Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:916/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
FACTURAS FALSAS.
Sumário:i) A demonstração do carácter simulado da operação exige a prova da factualidade que levou a AT a não aceitar a dedução do imposto.
ii) A quebra da presunção de veracidade das operações em causa implica a alegação e prova de factos concretos de sentido contrário.
iii) Os indícios de facturação falsa postulam, normalmente, a realização de fiscalização cruzada, seja no emitente, seja no utilizador, por forma a descaracterizar o circuito económico e financeiro subjacente às facturas invocadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

B………………….., SA., veio deduzir impugnação judicial contra a decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa que apreciou a legalidade da liquidação oficiosa de IVA, no valor de €3.892,83 e, respetivos juros compensatórios no montante de €692,82, referentes ao período de 2004/05, com data limite de pagamento de 31/03/2009, peticionando a anulação da liquidação oficiosa de IVA e respectivos juros compensatórios.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 223 e ss., (numeração do processo em SITAF), datada de 7 de Maio de 2019, julgou procedente a impugnação apresentada e anulou a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios referentes ao período 2004/05.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 278 e ss., (numeração do processo em SITAF), a recorrente, Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:
«I) O thema decidendum assenta na legalidade da liquidação oficiosa de IVA, referente ao período de 2004/05 no montante de € 3.892,83 e respetivos juros compensatórios de € 692,82.
II) Da leitura da sentença recorrida vislumbramos que a Mma. Juiz do Tribunal a quo se apoiou, essencialmente, nos depoimentos das testemunhas para proferir a decisão em crise, no entanto, não pode a Fazenda Pública concordar com o decidido uma vez que os factos presentes no elenco probatório não permitem demonstrar cabalmente a realidade das operações objeto dos autos.
III) Dispõe o art.º 19.º n.º 3 do CIVA que não se pode deduzir imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura.
IV) Quando a AT desconsidera faturas que reputa de falsas aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º 74.º da LGT, competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade, passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação.
V) A AT não tem de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da operação referida na factura ser simulada, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art.º 75 da LGT).
VI) Considera a Fazenda Pública em consonância com o Procurador da República que a impugnante não logrou provar que as operações objeto dos autos eram reais, tendo a Mma. Juiz valorado erradamente os depoimentos das testemunhas, atribuindo-lhes força probatória superior a toda a restante prova documental presente nos autos.
VII) Ao contrário do defendido pela impugnante, ora recorrida, a Autoridade Tributária apresentou elementos que põem em causa a efetiva realização das operações: incongruência entre elementos, falta de documentos de suporte e discrepância entre as declarações dos intervenientes.
VIII) Atento todo o supra exposto, não podia a Mma. Juiz ter valorado o depoimento das testemunhas apresentadas pela impugnante de forma a considerar a ação procedente, uma vez que o fez em detrimento de toda a prova presente nos autos em sentido contrário.
IX) Nesta conformidade deve considerar-se que a impugnante não apresentou prova da materialidade das operações constantes na fatura, não podendo o IVA constante na mesmas ser deduzido, ao abrigo do art.º 19.º n.º 3 do CIVA, tendo a Autoridade Tributária agido no estrito cumprimento da lei ao emitir a liquidação adicional impugnada, a qual deverá ser mantida no ordenamento jurídico.
X) Entende assim a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, e atento aos fundamentos expostos, deve o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por acordão que declare a impugnação totalmente improcedente.»
X

A recorrida B………………., SA., devidamente notificada para o efeito, contra-alegou, expendendo conclusivamente o seguinte:
«1ª) As várias alusões deixadas nas alegações, bem como nas conclusões, pela Recorrente (RFP) à errónea apreciação dos factos relevantes, nomeadamente nos pontos 10; 29 a 33; 36 e 45, bem como nas conclusões II, VI, VIII e ainda na X, com o consequente formal enquadramento no erro de julgamento (n.º 1 do art. 125º do CPPT e al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC) são, isso sim, e na verdade formas indiretas e disfarçadas do mesmo dizer que impugna a decisão da sentença quanto à matéria de facto.
2ª) A Recorrente apesar de aludir em vários momentos (nomeadamente ponto 45 e conclusão X) o erro no julgamento de direito, NUNCA cumpriu o que mandam as alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 639º do C.P.C., quanto à indicação das normas violadas e das que deveriam ser aplicadas.
3ª) Não tendo na situação “sub Júdice” – Recurso - o RFP cumprido o que lhe está formalmente imposto (ali.a), b) e c) do nº 1, ali.a) do nº 2, todos do art. 640º do CPC), este Recurso deve ser rejeitado desde já e “ab initio”, como já decidido no Acórdão do TCA Sul lavrado no proc. 09966/16 do dia 12 de Janeiro do ano de 2017.
4ª) Toda a matéria de facto – EM CONCRETO - considerada como assente (ou provada) e que consta da pág. 4 até à pág. 14 da sentença, sob os números 1 a 30, NUNCA foi colocada em crise (causa) pela Recorrente que jamais utilizou o procedimento do art. 640º do CPC, pelo que, “in totum” se consolidou a mesma com caráter definitivo para este processo não sendo modificável total ou parcialmente.
5ª) A regra na apreciação da prova (toda ela: testemunhal, documental, outra) é no sistema processual Português, o da livre convicção do Sr. Juiz (art. 607º Nº 5 do CPC e art. 127º do C.P. Penal), conforme a sua convicção e experiência acumulada, mas jamais com arbitrariedade ou capricho, tendo que obrigatoriamente fundamentar as suas decisões – vide neste contexto os nºs 1 e 2 do art. 123º do CPPT)
6ª) Nas suas alegações o R.F.P. usou generalidades e abstrações não individualizando caso a caso, e facto a facto aqueles, com os quais não concorda e oferecendo discriminada e concreta prova que pudesse gerar diferente entendimento, o que evidencia subjetiva discricionariedade e parcialidade na apreciação exclusiva das partes que lhe convém e daí que seja ilegal tal método, com efeito na improcedência do Recurso, como se espera.
7ª) As testemunhas foram ouvidas em audiência contraditória sendo instadas pelo RFP e inquiridas pelo Sr. Juiz, tendo feito testemunhos com isenção, coerência, enorme e elevada razão de ciência e conhecimento direto do negócio (de compra e venda da sucata), nos seus diferentes momentos, pois trabalharam em redor de tal produto nos diferentes locais inerentes a essa operação (serviços administrativos, comerciais e outros) e quando confrontadas com os documentos tudo explicaram de forma idónea e lógica, além de cronologicamente acertada.
8ª) A prova testemunhal, embora sem expressa tipificação legal, é generalizadamente assumida e aceite pelos vários agentes judiciais como a “rainha”, em face da sua imediação, presença física, oralidade, sinais corporais (face, corpo e outros).
Tudo como aqui ocorreu.
9ª) Com a tese da RFP sob Recurso está patente o “thema decidendum”, porém a mesma não deixa explicação e gera contradição em vários momentos do mesmo:
a) Porque é que o valor da venda da sucata, realizada pela Impugnante, junto da S..................., não foi anulada oficiosamente para efeitos de dedução, em cédula de IRC da mesma Sociedade neste exercício de 2004?
b) Porque é que a RFP não levou à audiência de Inquirição das testemunhas os seus técnicos – peritos que elaboraram o Relatório da Inspeção?
c) Porque é que a RFP não valoriza a independência e seriedade da Impugnante, quanto aos atos que esta praticou (com a petição inicial e os então 20 documentos juntos, na inquirição das testemunhas e pelos documentos fotocopiados juntos em 24/10/2017, nomeadamente com as faces do cheque e o débito bancário), no sentido de ser reconhecido o movimento bancário do cheque emitido (pela impugnante) para pagamento do preço de sucata, a favor da R..................?
10ª) No exercício do ónus da prova que assumiu desde a sua petição inicial a Impugnante canalizou para os autos documentos e testemunhas adequadas a provar a verdadeira e efetiva ocorrência da operação de compra da sucata pelo preço de 27.591,40€ com inclusão do IVA no valor de 5.242,37€, logo a considerar como dedutível para efeitos de IVA (custo para efeitos de IRC), tanto mais que depois foi vender a mesma a preço superior, junto da S..................., daí obtendo rendimentos.
11ª) Errou a R.F.P. quando diz que a Juíza a quo se apoiou essencialmente nas testemunhas em detrimento de outra prova, já que tal só se aplicou a 10 dos factos provados (do 17 ao 26), sendo os restantes 20 (1 a 16 e do 27 ao 30) qualificados como assentes por efeito da prova documental, como se alcança no final de cada número ínsito de fls. 4 a 14 e do escrito (de forma certa e inequívoca) do ponto II.3 – Motivação;
“A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados junto aos autos e expressamente referidos no probatório supra indicado para cada um dos factos”.
12ª) Na situação dos autos o “ónus probandi” que constitui um mister da Impugnante (art. 74º da L.G.T.) só funciona em face dum trabalho árduo de afastamento do conceito de falsidade da fatura, pela junção da prova testemunhal conjugada e associada com a documental, o que aqui foi conseguido de forma meticulosa, abrangendo todos os momentos e todas as fases do negociado com rigor cronológico.
13ª) A fatura - recibo - em discussão é única e exclusivamente a que tem o n.º 043, emitida em 28/05/2004 pela Sra. R.................., a favor de B…………, após receber o valor de 32.833,77€
- com inclusão do aludido IVA de 5.242,37€ - do preço da sucata pelo que a alusão no plural a faturas (pontos 25 e 26) está desconforme ao ocorrido.
14ª) Nestas alegações a R.F.P. limita-se a escrever que juntou prova de que as faturas – nomeadamente a sob o n.º 043 – não titulam transações reais, mas sem qualquer suporte descriminado, certo e seguro, daí devendo continuar a decorrer a decisão “in fine” de improcedência do Recurso.
15ª) Ao contrário do redigido no ponto 27 das Alegações da R.F.P. a Sra. Juíza a quo tomou expressa e repetida posição escrita na sentença (conforme fls. 26, 27 e 28), no sentido exato e concreto de que a A.T. não cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia.
Distração na leitura do sentenciado?
16ª) A tese do R.F.P. redigida nos pontos 31 a 37, das suas alegações visando descredibilizar as testemunhas (depoimentos), no que tange à sua credibilidade, coerência e homogeneidade, como sentenciado (3º§ de fls. 16), é formalmente improcedente porque em grave violação por omissão do obrigatório cumprimento do art. 640º do C.P.C. – “ex vi” conclusão 3ª – e jamais tal fim se obteria com pequeníssimas considerações desenquadradas da globalidade de cada depoimento.
17ª) Jamais o facto de uma inquirida testemunha não saber explicar um momento em concreto, tem que significar erro de julgamento, pois a apreciação e decisão decorre da soma da outra prova testemunhal, bem como da documental.
18ª) Não se devendo olvidar “in casu” que entre a data dos factos (meses de maio e julho do ano de 2004) e a data - momento da inquirição no Tribunal, em outubro de 2017 – decorreram 14 anos e cerca de 3 meses, pelo que, sem o apoio dos documentos era humanamente impossível exigir melhores e coerentes depoimentos.
19ª) Ao contrário do alegado sob o n.º 40 a interveniente contratual R.................. teve efetiva participação no processo, nomeadamente no dia 28 de maio de 2004, ao preencher e assinar a fatura e o destinto recibo, ambos sob o n.º 043, bem como no dia 3 de junho de 2004, ao endossar no verso o cheque no valor de 32.833,17€, que recebeu da Impugnante.
Basta comparar a letra do endosso com os outros dois documentos para concluir que tudo foi por ela escrito.
20ª) A impugnante cumpriu com o seu mister de mostrar com rigor e segurança todo o negócio – desde o início ao fim – conexo com a compra de sucata pelo valor de 32.833,74€ e daí a verdade do recibo (e fatura) com o n.º 043 da R.................., bem como do IVA neste incluído, logo dedutível fiscalmente no período 5/2004.
IV. Do Requerimento/Pedido
Termos em que, o presente Recurso deve a final ser considerado improcedente, porque não provado, além de contra-lei e assim ser mantido na íntegra o sentenciado pelo Tribunal “a quo”, com a consequente anulação das liquidações oficiosas - coleta e juros compensatórios - em cédula de IVA quanto ao período do mês de Maio (exercício) de 2004 e aqui sob censura.
Assim se fazendo a useira Justiça.»
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X

II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.
«1. A impugnante dedica-se à atividade de reciclagem de sucata e de desperdícios – [facto não controvertido].
2. No âmbito da emissão da ordem de serviço nº OI200806190 de 14/12//2008 a, ora, impugnante, foi sujeita a acção interna de âmbito parcial, na sequência de uma informação recebida da Direcção de Finanças de Aveiro, emitida através do ofício nº 8403457, de 15/04/2008, a qual dava conta que a empresa B.................., S.A. tinha documentada a compra de 221,28 toneladas de sucatas de ferro proveniente do desmantelamento à contribuinte R.................., conforme registo efetuado na conta do POC 2432121, referente à fatura daquela nº 43, de 28/05/2004 – cfr. fls. 44 dos autos;
3. Do relatório subsequente à realização do procedimento de inspeção à impugnante, são enunciados os factos e fundamentos das correções aritméticas à matéria tributável:


«imagens no original»


4. Em 10/05/2004, a S................, emitiu a fatura nº 259 à impugnante “B.................. ............, SA.”, pelo valor de € 12.971,19 acrescido de IVA no valor de € 2.464,53, como a seguir se enuncia:



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5. Em 17/05/2004, a S................, emitiu a fatura nº 261, à impugnante “B.................. ............, SA:”, pelo valor de €28.371,40 acrescido de IVA no valor de €5.390,57, como a seguir se enuncia:
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6. Em 17/05/2004, a S................, emitiu a fatura nº 263, à impugnante “B.................. ............, SA.”, pelo valor de €12.034,98 acrescido de IVA no valor de €2.266,54, como a seguir se enuncia:
«imagens no original»


7. Em 31/05/2004, a S................, emitiu a fatura nº 266, à impugnante “B.................. ............, SA.”, pelo valor de € 32.852,14, acrescido de IVA no valor de € 2.266,54, como a seguir se enuncia:

«imagens no original»

8. A impugnante apresenta na sua contabilidade um “Extrato de Conta Corrente” Conta 22.1.10386 – da S................, apresentando os seguintes movimentos no mês de Maio de 2004:
«imagens no original»



- cfr. fls. 48 dos autos;


9. Em 28/05/2004, R.................., emitiu a fatura nº 043, à empresa B.................. ............, SA., de cuja designação consta “Sucata de ferro desmantelada” no valor total de € 27.591,40 montante sobre o qual foi liquidado o IVA de € 5.242,37, no total de € 32.833,37; Local de carga: Espinho; Local de descarga: Maia – cfr. fls. 64 dos autos;
10. Na mesma data, R.................., emite à impugnante o recibo nº 043, no valor de € 32.833,37– cfr. fls. 65 dos autos;
11. Com data de 31/05/2004, a impugnante emite o cheque nº ............, sacado sobre o B............, pelo valor de € 32.833,37, à ordem de R.................. – cfr. fls. 161 dos autos;
12. No verso do cheque, referido no ponto anterior, consta o endosso assinado por R.................., enunciando-se o número da conta ……….. - cfr. fls. 161 dos autos;
13. Do extrato bancário da conta da impugnante do B............ do período de 01 a 30 de junho de 2004, consta enunciado o movimento a débito do cheque referido no ponto 11, supra - cfr. fls. 156 e 157 dos autos;
14. Em 03/06/2004 a, ora, impugnante emite a factura nº 200400153, à S................, pelo valor de € 27.991,92, a que acresce € 5.318,46, referente ao IVA, no montante total de € 33.310,38, constando da “Designação” (Ferro Forjado Médio Sucata) – cfr. fls. 50 dos autos;
15. Em 25/05/2004, a ora impugnante emite a factura nº 200400136, à S............, pelo valor de €307.468,05, a que acresce € 58.418,93 referente ao IVA, apresentando o total de € 365.886,98 – cfr. fls. 66 e 67 dos autos;
16. Em 31/05/2004 a, ora, impugnante emite a factura nº 200400143, à S..................., pelo valor de € 233.694, a que acresce € 44.401, referente ao IVA, apresentando o total de € 278.096,00 – cfr. fls. 68 a 70 dos autos;
17. A fatura/recibo, emitidos por R.................., enunciada nos pontos 9 e 10, supra, têm correspondência com negócio angariado pela S................, especificamente, pelo Sr. L............ seu gerente, à impugnante, em Espinho, de compra de ferro – cfr. depoimento das testemunhas L............ e de F............;
18. O negócio, referido no ponto anterior, refere-se ao desmantelamento de uma fábrica de panelas, tendo sido conhecido, em primeira mão, pela S................, sendo que esta empresa não fez o negócio diretamente com a Dª. R.................. e seu filho, Sr. D..........., porque se encontrava numa fase económica instável e com dificuldades de cumprimento das suas obrigações, havendo receio, por parte da vendedora R………….., de que pudesse não receber o preço da venda daquela sucata – cfr. depoimento da testemunha L............;
19. Pelo contrário, a impugnante era uma empresa com nome no mercado nacional, garantindo a segurança e a certeza no pagamento - cfr. depoimento das testemunhas L............ e de F............;
20. O F..........., director comercial da impugnante, dirigiu-se ao local em Espinho tendo-lhe sido apresentada, por L..........., uma pequena fundição sem que estivessem presentes os seus proprietários, i.e., nem a Dª R.................., nem o Sr. D........... - cfr. depoimento da testemunha F............;
21. Após a pesagem da sucata retirada do local, da fundição em Espinho, a S................ comprou à impugnante tal matéria-prima para que esta fosse desmantelada- cfr. depoimento das testemunhas L............ e de F............;
22. Só após o desmantelamento da sucata, com a pesagem da matéria-prima desmantelada é que se procedeu ao pagamento à D. R.................., daí que cheque para pagamento tenha sido emitido apenas em 28/05/2004 e, nessa mesma data, tenham sido emitidos a fatura/recibo – cfr. cfr. depoimento das testemunhas M……………… e de F............;
23. Após o desmantelamento da sucata, a S................ voltou a vender à impugnante para que esta pudesse vender a mercadoria à S..................., dado que apenas a impugnante reunia os requisitos para vender à S………….. - cfr. depoimento das testemunhas L............ e de F............;
24. A S................ desmantelou a sucata em Espinho e procedeu ao transporte da sucata para a S..................., na Maia, entre os dias 06 de Maio e 27 daquele mês - cfr. depoimento da testemunha L............ e de F............;
25. Este negócio, efetuado pela impugnante, foi atípico, pois normalmente, não havia qualquer intermediação com a S................ ou qualquer outra empresa - cfr. depoimento da testemunha F............;
26. No sector de atividade da sucata, em 2004, o preço médio por quilograma rondava os treze cêntimos e o da tonelada, para venda ao consumidor final, era de cerca de cento e sessenta euros, o que conferia um ganho de cerca de € 0,03 cêntimos – cfr. docs. nº 18, 9, 10 a 13 e 6 e depoimento da testemunha F............;
27. Em 2013, é efetuada a liquidação adicional de IVA nº .........., do período 04/05, pelo valor de € 3.892,83, que apresenta a data limite de pagamento de 2009/03/31 – cfr. fls. 33 dos autos;
28. Em consequência da liquidação de IVA, supra mencionada, são efetuadas as liquidações de juros compensatórios nº .........., no montante de € 692,82 e, nº .........., no valor de € 178,22 – cfr. fls. 34 e 35 dos autos;
29. Em 29/07/2009, é deduzida reclamação graciosa que veio a ser indeferida por despacho de 17/03/2010 – cfr. fls. 73 a 78 do processo de reclamação graciosa em apenso aos autos;
30. Em 08/04/2010, é remetido por site, para este Tribunal a p.i. que consubstancia a presente impugnação – cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 – MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra indicado para cada um dos factos.
E, ainda, com base no depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, L............, M.......... e F.............
Quanto aos factos 17, 18, 19, 21, 23 e 24, a convicção do Tribunal baseou-se no depoimento da testemunha L............, gerente da S................, Lda., empresa com a qual a impugnante mantém relações comerciais há largos anos, o que é atestado pela existência, na contabilidade da impugnante, de uma Conta-Corrente com aquela empresa. A testemunha revelou conhecimento diretos dos factos, indicando os pormenores do mesmo, dado ter sido esta testemunha que soube da existência do negócio da sucata na pequena fundição em Espinho, dando-o a conhecer à impugnante. Foi a testemunha, L..........., quem se deslocou ao local com F..........., para ambos avaliarem a matéria-prima em causa. Esclareceu que falou com Sr. D..........., filho da Dª R.................., tendo asseverado que julgava ser este o dono da fábrica de panelas, em causa.
Esta testemunha descreveu como se processou o negócio, bem como se processou toda a faturação subjacente ao mesmo.
Para fixação do facto 22, a convicção do Tribunal alicerçou-se no depoimento da testemunha M.........., a desempenhar funções de administrativa na impugnante. Refere que, foi ela, quem fez a conferência das faturas de material adquirido com o material vendido. Afirmou ter sido ela quem preencheu o cheque que foi emitido à Dª. R.................. para pagamento da fatura daquela, tendo afirmado que o pagamento só se efetuou no final do mês, pois só nesta data a mercadoria se encontrava desmantelada e pesada, i.e., só nessa altura foi permitido concluir qual o peso de sucata a faturar.
Quanto aos factos 17, 19, 20, 21, 23, 24, 25 e 26, a convicção do Tribunal baseou-se no depoimento da testemunha F............, diretor comercial da impugnante, pessoa que encabeçou o negócio de compra da sucata em Espinho, por banda da impugnante. Assevera que é por esse motivo que tem conhecimento do local em que se encontrava a sucata, porque foi ao local com L............ que lhe apresentou o negócio, no entanto, adianta, não viu, na altura, a Dª R.................., nem o seu filho Sr. D..........., tão-pouco os conhece.
Refere, também, que só foi facturado e pago o valor da sucata depois desta ter sido desmantelada e pesada pela S................. Refere que a impugnante, em 2004, tinha um grande volume de negócios e era fornecedora habitual da S....................
Relatou que foi a S................, quem fez todo o trabalho de desmantelamento, pesagem e transporte da sucata, com os camiões desta empresa, de Espinho até à Maia.
A prova testemunhal mostrou-se credível por ser coerente e homogénea com a restante prova documental apresentada, nomeadamente, com as faturas emitidas pela S................, pela B.................., S.A. e pela Dª R.................., doc.s 9, 10, 11, 13, 18, 19 e 20, juntos com a p.i. e que constam do processo administrativo em apenso aos presentes autos.»
X
Por uma questão de inteligibilidade reproduz-se o RIT referido em 3. supra:
«A empresa B.................. no âmbito da sua actividade de reciclagem de sucata e de desperdícios, a que corresponde o CAE 37100, tem documentada a compra de 221,28 toneladas de sucata de ferro proveniente de desmantelamento à contribuinte R.................. (NIF ..........), conforme registo efectuado na conta do POC 2432121, referente à factura daquela n° 43, de 2004/05/28.
A referida contribuinte foi inspeccionada pela Direcção de Finanças de Aveiro através da Ordem de Serviço OI 200700915, da qual resultou o relatório remetido, datado de 2008/04/07, tendo sido determinado que a Sra. R.................. procedeu à emissão de facturas “falsas”, pelo que o IVA mencionado nas mesmas não é dedutível, nos termos do art° 19°, n°s 3 e 4, do Código do IVA.
A D. F. de Aveiro refere no relatório elaborado que a contribuinte “participa no circuito documental da sucata, ora como “empresa substituta”, colocada ficticiamente entre os originários transmitentes e os verdadeiros adquirentes, ora como mera emitente de facturas falsas, sem qualquer transacção real subjacente, servindo unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos, titular transacções inexistentes, conferindo o direito à dedução a jusante do IVA indicado como liquidado em documentos de vendas falsas, emitidos em seu nome, que não foi entregue nos cofres do Estado”.
Resumidamente, as conclusões do relatório são sustentadas com base no facto da contribuinte:
- Não dispor de instalações e de outros meios, incluindo viaturas, que permitissem movimentar / armazenar as quantidades de sucata alegadamente transaccionadas;
- Não ter identificado quer os fornecedores, quer os clientes da sua suposta actividade, sendo quase impossível obter de outra forma as mais de 220 toneladas de ferro envolvidas:
- Não ter documentos de suporte das transacções, nem das indispensáveis despesas que teria que suportar para exercer essa mesma actividade;
- Não ter contabilidade;
- Não ter emitido documentos de transporte, em obediência ao disposto no Dec. Lei n° 147/2003, de 11 de Julho.
Conforme referido no relatório elaborado para aquela contribuinte, a empresa B.................. em resposta à D. F. de Aveiro remeteu uma folha de Excel onde refere as datas dos transportes, matrículas, taras, pesos brutos e líquidos e custos referentes à factura emitida por R.................. e cópia do cheque (não enviou o verso do cheque, conforme o solicitado)”.
As viaturas referidas são propriedade de outros dois sujeitos passivos, tendo sido apurado que uma delas pertence à sociedade S................ , Lda. (NIPC…………). Esta empresa demonstrou ter comprado a mercadoria constante da factura da Sra. R.................. à empresa B.................., para posteriormente a vender a outro sujeito passivo, tendo os bens sido entregues por si directamente na S.........., sita na Maia.
Os elementos acima referidos não justificam os transportes que necessariamente teriam que ter ocorrido, nomeadamente os que teriam tido origem no fornecedor inicial conhecido - a Sra. R................... De resto, a factura desta última já refere que a mercadoria iria da cidade de Espinho para a Maia, quando se determinou que esse terá sido o seu destino, mas que só deveria ser conhecido pelo cliente da empresa B.................. (a S................).
Apesar do referido, em novo contacto com a representante da empresa B.................. foi por esta referido que a sucata era proveniente do desmantelamento de uma fábrica de louça, localizada em Espinho, e que o negócio teria sido angariado pela já referida firma S................ junto de uma herdeira dos proprietários da fábrica. A S................ por ser habitual fornecedora da sociedade B.................. pediu a esta que adquirisse a mercadoria, com a justificação de que a Sra. R.................. tinha receios quanto ao facto do pagamento não ser devidamente efectuado pela S.................
Desconhece-se a existência da referida fábrica, bem como o facto da Sra. R.................. ter, de facto, alguma herança do género, no entanto pode referir-se que parece no mínimo “anormal” que a S................ conhecendo a fornecedora dos bens (R..................), ofereça na perspectiva desta menos garantias de pagamento do que um operador seu desconhecido (B..................), já que o pagamento ocorreu em data posterior à da factura.
Em suma, confirmou-se a situação relatada pela D. F. de Aveiro, determinada em função dos elementos obtidos na empresa B.................., bem como em vários outros alegados clientes da Sra. R.................., concluindo-se que a contribuinte é uma “mera emitente de facturas falsas, sem qualquer transacção real subjacente, servindo unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento”»

X
A recorrente impugna a decisão de determinação da matéria de facto. Alega, para tanto, que «… não podia a Mma. Juiz ter valorado o depoimento das testemunhas apresentadas pela impugnante de forma a considerar a ação procedente, uma vez que o fez em detrimento de toda a prova presente nos autos em sentido contrário. // Nesta conformidade deve considerar-se que a impugnante não apresentou prova da materialidade das operações constantes na fatura, não podendo o IVA constante na mesmas ser deduzido, ao abrigo do art.º 19.º n.º 3 do CIVA, tendo a Autoridade Tributária agido no estrito cumprimento da lei ao emitir a liquidação adicional impugnada, a qual deverá ser mantida no ordenamento jurídico».
Por seu turno, a recorrida pugna pela rejeição do recurso, nesta parte, seja por incumprimento do ónus de formular conclusões (artigo 639.º do CPC), seja por incumprimento do ónus de impugnação especificada da matéria de facto assente (artigo 640.º do CPC).
Todavia, não lhe assiste razão.
As razões de discordância da recorrente em relação ao veredicto que fez vencimento prendem-se com o que considera ser a incorrecta determinação da matéria de facto assente e o que entende ser a incorrecta apreciação da matéria de facto assente.
No que respeita à impugnação da matéria de facto assente, cumpre referir o seguinte:
i) «Deve considerar-se satisfeito o ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou. // Na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade»(1).
ii) «Apenas violações grosseiras, mormente, quanto ocorre omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus contido no art. 640º do Código de Processo Civil, que comprometam decisivamente a possibilidade do Tribunal da Relação proceder à reapreciação da matéria de facto, a saber: a) indicação dos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados; b) indicação dos meios de prova convocados para a reapreciação; c) indicação do sentido das respostas a alterar; d) indicação, com referência à acta da audiência de discussão e julgamento, dos depoimentos gravados em suporte digital, podem conduzir à rejeição liminar, imediata do recurso – art. 640º, nº2, al. a), 1ª parte, do Código de Processo Civil»(2).
Feito este enquadramento, em ordem a aquilatar da intenção impugnatória em apreço importa aferir se a recorrente apresenta uma versão alternativa da matéria de facto assente. Lidas as alegações de recurso (o que inclui o seu corpo e as suas conclusões), não se extrai uma versão alternativa das asserções de facto contidas na fundamentação da sentença, objecto de censura.
A recorrente invoca que a sentença fez repousar a sua convicção probatória na prova testemunhal. Mas tal não corresponde à verdade. Da leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto resulta o cotejo entre as fontes de prova testemunhais com as fontes de prova documentais, com vista à determinação da matéria assente.
Ouvida a inquirição de testemunhas, é certo que as mesmas não confirmam, por inteiro, os dados da alegada operação económica em apreço. A impugnante não tem registos contabilísticos fidedignos que permitam reconstituir, só por si, as operações em causa, não existe conciliação contabilística, financeira e bancária das facturas em causa. Não existe pesagem, nem guias de remessa, nem guias de transporte do material em causa.
A impugnante terá comprado sucata a uma senhora desconhecida, emitente de facturas falsas (R..................), posteriormente terá vendido à S................ (empresa das suas relações), que terá desmantelado e revendido a sucata à impugnante, que posteriormente a terá revendido à S..........; tudo num espaço temporal de pouco dias, e com facturas com datas desencontradas: em 28.05.2004, R.................. emitiu a factura 043; em 03.06.2004, a impugnante emite factura à S................; em 25.05.2004 e em 31.05.2004, a impugnante emite facturas à S....................
As testemunhas não identificam, por inteiro e com detalhe, os contornos concretos da operação: Quais as quantidades envolvidas de sucata? Quais os documentos que acompanham essa mercadoria? Qual o preço unitário aplicado na aquisição e na venda à S................, na recompra à S................ e na venda à S..........? Qual o interesse e a rentabilidade do alegado negócio para a S................? Que meios/equipamentos foram utilizados no alegado desmantelamento? Como é que as referências das facturas a “Material Ferroviário” ou a “Recorte Naval” correspondem ao invocado desmantelamento de uma fábrica de panelas?
Sem embargo, a recorrente, nas alegações, não impugna directamente a matéria de facto assente, nem a sua motivação. Não serve para este efeito o mero lançar de suspeita sobre a credibilidade dos depoimentos testemunhais ou a asserção de que existiu um juízo probatório demasiado centrado na prova testemunhal. Importava a indicação das asserções de facto que se pretende alterar, a indicação de melhor prova (ou de melhor apreciação da prova existente), a indicação dos meios de prova que suportariam a alegação, bem como a indicação, em concreto, do erro ou das respostas alternativas aos temas apurados, o que não foi feito.
Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.
X

2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida. A sentença julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa que apreciou a legalidade da liquidação oficiosa de IVA, no valor de €3.892,83 e, respetivos juros compensatórios no montante de €692,82, referentes ao período de 2004/05, com data limite de pagamento de 31/03/2009, determinando a anulação da liquidação oficiosa de IVA e respectivos juros compensatórios.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença considerou que «a A.T. não logrou cumprir o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação que sobre si recai, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes (art. 75.º da LGT). (…) // Face ao exposto nos autos e atento os contornos das operações em causa afigura-se-me, assim, que as deduções de IVA para o período de 2004/05 devem ser consideradas na contabilidade da impugnante, porque titulam operações reais».

2.2.3. A recorrente assaca à sentença sob recurso erro de julgamento, quer quanto à fixação da matéria de facto (i) [apreciado supra], quer quanto à apreciação da matéria de facto assente (ii).
2.2.4. Enquadramento
As correcções em exame foram determinadas ao abrigo do disposto no artigo 19.º/3, do CIVA(3). A este propósito, é ponto assente o de que: «[p]ara que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. // Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução»(4). Por outras palavras, «a administração tributária [não tem] que provar a falsidade das facturas, bastando-lhe alegar factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, abalando-se então a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados que constam da sua contabilidade»(5). A prova em apreço é efectuada por meio de indícios, ou seja, «a conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova»(6). Por outras palavras, «os indícios são aqueles factos que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência»(7). Os indícios de facturação falsa postulam, normalmente, a realização de fiscalização cruzada, seja no emitente, seja no utilizador, por forma a descaracterizar o circuito económico e financeiro subjacente às facturas invocadas.
2.2.5. A recorrente assaca à sentença sob escrutínio erro de julgamento na apreciação da matéria de facto.
Apreciação. A fundamentação das correcções em causa consta do RIT supra (ponto 3 do probatório).
Os elementos que depõem no sentido da falsidade das facturas são os seguintes:
i) R.................. participa no circuito documental da sucata, ora como empresa substituta, colocada ficticiamente entre os originários transmitentes e os verdadeiros adquirentes, ora como mera emitente de facturas falsas, sem qualquer transacção real subjacente, servindo unicamente o objectivo de, com intuitos fraudulentos, titular transacções inexistentes, conferindo o direito à dedução a jusante do IVA indicado como liquidado em documentos de vendas falsas, emitido em seu nome, que não foi entregue ao Estado(8).
ii) A contribuinte (emitente) não dispõe de instalações e de outros meios, incluindo viaturas, que permitissem movimentar/armazenar a quantidades e sucata alegadamente transacionadas(9).
iii) A contribuinte (emitente) não identifica, quer os fornecedores, quer os clientes da sua suposta actividade, sendo quase impossível obter de outra forma as mais de 220 toneladas de ferro envolvidas(10).
iv) A contribuinte (emitente) não tem documentos de suporte das transacções, nem das indispensáveis despesas que teria de suportar para exercer essa mesma actividade(11).
v) A contribuinte (emitente) não tem contabilidade(12).
vi) A contribuinte (emitente) não emitiu documentos de transporte, em obediência ao disposto no Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11 de Julho(13).
vii) A empresa B.................., em resposta à DF de Aveiro remeteu “uma folha de Excel onde refere as datas dos transportes, matrículas, taras, pesos brutos e líquidos e custos referentes à factura emitida por R.................. e cópia do cheque(14).
viii) As viaturas referidas são propriedade de outros dois sujeitos passivos, tendo sido apurado que uma delas pertence à sociedade S................, Lda. Esta empresa demonstrou ter comprado a mercadoria constante da factura da Sra. R.................. à empresa B.................., para posteriormente a vender a outro sujeito passivo, tendo os bens sido entregues directamente na S.........., sita na Maia(15).
ix) A empresa B.................. referiu que a sucata era proveniente de uma fábrica de louça, localizada em Espinho, e que o negócio teria sido angariado pela firma S................ junto de uma herdeira dos proprietários da fábrica. A S................, por ser habitual fornecedora da sociedade B.................., pediu a este que adquirisse a mercadoria, com a justificação de que a Sra. R.................. tinha receios quanto ao facto do pagamento não ser devidamente efectuado pela S................(16).
x) Desconhece-se a existência da referida fábrica, bem como o facto da Sra. R.................. ter, de facto, alguma herança do género, no entanto, pode referir-se que parece no mínimo “anormal” que a S................ conhecendo a fornecedora dos bens (R..................), ofereça na perspectiva desta menos garantias de pagamento do que um operador seu desconhecido (B..................), já que o pagamento ocorreu em data posterior à da factura(17).
xi) Pode ainda verificar-se que, contrariamente ao que antes foi apurado e em discordância com o referido pela S................, que disse ter vendido parte dessa mercadoria a uma outra empresa, referem que a S................ voltou a vender a mesma mercadoria à empresa B.................., após incluir no preço o serviço de desmantelamento, corte e transporte dos bens, que por comparação dos valores envolvidos teria custado pouco mais de 100 euros (33.447,96 euros - 33.310,38 euros), o que evidentemente não pode estar correcto. De resto, o alegado valor facturado pela S................ à B.................. aparentemente não consta do respectivo extracto de conta desta(18).
xii) Por outro lado, as facturas de venda de sucata juntas, da empresa B.................. para a S.........., sugerem a venda de outro tipo de bens, tendo em conta que referem, por exemplo, bens provenientes de desmantelamentos ferroviários, o que não é o caso(19).
Os elementos coligidos nos autos que depõem no sentido da materialidade da operação subjacente às facturas em causa são os seguintes:
a) Em 28/05/2004, R.................., emitiu a fatura nº 043, à empresa B.................. ............, SA., de cuja designação consta “Sucata de ferro desmantelada” no valor total de € 27.591,40 montante sobre o qual foi liquidado o IVA de € 5.242,37, no total de € 32.833,37; Local de carga: Espinho; Local de descarga: Maia - n.º 9 do probatório.
b) Na mesma data, R.................., emite à impugnante o recibo nº 043, no valor de € 32.833,37- n.º 10 do probatório.
c) Com data de 31/05/2004, a impugnante emite o cheque nº ............, sacado sobre o B............, pelo valor de € 32.833,37, à ordem de R.................. - n.º 11 do probatório.
d) No verso do cheque, referido no ponto anterior, consta o endosso assinado por R.................., enunciando-se o número da conta 29708372 - n.º 12 do probatório.
e) Do extrato bancário da conta da impugnante do B............ do período de 01 a 30 de junho de 2004, consta enunciado o movimento a débito do cheque referido no ponto 11, supra - n.º 13 do probatório.
f) Em 03/06/2004 a, ora, impugnante emite a factura nº 200400153, à S................, pelo valor de € 27.991,92, a que acresce € 5.318,46, referente ao IVA, no montante total de € 33.310,38, constando da “Designação” (Ferro Forjado Médio Sucata) - n.º 14 do probatório.
g) Em 25/05/2004, a ora impugnante emite a factura nº 200400136, à S............, pelo valor de €307.468,05, a que acresce € 58.418,93 referente ao IVA, apresentando o total de € 365.886,98 – n.º 15 do probatório.
h) Em 31/05/2004 a, ora, impugnante emite a factura nº 200400143, à S..................., pelo valor de € 233.694, a que acresce € 44.401, referente ao IVA, apresentando o total de € 278.096,00 – n.º 16 do probatório.
i) A fatura/recibo, emitidos por R.................., enunciada nos pontos 9 e 10, supra, têm correspondência com negócio angariado pela S................, especificamente, pelo Sr. L............ seu gerente, à impugnante, em Espinho, de compra de ferro – n.º 17 do probatório.
j) O negócio, referido no ponto anterior, refere-se ao desmantelamento de uma fábrica de panelas, tendo sido conhecido, em primeira mão, pela S................, sendo que esta empresa não fez o negócio diretamente com a Dª. R.................. e seu filho, Sr. D..........., porque se encontrava numa fase económica instável e com dificuldades de cumprimento das suas obrigações, havendo receio, por parte da vendedora Rosa, de que pudesse não receber o preço da venda daquela sucata – n.º 18 do probatório.
k) Pelo contrário, a impugnante era uma empresa com nome no mercado nacional, garantindo a segurança e a certeza no pagamento – n.º 19 do probatório.
l) O F..........., director comercial da impugnante, dirigiu-se ao local em Espinho tendo-lhe sido apresentada, por L..........., uma pequena fundição sem que estivessem presentes os seus proprietários, i.e., nem a Dª R.................., nem o Sr. D........... – n.º 20 do probatório.
m) Após a pesagem da sucata retirada do local, da fundição em Espinho, a S................ comprou à impugnante tal matéria-prima para que esta fosse desmantelada – n.º 21 do probatório.
n) Só após o desmantelamento da sucata, com a pesagem da matéria-prima desmantelada é que se procedeu ao pagamento à D. R.................., daí que o cheque para pagamento tenha sido emitido apenas em 28/05/2004 e, nessa mesma data, tenham sido emitidos a fatura/recibo – n.º 22 do probatório.
o) Após o desmantelamento da sucata, a S................ voltou a vender à impugnante para que esta pudesse vender a mercadoria à S..................., dado que apenas a impugnante reunia os requisitos para vender à S.......... – n.º 23 do probatório.
p) A S................ desmantelou a sucata em Espinho e procedeu ao transporte da sucata para a S..................., na Maia, entre os dias 06 de Maio e 27 daquele mês – n.º 24 do probatório.
q) Este negócio, efetuado pela impugnante, foi atípico, pois normalmente, não havia qualquer intermediação com a S................ ou qualquer outra empresa – n.º 25 do probatório.
r) No sector de atividade da sucata, em 2004, o preço médio por quilograma rondava os treze cêntimos e o da tonelada, para venda ao consumidor final, era de cerca de cento e sessenta euros, o que conferia um ganho de cerca de € 0,03 cêntimos – n.º 26 do probatório.

Em face dos elementos coligidos nos autos, impõe-se concluir no sentido da existência do circuito económico e financeiro subjacente à factura em causa, sem que a recorrente logre afrontar, de forma eficaz, o presente juízo de existência/materialidade da mesma. Da decisão da matéria de facto provada e não provada, bem como da sua motivação resulta a existência económica e financeira da transacção titulada pela factura em causa, bem como da razão de ser da mesma. Ou seja, as operações de compra do material de sucata pela impugnante, de venda pela impugnante à S................ do material de sucata, de desmantelamento do mesmo, de recompra pela impugnante à S................ do referido material, do transporte e venda do mesmo à S..................., por parte da S................, em nome da impugnante, mostram-se comprovadas nos autos.
Como se refere na sentença recorrida,
«(…) a impugnante veio aos autos fazer prova do circuito real subjacente à faturação.
Provou, porque juntou prova documental e testemunhal, de que comprou a sucata existente numa fábrica de material ferroso, localizada em Espinho, negócio que lhe foi dado a conhecer pelo gerente da S................, com quem mantinha relações comerciais regulares, mas que pagou diretamente a matéria-prima à Dª R.................., uma vez que a S................ não ofereceu as garantias necessárias de bom pagamento».
Com vista a reverter a decisão da matéria de facto, a recorrente devia ter indicado os pontos que considera incorrectamente julgados e os meios de prova que permitiria acolher decisão da matéria de facto diferente da que consta da fundamentação da sentença. O que não foi feito. Os elementos coligidos nos autos (prova documental e testemunhal) permitem dar como assente a materialidade da operação subjacente à factura questionada, pelo que o acto de liquidação impugnado não se pode manter.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.




(Jorge Cortês - Relator)


(1ª. Adjunta)

(2ª. Adjunta)

____________
(1)Acórdão do STJ, de 28-04-2016, P. 1006/12.2TBPRD.P1.S1
(2)Acórdão do STJ, 08-11-2016, P. 2002/12.5TBBCL.G1.S1
(3)«Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente».
(4)Acórdão do STA, de 17.02.2016, P. 0591/15.
(5)Joaquim Miranda Sarmento e Paulo Marques, IVA, Problemas actuais, Coimbra Editora, 2014, pp. 187/188.
(6)Joaquim Condesso, As operações simuladas em sede de IVA e de IRC, Perspectiva da Jurisprudência tributária, Comunicação proferida no CEJ, em 12.06.2015.
(7)Joaquim Condesso, As operações simuladas em sede de IVA e de IRC, Perspectiva da Jurisprudência tributária, Comunicação proferida no CEJ, em 12.06.2015.
(8)RIT.
(9)RIT.
(10)RIT.
(11)RIT.
(12)RIT.
(13)RIT.
(14)RIT.
(15)RIT.
(16)RIT.
(17)RIT.
(18)RIT.
(19)RIT.