Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:251/23.0 BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
Sumário:I - No caso, a inutilidade superveniente da lide deveu-se à circunstância de, na pendência dos autos, ter sobrevindo (à decisão reclamada) uma decisão que deferiu o pedido de dispensa de garantia. Dito de outro modo, tornou-se supervenientemente inútil apreciar a idoneidade da garantia com vista à suspensão da execução fiscal porquanto foi suspensa a execução fiscal com dispensa de prestação de garantia.
II - Sucede que o que inicialmente foi pedido à AT, e decidido, foi a suspensão da execução com garantia e foi a idoneidade da mesma que foi apreciada (e indeferida). Só mais tarde (na mesma data em que foi apresentada a presente reclamação) foi pedida a isenção da garantia, tendo a Administração vindo a considerar que a Executada reunia os requisitos para tal dispensa, suspendendo a execução fiscal.

III - Uma vez que a Reclamante apenas pediu ao órgão de execução fiscal a dispensa de prestação de garantia em momento posterior à prolação do ato reclamado é de imputar exclusivamente à mesma o facto que determina a inutilidade superveniente da presente lide.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

E …………… – SOCIEDADE DE C…………….., LDA, pessoa coletiva n.º 5…………….., com os demais sinais nos autos, notificada do despacho de indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal e de prestação de garantia apresentada no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs ……………..627 e ……………….635, apresentou, no TAF de Castelo Branco, nos termos do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamação do referido despacho.

Por sentença de 23/11/23, foi julgada verificada a inutilidade superveniente da presente lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o que determinou a extinção da presente instância.

Adicionalmente, o TAF recorrido considerou que a responsabilidade pelo pagamento das custas do processo era da Reclamante, E …………………. – SOCIEDADE ……………………. CARNES, LDA., por ter sido esta a dar causa à circunstância que determinou a inutilidade superveniente da lide.

Inconformada com o decidido quanto à responsabilidade pelas custas, a Reclamante interpôs o presente recurso jurisdicional, tendo na sua alegação formulado o seguinte quadro conclusivo:

I. A Recorrente pediu a anulação do ato que indeferiu o requerimento pelo qual foi pedida a admissão da prestação de garantia e a suspensão do processo de execução fiscal, tendo o referido requerimento sido indeferido, sendo o ato de indeferimento que constitui o objeto dos autos em epígrafe.

II. A Recorrente, no mesmo dia em que apresentou a reclamação, apresentou, também, requerimento para dispensa da prestação de garantia, tendo sido o pedido deferido pelo órgão de execução fiscal.

III. Encontrando-se, na presente data, o processo de execução fiscal suspenso pelo período de um ano, susceptível de ser renovado.

IV. Reconhece a Recorrente, que o objetivo final, que consistia na suspensão do processo de execução fiscal, foi satisfeito, tendo-se pronunciado nesse sentido.

V. No entanto, discorda a Recorrente da douta sentença, uma vez que, a apresentação da reclamação do ato de indeferimento do pedido de prestação de garantia, foi apresentada, em momento anterior ao conhecimento pela aqui Recorrente do deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia.

VI. A não apresentação de reclamação do indeferimento do pedido de prestação de garantia, seguido, do eventual indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia (o que poderia vir a suceder), faria precludir os direitos da Recorrente, causando, a prossecução dos PEF’s um prejuízo irreparável para a atividade económica da empresa.

VII. In casu, a responsabilidade das custas deve ser imputada à Autoridade Tributária, porquanto, a inutilidade superveniente da lide deveu-se a circunstâncias que são, desde logo, resultado da ação (omissão) da Autoridade Tributária.

VIII. Em boa verdade, aquando do indeferimento do pedido de prestação de garantia, deveria a Autoridade Tributária, ter deferido oficiosamente o pedido de isenção de garantia, ou quando muito, ter orientado o contribuinte, para que este apresentasse o referido requerimento.

IX. Apesar de considerar, a Ex.ª Srª Juiz de Direito, que não constituía obrigação do órgão de execução fiscal decidir pela isenção da prestação da garantia, sem que o mesmo lhe fosse expressamente requerido, consubstancia uma tese que, salvo o devido respeito que é muito, não podemos aceitar.

X. Ainda que tal, resulte da leitura sem mais dos preceitos legais, nomeadamente dos artigos 52.º n.º 4 da LGT e 170.º n.ºs 3 e 4 do CPPT, não nos podemos olvidar, de todo, dos princípios basilares que orientam as entidades administrativas, in casu, a Autoridade Tributária, nomeadamente, uma violação dos princípios da colaboração, da economia processual e da boa fé.

XI. Pelo que, deverão ser as custas imputadas à Autoridade Tributária, nos termos do artigo 536.º n.º 3, parte final.

Termos em que, e nos melhores de direito aplicável, deverá o presente recurso ser procedente, imputando-se a responsabilidade pelo pagamento das custas à Autoridade Tributária, nos termos do artigo 536.º n.º3, in fine, do CPC.


*


São as seguintes as conclusões das contra-alegações:

1.º O ónus de apresentação do pedido de dispensa de prestação de garantia é do executado, não podendo, nem devendo o órgão da execução fiscal conceder oficiosamente tal dispensa;

2.º A recorrente deu causa à inutilidade superveniente da lide, uma vez que o pedido de dispensa de garantia foi apresentado posteriormente à emissão e notificação da decisão de indeferimento que é objeto da presente reclamação (foi apresentado na mesma data da PI nos presentes autos);

3.º Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as razões e fundamentos constantes da douta sentença recorrida na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada, e que não merece censura alguma.

4.º Julgando improcedente o Recurso e mantendo na íntegra a decisão recorrida farão V. Ex.ªs a costumada JUSTIÇA.


*


Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Em síntese, é o seguinte o entendimento do EMMP:

«(…)

Analisados os autos, designadamente a matéria de facto provada vertida na douta sentença recorrida – que não vem impugnada – e considerando as disposições legais aplicáveis, propendemos por considerar, salvo melhor opinião, que não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, como bem salienta o Representante da Fazenda Pública na resposta ao recurso, decorre do art. 170º, nº 1, do CPPT, que a dispensa de prestação de garantia só pode ser concedida a requerimento do executado, mediante requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, requerimento este que deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (art. 170º, nº 3, do CPPT).

Decorre também do disposto no art. 52º, nº 4, da LGT, que a referida dispensa pela administração tributária pode ser decidida “a requerimento do executado”, nas circunstâncias previstas no preceito.

Ora, no caso em litígio – que tem apenas a ver com a atribuição da responsabilidade pelo pagamento das custas do processo decorrente do facto de a lide se ter tornado inútil em virtude da decisão da administração de dispensa de prestação de garantia na pendência do processo, por via de requerimento apresentado, para tanto, pela Reclamante na data em que deu entrada da petição inicial, e cuja decisão daquela entidade apenas poderia ocorrer na pendência deste processo – dúvidas não se suscitam de que, tal como doutamente decidido na sentença recorrida, que foi a Reclamante que deu “causa à circunstância que determinou a inutilidade superveniente da lide” e que será quem deverá pagar as custas processuais.

Não ocorre, pois, no caso dos autos, qualquer ação omissiva por parte da Autoridade Tributária ou o dever de esta entidade deferir oficiosamente a isenção de garantia ou o dever de orientar o contribuinte para que apresentasse o requerimento para tal efeito – como vem alegado nas conclusões recursiva –, nem, por sua vez, foram violados os princípios da colaboração, da economia processual e da boa fé.

A douta sentença mostra-se, assim, correta e bem fundamentada, tendo interpretado adequadamente os factos e efetuado acertada subsunção dos mesmos ao direito, devendo, pois, manter-se na ordem jurídica.

Aliás, sobre a mesma temática, e em sentido idêntico ao doutamente decidido, importa aqui fazer alusão ao decidido no Acórdão do TCA Sul, datado de 11.04.2019, proferido no processo nº 12/18.8BECLSB, disponível in www.dgsi.pt.

Por todo o exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso.”


*


Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência desta Subsecção do TCA Sul para decisão.



*




II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com interesse para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

1. Em 24.03.2023 foi entregue na caixa postal eletrónica do ViaCTT, o ofício destinado a citar a Reclamante no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………………627 e apensos (PEF), para o pagamento da dívida exequenda e custas no valor de EUR 208.528,74 – cfr. ofício de citação e detalhe do documento de fls. 82 e 83 do processo em suporte informático.

2. Em 02.04.2023 a Reclamante enviou, para a caixa de correio electrónico do Serviço de Finanças de Vila de Rei, o requerimento, dirigido ao PEF, pelo qual requer que se “admita a presente prestação de garantia e seja suspensa a presente execução, com as demais consequências legais” – cfr. requerimento e mensagem de correio electrónico de fls. 131 e 132 do processo em suporte informático.

3. Em 21.07.2023 o Director de Finanças de Castelo Branco exarou o seguinte despacho sob a informação elaborada pelo técnico responsável, com o assunto “Requerimento de prestação de garantia – Estrela …………… LD – Decisão”:

“Concordo com o sentido da proposta, em face dos fundamentos expressos na informação que antecede e de acordo com o teor do Parecer infra, suportados na legislação fiscal indicada e aplicável à situação tributária objeto desta análise, deles se concluindo que em sede de direito de audição relativamente ao meu projeto de despacho de indeferimento da prestação de garantia referente aos bens do imobilizado oferecidos pela requerente, que emiti em 04.07.2023, apenas de procedeu ao oferecimento de outro bem como garantia, no caso um prédio urbanos, não se tendo pronunciado sobre esse projecto de indeferimento e, em consequência, não foi feita prova de que os ativo imobilizado oferecidos em garantia apresentam um valor de mercado actual suficiente para poderem constituir garantia idónea, nos termos do n.º 6 do art.º 199.º do CPPT. Nestes termos, torno definitivo esse meu despacho de indeferimento com os fundamentos nele expressos e que serviu de base a esse projecto de decisão. Quanto ao oferecimento de outro bem como reforça da garantia, de maneira idêntica à que se verificou relativamente aos bens que foram objecto do despacho de indeferimento atrás mencionado, também este bem imóvel, um prédio urbano que o mesmo se encontra onerado com uma hipoteca para garantia de empréstimo concedido a outra empresa, dado para garantia não assegura a cobrança do valor em dívida, em caso de necessidade de execução em face do eventual cumprimento do executado sendo, portanto, insuficiente pelo que não pode o mesmo ser atribuído aos bens do imobilizado oferecidos em garantia. Assim sendo, do mesmo modo anterior e de acordo com as instruções do e-mail de 2012.03.14 da DSGCT, não será de aceitar essa garantia para efeitos de suspensão do referido PEF, pelo que indefiro esse pedido, devendo os PEF’s em apreço prosseguir os seus termos normais. (…)” – cfr. despacho e informação de fls. 84 a 94 do processo em suporte informático.

4. Em 25.07.2023 foi enviado, em correio postal registado, o ofício, elaborado pelo Chefe de Divisão de Tributação e de Justiça Tributária, sob o assunto “Indeferimento de pedido de prestação de garantia”, destinado a notificar a Reclamante do indeferimento do pedido de prestação de garantia – cfr. ofício e registo postal de fls. 95 e 96 do processo em suporte informático.

5. Em 04.08.2023 a Reclamante enviou, por correio electrónico, para a Direcção de Finanças de Castelo Branco, a petição inicial dos presentes autos – cfr. mensagem de correio electrónico de fls. 211 e 212 do processo em suporte informático.

6. Em 04.08.2023 a Reclamante enviou, por correio electrónico, para a Direcção de Finanças de Castelo Branco, requerimento, dirigido ao PEF, pelo qual requer a dispensa de garantia – cfr. mensagem de correio electrónico e requerimento de fls. 53 a 59, 213 e 214 do processo em suporte informático.

7. Em 18.08.2023 o Director de Finanças de Castelo Branco exarou o seguinte despacho sob a informação elaborada pelo técnico responsável:

“Concordo com o sentido da proposta em face dos fundamentos expressos na informação e do parecer que antecedem, suportados na legislação fiscal indicada e aplicável à situação tributária objeto desta análise, deles se concluindo que se encontram reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento da isenção da prestação de garantia, previstos no n.º 4 do art.º 52.º da LGT, termos em que, uma vez considerada provada a verificação dos pressupostos legais da dispensa, se deverá deferir o pedido de isenção da prestação de garantia em apreciação com a validade de um ano, com reapreciação no termo deste período, caso a executada o solicite após a notificação prevista no n.º 5 do art.º 52.º do mesmo diploma legal. (…)” – cfr. despacho e informação de fls. 215 a 223 do processo em suporte informático.

8. Em 07.09.2023 foi enviado, em correio postal registado, o ofício, elaborado pelo Chefe de Divisão de Tributação e de Justiça Tributária, sob o assunto “Deferimento do pedido de dispensa de garantia”, destinado a notificar a Reclamante do deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia – cfr. ofício e registo postal de fls. 224 e 225 do processo em suporte informático.


*

Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.

A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise dos documentos juntos aos autos conforme discriminado supra no probatório”.


*

Ao abrigo do artigo 662º do CPC, adita-se a seguinte factualidade:

9 – Por ofício do Instituto da Segurança Social de Castelo Branco, de 21/12/23, foi comunicado à Reclamante, ora Recorrente, o deferimento do requerimento de proteção jurídica por si apresentado, para efeitos do processo 251/23.0BECTB, na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. SITAF fls. 313 e 314).


*

- De Direito


Na presente reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, a qual tinha como objeto o despacho de indeferimento do pedido de suspensão da execução com prestação de garantia, foi julgada verificada a inutilidade superveniente da lide e, como tal, extinta a instância. A responsabilidade pelas custas do processo ficou a cargo da Reclamante, ora Recorrente. Como resulta das alegações de recurso, a discordância da Recorrente prende-se unicamente com a sua condenação em custas.

Para melhor percebermos o desacordo da Recorrente face ao decidido, importa deixar devida nota do teor da decisão recorrida. Assim:

“(…)

Em face do deferimento do pedido de dispensa de garantia e subsequente suspensão dos processos de execução fiscal em apreço nos autos, foi oficiosamente suscitada a possibilidade de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Vejamos.

Nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Assim, a extinção da instância com tal fundamento depende da ocorrência, em momento posterior à instauração da acção, de uma causa que torne o desfecho da lide impossível ou inútil.

Em abstracto, a utilidade da lide mantém-se enquanto os interesses do Autor puderem ser tutelados pela mesma, o que se afere em função do pedido e da forma como a acção foi configurada. A respeito da inutilidade superveniente da lide escrevem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE que a mesma ocorre quando “(…) por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do Autora não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida.” (cfr. FREITAS, Lebre de e ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 546). Assim, a lide deixa de interessar quando não é possível atingir o seu resultado ou quando o mesmo já foi atingido por outros meios.

Nos autos, a Reclamante pede a anulação do acto que indeferiu o requerimento pelo qual foi pedida a admissão da prestação de garantia e a suspensão do processo de execução fiscal (cfr. ponto 2 do probatório). Tal requerimento foi indeferido (cfr. ponto 3 do probatório) e é este acto de indeferimento que constitui o objecto dos autos.

Sucede que, no mesmo dia em que apresentou a presente reclamação, a Reclamante apresentou também novo requerimento pelo qual requer a dispensa de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal (cfr. pontos 6 do probatório). Este requerimento foi, em 18.08.2023, deferido pelo órgão de execução fiscal (cfr. ponto 7 do probatório).

Assim, na presente data, o processo de execução fiscal está suspenso pelo período de um ano, período susceptível de ser renovado a requerimento da Reclamante e caso se mantenham os pressupostos para a dispensa de garantia. Neste contexto, em que o fim visado pela Reclamante (suspensão do processo de execução fiscal) foi satisfeito em momento posterior à apresentação da reclamação, a apreciação da legalidade do acto reclamado afigura-se inútil. No mesmo sentido, aliás, pronunciou-se a Reclamante, reconhecendo, desse modo, a satisfação da sua pretensão.

Face ao exposto, verifica-se a inutilidade superveniente da presente lide, nos termos da alínea e), do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o que determina a extinção da presente instância.

*

Da responsabilidade por custas

Dispõe o n.º 1 do artigo 536.º do CPC (aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT), que “Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.”. Considera-se verificada uma alteração das circunstâncias não imputável às partes nos casos previstos no n.º 2 do referido preceito legal.

Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, dispõe o n.º 3 do referido normativo, que “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.”.

No caso vertente, importa, então, apreciar a quem é imputável a inutilidade superveniente da lide.

A Reclamante sustenta que tal deve ser imputado à Autoridade Tributária porquanto já no acto reclamado havia concluído que os bens da Reclamante não eram suficientes para garantir a dívida, pelo que estavam preenchidos os requisitos para que lhe fosse concedido o benefício da isenção.

Decorre do n.º 4 do artigo 52.º da LGT que a administração tributária pode isentar o executado de prestar garantia “nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”. Para o efeito, deve o executado requerer a dispensa ao órgão de execução fiscal mediante requerimento escrito “fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária” (cfr. n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), dispondo aquele do prazo de 10 dias para decidir (cfr. n.º 4 do artigo 170.º do CPPT). Assim, é sobre o requerente do pedido de dispensa de garantia que recai o ónus de alegação dos factos constitutivos da isenção de prestação de garantia e da prova dos requisitos, de verificação alternativa, de que a mesma depende, a saber: existência de prejuízo irreparável ou insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda.

Deste modo, não constituía obrigação do órgão de execução fiscal decidir pela isenção da prestação de garantia sem que tal lhe fosse expressamente requerido.

Uma vez que a Reclamante apenas pediu ao órgão de execução fiscal a dispensa de prestação de garantia em momento posterior à prolação do acto reclamado é de imputar exclusivamente à mesma o facto que determina a inutilidade superveniente da presente lide.

Face ao exposto, a responsabilidade pelo pagamento das custas do processo é da Reclamante por ter sido esta a dar causa à circunstância que determinou a inutilidade superveniente da lide”.

A Reclamante discorda do assim decidido, pondo em evidência que:

- a apresentação da reclamação do ato de indeferimento do pedido de prestação de garantia, teve lugar em momento anterior ao conhecimento pela aqui Recorrente do deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia;

- a não apresentação de reclamação do indeferimento do pedido de prestação de garantia, seguido, do eventual indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia (o que poderia vir a suceder), faria precludir os direitos da Recorrente, causando, a prossecução dos PEF’s um prejuízo irreparável para a atividade económica da empresa;

- a responsabilidade das custas deve ser imputada à Autoridade Tributária, porquanto, a inutilidade superveniente da lide deveu-se a circunstâncias que são, desde logo, resultado da ação (omissão) da Autoridade Tributária;

- aquando do indeferimento do pedido de prestação de garantia, deveria a Autoridade Tributária, ter deferido oficiosamente o pedido de isenção de garantia, ou quando muito, ter orientado o contribuinte, para que este apresentasse o referido requerimento;

- não é aceitável a tese seguida na sentença, segundo a qual não constituía obrigação do órgão de execução fiscal decidir pela isenção da prestação da garantia, sem que o mesmo lhe fosse expressamente requerido; diferentemente impõem os princípios basilares que orientam as entidades administrativas, nomeadamente os princípios da colaboração, da economia processual e da boa fé.

- assim, devem as custas imputadas à Autoridade Tributária, nos termos do artigo 536.º n.º 3, parte final.

Vejamos, então, desde já se adiantando que o TAF recorrido decidiu com acerto.

Lembremos que, tal como resulta da matéria de facto, a presente reclamação tinha como objeto o despacho de indeferimento do pedido de suspensão da execução com prestação de garantia. Foi este o pedido inicialmente feito à AT e que, como tal, foi decidido, no sentido do indeferimento. Era, pois, a (i)legalidade de tal despacho que cabia ao TAF apreciar, em face da reclamação que lhe foi dirigida.

Sucede que, como os factos provados revelam, no mesmo dia em que a Recorrente apresentou reclamação judicial contra o indeferimento do pedido de suspensão da execução com prestação de garantia, dirigiu um outro pedido ao órgão da execução fiscal, a saber, a dispensa de prestação de garantia. Ora, tendo sido deferida a isenção de garantia (e suspenso o PEF), como se comprova, perdeu utilidade a apreciação da validade do despacho reclamado que – repete-se – visava o indeferimento do pedido de suspensão da execução com prestação de garantia.

Sabido que a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide não suscita discordância por parte da Recorrente, atentemos na condenação em custas, pois é esta condenação em custas da Reclamante, e a imputabilidade que lhe está pressuposta, que motiva a discordância da mesma.

Tenhamos, desde já, presente o que determina o artigo 536º do CPC (Repartição das custas):

“1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.

2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:

a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;

b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;

c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;

d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;

e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.

3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas”.

Ora, no caso, a inutilidade superveniente da lide deveu-se à circunstância de, na pendência dos autos, ter sobrevindo (à decisão reclamada) uma decisão que deferiu o pedido de dispensa de garantia. Dito de outro modo, tornou-se supervenientemente inútil apreciar a idoneidade da garantia com vista à suspensão da execução fiscal porquanto foi suspensa a execução fiscal com dispensa de prestação de garantia.

Sucede que o que inicialmente foi pedido à AT, e decidido, foi a suspensão da execução com garantia e foi a idoneidade da mesma que foi apreciada (e indeferida). Só mais tarde (na mesma data em que foi apresentada a presente reclamação) foi pedida a isenção da garantia, tendo a Administração vindo a considerar que a Executada reunia os requisitos para tal dispensa, suspendendo a execução fiscal.

Ora, a dispensa de garantia está sujeita a pedido, não resultando de uma iniciativa oficiosa por parte da AT. Neste sentido, pode ver-se o nº 4 do artigo 52º da LGT, nos termos do qual “4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”.

Temos, pois, que quando a AT decidiu pelo indeferimento do pedido de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal (cfr. nºs 1 e 2 do artigo 52º da LGT: “1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros; 2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias”) não estava a mesma em condições decidir a isenção da prestação da garantia. Tal dispensa – repete-se – estava sujeita ao princípio do pedido.

Tanto basta para afastar o argumento da Recorrente no sentido de que, no caso, “a inutilidade superveniente da lide deveu-se a circunstâncias que são, desde logo, resultado da ação (omissão) da Autoridade Tributária”. Diferentemente, aliás, o que mostra o circunstancialismo subjacente aos presentes autos é que a AT decidiu a dispensa da garantia quando (e logo que) a Executada, ora Recorrente, lhe dirigiu um pedido nesse sentido, sendo que antes (ou seja, sem que tal pedido lhe fosse dirigido) não podia a Administração isentar a Executada de prestação de garantia.

De resto, foi a própria Executada que, num primeiro momento, considerou não reunir os requisitos para a dispensa de garantia, já que, ao invés de pedir a isenção de prestação da mesma, pediu a suspensão da execução fiscal com prestação de garantia.

Temos, pois, que contrariamente ao que pretende a Recorrente, não cabia (nem tal era permitido) à Autoridade Tributária, na pendência de um pedido de suspensão com prestação de garantia, isentar oficiosamente de garantia a Executada, sem que se possa, nesta conduta, vislumbrar qualquer violação dos princípios da colaboração, da economia processual e da boa fé (violação que, de resto, não vem minimamente densificada no recurso).

Aliás, mal se percebe a razão pela qual a Recorrente - se considera que a AT a devia ter isentado de garantia desde logo – não requereu ab initio a dispensa de garantia, como lhe competia.

Temos, assim, como a sentença pôs em evidência que “Uma vez que a Reclamante apenas pediu ao órgão de execução fiscal a dispensa de prestação de garantia em momento posterior à prolação do acto reclamado é de imputar exclusivamente à mesma o facto que determina a inutilidade superveniente da presente lide”.

Sem necessidade de maiores considerandos, face à simplicidade da questão, julgam-se improcedentes as conclusões da alegação de recurso e mantem-se o decidido. Nega-se, pois, provimento ao recurso ora em apreciação.


*




III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo da proteção jurídica de que beneficia.

Registe e Notifique.

Lisboa, 24/01/24



Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro Silva

Isabel Fernandes