Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1123/08.3BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Sumário:i) Ainda que o parecer do Parque Natural da Arrábida não tenha sido emitido dentro do prazo de 45 dias e perante um parecer recebido fora do prazo legalmente estabelecido, não deixa o Município de estar vinculado à Constituição e à lei, não podendo praticar actos administrativos que consubstancie a violação de normas constantes de ato legislativo ou de plano urbanístico de ordenamento do território.
ii) A conformidade dos actos administrativos praticados nos procedimentos de controlo de operações urbanísticas com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis é condição da sua validade, como estabelece o disposto no n.º 2 do artigo 101.º do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo D.L. n.º 380/99, de 22/09.
iii) Os actos que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território ou em plano especial de ordenamento do território, enquanto instrumentos de ordenamento do território cujas prescrições vinculam directa e imediatamente quer as entidades públicas, quer os particulares, atenta a força e a eficácia plurisubjetiva de que gozam, projectando e impondo externamente os seus efeitos, são nulos, nos termos do artigo 103.º do D.L. n.º 380/99, de 22/09 e do artigo 68.º, al. a) do RJUE.
iv) Os pareceres emitidos pelo Parque Natural vinculam no caso de serem negativos, caso em que a entidade municipal competente não pode emitir a licença e o respectivo alvará de construção, além de que a ausência de parecer ou mesmo o parecer tácito favorável, não dispensam o Município do cumprimento da legalidade aplicável, sendo nulas as licenças que violem o disposto em plano especial de ordenamento do território, segundo o artigo 68.º do RJUE.
v) A declaração de nulidade dos actos impugnados implica a não produção de quaisquer efeitos jurídicos decorrentes da aprovação do projecto de arquitectura e do acto de licenciamento, o que significa que a obra realizada é ilegal e que, nessa medida, deve ser ordenada a sua demolição, caso a obra seja insusceptível de legalização.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M... (Recorrente), contra-interessado nos autos intentados pelo Ministério Público contra o Município de Setúbal, interpôs recurso jurisdicional do acórdão de 20.12.2013 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, reiterando anteriormente decidido em singular, julgou “não declarar a nulidade dos actos impugnados” e “condicionar o decidido ao facto do Município de Setúbal requerer, em 10 dias, o Parecer ao Parque Natural da Arrábida (PNA), após o que, e perante a sua emissão, o procedimento prosseguirá os ulteriores procedimentos aplicáveis”.

No acórdão recorrido, por remissão para a sentença de 27.06.2011, entendeu-se que se estava em presença de vicio meramente procedimental, por inexistir qualquer parecer formal do PNA a inviabilizar o edificado; porém, atento o estatuído no nº 3 do art. 134.º do CPA, entendeu-se, também, não se declarar a suscitada nulidade, condicionada à correcção procedimental no sentido de ser pedido e emitido o referido Parecer ao PNA.

Não se conformando, o Contra-interessado e ora Recorrente recorre para este TCAS, culminando as alegações de recurso que apresentou com as seguintes conclusões:


«Imagem no oiginal»

O Ministério Público contra-alegou e apresentou recurso subordinado, com as seguintes conclusões:

O Contra-interessado não contra-alegou no recurso subordinado.



Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente M..., delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em julgamento de direito ao ter concluído pela falta do Parecer do Parque Nacional da Arrábida (PNA) e assim condicionando a nulidade do acto de licenciamento ao mesmo, entendendo antes o aqui Recorrente que face ao regime jurídico aplicável no PNA que a respectiva inércia equivale a um parecer tácito de concordância.

O Ministério Público no recurso subordinado suscita a nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão, omissão de pronúncia, bem como imputa-lhe erro de julgamento ao não ter declarado nulos os actos impugnados.


II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.


II.2. De direito

O Recorrente M..., sustenta, em síntese, que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 19.º, n.ºs 9 e 11 do RJUE, para além de fazer incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 24.º, n.º 1, alínea a) e 68.º do RJUE e do artigo 12.º, al. a) do Decreto-Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro. Alega que se tem de concluir que a não emissão de parecer pelo Parque Natural da Arrábida (PNA), no prazo legal de 45 dias, equivaleu a concordância ou deferimento tácito .

O Ministério Público, para além das invocação das suscitadas nulidades, alega, no essencial, que a violação das normas que regulamentam o Parque Natural da Arrábida, na disposição conjugada dos artigos 12° e 19º, nº 2 e 5 do Decreto­ Regulamentar 23/98 e artigo 2°, nº 2, al. c) do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, inquina de nulidade os actos administrativos que deferiram o licenciamento de obras e a concessão de alvará (alvará de licença de construção n.º 126/05, processo camarário n.º 675/02), nos termos do disposto nos artigos 103° Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, 68.º , al. a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. Mais alega que o tribunal a quo errou na aplicação do art. 134.º, n.º 3, do Código de Procedimento Administrativo.

Vejamos o que na sentença, depois vertida em acórdão, se escreveu para fundamentar o decidido:

“(…)

Para além de tudo quanto se dirá, importa sublinhar que vindo requerida a nulidade dos actos urbanísticos identificados, terá o alegado de ser ponderado, designadamente, à luz do estatuído no Artº 134º nº 3 do CPA que impõe que o regime da nulidade “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos … de harmonia com os princípios gerais de direito.”

Na mesma linha aponta a filosofia subjacente ao Acórdão do STA nº 0286/05 de 16-03-2006, quando refere que a declaração de que um acto é nulo não pode fundar-se em juízos de mera probabilidade, mas exige a enunciação de um juízo assertórico, senão mesmo apodíctico.

A declaração de que um acto é nulo, pela sua lesividade e potencial gravidade, não pode fundar-se em juízos de mera probabilidade ou da apreciação descontextualizada da realidade, sem atender a todo o seu enquadramento, mal se compreendendo que se declarasse a nulidade de um licenciamento para em momento ulterior vir a ser aprovado idêntico projecto.

Ao Tribunal não compete, perante a factualidade que lhe é presente, concluir se a solução urbanística encontrada é boa, harmoniosa ou desejável, mas tão-só verificar se a mesma se conforma com os normativos com os quais tem de se compatibilizar.

Em concreto, vem suscitada pelo Ministério Público a nulidade dos actos impugnados e a condenação do Réu a demolir a obra “sub judice” e a repor o solo, nas condições, em que se encontrava, antes dos referidos actos.

No essencial, acompanha-se a análise de “direito” efectuada pelo Ministério Público, mas não necessariamente as suas conclusões.

Nos termos do artº 12° nº 1 al) a) do Reg. PNA, “ficam sujeitos a Parecer vinculativo do PNA a realização de obras de construção civil, a alteração do uso actual do solo ou da morfologia do solo, designadamente para edificações, fora dos perímetros urbanos tal como definidos nos Planos Municipais de Ordenamento do território.

Com efeito, nas obras a licenciar, é ao PNA que cabe a ponderação dos valores naturais e paisagísticos em presença, em face do que se admite como requisito essencial a existência de Parecer/Autorização por parte do “Parque”.

Entende-se que o Plano de Ordenamento do PNA tem natureza de Plano Especial de Ordenamento, pelo menos, desde a vigência do DL n° 151/95, de 24/06

Os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas são Planos Especiais de Ordenamento do Território (artº 33° da LBOTU), pelo que vinculam de forma directa e imediata, as Entidades Públicas e privadas (art° 42° do DL nº 380/99).

Assim, serão tendencialmente “nulas as licenças que violem o disposto em Plano Especial de Ordenamento do Território ou não tenham sido precedidas de consulta a Entidades cujos Pareceres sejam legalmente exigíveis” (art° 68° alíneas a) e c) do RJUE).

Tudo quanto foi precedentemente referido, como ficou já dito, terá necessariamente de ser enquadrado em função do desejável bom senso, até perante a eventual existência de terceiros de boa-fé, o que só por si impõe a aplicação do estatuído no Artº 134º nº 3 CPA.

Se é certo que, em função dos normativos invocados estaríamos perante uma nulidade, uma vez que não foi emitido o necessário Parecer vinculativo por parte do Parque NA, o que é facto é que tal incumprimento, até prova em contrário, se consubstancia num mero vicio procedimetal.

Na realidade, mal se compreenderia que se enveredasse pela declaração de nulidade do edificado e demolição de tudo o que foi entretanto construído, pela verificação de uma qualquer nulidade procedimental, para em momento ulterior a Entidade referida, chamada a emitir o referido Parecer Vinculativo viesse, porventura, a viabilizar, ainda que parcialmente, a edificação entretanto demolida.

É certo que de todo o procedimento constam manifestações de vontade várias por parte do PNA, contrárias ao edificado pelo aqui Contra-interressado.

Em qualquer caso, inexiste o necessário e obrigatório Parecer vinculativo do qual terão de constar necessariamente as circunstâncias, factos condicionantes, e argumentos do PNA relativamente ao projectado e entretanto edificado, para que, se for caso disso, o aqui contra-interessado possa reagir.

Do referido Parecer terão de constar pois todos os fundamentos de facto e de direito que justifiquem o sentido do Parecer, por forma a que o seu destinatário possa percepcionar as razões pelas quais foi emitido o referido Parecer.

Da mesma forma que não pode o Tribunal considerar que, não tempo sido emitido tempestivamente o Parecer do PNA, se deverá considerar como tacitamente emitido Parecer positivo, igualmente não pode considerar que sem que o mesmo tenha sido emitido, e perante as opiniões entretanto emitidas pelo PNA, considerar que o Parecer existe e que é negativo.

Importa pois criar as condições para que o referido Parecer seja emitido, com a correspondente fundamentação de facto e de direito, para que posteriormente daí se possam vir a retirar as necessárias ilações.

É claro que não poderão os Tribunais contribuir para a instalação de um clima de impunidade permissiva, viabilizando situações de facto consumado contrárias à lei.

Terá pois de ser desiderato dos Tribunais encontrar uma posição de equilíbrio e bom-senso, salvaguardando o interesse público e os eventuais terceiros de boa-fé.

Em face de tudo quanto ficou expendido, embora se entenda que atentos os circunstancialismos e condicionalismos de facto e de direito aplicáveis à controvertida situação, se deveria ter aguardado pela emissão de Parecer por parte do PNA, antes da tomada de decisão por parte do Município, o que não tendo sido feito, potencial e abstractamente poderia determinar a nulidade dos actos urbanísticos identificados, importa, como se disse, ponderar o referido, designadamente, à luz do estatuído no Artº 134º nº 3 do CPA que impõe que o regime da nulidade “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos … de harmonia com os princípios gerais de direito.”

Com efeito, em linha com a filosofia subjacente ao Acórdão do STA nº 0286/05 de 16-03-2006, entende-se que a declaração de que um acto é nulo não pode fundar-se em juízos de mera probabilidade, mas exige a enunciação de um juízo assertórico, senão mesmo apodíctico.

Importa pois, pela sua potencial gravidade, aferir da suscitada nulidade contextualizadamente com a realidade, pois, como reiteradamente se disse, mal se compreenderia que se declarasse a nulidade do licenciamento em questão para em momento ulterior vir a ser emitido Parecer favorável por parte do PNA, viabilizando, ainda que condicional ou parcialmente a construção entretanto demolida.

Assim, dado estarmos em presença de vicio meramente procedimental, por inexistir qualquer parecer formal do PNA a inviabilizar o edificado, e atento o estatuído no nº 3 do Artº 134º do CPA, entende-se não se declarar a suscitada nulidade, condicionada à correcção procedimental no sentido de ser pedido e emitido o referido Parecer ao PNA, por forma a, em qualquer caso, evitar que se instale um clima de impunidade permissiva e facto consumado, que tem vindo a deteriorar o necessário ordenamento urbanístico.”.

Perante o acabado de transcrever, pode já afirmar-se, e conhecendo prioritariamente do recurso subordinado nesta parte, que não se verificam as nulidades por contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia suscitadas pelo Ministério Público.

Não há contradição entre os fundamentos e a decisão, para efeitos do disposto no art. 615.º, nº 1, al. c), do CPC, pois que este vício só ocorre quando existe uma contradição intrínseca entre os fundamentos invocados na sentença e a decisão nela tomada, quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão nela tomada segue um caminho completamente oposto; o que não é o caso.

É o texto da decisão que justifica, por aplicação do nº 3 do art. 134.º do CPA, a solução jurídica adoptada e a decisão proferida. Pode discordar-se dessa solução, mas tal escapa aos vícios da sentença, inscrevendo-se sim no (eventual) erro de julgamento.

O mesmo sucedendo com a omissão de pronúncia.

O tribunal a quo não omitiu o conhecimento da questão com que foi confrontado em face do que se lhe impunha conhecer, resolvendo a mesma questão: obrigatoriedade da prolação do parecer em causa e sua prevalência no procedimento.

Improcede, assim, o recurso subordinado nesta parte.

Continuando, e retomando a ordem de conhecimento que se impõe ao tribunal, vejamos se assiste razão ao Recorrente M..., quando conclui que face ao regime jurídico aplicável no PNA se está perante parecer tácito de concordância.

Sobre esta questão, pode ver-se o recente acórdão do STA de 29.10.2020, proc. nº 312/08.5BEALM, onde se concluiu:

I - Não enferma de usurpação de poderes, nem envolve violação do princípio da separação de poderes, a ordem de demolição proferida pelo Conselho Diretivo do Parque Nacional da Arrábida [PNA] dado não estarmos perante uma situação em que a Administração tenha declarado nulo ato jurídico-privado.

II - Do disposto no art. 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98 conjugado com o disposto no art. 19.º, n.º 9, do RJUE não deriva a exigibilidade de um parecer favorável expresso do PNA para viabilizar as obras de construção.

III - Os pareceres emitidos pelo PNA vinculam no caso de serem negativos, caso em que o Município não poderia emitir a licença e o respetivo alvará de construção, sendo que, na ausência de parecer, não estava o mesmo dispensado da observância do quadro normativo aplicável.

IV - A Portaria n.º 26-F/80 constitui um plano especial de ordenamento do território cuja violação dita a nulidade do ato de licenciamento camarário impugnado [arts. 68.º, al. a), do RJUE e 103.º do RJIGT].

Neste aresto, foram conhecidas as seguintes questões:

i) em violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP] e 01.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], quanto à competência do Parque Natural da Arrábida [PNA] para decidir da validade do fracionamento operada por atos e negócios jurídico-privados a montante do licenciamento camarário, invadindo a esfera da matéria reservada aos tribunais - sendo a jurisdição comum a competente - e ofendendo, ainda, o princípio da separação de poderes [conclusões 02.ª), 04.ª) e 05.ª) das alegações];

ii) em violação do disposto nos arts. 111.º, n.º 1, e 202.º, n.º 1, da CRP, bem como do art. 133.º, n.º 2, al. a), do Código de Procedimento Administrativo [na redação anterior à que foi introduzida pelo DL n.º 4/2015] [doravante CPA/91 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário], quanto à nulidade do licenciamento camarário por ter decidido que o ato impugnado não padece de vício de usurpação de poder [conclusão 03.ª) das alegações];

iii) em violação do disposto nos arts. 17.º, 18.º, 62.º e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP, quanto à nulidade do licenciamento camarário com fundamento na alegada invalidade do fracionamento da propriedade por aplicação do n.º 5 do art. 19.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14.10, por motivo de o fracionamento do prédio ser um ato privado e não um ato administrativo [conclusão 06.ª) das alegações];

iv) em errada interpretação e aplicação do art. 103.º do RJIGT, ao considerar que os atos desconformes com o art. 11.º, al. a) do Decreto Regulamentar n.º 23/98 são nulos nos termos do citado art. 103.º RJIGT, incorrendo, ainda, em violação do princípio da tipicidade dos instrumentos de gestão territorial vertido nos arts. 08.º e 09.º da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo [LBPOTU] e 02.º do RJIGT [conclusão 08.ª) das alegações];

v) errada interpretação do art. 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98 no sentido de exigir parecer expresso favorável do PNA à realização de obras de construção e de excluir o parecer favorável tácito, por violação do art. 13.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 19/93, de 23.01, conduzindo à sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da hierarquia das normas e do primado da lei, consagrados no art. 112.º, n.º 5, da CRP e ainda por violação do princípio de precedência de lei consignado no art. 112.º, n.º 7, da CRP [conclusões 08.ª) a 10.ª) das alegações];

vi) em violação do disposto nos arts. 19.º, n.º 9, do DL n.º 555/99, de 16.12 [diploma que veio estabelecer o regime jurídico da urbanização e da edificação - vulgo RJUE - na redação então vigente], 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, e 09.º, n.º 2, do Código Civil [CC], dada a errada consideração de que existe «legislação específica» no sentido de que a falta de resposta do PNA, no prazo previsto, vale como parecer desfavorável ou negativo [conclusões 11.ª) a 13.ª) das alegações];

vii) em violação do disposto no art. 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, do princípio de precedência de lei dos regulamentos administrativos plasmado no art. 112.º, n.º 7, da CRP, bem como do disposto no art. 133.º, n.º 1, do CPA/91, e do DL n.º 19/93, dado o erro de julgamento na interpretação e aplicação do art. 19.º, n.º 5, do mesmo Decreto Regulamentar para fundamentar a nulidade do ato de licenciamento camarário [conclusões 14.ª) e 15.ª) das alegações];

viii) em violação do disposto nas normas contidas nos arts. 12.º e 14.º, n.º 2, al. a) da Portaria n.º 26-F/80, 12.º, al. a), e 20.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, ao haver determinado e considerado que o ato de licenciamento camarário era nulo [conclusões 17.ª) e 18.ª) das alegações];

ix) em violação do disposto nos arts. 68.º, al. a), do RJUE, 03.º, 103.º e 154.º do RJIGT e 34.º LBPOTU, ao ter sido decidido que a Portaria n.º 26-F/80 é um plano especial de ordenamento do território cuja violação dita a nulidade do ato de licenciamento camarário e por aplicar, ainda, uma norma revogada para sustentar a nulidade por violação do Plano Preliminar [o art. 09.º, n.º 2, do DL n.º 622/76, de 28.07] [conclusões 19.ª) e 20.ª) das alegações];

x) em erro de julgamento ao ter aceite acriticamente que o ato de licenciamento viola o regime da «Rede Natura» - de que não se convoca uma norma concreta pretensamente violada e a propósito do que não foi produzida prova nos autos - apenas porque o PNA o afirma, sem qualquer concretização ou demonstração [conclusão 21.ª) das alegações];

xi) em violação do disposto no art. 08.º, n.ºs 1 e 3, do DL n.º 140/99, de 24.04, [diploma que procedeu à transposição no plano interno de regulamentação comunitária relativa à conservação da Natureza - «Rede Natura 2000»] e do princípio de desconcentração administrativa acolhido pelo art. 267.º, n.º 2, da CRP, por tendo sido promovida pelo Município a consulta do PNA para se pronunciar sobre a operação urbanística, não se ter determinado que se produziu parecer favorável tácito em resultado da falta de resposta no prazo legal [conclusão 22.ª) das alegações];

xii) erro de julgamento quanto à nulidade do licenciamento camarário por desconformidade do ato de licenciamento com o regime da «Rede Natura» ao ter determinado que a consulta ao PNA, para efeitos de regime jurídico da «Rede Natura», não teve lugar, porquanto o Município teria de referir, expressa e especificamente, que a consulta era promovida para efeitos daquele regime jurídico [conclusão 23.ª) das alegações] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

Ora, pela sua aplicabilidade ao caso concreto em análise, limitar-nos-emos a transcrever o respectivo discurso fundamentador, nos termos permitidos pela lei processual civil, aderindo ao mesmo. Assim:

“(…)

12. Em litígio similar ao ora sub specie este Supremo Tribunal, no seu acórdão de 15.10.2020 [Proc. n.º 01943/08.9BELSB consultável in: «www.dgsi.pt/jsta»] firmado por esta mesma formação de julgamento, teve já oportunidade de afirmar o seu entendimento quanto a idênticas questões que constituem objeto de discussão nesta sede, entendimento que, por inequivocamente transponível, aqui se acolhe e reitera/reafirma inteiramente, tanto mais que em tudo semelhantes se mostram o quadro factual, as situações jurídicas e, bem assim, as posições das partes refletidas nas peças processuais produzidas, nomeadamente as alegações em sede de revista e respetivas conclusões.

13. Assim, o citado acórdão, que manteve o juízo firmado no acórdão recorrido do TCA/S negando provimento ao recurso, assentou a sua fundamentação, em suma, na seguinte linha que, ao abrigo e considerando o disposto nos arts. 08.º, n.º 3, do CC e 663.º, n.º 5, do Código de Processo Civil [CPC] ex vi dos arts. 679.º do CPC, 01.º e 140.º do CPTA, se passa a reproduzir:

«…

2.2. Considera … recorrente que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento no que respeita à questão da validade do ato de fracionamento do prédio rústico, e isto em vários planos.

Por um lado, sustenta que o ato de fracionamento é um ato jurídico-privado praticado a montante do procedimento de licenciamento camarário, razão pela qual o ato impugnado, ao ter decidido no sentido da sua invalidade, invadiu a esfera de matéria reservada aos tribunais e violou o princípio constitucional da separação dos poderes, sendo nulo por usurpação de poderes (art. 133.º, n.º 2, al. a), do CPA, com a redação em vigor à data da sua prática). O acórdão recorrido, ao confirmar que o ato impugnado não padece do vício de usurpação de poderes, incorreu em erro de direito, violando os artigos 111.º, n.º 1, e 202.º, n.º 1, da CRP, e, bem assim, o artigo 133.º, n.º 2, al. a), do CPA).

Acresce a isto que … considera que a jurisdição administrativa não é a competente para apreciar a validade de atos jurídico-privados, antes o são os tribunais comuns, pelo que o acórdão recorrido terá violado os artigos 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da CRP, e o artigo 1.º, n.º 1, do ETAF.

Segundo … recorrente, o acórdão recorrido incorreu ainda em erro de julgamento ao ter aplicado o artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar n.º 23/98 no caso concreto para assim cominar com nulidade os atos jurídico-privados de transmissão e aquisição da propriedade dos quais resultou o fracionamento. Em concreto, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação daquele preceito, na parte em que menciona os atos administrativos, e, de igual modo, fez uma errada interpretação analógica de uma norma regulamentar restritiva, violando assim os artigos 17.º, 18.º, 62.º e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP.

Mais ainda, ao aplicar o artigo 103.º do RJIGT para cominar com a nulidade um ato jurídico-privado alegadamente em desconformidade com o artigo 11.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação daquele primeiro preceito, na medida em que … este decreto regulamentar não é um instrumento de gestão territorial, mas um diploma que regulava a aprovação de um instrumento de gestão territorial de acordo com o respetivo artigo 18.º, com isto, dá-se também a violação do princípio da tipicidade dos instrumentos de gestão territorial.

Vejamos.

Em primeiro lugar, diga-se que o fracionamento do prédio rústico em causa nos presentes autos constitui o resultado da prática de atos jurídico-privados que tiveram como objeto o prédio rústico situado na área do PNA, parque natural criado pelo DL n.º 622/76, de 28.07, com vista à promoção de valores como, entre outros, a proteção da natureza, o desenvolvimento rural e a promoção de atividades recreativas ao ar livre, estando a construção de imóveis na sua área sujeita a certos condicionalismos legais. É sabido que o direito de propriedade pode sofrer restrições com vista à proteção de valores jurídicos superiores, como aqueles relacionados com a proteção do ambiente e do ordenamento do território. Justamente por isso, ou seja, por conta da necessidade de ponderar direitos, interesses e valores constitucionais em confronto, a al. a) do artigo 11.º (Atos e atividades sujeitos a autorização) do Decreto Regulamentar n.º 23/98 veio exigir que “O fracionamento ou parcelamento de terrenos rústicos que respeite as possibilidades e os limites estabelecidos por lei para as unidades de cultura, salvo se para efeitos de emparcelamento” dependa de uma autorização prévia da Direção do PNA.

Dito isto, cumpre agora sublinhar que … ora recorrente incorre num erro que vai inquinar toda a sua argumentação quanto a esta específica questão. É que o ato impugnado em parte alguma determinou a invalidade do ato de fracionamento. Com efeito, a invalidade de que trata o ato impugnado reporta-se ao licenciamento da operação urbanística … ora recorrente, invalidade essa que assenta, entre outras coisas, na circunstância de o referido licenciamento não ter tido em consideração a necessária autorização do órgão diretivo do PNA para se levar a cabo o prévio fracionamento do prédio rústico. Ou seja, contrariamente ao que alega … e não obstante se possa ler no acórdão recorrido que o fracionamento é nulo, não estamos perante uma situação em que a Administração tenha declarado nulo um ato jurídico-privado. Por assim ser, nada há que possa ser visto como uma situação de usurpação de poderes e de violação do princípio constitucional da separação de poderes. Consequentemente, não se alcança como possa o acórdão recorrido ter incorrido em erro de julgamento ao não ter considerado verificada a alegada usurpação de poderes, a alegada violação da reserva de jurisdição e a alegada violação do princípio da separação dos poderes.

Em segundo lugar, dúvidas não há que estamos em face de um ato administrativo (a ordem de demolição), praticado por uma pessoa coletiva pública (o PNA através do seu conselho diretivo) em aplicação de uma norma de direito administrativo no âmbito do urbanismo e ordenamento do território (as normas da Portaria n.º 26-F/80 …, do Decreto Regulamentar n.º 23/98, do RJUE e do RJIGT), razão pela qual os tribunais comuns, e não os tribunais administrativos, são os tribunais competentes nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. c), do ETAF, para resolver o presente litígio.

Em terceiro lugar, não é verdade que o artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar n.º 23/98 tenha servido para fundar a nulidade de atos jurídico-privados de transmissão e aquisição de propriedade. Nem o ato impugnado e nem o acórdão recorrido o fizeram, antes dão conta de que o controlo judicial dos atos jurídico-privados propriamente ditos, v.g., a escritura pública de doação celebrada em 09.03.2001, foi realizado pelo Tribunal Judicial de Setúbal. O que se diz no acórdão recorrido é que o ato de licenciamento camarário, ato administrativo, é nulo porque o fracionamento do prédio rústico em questão não foi precedido por uma autorização expressa do PNA, o que é uma questão bem diferente. Em consonância, não se pode falar aqui de uma aplicação analógica do mencionado artigo 19.º, n.º 5, a atos jurídico-privados e não se podem considerar violados os preceitos convocados … para sustentar a sua alegação.

Por último, também não é verdade que o acórdão recorrido tenha julgado no sentido da aplicação do artigo 103.º do RJIGT para cominar com a nulidade um ato jurídico-privado alegadamente em desconformidade com o artigo 11.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, o que nos dispensa de analisar o fundamento desta alegação, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aqui aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Em face de todo o exposto, devem improceder as alegações … acabadas de analisar.

2.3. Segundo … recorrente, a interpretação feita pelo acórdão recorrido do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, interpretação segundo a qual se deve exigir um parecer expresso favorável do PNA para a realização de obras de construção, é inconstitucional. Vejamos se lhe assiste razão.

A inconstitucionalidade deriva, segundo … ora recorrente, da violação dos princípios da hierarquia das normas e do primado da lei, consagrados no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, e do princípio da precedência da lei, consagrado no artigo 112.º, n.º 7, da CRP.

De forma mais concreta, e no que toca, antes de mais, à alegada violação dos princípios da hierarquia das normas e do primado da lei, teria havido uma derrogação de um ato legislativo - o RJUE ou o anterior DL n.º 445/91, de 20.11 - por um ato regulamentar - o Decreto Regulamentar n.º 23/98, pelo facto de no primeiro diploma se consagrar que a ausência de parecer no prazo estabelecido equivale a decisão de concordância.

Começaríamos por salientar que … ora recorrente tende a confundir duas realidades distintas: uma coisa é a inconstitucionalidade de uma interpretação normativa (possível, de acordo com o n.º 3 do artigo 80.º da LOTC), outra coisa é a inconstitucionalidade da própria norma. Tendo em conta que o artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98 não estabelece ele próprio, de forma explícita, a exigência de um parecer favorável expresso do PNA para a realização de obras de construção, não se pode defender que ele viola o princípio e as normas em causa.

Quanto à interpretação normativa que é feita pelo acórdão recorrido, embora … recorrente não identifique qualquer norma dos diplomas legislativos que cita que tenha sido desrespeitada, presumimos que se trata do artigo 19.º, n.º 9, do RJUE (diploma que revogou, entre outros, o DL n.º 445/91 … igualmente convocado …). O raciocínio em que se baseia a sua posição é simples: não regulando o Decreto Regulamentar n.º 23/98 os efeitos jurídicos do silêncio das entidades exteriores ao município, como é o PNA, aplica-se o artigo 19.º, n.º 9, do RJUE, norma de carácter geral que estabelece uma presunção de concordância relativamente a esse silêncio. Ora, ao decidir no sentido da exigência de um parecer favorável expresso, o acórdão recorrido teria incorrido em erro de julgamento em virtude da interpretação que faz do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, a qual implicará a derrogação do artigo 19.º, n.º 9, do RJUE, norma contida em diploma legislativo. Não cremos que seja necessariamente assim. Com efeito, não obstante o Decreto Regulamentar n.º 23/98 tenha passado a distinguir entre os atos e atividades que carecem de autorização daqueles que carecem de parecer vinculativo, e não obstante isso significar que o legislador pretendeu distinguir as duas situações, isso não implica que se deva entender que em caso de silêncio se deve aceitar a presunção de concordância. Parece-nos um grande salto lógico que o legislador tenha passado de uma proibição de todo o tipo de trabalhos, obras ou atividades sem autorização do PNA para uma solução em que a não emissão ou não emissão atempada de um parecer vinculativo relativamente a certos atos e atividades equivale à concordância daquela entidade. Solução que também não combina muito bem com a gravidade da sanção de nulidade prevista no n.º 5 do artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, preceito este que tem como epígrafe “Autorizações e pareceres vinculativos” (“São nulos e de nenhum efeito os atos administrativos que contrariem o disposto no presente diploma”). Cabe ainda recordar que o artigo 19.º do RJUE regula de forma genérica as relações entre os municípios e as entidades a eles exteriores, podendo aplicar-se a variadas e distintas operações urbanísticas, devendo salientar-se que a construção de obras particulares dentro ou fora da área de parques naturais não deve ser tratada da mesma maneira, o que implica que deva ser feita uma análise casuística de todas e cada uma das situações. Por último, resta sublinhar que a exigência de um parecer favorável expresso não é necessariamente afastada por esta opção do legislador em distinguir, no Decreto Regulamentar n.º 23/98, entre os atos e atividades que carecem de autorização e aqueles que carecem de parecer vinculativo. Com efeito, determina o artigo 20.º (Revogações) deste decreto regulamentar que “É revogada a Portaria n.º 26-F/80, de 9 de janeiro, com exceção do disposto nos artigos 8.º a 16.º, em tudo o que não disponham em contrário ao presente diploma”. Ou seja, ainda que se entenda que o artigo 12.º da Portaria n.º 26-F/80, designadamente o seu n.º 3, foi revogado pelo artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, porque naquele se fala em “autorização” e neste em “parecer vinculativo”, não se retira daqui de forma automática e inexorável que já não é exigível um parecer favorável expresso porque, verdadeiramente, aquele preceito da portaria nem sequer mencionava qualquer parecer vinculativo ou não. A única diferença é que antes exigia-se de forma genérica uma autorização prévia para quaisquer trabalhos, atos e atividades, agora, para certos atos e atividades devidamente identificadas, exige-se um parecer vinculativo prévio.

Em face de todo o exposto, pode concluir-se que não está afastada a solução da exigência de um parecer favorável expresso, sendo esta, segundo cremos, a solução mais acertada quando estamos em face de licenciamento de construções em áreas de parques naturais, como é o PNA, ou, dito de outro modo, é a solução mais consentânea com a necessidade de proteção dos bens constitucionais em jogo, que se impõem ao interesse dos particulares e ao seu direito de propriedade, sem, contudo, eliminar este último.

No que se refere à alegada violação do princípio da precedência da lei, argumenta a ora recorrente que o DL n.º 19/93 … (diploma que estabelece a disciplina jurídica da Rede Nacional de Áreas Protegidas), lei habilitante do decreto regulamentar em apreço, “apenas lhe confere habilitação, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, al. b), para definir os atos e atividades condicionados ou proibidos e não para regular os efeitos do silêncio do PNA”. Assim sendo, a interpretação do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98 “no sentido de excluir o parecer favorável tácito, tal como preconizado no Acórdão recorrido, é inconstitucional por violação do princípio de precedência de lei vertido no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição”. Uma vez mais, será apreciada a interpretação do acórdão recorrido e não a norma propriamente dita. E, desde logo, chamaríamos a atenção para a circunstância de que o DL n.º 19/93 … não é propriamente uma lei de autorização que tenha de definir o objeto, sentido e extensão da autorização. Mais ainda, o Decreto Regulamentar n.º 23/98 não é um regulamento de execução, antes configura um regulamento independente emanado pelo Governo (cfr. art. 112.º, n.º 6, in fine). Ora, em termos de relação entre os regulamentos independentes e as respetivas leis habilitantes - e deixando de parte a posição minoritária na doutrina nacional segundo a qual este tipo de regulamentos independentes não carece de lei habilitante, constituindo os artigos 112.º, n.º 6, e 199.º al. g) da CRP a sua habilitação direta e suficiente -, o que temos é que, os regulamentos independentes “não visam executar, complementar ou aplicar uma lei específica (não têm como objeto uma determinada lei), mas, sim, dinamizar a ordem jurídica em geral (em regra, um conjunto de leis), disciplinando ‘inicialmente’ certas relações sociais, seja no exercício de poderes próprios de produção normativa primária pelas comunidades autoadministradas (regulamentos autónomos), seja no exercício de competência universal do Governo em matéria administrativa (regulamentos independentes governamentais), seja no exercício de poderes normativos genéricos concedidos por lei a autoridades reguladoras (regulação independente)”. Relativamente aos regulamentos independentes governamentais, como é o caso do Decreto Regulamentar n.º 23/98, para a sua emissão basta, nos termos dos artigos 112.º, n.º 7, da CRP, e 136.º, n.º 2, do CPA, uma lei habilitante que defina a competência objetiva (matéria específica) e subjetiva (órgão competente) - cfr. J.C. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, 2015, pp. 143 a 146 - “sem necessidade de definição do conteúdo dos comandos normativos a emitir pelo regulamento (liberdade de definição do conteúdo normativo. (…) Tais regulamentos não vêm, assim, complementar qualquer lei anterior, eventualmente carecida de regulamentação por via administrativa: a sua missão é, antes, estabelecer autonomamente a disciplina jurídica que há de pautar a realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador às entidades consideradas” (cfr. D. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2016, Coimbra, pp. 152-3). Em face desta compreensão dos regulamentos independentes, e tendo em consideração a concreta argumentação utilizada pela ora recorrente, constata-se que a mesma não é de molde a fundar a alegada violação do princípio da precedência da lei por parte da interpretação normativa adotada pelo acórdão recorrido.

2.4. Alega igualmente … recorrente que houve uma errada interpretação e aplicação do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98. No entender … recorrente, ao acolher o entendimento preconizado pela sentença da 1.ª instância, segundo o qual é exigível um parecer favorável expresso do PNA para viabilizar as obras de construção, o acórdão recorrido incorreu em errada interpretação e aplicação do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98 conjugado com o disposto no artigo 19.º, n.º 9, do RJUE. Mais ainda, erra igualmente quando afirma que existe legislação específica aplicável na área da PNA que afasta a regra geral da concordância tácita consagrada no artigo 19.º, n.º 9, do RJUE, violando não apenas esta disposição, mas, de igual modo, o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil (CC). Vejamos se tem razão.

O acórdão recorrido, efetivamente, acompanha o raciocínio da decisão da 1.ª instância quanto à necessidade de um parecer favorável expresso, devendo afastar-se, in casu, a aplicação da presunção de concordância que consta do artigo 19.º, n.º 9, do RJUE nos casos de inércia da Administração ou da emissão fora do prazo do necessário parecer. No seu entender, este último preceito encerra uma regra geral que não se aplica em face da especificidade da proteção dos bens existentes no PNA, especificidade que se comprova com a convocação de vários preceitos que regularam e que regulam ainda hoje este parque natural. Admitindo que o artigo 12.º, al. a), não menciona qualquer parecer favorável expresso, retira essa exigência de outros preceitos como o artigo 17.º da Portaria n.º 26-F/80 e os artigos 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 5, Decreto Regulamentar n.º 23/98. Deixando de parte o mencionado artigo 17.º da portaria, revogado pelo decreto regulamentar em apreço (e, portanto, não aplicável ao caso dos autos), temos que o acórdão recorrido estima que o decreto regulamentar que reclassificou o PNA estabelece ele próprio a solução para os casos de silêncio da Administração ao determinar que constitui contraordenação a construção de imóveis sem as autorizações e os pareceres vinculativos nos artigos 11.º e 12.º (art. 15.º, n.º 1) e ao cominar com a nulidade os atos administrativos que contrariem o disposto no decreto regulamentar em apreço (art. 19.º, n.º 5). Vale isto por dizer que são estes os preceitos que consubstanciarão a legislação específica que afasta a aplicação do artigo 19.º, n.º 9, do RJUE. Sublinha ainda o acórdão recorrido que não é visível na disciplina vigente relativa ao PNA que o legislador tenha alterado, no sentido de atenuar, a proteção dos bens existentes no Parque. Esta argumentação que extraímos da fundamentação da decisão contida no acórdão recorrido vai ao encontro do que foi já dito supra quando se analisou da alegada inconstitucionalidade da interpretação que foi feita pelo acórdão recorrido do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, reiterando-se agora, de forma sintética, que a interpretação feita é uma interpretação possível, enquadrável na teleologia de várias normas do Decreto Regulamentar n.º 23/98 e a que melhor vai ao encontro das preocupações e objetivos do legislador em torno da necessidade de proteger os bens existentes no PNA. Acrescentaríamos apenas, para reforçar esta ideia da estrita conexão entre a exigência de um parecer favorável expresso e a importância dos bens a proteger, a circunstância de ser exigido um parecer vinculativo do PNA, sabendo-se que a regra na nossa ordem jurídico-administrativa é a da não vinculatividade dos pareceres. E, quanto aos primeiros, “quando as conclusões do parecer têm necessariamente de ser seguidas pelo órgão competente para decidir, na realidade a entidade que emite o parecer também decide. Aliás, esta é que será a verdadeira decisão: a decisão da segunda entidade é apenas a formalização de algo que já estava pré-determinado no parecer. Neste último caso, sempre que o parecer seja vinculativo, do que se trata é do ato administrativo ter dois autores: um é o órgão consultivo ou o especialista que emite o parecer vinculativo, e o outro é o órgão com competência para tomar a decisão definitiva, mas que é obrigado a seguir as conclusões do parecer” (cfr. D. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2016, Coimbra, pp. 251-2). Ainda a este propósito, retenha-se que o CPA, na versão atualmente vigente, possibilita a emissão de decisão final no procedimento mesmo sem o parecer obrigatório facultativo, desde que tenha havido uma prévia interpelação do órgão a consultar por parte do responsável pela direção do procedimento (“6 - No caso de o parecer obrigatório ser vinculativo, a decisão final só pode ser proferida sem a prévia emissão daquele desde que o responsável pela direção do procedimento tenha interpelado, no prazo de 10 dias, o órgão competente para o emitir, sem que este o tenha feito no prazo de 20 dias a contar dessa interpelação”). Solução que não existia na versão vigente à data da prática do ato impugnado, quando o então artigo 99.º do CPA apenas se referia aos pareceres não vinculativos (“3 - Quando um parecer obrigatório e não vinculativo não for emitido dentro dos prazos previstos no número anterior, pode o procedimento prosseguir e vir a ser decidido sem o parecer, salvo disposição legal expressa em contrário”). Como facilmente se pode concluir, o sentido e alcance da previsão de um parecer vinculativo não se compadece muito bem com a tese de que o 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98 não pode ser interpretado no sentido de exigir um parecer favorável expresso. Nessa medida, e tendo em conta todos os aspetos em concreto apreciados, não se pode dar por verificado o erro de julgamento relativo à interpretação do artigo 12.º, al. a), e nem a violação do artigo 19.º, n.º 9, do RJUE.

2.5. Imputa ainda … recorrente ao acórdão recorrido nova violação do princípio da precedência da lei (art. 112.º, n.º 5, da CRP) ao defender que o n.º 5 do artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, aplicado pelo acórdão recorrido como fundamento da nulidade do ato de licenciamento camarário o n.º 5 do artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, viola o princípio da precedência da lei sobre os atos regulamentares. As leis desrespeitadas são o CPA - mais concretamente, o seu artigo 133.º, n.º 1 (segundo o qual “só são nulos os atos ‘para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade’” – e o DL n.º 19/93 … que “não confere qualquer habilitação ao decreto regulamentar para disciplinar o desvalor jurídico dos atos praticados em sua desconformidade”. Como se verá de seguida, não lhe assiste razão.

No que concerne à relação do Decreto Regulamentar n.º 23/98 com o DL n.º 19/93 … remetemos para o que já foi dito no ponto 2.3. Cumpre apenas acrescentar, deste modo, que o artigo 68.º do RJUE, a partir da sua segunda versão introduzida pelo DL n.º 177/2001, de 04.06, passou a prever a nulidade das licenças quando não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres são legalmente exigíveis. Como visto supra, de nada vale argumentar que foi solicitado ao PNA o devido parecer. Assim sendo, também não procede a alegação da ora recorrente de que o desrespeito do artigo 12.º, al. a), apenas geraria a mera anulabilidade nos termos do artigo 135.º do CPA, pelo que o acórdão recorrido, e antes dele o ato impugnado, teriam violado esse preceito e, bem assim, o artigo 133.º, n.º 1, do CPA.

2.6. … ora recorrente chama também a atenção para a circunstância de que o Decreto Regulamentar n.º 23/98 revogou parcialmente a Portaria n.º 26-F/80, tendo, por força do seu artigo 20.º, revogado os artigos 12.º, n.º 3, e 14.º, n.º 2, al. a), com isso passando a realização das obras de construção dentro da área do PNA a estar sujeita a prévio parecer vinculativo e não a autorização (art. 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98). Errou, desta forma, o acórdão recorrido ao julgar aplicáveis aqueles preceitos revogados da portaria em questão para fundar a nulidade do ato de licenciamento camarário, em violação dos artigos 12.º, al. a), e 20.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98. Vejamos.

Na parte final do ponto 3. do acórdão recorrido pode ler-se o seguinte:

“O ato de licenciamento da construção emitido pelo Município de Setúbal não se conforma com o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, em face do disposto nos artigos 12.º e 14.º, n.º 2, al. a) da Portaria n.º 26-F/89, de 09/10 e do artigo 20.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14/10, enfermando de nulidade os atos praticados em sua violação, em face do que dispõe o n.º 5 do artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14/10, o qual sendo um plano especial de ordenamento do território convoca a aplicação do disposto no artigo 68.º do RJUE e dos artigos 2.º, n.º 2, al. c) e 103.º do D.L. n.º 380/99, de 22/09”.

Antes deste remate final, explicava-se no acórdão recorrido, que aqui acompanha a sentença da 1.ª instância, que o ato impugnado considerou que não deveria ter sido concedido a licença camarária para a construção peticionada porque, entre outras coisas, não havia o necessário parecer favorável expresso, tal como exigido pelo artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98. Reconhecendo que uma tal exigência não está disposta de forma explícita nessa norma, procura arranjar sustentação jurídica para esta sua orientação. Entre os normativos que convoca para alicerçá-la estão, como se viu, os artigos 12.º, n.º 3, e 14.º, n.º 2, al. a), da Portaria n.º 26-F/80. Entende a ora recorrente que estes preceitos não poderiam ser aplicados porque revogados por força do artigo 20.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, com a epígrafe “Revogações”. Na realidade, o que este preceito estabelece é que “É revogada a Portaria n.º 26-F/80, de 9 de janeiro, com exceção do disposto nos artigos 8.º a 16.º, em tudo o que não disponham em contrário ao presente diploma”. Ora, o que … recorrente diz é que o artigo 12.º da portaria previa genericamente a necessidade de autorização para levar a cabo trabalhos, atos e atividades e que com o decreto regulamentar passou a distinguir-se entre os atos e atividades que carecem de autorização (11.º) e os que carecem de parecer vinculativo (art. 12.º), com isto sendo claro que o legislador pretendeu estabelecer uma distinção de situações, consoante se entenda que é necessária uma autorização ou um parecer vinculativo. Quanto a isso, não temos dúvidas, mas o que o acórdão recorrido pretendeu demonstrar foi que essa proibição de trabalhos, atos e atividades na ausência de autorização significa que estava em causa a necessidade de uma autorização expressa. Defender que esta solução não vale para aquelas situações em que agora apenas se exige um parecer vinculativo como condição para o licenciamento de novas construções não é uma decorrência lógica das alterações legislativas em causa. Das duas uma: ou o n.º 3 do artigo 12.º da portaria foi, pura e simplesmente revogado, e a verdade é que a recorrente não demonstra em que medida a sua manutenção em vigor dispõe em contrário “ao presente diploma”, pois apenas diz que não é aplicável naquelas situações em que agora se exige um parecer vinculativo; ou, como parece ser a posição … ora recorrente, só é revogado em relação a estas últimas situações. Sucede que esta tese não convence. Além de que seria uma duvidosa revogação seletiva, sempre se poderá contra-argumentar que se era essa a intenção do legislador ele deveria ter transposto este segmento para o novo artigo 11.º do decreto regulamentar, o que não fez. Significa isto que, extraindo o acórdão recorrido do n.º 3 do artigo 12.º da Portaria n.º 26-F/80 a ideia de que é necessário um parecer favorável expresso, e na medida em que essa conclusão não disponha contra o Decreto Regulamentar n.º 23/98, o que … recorrente não chega a demonstrar de forma cabal, não se pode afirmar que tenha havido revogação deste preceito na parte em que, de forma implícita, é certo, requer uma “autorização” expressa. Tal como não se pode afirmar que esta exigência apenas vale para aquelas situações para as quais se exige atualmente uma autorização e não para aquelas em que se exige agora um parecer vinculativo. Defender esta posição não significa convolar autorizações em pareceres vinculativos. Significa apenas que uma regra genérica que valia para determinadas situações continuou a ser genérica, não obstante essas situações tenham disso realojadas em dois preceitos distintos. Com isto, o que temos, é que tanto as autorizações como os pareceres vinculativos prévios têm de ser expressos, sob pena de invalidade do ato de licenciamento. Como visto antes, no que se refere aos pareceres obrigatórios vinculativos, como é aquele exigido pelo artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, esta solução apresenta-se plena de sentido. Resta dizer que foi com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005, de 23.08 que finalmente foram revogados os artigos 12.º a 16.º da Portaria n.º 26-F/80. Em face de todo o exposto deve improceder mais esta alegação (…).

Ainda a este propósito, sustenta … ora recorrente que o ato impugnado nem sequer invoca qualquer norma da portaria em apreço que tenha sido preterida, razão pela qual padece de vício de violação da lei e deveria ter sido anulado de acordo com o artigo 135.º do CPA. Na medida em que … recorrente nada assaca ao acórdão recorrido quanto a este específico aspeto, nada há que apreciar.

2.7. Sublinha … ora recorrente a circunstância de que o acórdão recorrido “ao decidir que a Portaria 26-F/80 é um plano especial de ordenamento do território cuja violação dita a nulidade do ato de licenciamento camarário, padece de erro de Direito, fazendo uma errada interpretação e aplicação do artigo 68.º, al. a), do RJUE e do artigo 103.º do RJIGT, violando, ainda, o disposto no artigo 34.º da Lei de Bases de Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo e nos artigos 3.º e 154.º do RJIGT” (…). Como se pode constatar, a recorrente parece não concordar com a “decisão” do acórdão recorrido no sentido de qualificar a Portaria n.º 26-F/80 como um plano especial do ordenamento do território, “decisão” essa que terá feito o acórdão recorrido incorrer em outros erros de julgamento. Comecemos por apreciar a primeira parte da alegação … recorrente.

O DL n.º 622/76 … criou o Parque Natural da Arrábida (PNA); a Portaria n.º 26-F/80 aprovou o regulamento do Parque Natural da Arrábida e com ele o respetivo plano de ordenamento preliminar; o Decreto Regulamentar n.º 23/98 estabeleceu a reclassificação do Parque Natural da Arrábida. Ou seja, estamos perante um “parque natural”, uma categoria de área protegida de âmbito nacional nos termos do artigo 2.º, n.º 3, al. c), do DL n.º 19/93 …. Por sua vez, o artigo 1.º, n.º 3, do DL n. 151/95, estabelece que “Os tipos de planos especiais de ordenamento do território, para os efeitos do presente diploma, são os previstos no seu anexo, que dele faz parte integrante”. No mencionado anexo vêm mencionadas, no seu n.º 5, os “Planos de ordenamento de áreas protegidas”.

O Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Arrábida apenas foi criado em 2005, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005 …, depois dos atos jurídico-privados que deram lugar ao fracionamento e transmissão do imóvel rústico, ao pedido de parecer do município de Setúbal ao PNA e ao despacho do Vereador da Câmara Municipal de Setúbal que emitiu a licença de construção. Até a essa data, vigorou o plano de planeamento preliminar publicado com a Portaria n.º 26-F/80 a que faz referência o n.º 3 do artigo 18.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98 (“Até à aprovação do plano de ordenamento referido no n.º 1, aplica-se o plano de ordenamento preliminar e o regulamento publicados pela Portaria n.º 26-F/80, de 9 de janeiro, incluindo as interdições e condicionamentos nele previstos, em tudo o que não seja contrário ao disposto no presente diploma”).

Em conclusão, e perante os normativos acabados de convocar, o plano de ordenamento preliminar do PNA deve ser considerado um plano especial de ordenamento do território (PEOT). A esta conclusão não obsta o disposto no artigo 154.º do DL n.º 380/99 …. Este preceito deve ser interpretado de acordo com aquela que era a intenção do legislador, a qual ficou bem expressa na lei de bases de 2008 (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo/LBPOTU - Lei n.º 48/98, de 11.08), sob pena de se desrespeitar a parametricidade material das leis de bases sobre os diplomas legislativos que as desenvolvem. Vejamos, então, como entender o mencionado artigo 154.º a partir do que estava pré-determinado na lei de bases.

Das disposições finais e transitórias da LBPOTU constavam os artigos 31.º (Planos regionais de ordenamento do território), 32.º (Planos municipais de ordenamento do território), 33.º (Planos especiais de ordenamento do território) - aí definidos como “Os planos especiais de ordenamento do território são os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira” - e o artigo 34.º (Outros planos) que assim dispunha:

“1 - Todos os instrumentos de natureza legal ou regulamentar com incidência territorial atualmente existentes deverão ser reconduzidos, no âmbito do sistema de planeamento estabelecido pela presente lei, ao tipo de instrumento de gestão territorial que se revele adequado à sua vocação específica.

2 - O disposto no número anterior deverá considerar que:

a) A produção de quaisquer efeitos jurídicos externos pelos instrumentos com incidência territorial a integrar no sistema de planeamento territorial dependerá sempre, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, da presente lei, da possibilidade de converter aqueles instrumentos em planos municipais de ordenamento do território ou em planos especiais de ordenamento do território;

b) Além de determinar o alcance dos efeitos jurídicos a produzir, a integração em qualquer das categorias de instrumentos de gestão territorial legalmente previstas impõe o cumprimento das regras relativas à respetiva elaboração, aprovação e entrada em vigor;

c) A integração nas categorias previstas no sistema de gestão territorial deverá fazer-se no prazo de dois anos a contar da entrada em vigor da presente lei, findo o qual deixam de vincular os particulares todos os instrumentos de natureza legal ou regulamentar com incidência territorial que não se enquadrem no elenco típico legalmente estabelecido.

3 - No prazo máximo de 180 dias, o Governo definirá em diploma próprio o procedimento a adotar”.

A melhor interpretação a dar a este último preceito, porque a mais lógica, é a de que a recondução a que se refere o n.º 1 é para aqueles “outros planos” que não se enquadravam em nenhum dos instrumentos com incidência territorial do “sistema de planeamento estabelecido pela presente lei, ao tipo de instrumento de gestão territorial que se revele adequado à sua vocação específica”. Ora, o plano do ordenamento preliminar do PNA, enquanto plano de ordenamento de áreas protegidas, já era juridicamente considerado um plano especial de ordenamento do território, categoria igualmente acolhida na LBPOTU, que o definia no seu artigo 33.º como “os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira”. Era naqueles “outros planos” que era necessário identificar a produção de efeitos jurídicos externos, sendo certo que os planos especiais de ordenamento do território, enquanto planos plurisubjetivos, produzem efeitos externos. A al. a) do n.º 2 do artigo 154.º é a expressão acabada disso: “a) A produção de quaisquer efeitos jurídicos externos pelos instrumentos com incidência territorial a integrar no sistema de planeamento territorial dependerá sempre, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, da presente lei, da possibilidade de converter aqueles instrumentos em planos municipais de ordenamento do território ou em planos especiais de ordenamento do território” [negritos nossos].

O DL n.º 380/99 …, que desenvolveu as bases da LBPOTU, alterou a sistematização da lei de bases, e nas suas disposições finais e transitórias apenas manteve, para o que agora nos interessa, o artigo 153.º, relativo aos planos regionais de ordenamento do território, e o artigo 154.º dedicado aos outros planos, com o conteúdo que seguidamente se reproduz:

“1 - Todos os instrumentos de natureza legal ou regulamentar com incidência territorial atualmente existentes continuam em vigor até à respetiva adequação ao sistema de gestão territorial estabelecido neste diploma, nos termos previstos nos números seguintes.

2 - Compete às comissões de coordenação e desenvolvimento regional a identificação no prazo de um ano das normas diretamente vinculativas dos particulares a integrar em plano especial ou em plano municipal de ordenamento do território.

3 - O Governo e as câmaras municipais devem promover, nos 180 dias subsequentes à identificação referida no número anterior, a correspondente alteração dos planos especiais e dos planos municipais de ordenamento do território.

4 - Os instrumentos com incidência territorial não abrangidos pelo disposto nos n.ºs 2 e 3 continuarão em vigor com a natureza de planos sectoriais”.

Os planos especiais de ordenamento do território vêm definidos no n.º 3 do artigo 42.º como “Os planos especiais de ordenamento do território são os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira” [negrito nosso].

Em face de tudo isto, pretender, como o faz … recorrente, que o plano de ordenamento preliminar do PNA é um plano sectorial nos termos do n.º 4 do artigo 154.º é, além do mais, e como se viu, uma interpretação inconstitucional do preceito em questão, na medida em que implicaria que esse preceito contraria as bases da LBPOTU, lei com valor reforçado nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP (“Têm valor reforçado (…) as leis que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis”, como é manifestamente o caso das leis de bases relativamente aos decretos-leis que as desenvolvem). Aliás, como igualmente não poderia deixar de ser, o artigo 157.º (Regime transitório) não refere a necessidade da recondução/adequação dos planos especiais com a aprovação em curso aquando da entrada em vigor do RJIGT porque, obviamente, já estavam a ser criados como planos especiais. Finalmente, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005 …, que aprova o plano de ordenamento territorial do PNA toma-o como um plano especial de ordenamento do território.

Passemos, agora, à segunda parte da alegação … recorrente.

O artigo 68.º, n.º 1, al. a), do RJUE estabelecia o seguinte: “São nulas as licenças, a admissão de comunicações prévias ou as autorizações de utilização previstas no presente diploma que: a) Violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença de loteamento em vigor”.

O artigo 2.º (Sistemas de gestão territorial), n.º 2, do RJIGT dispunha do seguinte modo: “O âmbito nacional é concretizado através dos seguintes instrumentos: (…) c) Os planos especiais de ordenamento do território, compreendendo os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas, os planos de ordenamento da orla costeira e os planos de ordenamento dos estuários”.

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 3.º (Vinculação jurídica) do mesmo diploma determina que “Os planos municipais de ordenamento do território e os planos especiais de ordenamento do território vinculam as entidades públicas e ainda direta e imediatamente os particulares”.

No seu artigo 103.º (Invalidade dos atos) pode ler-se: “São nulos os atos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável”.

Tendo em conta que o plano de ordenamento preliminar é/era um plano especial de ordenamento do território e, ainda, o teor dos preceitos acabados de mencionar, que se aplicam ao PNA, não se vê como tenha errado o acórdão recorrido quando afirma que a sua violação por ato de licenciamento camarário gera uma situação de nulidade (não sendo despiciendo lembrar que, com o RJUE, a nulidade passou a ser a regra no âmbito do direito do urbanismo, em contracorrente com o direito administrativo geral) ou quando afirma que, enquanto plano daquele tipo, vincula também os particulares.

Cabe, ainda, salientar que não tem razão … recorrente quando afirma que o acórdão recorrido aplicou uma norma revogada, mais concretamente o artigo 9.º, n.º 2, do DL n.º 622/76 … para fundar a nulidade do licenciamento camarário. Com efeito, essa norma é mencionada no âmbito de um apanhado histórico da disciplina jurídica do PNA, não decorrendo daqui que o acórdão funde nela a nulidade do ato de licenciamento camarário.

2.8. Por último, segundo afirma … ora recorrente, o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao entender que o ato de licenciamento da construção violou o regime jurídico da Rede Natura, e isto, por várias razões.

Por um lado, porque não foi convocada nenhuma norma específica desse regime e não foi produzida qualquer prova nos autos, apenas tendo o PNA invocado essa suposta violação.

Por outro lado, porque “foi promovida pelo Município a consulta do PNA, serviço local do Instituto da Conservação e da Natureza (ICN), para se pronunciar sobre a operação urbanística, foi promovida a consulta ao ICN para efeitos do regime Rede Natura e produziu-se parecer favorável tácito pela ausência de resposta no prazo legal”. Por assim ser, “o Tribunal recorrido ao não anular o ato recorrido fez uma errada interpretação do artigo 8.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, que se afigura desconforme com o princípio de desconcentração administrativa acolhido pelo artigo 267.º, n.º 2, da Lei Fundamental” (…). No entender … ora recorrente, “O ato impugnado ao determinar que a consulta ao PNA para efeitos de regime da Rede Natura não teve lugar porque o Município tinha de referir, expressa e especificamente, que a consulta era promovida para efeitos do regime jurídico da Rede Natura, violou, ainda, o disposto no artigo 19.º, n.º 10, do RJUE, pelo que deveria ter sido anulado pelo Tribunal” (…).

Vejamos se lhe assiste razão.

O n.º 1 do artigo 8.º do DL n.º 140/99 … determinava que “Nos casos previstos no n.º 8 do artigo anterior, ficam sujeitos a parecer do ICN ou da direção regional de ambiente territorialmente competente os seguintes atos e atividades: a) A realização de obras de construção civil fora dos perímetros urbanos, com exceção das obras de reconstrução, ampliação, demolição e conservação”. O n.º 3 deste dispositivo dispunha do seguinte modo: “A ausência de parecer no prazo previsto no número anterior equivale à emissão de parecer favorável”. Comecemos pelo n.º 1. Parece-nos claro que quando se fala de parecer do ICN ou da direção regional de ambiente territorialmente competente (na redação introduzida pelo DL n.º 49/2005, de 24.02, passou a ser “ICN ou [d]a comissão de coordenação e desenvolvimento regional competente”) a referência diz respeito a parecer a ser emitido por órgãos próprios do ICN (atualmente ICNP) ou dessas outras entidades. O facto de o PNA, enquanto parque natural, ser gerido pelo ICN(P) (ou, como afirma a recorrente, ser “serviço local do Instituto da Conservação e da Natureza”) não significa que o parecer a ser pedido ao ICN possa ser transmutado em parecer a ser pedido ao CD do PNA. E por que razão ao CD e não ao seu Conselho Consultivo? Acresce a isso que o n.º 1 do artigo 8.º do DL n.º 140/99 exige a emissão de parecer, nada mencionando quando à sua vinculatividade, e o n.º 3 estabelece de forma explícita que a ausência de pronúncia equivale a parecer favorável, o que reforça a ideia de que o parecer exigido certamente que não é o mesmo que deve ser requerido aos órgãos próprios dos parques naturais. Seja como for, e como bem assinala o acórdão recorrido, o ato impugnado concluiu no sentido da nulidade do ato de licenciamento camarário com vários fundamentos que não apenas a falta de parecer nos termos do artigo 8.º, n.º 1 (relembre-se, a nulidade do ato de fracionamento e a ausência de parecer favorável expresso do CD do PNA, questões já apreciadas). Cumpre, por último, mencionar que, se não foi convocada nenhuma norma específica do regime jurídico da Rede Natura, a verdade é que a ora recorrente não teve dúvidas de que o que estava em causa era a ausência do parecer exigido pelo art. 8.º, n.º 1…»

14. Daí que, em face do explicitado, improcedem in toto as críticas acometidas pelo recorrente ao acórdão recorrido e, nessa medida, importa negar provimento ao presente recurso com a consequente manutenção da decisão objeto de impugnação.

E concretamente sobre a questão relativa às consequências jurídicas a extrair quanto à não emissão (tempestiva) do parecer do PNA, afirmou-se no acórdão do TCAS apreciado nesse recurso pelo STA que:

Afigura-se inequívoco, em face da factualidade demonstrada nos autos, que antes de ser emitida a licença de construção pelo Município de Setúbal, assim como o seu respectivo alvará de construção, existiu uma pronúncia dos órgãos directivos do Parque Natural da Arrábida contra o fraccionamento do prédio sobre o qual recai a pretensão de edificação, invocando a nulidade desse fraccionamento por violação de normas do plano urbanístico aplicável, o que se repercute na validade dos atos de licenciamento das respectivas construções que lá se pretendam erigir.

Tal deveria ter conduzido a que a entidade competente para o licenciamento da construção, o Município de Setúbal, se tivesse abstido de praticar ato administrativo que deferisse pretensão urbanística que viola norma urbanística contida em plano de ordenamento do território aplicável, por tal contender com o princípio da legalidade a que se encontra submetida, por força do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição e da lei, nos termos do Código de Procedimento Administrativo, à data, nos termos do seu artigo 3.º, ao prever o princípio da legalidade.

A entidade decisora do procedimento administrativo de licenciamento da construção, não deve praticar qualquer ato que consubstancie a violação de normas constantes de ato legislativo ou de plano urbanístico de ordenamento do território.

Por outro lado, ainda que o parecer não tenha sido emitido dentro do prazo de 45 dias e perante um parecer recebido fora do prazo legalmente estabelecido, não deixa de estar vinculada à Constituição e à lei, não podendo praticar atos administrativos que ofendam as normas legais e regulamentares aplicáveis.

Não devem existir dúvidas de que a conformidade dos atos administrativos praticados nos procedimentos de controlo de operações urbanísticas com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis é condição da sua validade, como estabelece o disposto no n.º 2 do artigo 101.º do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo D.L. n.º 380/99, de 22709, sendo nulos, nos termos do artigo 103.º desse diploma legal e também à luz do disposto no artigo 68.º, al. a) do RJUE, os atos que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território ou em plano especial de ordenamento do território, instrumentos de ordenamento do territórios estes cujas prescrições vinculam direta e imediatamente quer as entidades públicas, quer os particulares, atenta a força e a eficácia plurisubjetiva de que gozam, projectando e impondo externamente os seus efeitos.

Neste sentido, os pareceres emitidos pelo Parque Natural vinculam no caso de serem negativos, caso em que a entidade municipal competente não pode emitir a licença e o respectivo alvará de construção, além de que a ausência de parecer ou mesmo o parecer tácito favorável, não contém a virtualidade de poder dispensar o Município do cumprimento da legalidade aplicável, sendo nulas as licenças que violem o disposto em plano especial de ordenamento do território, nos termos do disposto no artigo 68.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).

Além disso, são nulas as licenças e os demais atos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável, segundo o disposto nos artigos 103.º e 134.º do Código do Procedimento Administração (CPA), na redacção à data vigente. [sublinhados nosso]

O ato de licenciamento da construção emitido pelo Município de Setúbal não se conforma com o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, em face do disposto nos artigos 12.º e 14.º, n.º 2, al. a) da Portaria n.º 26-F/89, de 09/10 e do artigo 20.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14/10, enfermando de nulidade os atos praticados em sua violação, em face do que dispõe o n.º 5 do artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14/10, o qual sendo um plano especial de ordenamento do território convoca a aplicação do disposto no artigo 68.º do RJUE e dos artigos 2.º, n.º 2, al. c) e 103.º do D.L. n.º 380/99, de 22/09.

Assim, de tudo isto resulta inequívoco que os actos impugnados e subsequente alvará são nulos nos termos do art. 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro (idem, o acórdão deste TCAS de 11.07.2018, proc. 1110/08.1BEALM, relatado pelo ora relator).

Pelo que se vem de expor, acolhendo inteiramente a jurisprudência citada, terá que concluir-se que a sentença recorrida decidiu com acerto, quer quanto à caracterização do parecer em questão, quer quanto ao desvalor jurídico que lhe está associado (embora não tenha declarado a nulidade, por aplicação do art. 134.º, n.º 3, do CPA e por observação do princípio da boa-fé).

Razões que determinam a improcedência do recurso interposto pelo Recorrente M....

Vejamos agora do recurso subordinado, na parte ainda não conhecida. Ou seja, apreciar se a sentença recorrida decidiu com acerto ao não ter declarado, logo no dispositivo, a nulidade dos actos impugnados (o que equivaleria à condenação na determinação da demolição da obra edificada e na reposição do terreno no estado em que se encontrava, tal como inicialmente fora peticionado).

Neste ponto, concluiu-se na sentença recorrida que: “serão tendencialmente “nulas as licenças que violem o disposto em Plano Especial de Ordenamento do Território ou não tenham sido precedidas de consulta a Entidades cujos Pareceres sejam legalmente exigíveis” (art° 68° alíneas a) e c) do RJUE).

Tudo quanto foi precedentemente referido, como ficou já dito, terá necessariamente de ser enquadrado em função do desejável bom senso, até perante a eventual existência de terceiros de boa-fé, o que só por si impõe a aplicação do estatuído no Artº 134º nº 3 CPA”.

Sustenta o Ministério Público que se ocorre a nulidade, esta deve ser declarada, não sendo legítimo ao tribunal assumir um “tercium genus”.

E assiste razão ao aqui Recorrente.

Com efeito, o tribunal a quo não interpretou, nem aplicou devidamente o invocado art. 136.º do CPA, concretamente o seu n.º 3.

Dispõe o citado preceito do Código do Procedimento Administrativo:


Artigo 134.º - Regime da nulidade

1 - O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.

2 - A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.

É notória a confusão dogmática do tribunal a quo, consubstanciada na errada equivalência entre a existência do desvalor jurídico da nulidade e os efeitos daí consequentes. Contrariamente ao que vem dito na sentença recorrida, não é a nulidade que se encontra condicionada; o que se encontra condicionado são sim os efeitos jurídicos daquela decorrentes.

Assim, e reiterando aqui o que acima se deixou escrito acerva da verificação da nulidade dos actos em impugnação, terá que revogar-se a sentença recorrida nesta parte e declarar-se a nulidade dos actos impugnados.

A declaração de nulidade dos actos impugnados implica a não produção de quaisquer efeitos jurídicos decorrentes da aprovação do projecto de arquitectura e do acto de licenciamento, o que significa que a obra realizada é ilegal e que, nessa medida, deve ser ordenada a sua demolição, caso a obra seja insusceptível de legalização.

E a esse propósito, importa esclarecer o seguinte, tanto mais que, da leitura que fazemos da sentença, terá sido essa a intenção do tribunal a quo ao optar por condicionar a nulidade à emissão de Parecer ao PNA e respectivos efeitos para a manutenção do edificado (na p.i. foi peticionada a demolição do edificado e a reposição do terreno no estado em que se encontrava).

Como é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a demolição constitui um último reduto, pelo que se impõe sempre averiguar da possibilidade de legalizar a obra antes de proceder à demolição da mesma, dado que o processo de licenciamento de obra constitui um procedimento completamente diferente do procedimento de legalização. A demolição só deve ser ordenada se não for possível a legalização, com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração, constituindo tal regra um afloramento do princípio constitucional da proporcionalidade (art. 18º, nº 2, da CRP) que impõe que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam razões de interesse público que os possam justificar. Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, podem vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, não devem, sem mais, ser demolidas.

Neste capítulo, em primeiro lugar, lido o recurso interposto, verifica-se que o Recorrente Ministério Público não dedica específica crítica nesta matéria. Não se infirma no recurso o concretamente decidido acerca da não demolição do edificado e reposição do terreno no estado em que se encontrava, contrariando a conclusão alcançada de que haveria, em primeiro lugar, de averiguar da possibilidade de conformação das disposições legais e regulamentares aplicáveis à situação em causa, designadamente mediante a realização de trabalhos de correcção e ou de alteração

E lida a factualidade que vem dada como assente, certo é que da mesma também nada se extrai que permita sustentar que o edificado é insustentável de manutenção. Sendo que também não vem pelo Ministério Público impugnada a matéria de facto.

Assim, nada mais vindo questionado no recurso subordinado, nada mais cumpre apreciar.



III. Conclusões

Sumariando (adoptando-se parcialmente as conclusões do citado ac. deste TCAS de 24.05.2018):

i) Ainda que o parecer do Parque Natural da Arrábida não tenha sido emitido dentro do prazo de 45 dias e perante um parecer recebido fora do prazo legalmente estabelecido, não deixa o Município de estar vinculado à Constituição e à lei, não podendo praticar actos administrativos que consubstancie a violação de normas constantes de ato legislativo ou de plano urbanístico de ordenamento do território.

ii) A conformidade dos actos administrativos praticados nos procedimentos de controlo de operações urbanísticas com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis é condição da sua validade, como estabelece o disposto no n.º 2 do artigo 101.º do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo D.L. n.º 380/99, de 22/09.

iii) Os actos que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território ou em plano especial de ordenamento do território, enquanto instrumentos de ordenamento do território cujas prescrições vinculam directa e imediatamente quer as entidades públicas, quer os particulares, atenta a força e a eficácia plurisubjetiva de que gozam, projectando e impondo externamente os seus efeitos, são nulos, nos termos do artigo 103.º do D.L. n.º 380/99, de 22/09 e do artigo 68.º, al. a) do RJUE.

iv) Os pareceres emitidos pelo Parque Natural vinculam no caso de serem negativos, caso em que a entidade municipal competente não pode emitir a licença e o respectivo alvará de construção, além de que a ausência de parecer ou mesmo o parecer tácito favorável, não dispensam o Município do cumprimento da legalidade aplicável, sendo nulas as licenças que violem o disposto em plano especial de ordenamento do território, segundo o artigo 68.º do RJUE.

v) A declaração de nulidade dos actos impugnados implica a não produção de quaisquer efeitos jurídicos decorrentes da aprovação do projecto de arquitectura e do acto de licenciamento, o que significa que a obra realizada é ilegal e que, nessa medida, deve ser ordenada a sua demolição, caso a obra seja insusceptível de legalização.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste tribunal central administrativo sul em:

- Negar provimento ao recurso interposto por M...;

- Conceder provimento ao recurso subordinado interposto pelo Ministério Público e revogar a sentença recorrida; e, em substituição,

- Declarar a nulidade dos actos impugnados.

Custas pelo Recorrente M....

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2021

Pedro Marchão Marques (relator). O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento: Alda Nunes e Lina Costa.