convicção do Tribunal quanto à prova da factualidade em causa decorreu do teor das declarações de parte do representante legal da Contra-Interessada A....., as quais, pese embora o interesse do mesmo na solução dos autos atenta a sua qualidade de gerente daquela empresa, foram corroboradas (para o que aqui interessa) pela testemunha Alexandre José Louro.
Com efeito, a testemunha em causa, colaborador da Contra-Interessada, acompanhou toda a tramitação do procedimento aqui em discussão, mais tendo tido intervenção nas diligências realizadas pela adjudicatária para obtenção de garantia bancária, de onde lhe advém o conhecimento directo quanto aos factos relativamente aos quais prestou depoimento.
A testemunha Alexandre José Louro prestou depoimento de modo coerente e credível, sustentando o teor das declarações de parte, tendo descrito as diligências realizadas junto do banco, confirmado a aprovação da garantia bancária até ao dia 13.09.2019 e mais tendo corroborado que foram informados por funcionário do banco (que identificou como sendo J....., o que coincidiu, aliás, com a identificação também efectuada pelo gerente da Contra-Interessada) de que os seus administradores estavam de férias e por isso indisponíveis para assinar a garantia em causa.
Tal motivação – conjugada com o que se afirma na página 31 da sentença recorrida (“De resto, os factos invocados pela Contra-Interessada A..... para sustentar o pedido de prorrogação foram igualmente comprovados em sede de audiência final realizada nestes autos, tendo da prova ali produzida resultado que eram os administradores da instituição bancária que se encontravam indisponíveis para assinatura da garantia a emitir a favor da Contra-Interessada”) permite concluir que, efetivamente, se quis julgar provado que os administradores a que a Adjudicatária se referia no requerimento de prorrogação de prazo eram os administradores do Banco e que os mesmos se encontravam de férias, à data.
Ora, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas consagrado, designadamente no artº 607.º, n.º 5 do CPC, o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência. A convicção do julgador deve fundar-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida sendo certo que essa convicção não deixa de ter, como se referiu, alguma envolvência de convencimento íntimo e de subjetividade.
O que resulta, em concreto, da motivação da decisão em causa é que o julgador, no que concerne à prova por declarações de parte e testemunhal, aferiu, de forma imediata das suas qualidades, isenção e razão de ciência. Conhecendo as ligações da testemunha à Adjudicatária e tendo presente o interesse direito do seu representante legal, o julgador viu e ouviu a sua narração dos factos e valorou as suas declarações e o depoimento como credíveis o que expressou de forma fundamentada.
O facto de uma testemunha e da parte terem interesse na decisão da causa não impede o julgador de, de acordo com a sua livre convicção, e atendendo à razão de ciência demonstrada, valorar o seu depoimento e declarações como credíveis e de nos mesmos fundamentar a sua decisão quanto à matéria de facto.
Reconhecendo-se que a factualidade em questão poderia ser também (ou apenas) provada por documento (emitido pela instituição bancária), nada obstava à sua prova unicamente por testemunhas ou por via de declarações de parte.
Não vemos, assim, que se possa atacar ou dirigir qualquer censura à decisão da matéria de facto que, por isso, é de manter.


b) Da intempestividade do pedido de prorrogação de prazo apresentado pela adjudicatária; violação do art.º 469º, n.º 2 do CCP:

Entende a Recorrente que o tribunal a quo violou o disposto no art.º 469º, n.º 2 do CCP nos termos do qual “as notificações e as comunicações que tenham como destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público e que sejam efetuadas através de correio eletrónico, telecópia ou outro meio de transmissão escrita e eletrónica de dados, após as 17 horas do local de receção ou em dia não útil nesse mesmo local, presumem-se feitas às 10 horas do dia útil seguinte”.

Como se provou, a decisão de adjudicação foi notificada à Contrainteressada (Adjudicatária) no dia 31 de agosto de 2019 tendo esta apresentado pedido de prorrogação de prazo para apresentar caução no dia 13 de setembro de 2019 pelas 18 horas e 59 minutos, no último dia de prazo (de 10 dias) para o efeito.

Decidiu-se, na sentença recorrida, que o regime plasmado no art.º 469º, n.º 2 do CCP deve ser entendido como “uma facilidade na atuação procedimental da entidade adjudicante” devendo aplicar-se unicamente o art.º 471º, n.º 1 do CCP e 87º do CPA e, portanto, considerar-se tempestivo o pedido de prorrogação apresentado após as 17 horas do 10º dia posterior à notificação da adjudicação. Considerou-se ainda que o preceito legal em questão apenas se aplica às notificações e comunicações que tenham como destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público e não já aquelas que se dirijam ao júri do procedimento.

Julgamos, no entanto, que, nesta parte, não se decidiu bem.

Em primeiro lugar porque a interpretação de acordo com a qual o preceito legal em apreço deve ser entendido como uma facilidade na atuação procedimental da entidade adjudicante, que “apenas poderá aproveitar à entidade adjudicante, no próprio interesse da pura organização dos seus serviços” não tem o mínimo de apoio da letra da lei não sendo, portanto admissível nos termos do n.º 2 do art.º 9º do Código Civil.

O facto de existir uma norma, no Código dos Contratos Públicos relativa ao modo de contagem dos prazos na fase de formação de contratos (o art.º 470º, n.º 1) e de aí se estabelecer que tais prazos se contam nos termos do art.º 87º do CPA, não pode “anular” outra norma – sistematicamente inserida no mesmo diploma legal, imediatamente anterior àquela – nos termos da qual determinadas notificações e comunicações (designadamente as efetuadas após as 17 horas) se presumem efetuadas às 10 horas do dia útil seguinte.

O que resulta das duas normas é claro: os prazos contam-se nos termos do art.º 87º do CPA mas determinadas notificações e comunicações, se efetuadas após as 17 horas ou em dia não útil, presumem-se feitas às 10 horas do dia seguinte.

Em segundo lugar, não pode deixar de se considerar que a comunicação em causa – apesar de formalmente dirigida ao júri do procedimento – se destina à Entidade Adjudicante.

No momento em que a Contrainteressada apresentou o pedido de prorrogação de prazo, estava-se ainda, é certo, no período de formação do contrato.

Mas numa fase em que o júri já havia cessado, na prática, as suas funções.

Com efeito, não obstante após o envio do relatório final à Entidade Adjudicante, o júri ainda possa ser chamado a prestar esclarecimentos (à Entidade Adjudicante) ou mesmo repetir ou refazer diligências anteriores ao envio do relatório final, em termos práticos não lhe cabe praticar qualquer diligência. Não é, portanto, competente para decidir prorrogar um prazo para apresentação de caução. (cfr. a este propósito Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 2018, 3.ª ed., vol. I, pág. 392 e segs,).

Em suma, a comunicação em causa tinha assim como destinatário a Entidade Adjudicante e, por isso, era aplicável o regime plasmado no n.º 2 do art.º 469º do CCP.

O que vimos afirmando foi, em termos idênticos, afirmado também pelo Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 23 de novembro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0943/17 (publicado em www.dgsi.pt), acórdão que, aliás, revogou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que é citado na sentença recorrida (o acórdão de 15 de outubro de 2010, proferido no processo n.º 00420/09.5BEBRG, também publicado em www.dgsi.pt).

Aí (no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo) se refere, em termos inteiramente aplicáveis ao caso sub judice e com os quais se concorda, o seguinte: “(…) não há dúvida de que o n.º 2 do artigo 469.º do CCP expressamente menciona “As notificações e as comunicações que tenham como destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público” (negrito nosso). Sucede que no caso dos autos estamos numa fase do procedimento de formação do contrato (e dúvidas não deve haver que se está ainda nesta fase, resultando isso da sistematização do CCP e da própria doutrina – ver, por todos, Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Coimbra, 2015, pp. 76-7) em que o relacionamento, designadamente no que toca ao envio dos documentos de habilitação e à prestação da caução, se dá entre a entidade adjudicante e o adjudicatário, e já não entre este último e o júri do procedimento (segundo aquele autor – ob. cit., p. 328 –, “Em regra, com o envio do relatório final de análise das propostas, esgota-se a intervenção do júri no procedimento de adjudicação”). Razão pela qual o argumento inicialmente invocado não pode valer para sustentar o afastamento, no caso dos autos, do n.º 2 do artigo 469.º do CCP.

No que se refere ao segundo argumento, ele também não procede. Com efeito, os artigos 270.º do CCP e 87.º do CPA, relativos à contagem dos prazos, não excluem a aplicação do n.º 2 do artigo 469.º do CCP, o qual contém uma presunção respeitante à data das comunicações efectuadas, antes podem ser vistos como complementares. Assim, o adjudicatário sabe que tem x dias para apresentar os documentos de habilitação e para prestar a caução, sendo que no último dia do prazo, se não o fizer até às 17 horas, presume-se que praticou/comunicou esses actos às 10 horas do dia útil seguinte. A esta conclusão não obsta o artigo 87.º do CPA, designadamente a sua al. e) (“É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas”), porquanto, desde logo, esta alínea refere-se a casos em que os prazos são indicados em horas, contrariamente ao que sucede no caso dos autos em que o prazo é dado em dias (dez dias). Resta dizer que o pedido de prorrogação do envio dos documentos de habilitação e da prestação da caução, se a lei nada disser em contrário, deve ser feito no mesmo prazo (ou seja, no caso concreto dos autos, no prazo de 10 dias, sendo certo que se o pedido de prorrogação for comunicado à entidade adjudicante após as 17 horas do último dia do prazo, essa comunicação presume-se efectuada às 10 horas do dia útil seguinte).”

Tem, portanto, razão, a Recorrente, quando sustenta que se violou o art.º 469º, n.º 2 do CCP.

Mas o facto do pedido de prorrogação ter sido apresentado extemporaneamente e de, portanto, a prestação da caução não ter ocorrido no prazo estabelecido, teria como consequência necessária a pretendida caducidade da adjudicação?
Não.
A adjudicação só caduca se a caução não for tempestivamente prestada por facto imputável ao adjudicatário, como decorre no n.º 1 do art.º 91º do CCP.
Caberia, portanto, à entidade adjudicante ponderar, em face do que, em audiência prévia se invocasse, se o circunstancialismo descrito com vista à fundamentação do atraso na apresentação da caução, o poderia justificar ou, melhor dizendo, se esse atraso deve ser imputado ao Adjudicatário. (O dever de audiência prévia impõe-se autonomamente, nos termos do art.º 121º do CPA, como evidencia Pedro Gonçalves, op.cit, pág. 983 e se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de julho de 2010, proferido no âmbito do processo 0275/10, publicado em www.dgsi.pt).
“A decisão de caducidade da adjudicação que se funda em condutas do adjudicatário, e não em causa de caducidade de verificação meramente objetiva, implica um juízo circunstanciado sobre a situação em presença e não deverá acontecer quando haja dúvidas sobre a imputabilidade ao adjudicatário do não cumprimento do dever legal de prestar caução”, como bem evidencia o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 18 de abril de 2018 (processo 060/18, publicado em www.dgsi.pt).
Assim, em face da falta de prestação de caução cabe à Entidade Adjudicante ouvir as razões desse atraso e, em face das mesmas, formular um juízo sobre a sua imputabilidade à Adjudicatária. Caso se concluísse que a falta não era imputável à Adjudicatária impor-se-ia a consideração como tempestiva da caução entretanto prestada ou a concessão de uma nova oportunidade para cumprir o dever mediante um prazo suplementar para o efeito.
No caso sub judice, é evidente que a prorrogação de prazo não fazia sentido (porque não se pode prorrogar um prazo que já se esgotou).
Mas a pretensão material da Adjudicatária consubstanciava-se na concessão de mais 10 dias para prestar a caução.
Apesar de tal pretensão ter sido formulada (e decidida) no pressuposto de que o prazo ainda não esgotara, é seguro afirmar que a mesma seria formulada em idênticos termos, caso se admitisse o contrário (isto é, que o prazo para prestar a caução já se esgotara) já que sempre lhe teria de ser concedida a oportunidade de se pronunciar sobre a caducidade de adjudicação invocando os motivos suscetíveis de justificar o atraso. E caberia, em idênticos termos, à Entidade Adjudicante valorar essas razões e concluindo que o circunstancialismo em causa não era imputável à Adjudicatária, conceder-lhe, como lhe concedeu, um prazo para cumprir o que até à data, não havia cumprido (in casu a prestação de caução).
Julgamos, portanto, que, apesar da deliberação do Conselho Diretivo da Entidade Demandada de 18.09.2019 (referida em 10) e 11)) ter errado ao considerar que o prazo acrescido de 10 dias era uma prorrogação e não um novo prazo, o seu sentido e a sua fundamentação devem ser analisados enquanto ato administrativo que, ponderando a justificação apresentada pela Adjudicatária faltosa, a considera não imputável a esta e por isso lhe concede uma nova e derradeira oportunidade de cumprir a obrigação.
Entendemos, aliás, que sempre careceria de sentido a devolução à Entidade Adjudicante do poder de decidir algo que, na verdade, já decidiu.
Com efeito, no requerimento apresentado com vista à prorrogação de prazo, a Adjudicatária acabou por invocar as razões tendentes à justificação da intempestividade.
Por outra banda, a Entidade Adjudicante pronunciou-se expressamente sobre a imputabilidade (ao Adjudicatário) dos factos invocados (cfr. factualidade vertida em 11)).
Fê-lo, é certo, em termos com os quais a A. (e Recorrente) não se conformou.
Assim, o que cumpre avaliar é se, na sentença recorrida, se errou ao julgar que nada havia a censurar à atuação da Entidade Adjudicante ao considerar as razões invocadas pela Adjudicatária para justificar o atraso na prestação da caução.
O que constitui o tema da terceira questão, objeto do presente recurso.

c) Da imputabilidade do incumprimento do prazo para prestação de caução; violação do art.º 91º, n.º 1 do CCP

Nos termos do art.º 91º, n.º 1 do CCP, a adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não prestar, em tempo e nos termos estabelecidos nos artigos anteriores, a caução que lhe seja exigida. (sublinhado nosso).
Como já evidenciamos, é hoje consensual que a caducidade da adjudicação não ocorre automaticamente, por mero efeito da falta de prestação da caução ou da sua prestação atempada. A entidade adjudicante ouve as razões do Adjudicatário e, em face das mesmas, decide se a falta lhe deve ou não ser imputada. Concluindo afirmativamente, deverá declarar a caducidade da adjudicação e, inversamente concluindo, deverá conceder ao Adjudicatário um prazo suplementar com vista ao cumprimento em falta.
A declaração de caducidade (…) “não consiste na mera verificação de factos objectivos, antes pressupõe a prolação de um juízo valorativo relativamente à imputabilidade subjectiva desses factos” (Marco Caldeira in Estudos de Contratação Pública-IV, 2013, Coimbra Editora, pág. 467).
Decidiu, o tribunal a quo, que nada se pode censurar ao juízo formulado pela Entidade Adjudicante no sentido de que a falta de prestação de caução no prazo estabelecido não foi imputável à Adjudicatária.
A Recorrente não se conforma com esta decisão. Entende que cabia à Contrainteressada A..... o ónus de provar que não lhe era imputável o incumprimento do prazo para prestação da caução, o que só conseguiria provando a culpa do Banco, o que não fez.
A este propósito, foi o seguinte a fundamentação jurídica vertida na sentença recorrida:

Desde logo, carece de sustentação a argumentação da Autora constante dos artigos 59.º e seguintes da petição a este propósito, no sentido de ocorrer confissão da Contra-Interessada A..... de que “a única razão para não ter conseguido prestar a caução dentro do prazo devido apenas lhe é imputável (o motivo apresentado foi o de que os respectivos administradores estavam de férias) (…)”.
Quanto a este aspecto, decorre do pedido de prorrogação de prazo apresentado a 13.09.2019 (cf. ponto 7 do probatório) que tal requerimento se baseia no facto de, apesar de a garantia bancária se encontrar aprovada, a mesma ainda não poder ser contratada, porquanto “nos encontrarmos em período de férias e os administradores envolvidos não estarem presentes para que a mesma possa ser assinada”.
Ora, conforme ponto 20 dos factos provados, a Contra-Interessada possui um gerente único, não tendo a mesma, pois, administradores aos quais se pudesse referir o pedido identificado.
Por outro lado, e pese embora não seja possível fazer uma identificação cabal do signatário em causa, a verdade é que a declaração da instituição bancária junta com o requerimento de 13.09.2019 encontra-se rubricada na parte correspondente à Contra-Interessada, ali se declarando concordar com as condições de aprovação da operação apresentadas pela instituição bancária - o que igualmente indicia que o gerente daquela empresa se encontrava então disponível.
A posição da Autora carece de sentido ainda pelo facto de o pedido de prorrogação de prazo se encontrar assinado pelo gerente da adjudicatária, o que manifestamente afasta a tese da respectiva indisponibilidade, por férias, para assinar a garantia bancária, por não ser plausível que não o fizesse mas ao mesmo tempo apresentasse pedido de prorrogação em representação da Contra-Interessada.
Mais a mais, à data em que foi efectuado o pedido de prorrogação de prazo para prestar caução, a Caixa de Crédito Agrícola já havia aprovado a garantia bancária solicitada pela Contra-Interessada A....., conforme decorre expressamente da declaração de aprovação junta com aquele pedido (ponto 8 dos factos provados). Extrai-se igualmente do documento em causa a aceitação, pela Contra-Interessada, das condições de aprovação da operação apresentada pela instituição bancária, conforme assinatura dali constante.
Do que se disse decorre, pois, que à luz dos documentos apresentados pela adjudicatária com o pedido de prorrogação de prazo, a garantia bancária correspondente ao procedimento aqui em discussão se encontrava já aprovada pela Caixa de Crédito Agrícola e aceite pela Contra-Interessada, cujo gerente se encontrava disponível à data de 13.09.2019.
Significa isto, não se poderá deixar de salientar, que em falta estariam apenas questões formais relativas à emissão e assinatura da garantia bancária (aspectos cuja realização, na verdade, não incumbia à Contra-Interessada, à qual nada mais restava do que aguardar pela formalização e disponibilização da garantia pela Caixa de Crédito Agrícola), sendo certo que, em termos substanciais, a aprovação da caução estava já assegurada à data de 13.09.2019.
À luz do exposto, nenhuma censura há a apontar ao juízo constante da deliberação de deferimento do pedido de prorrogação de prazo para prestar caução e da informação que a acompanha, na medida em que os documentos remetidos pela Contra-Interessada A..... naquela data suportavam a factualidade por si invocada e tornavam credível a conclusão de que não lhe era imputável a não emissão até àquela data da garantia bancária necessária (a qual, reitera-se, já se encontrava aprovada na data do termo do prazo legal para prestação de caução).
Inexiste, pois, qualquer erro nos pressupostos de facto que sustentaram a decisão em análise, sendo razoável aceitar a suficiência dos elementos juntos pela adjudicatária com o pedido de prorrogação de prazo para comprovar que não lhe era imputável a não prestação de caução até ao termo do prazo disponível para o efeito. Ademais, assumem-se como irrelevantes para o efeito quaisquer considerações quanto a (não) comprovação pela Contra-Interessada de quando e em que termos terá solicitado a emissão de garantia pela instituição bancária, não só porque tal exigência não resulta da lei, como na verdade, conforme se concluiu, o juízo efectuado pela Entidade Demandada bastou-se com os elementos documentais apresentados pela adjudicatária, sendo plausíveis os fundamentos invocados.
De resto, os factos invocados pela Contra-Interessada A..... para sustentar o pedido de prorrogação foram igualmente comprovados em sede de audiência final realizada nestes autos, tendo da prova ali produzida resultado que eram os administradores da instituição bancária que se encontravam indisponíveis para assinatura da garantia a emitir a favor da Contra-Interessada (cf. ponto 9 dos factos provados, bem como respectiva motivação da fundamentação de facto), o que sustenta igualmente o juízo de não imputação à adjudicatária da não prestação da caução até dia 13.09.2019.

Julgamos que é de manter o decidido.
É à Entidade Adjudicante que cabe emitir o juízo sobre a imputabilidade ao adjudicatário da falta de prestação tempestiva da caução, em face das razões por este invocadas para o incumprimento verificado (cfr. v.g o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de janeiro de 2018, processo 01148/17, publicado em www.dgsi.pt).
Trata-se, portanto de uma atividade discricionária, ainda que vinculada ao seu fim (a prossecução do interesse público) e aos princípios que regem atividade administrativa.
A manutenção ou a caducidade da adjudicação “há-de depender do juízo valorativo que a entidade adjudicante faça sobre (i) a gravidade do incumprimento do adjudicatário, (ii) a plausibilidade dos motivos invocados por este e (iii) as consequências de uma decisão num ou noutro sentido, maxime à luz do princípio da proporcionalidade (…) Mas, mais do que os danos sofridos pelo adjudicatário, deverá sobretudo atender-se aos prejuízos que a caducidade da adjudicação, poderá acarretar para o próprio interesse público: na verdade, se aquela (adjudicação) foi determinada por este (interesse) – na medida em que a entidade adjudicante terá entendido que a proposta adjudicada era a que melhor respondia às suas necessidades vertidas no critério de adjudicação adoptado no procedimento pré-contratual - , afigura-se que também só por relevantes motivos supervenientes de interesse público será de “declarar a cessação de efeitos do acto que traduz a decisão final do procedimento para o concreto concorrente que passou a ex-adjudicatário”. Assumindo que a decisão de adjudicação inicialmente proferida era correcta à luz dos critérios previamente estabelecidos, não pode deixar de se concluir que a revogação desta decisão e a consequente adjudicação subsidiária representa uma opção pior para o interesse publico que presidiu ao procedimento pré-contratual – a “proposta ordenada em lugar subsequente” à proposta inicialmente adjudicada será sempre, por definição, menos satisfatória do que esta última” (Marco Caldeira, op. cit., pág. 479 a 481).
O Adjudicatário apresentou como justificação para a não apresentação da caução no prazo fixado no programa de concurso, a ausência dos administradores do Banco que contratualizou a caução.
É seguro que não juntou prova de que os mesmos se encontrassem efetivamente em férias (como se veio a provar).
Resulta, no entanto, do documento que acompanhou o requerimento (cfr. factualidade vertida em 8)) que já em agosto de 2019 a Adjudicatária se encontrava a diligenciar pela obtenção da garantia devida.
E resulta também do mesmo documento que a garantia em questão já se encontrava aprovada naquela data (em 13 de setembro de 2019).
Tais factos conjugados com as mais elementares regras da experiência comum (de acordo com as quais sendo o Adjudicatário o principal interessado na apresentação tempestiva da caução, e tendo já ocorrido a sua aprovação pela entidade bancária, certamente a apresentaria, caso não existisse um constrangimento alheio à sua vontade), tornam verosímil e razoável a aceitação como verdadeira da afirmação de acordo com a qual os administradores do Banco não estariam disponíveis para a formalização imediata do contrato.
Não se vê, portanto, como se possa censurar o juízo de não imputabilidade efetuado pela Entidade Adjudicante, com o qual a Recorrente não se conforma.
À semelhança do que julgou o Supremo Tribunal Administrativo em 20 de fevereiro de 2020 (processo 0523/14.4BECTB, publicado em www.dgsi.pt) julgamos também que não é razoável nem proporcional a entidade adjudicante não corresponder a um pedido de prorrogação de prazo para prestação de caução quando, por um lado, a garantia bancária a apresentar pela adjudicatária estava garantida por uma entidade bancária, e quando, por outro lado, a caducidade da adjudicação levaria ao prolongamento do procedimento e à escolha de uma proposta de valor mais elevado.
Note-se ainda que não se aceita o entendimento da Recorrente no sentido de que o art.º 91º do CCP consagra um ónus probatório a cargo do Adjudicatário.
Como se afirmou em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de abril de 2018 (processo 060/18, publicado em www.dgsi.pt), “quando muito, e porque o preceito em causa não determina a quem cabe o ónus da prova, poderia o mesmo ser conjugado com as normas gerais do ónus da prova constantes do artigo 116.º do CPA, para assim se concluir que caberá ao interessado na prorrogação do prazo para prestação da caução – vale por dizer, àquele que não cumpre um determinado dever legal – provar que a razão da necessidade da prorrogação não lhe é imputável”. Assim “a decisão de caducidade da adjudicação que se funda em condutas do adjudicatário, e não em causa de caducidade de verificação meramente objetiva, implica um juízo circunstanciado sobre a situação em presença e não deverá acontecer quando haja dúvidas sobre a imputabilidade ao adjudicatário do não cumprimento do dever legal de prestar caução.”

Concluindo, embora com fundamentação parcialmente diversa, a sentença recorrida deve manter-se pelo que o recurso não merece provimento.

As custas serão suportadas pela Recorrente, vencida, nos termos do art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

V – Decisão:
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, embora com fundamentação parcialmente diversa.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 4 de fevereiro de 2021


Catarina Vasconcelos
Paulo Pereira Gouveia
Catarina Jarmela

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora atesta que os Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos têm voto de conformidade.