Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:606/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
PRESCRIÇÃO
CAUSAS DE INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO
Sumário:I - Dependendo a infração da liquidação da prestação tributária, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, no caso dos autos de é de 4 anos (cf. artigo 33/2 do RGIT e 45/1 da LGT).
II - Para efeitos do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, que estabelece um prazo de prescrição máximo do procedimento, apenas releva o tempo de suspensão, não é de considerar qualquer interrupção ocorrida no procedimento
III - De acordo com o mesmo artigo 28/3 do RGCO, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, vem recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional n.º 325…, que aplicou ao arguido L… a coima de € 3 576,54, por falta de entrega do pagamento por conta referente ao mês de dezembro do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (IRS) do ano 2011, em violação do disposto no artigo 102.º do Código do IRS (CIRS), infração punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A. Foi aplicada à arguida, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, a coima de € 3.576,54, pela prática da infração ao artigo 102.º do CIRS, punida pelos artigos 114.º n.º 2 e 5, al. f) do RGIT.
B. De acordo com o artigo 28.º n.º 1 al. d) do RGCO o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional interrompe-se com a aplicação da coima pela autoridade administrativa.
C. No caso concreto, tendo o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10, proferido decisão de aplicação de coima, em 23.01.2014, iniciou-se, nessa data, a contagem de um novo prazo de prescrição,
D. Deste modo, contado o prazo prescricional de sete anos e meio, a partir 23.01.2014, verifica-se que o mesmo ainda não se consumou.
E. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo, na sentença recorrida o disposto nos arts. 33º do RGIT e 27º-A e 28º do RGCO.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue o recurso de contraordenação totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!


Notificado para o efeito, o Recorrido não apresentou resposta.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Notificadas deste parecer as partes nada disseram.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso [artigo 411º do Código de Processo Penal (CPP) aplicável ex vi artigo 41/1, do RGCO, por sua vez aplicável ex vi artigo 3.b) do RGIT].

Nos presentes autos importa assim apreciar e decidir a questão da prescrição do procedimento contraordenacional.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. A 19.07.2012 e contra L…, foi lavrado o Auto de Notícia n.º C0000371689/2012, do qual se exara, entre o mais, o seguinte:
(…)
- cfr. fls. 2 do PCO;

2. Na mesma data (19.07.2012), no Serviço de Finanças de Lisboa - 10, com base no Auto de Notícia n.º C0000371689/2012 e contra L…, foi instaurado o PCO n.º 3255201206072720 - cfr. fls. 1 do PCO;
3. A 23.01.2014, no âmbito do PCO n.º 3255201206072720, foi proferida a decisão de aplicação de coima e de fixação de custas administrativas que vem impugnada – cfr. fls. 10 e 11 do PCO.
Quanto a factos não provados e quanto à motivação da decisão de facto, na sentença exarou-se o seguinte:

Com interesse para a decisão, nada mais se julgou ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da análise crítica dos documentos juntos aos autos, designadamente dos integrantes do PCO, documentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos, que foram admitidos, não foram impugnados e se encontram especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório.

2. Ao abrigo do disposto nos artigos 428.º e 431.º, al. a) do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, adita-se a seguinte matéria de facto:

3. A decisão de fixação da coima identificada na alínea 3 que antecede foi comunicada ao arguido por carta registada enviada em 2014.01.31 (cf. fls. 14 e 15 de doc. nº 004352312 registado em 18-03-2014 às 13:35:49);
4. Em 2014.02.24, no Serviço de Finanças de Lisboa-10, deu entrada o recurso judicial da decisão de aplicação da coima (cf. fls. 34 e 42 85de doc. nº 004352312 registado em 18-03-2014 às 13:35:49);
5. Por despacho de 2018.01.17, foi admitido o recurso a que se refere a alínea anterior (cf. fls. 85 – doc nº 004352317 registado em 17-01-2018 às 13:44:21);
6. Em 2021.04.21, foi proferida a decisão recorrida que declarou prescrito o procedimento contraordenacional, constante de fls. 104 – doc. nº 004352334 registado em 22-04-2021 às 16:44:24 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional.

Vejamos, então, se se completou já o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

O prazo de prescrição do procedimento contraordenacional está previsto no artigo 33º do RGIT, que nos diz o seguinte:

1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no nº 2 do artigo 42º, no artigo 47º e no artigo 74º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.

Este artigo 33º RGIT no nº 1 estabelece um prazo geral de prescrição de cinco anos, e no nº 2 institui um prazo especial, mais curto, para os casos em que a infração depende da liquidação da prestação tributária, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação.

Na anotação a este artigo referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos:

Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspetiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infração relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia, pois a infração depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária são dos previstos nos arts. 108.º n.º 1, 109.º, n.º 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.º 1, do R.G.I.T.

Ora, no caso em análise, o Arguido foi coimada por infração prevista no artigo no artigo 102.º do Código do IRS (CIRS) e punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

Foi imputado ao Arguido a prática de infração respeitante à falta de entrega do pagamento por conta do imposto devido a final.

A infração em causa decorre de o Arguida não ter efetuado a entrega da prestação tributária, cujo prazo terminou em 2011.12.20, data em que se considera cometida a infração, pois, tratando-se de infração omissiva, esta é cometida na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário (artigos 5º do RGCO e 5/2 do RGIT).

Ora, reportando-se a infração à falta de entrega de pagamento especial por conta do imposto sobre o rendimento, o prazo de caducidade conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário, por estarmos perante um imposto periódico – artigo 45/4 LGT.

Como vimos, o prazo de prescrição é de 4 anos (artigos 33/2 RGIT e 45/1 da Lei Geral Tributária), e no caso de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 1 de janeiro de 2016.

Vejamos então se verificaram causas de interrupção ou de suspensão da prescrição, como defende a Recorrente.

O artigo 33º RGIT remete-nos para os artigos 27-A e 28º RGCO (DL nº 433/82):
Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Artigo 28.º
(Interrupção da prescrição)
1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

Não se verificando, no caso, as situações previstas no artigo 42/2, i. é, ter existido procedimento prévio em curso de que dependa a qualificação contraordenacional dos factos, no artigo 47° (estar a correr processo de impugnação ou de oposição que desse lugar à suspensão do procedimento de contraordenação) e no artigo 74° (indícios de crime tributário) e ainda no caso de ter havido pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento, o nº 3 do já citado artigo 33º RGIT remete-nos para os artigos 27-A e 28º RGCO (DL nº 433/82). No caso vertente, a última causa de interrupção ocorreu com a notificação da decisão administrativa de aplicação de coima por carta enviada em 2014.01.31.

Quanto à contagem do prazo de prescrição seguiremos de perto o decidido neste TCAS, nos Acórdãos de 2016.04.14 Proc nº 08986 (1) e de 2019.11.14, Proc nº 280/11.6BESNT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso vertente, ocorreu causa de interrupção, com a notificação da decisão administrativa que aplica a coima [artigo 28/1.d) do RGCO], data a partir da qual se reinicia a contagem do prazo de prescrição de 4 anos, que não ocorrendo qualquer causa de suspensão do prazo, se completaria em 2018.02.01.

O arguido, porém, apresentou recurso de aplicação da coima em 2014.02.24, admitido em 2018.01.17 e em 2021.04.21, foi proferida a decisão recorrida. Verificando-se a suspensão dos processos durante 6 meses, nos termos do disposto no nº 1 alínea c) e nº 2 do artigo 27-A RGCO.

Importaria, pois considerar a causa de suspensão do prazo de prescrição que ocorre após o reinício da contagem do prazo, ou seja, a prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 27.º-A/1.c), que ocorreu com a admissão do recurso e que por força do n.º 2, tem como limite máximo o prazo de 6 meses.

Assim, adicionando os quatro anos e seis meses temos que o prazo de prescrição se completaria em 2018.07.31.

Todavia, considerando o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, no caso em análise, contado este a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o prazo máximo de prescrição previsto no artigo 28/3 RGCO, já se tinha completado em 2018.07.01.

Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 28/3 do RGCO, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.

Então, adicionando os quatro anos a metade deste tempo e a seis meses de prazo máximo de suspensão, temos que, o prazo de prescrição decorrido desde 2012.01.01, se completou em 2018.07.01, em data anterior, portanto.

Assim, feitas quaisquer contas, quando em 2021.04.21, foi proferida a decisão recorrida, o procedimento contraordenacional já se encontrava prescrito.

Como é consabido, a extinção do procedimento contraordenacional, por efeito da prescrição, implica o arquivamento dos autos como resulta das disposições conjugadas dos artigos 33º, 61º e 77º do RGIT.

A sentença recorrida que declarou a prescrição do procedimento contraordenacional não merce, pois, a censura que lhe é feita pela Recorrente.

Em face do exposto, improcedem as alegações de recurso.

Sumário/Conclusões:

I. Dependendo a infração da liquidação da prestação tributária, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, no caso dos autos de é de 4 anos (cf. artigo 33/2 do RGIT e 45/1 da LGT).
II. Para efeitos do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, que estabelece um prazo de prescrição máximo do procedimento, apenas releva o tempo de suspensão, não é de considerar qualquer interrupção ocorrida no procedimento
III. De acordo com o mesmo artigo 28/3 do RGCO, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.

Lisboa, 28 de abril de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora

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(1) Do sumário transcreve-se:
Não é por se verificarem interrupções do prazo de prescrição que se deve aplicar automaticamente o prazo previsto no art. 28.º, n.º 3 do RGCO (o prazo da prescrição acrescido de metade) uma vez que se trata de um prazo máximo supletivo que apenas se aplica quando, no caso concreto, por força de uma(s) interrupção(ões) do prazo geral de prescrição previsto no n.º 1 (cinco anos) se exceda aquele prazo máximo de prescrição.