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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00743/05
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/28/2009
Relator:Pereira Gameiro
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA POR OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO;
OMISSÃO DE PRODUÇÃO DE PROVA;
CONTRATOS DE ALD
Sumário:1 – A nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão só ocorre quando os fundamentos da decisão deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vem expresso na decisão.

2 – O errado julgamento da matéria de facto derivado de omissão de produção de prova é determinante de anulação da sentença por défice instrutório não constituindo causa de nulidade da mesma com previsão no art. 668 do CPC.

3 – Do ponto de vista fiscal em IRC aplica-se aos contratos de ALD de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas a al. i) do nº 1 do art. 41 do CIRC (hoje, art. 42 nº 1 al. h)) devendo os contratos de ALD, em 1995, ser relevados no imobilizado corpóreo do locatário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – H ..., Lda., recorre da sentença do Mmo. Juiz do TAF de Sintra que lhe julgou improcedente a impugnação que deduzira contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios do ano de 1995, pretendendo a sua revogação com a declaração de ilegalidade do acto tributário ou, caso assim não se entenda, se declare a ilegalidade da sentença com a remessa dos autos à primeira instância para audiência de julgamento com recolha de prova testemunhal, seguindo-se os demais termos do processo até final.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

I. A Recorrente celebrou com a sua cliente - a S ...- Produtos Farmacêuticos, S.A. ("M ..., S.A.")/ contratos de ALD;

II. A Recorrente sempre sustentou que os contratos de ALD celebrados entre a ora Recorrente e a M ..., S.A., não prevêem, de modo algum, que ”a conservação e reparação é por conta do locatário”,

III. A expressão "Conserv.Manutenção Viatura", constante dos referidos contratos pretende elucidar que devem ser suportadas pela locatária as despesas de conservação relativas à manutenção das viaturas;

IV. Na verdade, os contratos apenas referem que é responsabilidade de locatária a "Conserv.Manutenção Viatura".

V. A Douta Sentença recorrida considera, então, que "a estipulação negocial das partes no referido contrato, que deve ser entendido no sentido normal da declaração, nos termos do disposto nos art°s 236° e segs do C. Civil";

VI. "Sendo que nos negócios formais, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento conforme resulta do n.°1, do art° 238° do mesmo Código".

VII. Dando por assente que resulta dos contratos de aluguer de longa duração em questão que tanto locadora como locatário quiseram que as despesas de conservação e manutenção fossem suportadas pelo locatário;


VIII. As partes contratantes pretendiam e pretendem que sejam suportadas pela locatária apenas as despesas de conservação relativas à manutenção das viaturas, ao abrigo do regime de locação previsto no CC e designadamente, ao abrigo da autonomia privada nos termos do art. 405.° do CC;

IX. Ficando por conta da locadora as despesas relativas a grandes reparações;

X. Não deve considerar-se aplicável, o regime estabelecido no art.°237.° do CC, por não se estar perante uma situação em que procedam as razões justificativas de tal regime;

XI. A Douta Sentença substituindo-se à vontade das partes, defrauda as suas legítimas expectativas e viola o disposto no art.°405.° do CC;

XII. A Recorrente não contesta os factos que a Douta Sentença dá como provados.

XIII. Sucede, porém, que muitos factos com relevância para a decisão da causa resultaram igualmente provados por via documental e que são essenciais para a correcta decisão sobre a (i)legalidade da liquidação impugnada foram omitidos.

XIV. Factos que se pretendiam reforçar com a prova testemunhar e que são os seguintes:

XV. As entidades que estavam obrigadas a suportar as despesas de conservação e as despesas de grandes reparações;

XVI. A natureza das despesas de grandes reparações;

XVII. A possibilidade de a Recorrente imputar tais despesas aos seus Clientes,

XVIII. Se, efectivamente, a Recorrente imputou a qualquer Cliente essas despesas, omitindo proveitos.

XIX. As testemunhas arroladas pela Recorrente nunca foram inquiridas no decurso do processo.

XX. De facto, foi proferido despacho prescindindo da prova testemunhal o qual não transitou em julgado, pois é insusceptível de recurso autónomo.

XXI. Ao proferir tal despacho não se conhecendo, desde logo, do pedido, violou-se o disposto no n.°1 do art.° 113.° do CPPT.

XXII. O juízo de valoração da suficiência da prova é tempestivamente sindicável aquando do recurso interposto da Sentença final.

XXIII. O objecto do litígio é determinar a entidade que, nos termos dos contratos de ALD, deveria suportar os custos com as grandes reparações dos veículos locados.

XXIV. As partes contratantes entendem que deve ser a locadora,

XXV. A Douta Sentença entendeu que esses custos devem ser da locatária,

XXVI. Da matéria de facto dada como provada não se encontra qualquer referência à vontade das partes nesses contratos, questão obviamente fulcral.

XXVII. Não é possível interpretar um contrato sem atender à vontade das partes!

XXVIII. E interpretá-lo contra essa vontade!

XXIX. Há, nestes termos, manifesta insuficiência de matéria de facto para a boa decisão da causa.

XXX. Deve, assim, a sentença ser anulada, baixando o processo à primeira instância para completar a pertinente instrução e seguidamente proferir nova decisão, nos termos do art.° 712.°, n.°4 do CPC;

XXXI. Ou, caso assim não se entenda, o Tribunal "ad quem” poderá alterar a matéria de facto fixada pela primeiro instância, nos termos do art.°712.°, n.°1, al. a) do CPC.

XXXII. Se a locadora é proprietária da viatura, incumbindo-lhe a obrigação de assegurar o gozo do locado ao locatário, deverá suportar todas as despesas que, a não serem efectuadas, impedem o locatário de, efectivamente, gozar do locado, nos termos do art.°1030.° e seguintes do CC;

XXXIII. Dispõe, supletivamente, o art.°1030.° do CC que os "encargos da coisa locada, sem embargo de estipulação em contrário, recaem sobre o locador “;

XXXIV. O dever de conservar e reparar a coisa incumbe na ALD, aquela que não seja qualificada como financeira, ao locador, não sendo este custo repercutível no locatário;

XXXV. Assim, na medida em que apenas as despesas de conservação e manutenção das viaturas foram excepcionadas, as despesas de grandes reparações, ao abrigo da estipulação contratual, convencionada entre as partes, correm por conta da Recorrente;

XXXVI. A Sentença recorrida viola assim o disposto no art.°1030 de CC;

XXXVII. Impõe o art.°236.° do CC, no seu n.°2, que quando o “declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida".

XXXVIII. Tanto a Recorrente como a locatária tinham e têm a mesma interpretação do contrato e a mesma vontade quanto aos efeitos de mesmo: as despesas de grandes reparações devem ser suportadas pela locadora.

XXXIX. Nos termos do art.° 238.°, n.°1 do CC, "nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso".

XL. Mas, nos termos do n.° 2, o sentido da declaração nos negócios formais pode, até, não ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento "se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade".

XLI. Dispõe o art.°237.° do CC que "Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, (...) [nos negócios] onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações."

XLII. Em primeiro lugar, as partes não têm qualquer "dúvida sobre o sentido da declaração”,

XLIII. Mas, mesmo que existissem, a Douta Sentença não tem qualquer fundamento para considerar qual a situação de maior equilíbrio.

XLIV. De facto, na óptica da Recorrente e da locatária o equilibro contratual é aquele que resulta do facto de as despesas com grandes reparações serem suportadas pela Recorrente.

XLV. A interpretação que a Douta Sentença recorrida faz do contrato é que resulta num desequilíbrio ao onerar a locatária com uma obrigação que não é sua;

XLVI. Ao impor a sua vontade às partes, a Douta Sentença recorrida viola, deste modo, a autonomia privada que preside aos contratos de ALD;

XLVII. E faz errada aplicação do art.° 238.°, n.°1 ao não atender ao respectivo n.°2 e ao art.°217.°, todos do CC;

XLVIII. A Sentença recorrida viola e interpreta incorrectamente, assim, o disposto nos art.°s 236.°, 237.°, 238.°, 239.° e 405.° do CC;

XLIX. A Douta Sentença é, ainda, nula por oposição entre os seus fundamentos e a respectiva decisão.

L. A Douta Sentença aceita, a qualificação jurídica dos contratos celebrados entre as partes, como contratos de ALD;

LI. Enuncia correctamente as regras de contabilização da locação financeira.

LII. Ao mesmo tempo que afirma que estamos perante contratos de ALD.

LIII. Ora o regime da locação financeira é, neste caso, diametralmente oposto ao do ALD.

LIV. Na locação financeira o locado e as grandes reparações integram o imobilizado da locatária,

LV. No ALD o locado e as suas grandes reparações integram o imobilizado da locadora.

LVI. Até 1 de Janeiro de 1994 todos os contratos de aluguer tinham o mesmo tratamento: o locado e as suas grandes reparações integram o imobilizado da locadora.

LVII. A partir dessa data passou a aplicar-se, mas apenas à locação financeira, o regime descrito na Douta Sentença;

LVIII. Debalde se procura a análise do regime dos contratos de ALD na Douta Sentença recorrida, que, no entanto, estava obrigada a fazê-lo;

LIX. Assim, nos termos das regras enunciadas na Douta Sentença no ALD o locado e as respectivas grandes reparações são integradas no imobilizado da locadora, pelo que só a esta dizem respeito tais custos;

LX. Dessa forma, os fundamentos da Douta Sentença estão em oposição com a decisão, pela aplicação errónea de um regime contratual no qual toda a Decisão se baseia;

LXI. O que constitui causa de nulidade prevista na alínea c) do n.°1 do art.° 668.° do CPC;

LXII. A Douta Sentença recorrida omite questões sobre as quais se devia pronunciar;

LXIII. Não se pronuncia sobre o facto de a Administração Fiscal ter presumido rendimentos à recorrente

LXIV. Nem sobre a consequente ilegalidade dessa actuação,

LXV. Não se pronuncia sobre o facto de a Administração Fiscal a querer efectuar correcções à revelia da vontade das partes ter que aplicar o regime previsto no art.°57.° do Código do IRC.

LXVI. Razão pela qual, nos termos do art.° 668.°, n,° 1, alínea d) do CPC, é nula.

LXVII. A liquidação de IRC e de juros é manifestamente ilegal, violando o princípio da dedutibilidade dos custos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos proveitos e, ao julgar improcedente a impugnação judicial, a Douta Sentença viola, também aqui, o disposto art.° 23.° Código do IRC.

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências Senhores Juízes Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com todas as legais consequências, designadamente, devendo (i) revogar-se a Douta Sentença recorrida e declarar-se a ilegalidade do acto tributário da Direcção-Geral dos Impostos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 1995, ou, caso assim não se entenda, (ii) deve, de todo o modo, declarar-se a ilegalidade da Sentença Recorrida, ordenando-se que os autos baixem à primeira instância para audiência de julgamento com recolha de prova testemunhal, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final,
Assim se fazendo JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações.

O MP junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 358 no sentido do não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*****
II - Na sentença recorrida deu-se, como assente, o seguinte:

1 - Em 29.11.2000, foi efectuada a liquidação adicional de IRC relativamente ao exercício de 1995, na qual foi corrigido a matéria colectável apurada pelo impugnante na sua declaração Modelo 22, no valor de Esc. 5.491.926$00, da qual resultou uma colecta de Esc. 1.977.093$00, a que acrescem os juros compensatórios no valor de Esc. 1.285.278$00- cfr. prints informáticos de fls. 114 a 117 do P.A. apenso aos autos.
2 - A liquidação referida em 1 teve por base os "Mapas de Apuramento Modelo DC-22-IRC, elaborados pelos serviços de fiscalização tributária em resultado do Relatório da Inspecção e anexos 1 a 8, proveniente daqueles serviços, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente: "... o sujeito passivo contabilizou como custos o valor das despesas de Conservação e Reparação. Este custo deveria repercutir-se no cliente...como expressam os contratos de ALD analisados. Conforme Anexo 7 folhas 1 a 12...", e mais adiante "franquias e material de conservação e reparação não sujeito a IVA. O sujeito passivo contabilizou despesas referentes a viaturas locadas, que deveria repercutir à M ......" - cfr relatório de fls. 19 a 112 e “prints informáticos” de fls. 115 do P.A. apenso.
3 - Em 15.03.2001 a impugnante reclamou do acto de liquidação referido em 1, a qual veio a ser indeferida por despacho proferido em 16.01.2004, o qual se fundamentou na informação anexa, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido – cfr. fls. 3 a 9 e fls. 144 a 152 do PA anexo.
4 - Dão-se aqui por reproduzidas as facturas emitidas pelos fornecedores à impugnante relativas às reparações sobre as viaturas cfr. fls. 112 a 172 dos autos.
5 - Dão-se aqui por reproduzidos os contratos de aluguer de veículos sem condutor celebrados pela impugnante durante o ano de 1995 – cfr. fls. 326 a 331v do P.A. apenso.
Aí se consignou que dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita e que a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, se efectuou com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A que, nos termos do art. 712 do CPC, se adita:
6 – Nos contratos referidos em 5 do probatório consta nas clausulas particulares, além do mais, que a conservação/manutenção da viatura é por conta do locatário (cfr. fls. 326 a 331v do PA apenso).

Aí se consignou que a convicção do Tribunal se baseou no teor dos documentos juntos aos autos e no PAT apenso, que não foram impugnados, não havendo factos não provados com interesse para a decisão da causa.
*******
III - Expostos os factos, vejamos o direito.

Após se ter equacionado que a questão a decidir diz apenas respeito a quem deve ser imputado o custo incorrido relativo aos encargos relativos às reparações e outra despesas efectuadas nas viaturas objecto de contratos de aluguer de longa duração, julgou-se improcedente a impugnação com base na seguinte fundamentação que, da sentença, se transcreve:
“Entende a Adm. fiscal que esses custos deveriam ter sido suportados pela locatária atento os contratos celebrados pela impugnante na qualidade de locadora (cfr. ponto 5 do probatório). Diferentemente considera a impugnante, afirmando que nos termos contratuais apenas revestiam essa caracterização as despesas de manutenção e conservação das referidas viaturas e não assim as grandes reparações nelas efectuadas que, na falta de estipulação convencional, deveriam seguir as regras aplicáveis da locação previstas no C.Civil, maxime o disposto no art° 1030°, daquele Código que supletivamente deve ser aplicada em caso de falta de estipulação pelas partes.
O que dizer da controvérsia suscitada?
É evidente que a estipulação negocial das partes no referido contrato, que deve ser entendido no sentido normal da declaração nos termos do disposto nos art°s 236° e segs do C.Civil, sendo que nos negócios formais, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento conforme resulta do n° 1, do art° 238° do mesmo Código, ainda assim tal não impediria aquela aplicação supletiva, se se entender que a mesma é aplicável ao contrato de aluguer de longa duração. Ora, na definição que se aceita, feita pelo Ac. do S.TJ. de 07.11.2000, no Proc. N° 2318/2000, tal contrato caracteriza-se precisamente por ser aquele em que "... o locador cede ao locatário, mediante pagamento de uma retribuição, o gozo de um veículo terrestre, facultando a prestação de serviços de manutenção e assistência"- por essa caracterização o que resulta é, no caso concreto, que o locador afastou daquele regime regra, impondo ao locatário que suportasse tais despesas, nos termos dos contratos a que se fez alusão. Se tal disposição é válida atento a liberdade contratual que também caracteriza tais negócios jurídicos, o que se indaga é se daí também pode resultar que, ao invés, as grandes reparações das viaturas (ou melhor dito, os outros encargos que não se subsumem em meras despesas de conservação e manutenção do objecto locado), cabia ao locador suportá-las já que não foram determinadas contratualmente? É evidente que não pois isso traduzir-se-ia num patente desequilíbrio das prestações a cargo das partes e resultaria numa interpretação do negócio contrário ao prevalecente por lei em casos duvidosos – cfr. art° 237° do C.Civil. É que, dada a caracterização daquele negócio jurídico, o que é aplicável da locação regulada no C.Civil é que os encargos da coisa locada a que o locador se encontra vinculado a suportar tem como limites o assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina segundo uma prudente utilização. Ora, as grandes reparações efectuadas ao objecto locado só se poderão considerar como inerentes a uma utilização normal dos veículos se resultar provado que a mesma apresentava vícios que lhe não permitiam realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador - cfr art° 1032° do C.Civil. O que não tem sentido é essas reparações serem efectuadas sempre ao abrigo ou durante os contratos de aluguer de longa duração, o que indicia ou uma utilização imprudente do locatário, ou que o vício é da responsabilidade deste último. De resto, bem sabe o impugnante que contabilisticamente, desde a aprovação do POC pelo Dec-Lei n.° 410/89, de 27.11., a metodologia de contabilização das operações de locação financeira passou a impor ( desde o fim da suspensão daquele regime de contabilização introduzido pelo Dec-Lei n° 29/93, de 12.02), a inclusão dos bens locados no imobilizado das locatárias que passaram assim a proceder à sua reintegração como custo, assim como as grandes reparações efectuadas sobre as mesmas, o que está de acordo com o regime das reintegrações fiscais introduzido pelo Dec.Reg. n° 2/90 – cfr. conta 42-lmobilizações Corpóreas, do POC. Este princípio da prevalência da substância sobre a forma veio a ser acolhido expressamente no CIRC, nos termos da alínea i, do n° 1 e n° 4, do art° 41° do mesmo Código. Atento a este enquadramento legal do conhecimento da impugnante, como aceitar então uma interpretação do contrato em sentido oposto à lei civil e tributária - contabilística, aceitando a impugnante suportar despesas que sabe não serem imprescindíveis (pelo menos, não provado que o fossem) a uma utilização normal do objecto locado e que, além disso o bem locado seria parte do activo imobilizado da locatária susceptível de reintegração do custo suportado naquelas reparações? Nos termos expostos e sem necessidade de outras considerações julga-se improcedente a impugnação deduzida pela impugnante contra o acto de liquidação adicional de IRC, assim como os juros compensatórios apurados, os quais resultaram do retardamento, por facto imputável ao contribuinte, da liquidação do imposto devido, como ficou demonstrado supra ( cfr. ponto 1 do probatório).- vd art° 80° do CIRC.
Nos termos do disposto nos art°s 17°, 23° e 80°, todos do CIRC, entendemos de indeferir a presente petição de impugnação, mantendo-se o acto de liquidação de IRC e de juros compensatórios do exercício de 1997 controvertido".

Dissente a recorrente do decidido imputando à sentença o vício de nulidade previsto no art. 668 nº 1 al c) e d) do CPC, aquele por haver oposição entre os seus fundamentos e a respectiva decisão, dado que nela se afirma que estamos perante contratos de ALD e enuncia as regras de contabilização da locação financeira cujo regime é diametralmente oposto ao do ALD, sendo que na locação financeira o locado e as grandes reparações integram o imobilizado da locatária e no ALD o locado e as grandes reparações integram o imobilizado da locadora, sendo que até 1.1.94 todos os contratos de aluguer tinham o mesmo tratamento: o locado e as grandes reparações integram o imobilizado da locadora e a partir dessa data passou a aplicar-se o regime descrito na sentença apenas à locação financeira, pelo que nos termos das regras enunciadas na sentença no ALD o locado e as respectivas grandes reparações são integradas no imobilizado da locadora, pelo que só a esta dizem respeito tais custos (conclusões XLIX a LXI) e este por ela não se pronunciar sobre o facto da AF ter presumido rendimentos à recorrente nem sobre a consequente ilegalidade dessa actuação e não se pronunciar sobre o facto de a AF a querer efectuar correcções à revelia da vontade das partes ter que aplicar o regime previsto no art. 57 do CIRC (conclusões LXII a LXVI).
Invoca a anulação da sentença por insuficiência da matéria de facto provada para a boa decisão da causa devendo os autos baixar à 1ª instância para completar a pertinente instrução com a inquirição das testemunhas arroladas (conclusões XIII a XXX) e discorda do entendimento vertido na decisão por continuar a entender que as despesas de grandes reparações, ao abrigo da estipulação contratual, convencionada entre as partes, correm por conta da ora recorrente, sendo que nos contratos só estão previstas as despesas de conservação e manutenção das viaturas por conta da locatária donde o objecto do litigio seja determinar a entidade que nos termos dos contratos de ALD deveria suportar os custos com as grandes reparações dos veículos locados (restantes conclusões).
Começando pela apreciação da invocada nulidade da sentença com previsão na al. c) do nº 1 do art. 668 do CPC por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, diremos, desde já, que tal nulidade não se verifica por não haver oposição entre os fundamentos e a decisão. Tal nulidade só ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na decisão. Ora, na situação em apreço, os fundamentos da decisão não levam logicamente a que se conclua de modo diferente do decidido. A construção efectuada pela recorrente de que nos termos das regras enunciadas na sentença no ALD o locado e as respectivas grandes reparações são integradas no imobilizado da locadora, pelo que só a esta dizem respeito para daí concluir que os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão não é de molde a integrar tal nulidade, pois que o que a recorrente do contrato de ALD retira (o locado e as respectivas grandes reparações são integradas no imobilizado da locadora) não consta dos fundamentos da decisão. Não constando isso dos fundamentos da decisão (veja-se o que nela consta:”De resto, bem sabe o impugnante que contabilisticamente, desde a aprovação do POC pelo Dec-Lei n.° 410/89, de 27.11., a metodologia de contabilização das operações de locação financeira passou a impor ( desde o fim da suspensão daquele regime de contabilização introduzido pelo Dec-Lei n° 29/93, de 12.02), a inclusão dos bens locados no imobilizado das locatárias que passaram assim a proceder à sua reintegração como custo, assim como as grandes reparações efectuadas sobre as mesmas, o que está de acordo com o regime das reintegrações fiscais introduzido pelo Dec.Reg. n° 2/90 – cfr. conta 42-lmobilizações Corpóreas, do POC. Este princípio da prevalência da substância sobre a forma veio a ser acolhido expressamente no CIRC, nos termos da alínea i, do n° 1 e n° 4, do art° 41° do mesmo Código. Atento a este enquadramento legal do conhecimento da impugnante, como aceitar então uma interpretação do contrato em sentido oposto à lei civil e tributária - contabilística, aceitando a impugnante suportar despesas que sabe não serem imprescindíveis (pelo menos, não provado que o fossem) a uma utilização normal do objecto locado e que, além disso o bem locado seria parte do activo imobilizado da locatária susceptível de reintegração do custo suportado naquelas reparações?”) e não levando a fundamentação nela constante a que se conclua logicamente de forma diferente do decidido não se verifica tal nulidade donde a improcedência de tal arguição.
E o mesmo se diga quanto à invocação da outra nulidade por falta de pronuncia que também não se verifica, pois que, no contexto de toda a decisão se verifica que foi apreciada a questão chave dos custos em causa que são as reparações. Improcede, pois, a arguição de tal nulidade.

Nas conclusões XIII a XXX invoca-se a anulação da sentença por insuficiência da matéria de facto provada para a boa decisão da causa devendo os autos baixar à 1ª instância para completar a pertinente instrução com a inquirição das testemunhas arroladas.
Afigura-se-nos não assistir razão à recorrente na sua pretensão da necessidade da inquirição das testemunhas arroladas à matéria por ela indicada a fls. 235 a 237 e sobre que recaiu o despacho de fls. 240 no sentido de que a matéria a ser decidida apenas pode ser provada documentalmente, pois que a questão é eminentemente jurídica e os autos já fornecem todos os elementos necessários para se decidir sem necessidade da prova testemunhal. Muito embora o depoimento das testemunhas seja admissível (cfr. art. 108 nº 3 do CPPT), no entanto, é ao juiz que cabe dirigir os termos do processo, designadamente, ordenando as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade, sem sujeição aos meios probatórios requeridos pelos particulares mas limitado aos factos alegados pelas partes e aos de conhecimento oficioso como resulta do art. 99 nº 1 da LGT. Além do exposto o juiz não está obrigado à realização de todas as diligências requeridas, pois que como resulta da parte final do nº 1 do art. 13 do CPPT este dever de realizar e ordenar diligências limita-se às que o Tribunal considere úteis ao apuramento da verdade que é um afloramento do princípio processual geral de proibição de actos inúteis (cfr. art. 137 do CPC). Assim, tendo sido requerida a inquirição das testemunhas o juiz só não as deve inquirir se considerar tal diligência inútil ou dilatória, que foi o que sucedeu nos autos, por a prova ser documental, donde não se ter violado qualquer disposição legal com a falta de inquirição das testemunhas arroladas.
A falta de produção de prova testemunhal, como se vem entendendo neste Tribunal, não constitui nulidade da sentença mas poderá conduzir à sua anulação por défice instrutório se se chegar à conclusão que foi feito errado julgamento da matéria de facto determinado pela omissão da inquirição. Ora, tendo-se já referido a desnecessidade da prova testemunhal por a prova ser documental não pode existir défice instrutório decorrente de falta de inquirição das testemunhas. A questão é de interpretação dos contratos e para tal não há que recorrer à prova testemunhal que não pode ter a virtualidade de se opor ou contrapor aos documentos que constam dos autos. Tendo presente o probatório temos que concluir que não está, sequer, em causa, qualquer ponto omisso nos contratos ou a interpretação de qualquer declaração negocial por via da prova testemunhal, pelo que, pelo já referido, não se verifica o invocado défice instrutório determinante de anulação da decisão e daí a improcedência do invocado nesse sentido.

E apreciando a divergência da recorrente quanto ao decidido diremos, desde já, que à recorrente não assiste razão nos termos e com a fundamentação constante da decisão recorrida com que se concorda por ter feito correcta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis ao caso. Como resulta do probatório, os contratos referem que a conservação/manutenção da viatura é por conta do locatário e daí retira a ora recorrente que os mesmos não prevêem de modo algum que a conservação e reparação também seja por conta do locatário. Toda esta questão tem a ver com os custos incorridos relativos aos encargos com as reparações efectuadas nas viaturas objecto de contratos de aluguer de longa duração que a recorrente contabilizou como seus e que a administração entende que ela deveria repercutir à M ... e também foi entendido na decisão recorrida.
Entende a recorrente que só nos contratos de leasing (locação financeira) é que os bens integrariam o imobilizado do locatário e que no ALD (contratos em causa) o locado e as suas grandes reparações integram o imobilizado da locadora, pelo que só a esta dizem respeito tais custos que não constam dos contratos como sendo por conta da locatária. Não lhe assiste razão quanto a isto. Como se sabe e se refere na decisão recorrida, do ponto de vista fiscal em IRC aplica-se aos contratos de ALD de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas a al. i) do nº 1 do art. 41 do CIRC e a circular 24/91, de 29.12.
Como defende Joaquim Fernando de Lima Gonçalves in TOC nº 25, de Abril de 2002 a pág. 6, “Os contratos de ALD já deveriam ter sido relevados no imobilizado corpóreo do locatário” e, tal como o leasing, o ALD já deveria ter sido contabilizado dessa forma desde, pelo menos, 1.1.94, pelo que improcede a argumentação da recorrente de que no ALD o locado e as suas grandes reparações integram o imobilizado da locadora só a esta dizendo respeito os custos em causa. Ora, as despesas invocadas pela recorrente como grandes reparações integram-se na conservação manutenção das viaturas a cargo da locatária tal como consta dos respectivos contratos sendo que não se faz aí qualquer distinção dessas reparações que são todas a cargo da locatária. Assim, ao transpor-se toda a responsabilidade para a locatária quanto às despesas de manutenção conservação dos veículos não pode, agora, a recorrente locadora levar a custos as grandes reparações que invoca e que aparecem sustentadas na sua contabilidade. Se fez tais despesas não estava obrigada a fazê-las e não relevam para aqui, pois que não se podem traduzir em direitos fiscais, dado que só são aceitáveis os custos essenciais à manutenção da sua fonte produtora. No mesmo sentido se decidiu no ac. de 16.6.2009 deste Tribunal no rec.1895/07.

Não nos merece, pois, censura, a decisão recorrida que não violou quaisquer das disposições legais invocadas pela recorrente, sendo, assim, de manter, improvindo o recurso.

IV - Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 28.10.09.

Joaquim Pereira Gameiro
José Correia
Eugénio Sequeira