Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2599/05.6 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
REEMBOLSO
DESPESAS PROFISSIONAIS
SEXTA DIRECTIVA
CLÁUSULA DE STANDSTILL
Sumário:I - O conteúdo do indeferimento tácito, que obviamente não tem fundamentação porque se trata de uma ficção, afere-se pelo pedido.
II - Se o pedido é anulatório da decisão de denegação do pedido de reembolso do IVA, as decisões presumidas nos procedimentos de 2.º e 3.º graus, só podem assumir conteúdo relacionado com o pedido, não podendo deles extrair-se qualquer decisão presumida de rejeição dos pedidos por intempestividade ou erro na forma do procedimento.
III - As restrições do direito à dedução do imposto contido em despesas elencadas no art.º 21.º do CIVA, encontram-se cobertas pela cláusula de standstill prevista no art.º 17/6 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, mantida no art.º 176.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.
IV - Com efeito, a cláusula de standstill do art.º 17/6 da Sexta Directiva não limita as exclusões das deduções pré-existentes à sua entrada em vigor na ordem interna àquelas que não tenham carácter profissional, podendo abranger todas as despesas relacionadas com bens e serviços susceptíveis de serem facilmente desviadas para fins privados.
V - Essas restrições não atingem o núcleo essencial do regime geral do direito à dedução, pelo que não há que fazer apelo ao princípio da proporcionalidade enquanto instrumento de controlo relevante na compatibilização do alcance normativo da lei interna (art.º 21/1 al. d) do CIVA) com actos comunitários.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

Da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por A…, A.G. do acto de indeferimento tácito que se formou em sede de recurso hierárquico, o qual foi interposto do acto de indeferimento, igualmente tácito, que se formou em sede de reclamação graciosa que teve por objecto o despacho que indeferiu o pedido de reembolso de IVA n.º 020275970, na quantia de 133.837,16€, recorrem a impugnante e a Exma. Representante da Fazenda Pública.

A Exma. RFP, termina as suas alegações com as seguintes e doutas conclusões:
«
I. Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal ad quo caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência de resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.

II. Assim, a questão controvertida passa por dirimir se os requisitos formais poderão impedir a verificação do mérito da questão sindicada e ainda, existindo neste caso a aplicação de normas internas, nomeadamente o D.L. n.º 408/87, que veio permitir que os operadores económicos que não estejam estabelecidos em território nacional, viessem requer o reembolso do imposto (IVA) que suportaram nas aquisições de bens e serviços que efetuaram em Portugal, e que no seu artigo 3.º, n.º 2, remete para o artigo 21.º do CIVA, que restringe a dedutibilidade das despesas, se poderá existir alguma preterição sobre a aplicação da Sexta Diretiva.

III. Primeiramente cabe na letra da lei que o meio próprio para reagir ao indeferimento do pedido de reembolso de IVA, de acordo com o D.L. 408/87 de 31/12, será o recurso hierárquico ou a impugnação judicial devendo a petição neste caso ser entregue no serviço de finanças do 3.º bairro fiscal, neste caso não consta na letra da lei a reclamação graciosa.

IV. Ora de acordo com os factos, o pedido da Impugnante que englobava um valor total de €595.499,68, foi deferido parcialmente, em 06/08/2004, sendo-lhe apenas indeferido o valor de €133.837,16, no entanto, como reação e por protesto ao valor indeferido, a Impugnante veio apresentar, uma reclamação graciosa, só efetuando o pedido de recurso hierárquico em 08/06/2005, portanto depois do prazo indicado na lei especial, ultrapassando-o, pelo que neste seguimento vem a representante requer que seja verificada a excepção peremptória do pedido, por a entrada, quer do recurso hierárquico, quer da impugnação judicial se deverem considerar intempestivas.

V. A ação foi apresentada no tribunal tributário em 03/11/2005, pelo que também não está dentro do prazo referido que consubstancia “Art. 6.º - 1 - Os reembolsos do imposto, quando devidos, deverão ser efectuados pelo Serviço de Administração do IVA até ao fim do sexto mês seguinte ao da apresentação do pedido, formulado nos termos do artigo anterior.
2 - O prazo referido no número anterior começará a ser contado a partir da data em que dêem entrada no Serviço de Administração do IVA todos os documentos exigidos no presente decreto-lei.
3 - O Serviço de Administração do IVA aporá um visto em cada factura ou documento de importação utilizados para efeitos do pedido de reembolso, restituindo-os no prazo de um mês ao sujeito passivo.
4 - As decisões de rejeição do reembolso, devidamente fundamentadas, devem ser notificadas ao requerente no prazo previsto no n.º 1, podendo ser objecto de recurso hierárquico, sem prejuízo de impugnação judicial, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Processo das Contribuições e Impostos, devendo esta última ser apresentada na Repartição de Finanças do 3.º Bairro de Lisboa”. (D.L. n.º408/87).

VI. Outrossim é a questão controvertida que passa por dirimir se o artigo 21.º do CIVA de alguma forma colide com a Sexta Diretiva, conforme pretende fazer valer a Impugnante, no âmbito das deduções aceites e não aceites, não existindo dúvidas sobre qual é a legislação que se aplica no território nacional.

VII. Neste seguimento asseveramos que a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, ocorreu a 1 de janeiro de 1986, tendo o Código do IVA entrado em vigor na mesma data.

VIII. Foi ao abrigo da cláusula de congelamento ou de standstill, prevista na Sexta Diretiva, que entraram em vigor as exclusões à dedução, referidas no art.º 21.º do CIVA.

IX. A opção do legislador nacional, face à dificuldade de distinção entre o uso particular e o profissional, foi no sentido de restringir o direito à dedução do IVA que incide sobre certas despesas, estabelecendo uma presunção de afetação a fins particulares.

X. Na medida em que se trata de uma presunção inelidível, com base no princípio da segurança jurídica, conduz a dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos, nas operações intermédias do circuito económico, constitui um princípio fundamental do funcionamento do imposto que tem por finalidade tributar apenas o consumo final;

XI. As exceções ao direito à dedução constituem derrogações ao princípio da neutralidade, apenas permitidas nos termos estabelecidos na Diretiva;

XII. O legislador nacional estabeleceu, ao abrigo da cláusula de congelamento ou de standstill, a exclusão do direito à dedução, das despesas contempladas no art.º 21.º do CIVA;

XIII. De acordo com a alínea c) e d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código, encontra-se vedada a recuperação do IVA suportado nas despesas relativas a transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal e a alojamento, alimentação, bebidas, tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa.

XIV. Nesta senda e como se poderá verificar através da fotocopia dos documentos que o sujeito passivo anexou, a verba sindicada, referem-se precisamente às despesas enumeradas nesse artigo, pelo que não se admite a sua aceitação.

XV. A regra da limitação do direito à dedução depende da despesa respeitar a bens cuja venda ou exploração constitua o objeto da atividade do sujeito passivo, tanto a dedução de IVA, como o seu reembolso, estando sujeitos a determinados condicionalismos previstos no CIVA que se devem respeitar.

XVI. Neste sentido o exercício do direito à dedução do IVA, reúne uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais precisamente no seu artigo 17.º, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos do exercício do direito à dedução.
XVII. Os mecanismos de dedução do IVA estão consagrados nos artºs.19.º a 25.º, do CIVA baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

XVIII. Neste conspecto a decisão desatende a letra da lei, em particular à prerrogativa feita pelo legislador na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, devendo ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, sendo de referir que a lei deve ser aplicada conforme o artigo 12.º da LGT que consagra o princípio da aplicação da lei tributária no tempo, sendo que a questão de ser parcialmente aceite, só foi introduzida pela Lei 55-B/2004, pelo que não se aplica aos factos tributários em apreço, visto terem ocorrido em 12/2001.

XIX. Pelo que, com o muito devido respeito, o douto Tribunal ad quo, não esteou a sua fundamentação de direito de acordo com a solução adotada pelo legislador e, nessa medida a decisão recorrida deve ser afastada da ordem jurídica, devendo concluir-se que de acordo com as regras a aplicar no presente caso deverá ser excluída da dedução o valor integral de €133.837,16.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

A Recorrida apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
1.ª O presente recurso foi deduzido pela Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença proferida no processo em epígrafe, na parte que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial da Recorrida, determinando a anulação da decisão de indeferimento do pedido de parcial do reembolso de IVA, por considerar que “(…) podemos com certeza concluir que tais despesas de alojamento, alimentação e bebidas, relacionadas com organização de exposições, de apresentação, dos referidos automóveis, efectuadas para as necessidades directas dos participantes contribuíram comprovadamente para a realização de operações tributáveis. Estes requisitos cumulativos retiram-se do facto do lançamento dos modelos da impugnante terem tido aceitação no território nacional. Nestes termos, não pode o ato sindicado manter-se na ordem jurídica por ilegal, devendo os fundamentos da impugnante proceder parcialmente, nos termos da legislação invocada, ou seja, de dedução apenas em 50% do imposto suportado”.

2.ª Resulta provado nos autos, não sendo contestado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, que, no caso sub judice, se encontram verificados, todos os requisitos de que depende o exercício do direito ao reembolso pela Recorrida, a saber: (1) constituir um sujeito passivo exigível para efeitos do Decreto-Lei n.º 408/87; (2) o IVA suportado e objeto do pedido de reembolso em questão respeita a despesas incorridas no exercício da atividade profissional da Recorrida e que, como tal, não podem deixar de ser consideradas elegíveis para efeitos do exercício do direito ao reembolso do IVA.

3.ª A principal questão que a Ilustre Representante da Fazenda Pública pretende ver apreciada no âmbito do recurso, é a questão de aferir se o direito à dedução do IVA incorrido nas despesas suportadas pela Recorrida pode ser limitado, nos termos do artigo 21.º do CIVA, o qual determinava, na redação vigente à data dos factos em análise nos autos, que se encontravam excluídas do direito à dedução as “despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções”.

4.ª Antes porém do desenvolvimento de tal tema, a Ilustre Representante da Fazenda Pública suscita a duas questões não apreciadas na sentença recorrida, que se reconduzem à alegada intempestividade do Recurso Hierárquico e da Impugnação Judicial.

5.ª Ora, como é comumente afirmado pela doutrina e jurisprudência, resultando do regime legal, o recurso tem por objeto, tipicamente, as decisões judiciais proferidas em 1ª instância, e constitui uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável. Por outras palavras, o recurso visa impugnar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, através da reapreciação do mérito da mesma, pelo Tribunal de recurso, sendo que a alegada intempestividade, quer da Impugnação, quer do Recurso não foram objeto de conhecimento da sentença recorrida.

6.ª Quanto à alegada intempestividade da presente Impugnação, verifica-se ainda que se trata de uma questão nova, que ainda não havia sido suscitada nos autos, e que, assim sendo, não foi, nem nunca poderia ter sido, conhecida na sentença em crise.

7.ª Ora, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

8.ª A tempestividade da impugnação afere-se pelo seu objeto – ato impugnado – e não por qualquer outro. Ora, no presente caso a Impugnação tem por objeto imediato a decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, pelo que, a ponderação da tempestividade da impugnação se deve aferir por este, mostrando-se os prazos cabalmente respeitados.

9.ª O Recurso Hierárquico foi interposto no dia 7 de junho de 2005, pelo que se presume o indeferimento tácito do mesmo no dia 6 de agosto de 2005. Por sua vez, a presente impugnação judicial foi apresentada em 3 de novembro de 2005, pelo que dentro do prazo de 90 dias que a Impugnante dispunha para o efeito, não se verificando portanto, a invocada intempestividade da impugnação

10.ª A exceção de intempestividade do Recurso Hierárquico igualmente invocada pela Ilustre Representante da Fazenda Pública não obsta ao prosseguimento dos presentes autos, na medida em que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico sub judice não se sustentou na alegada intempestividade e, na presente data, a referida decisão é insuscetível de revogação com fundamento nessa alegada invalidade, tendo, por conseguinte, a referida invalidade, a existir, se sanado pelo mero decurso do tempo.

11.ª Com efeito, o vício da alegada intempestividade é um vício gerador de anulabilidade que, em face do disposto nos artigos 135.º, 136.º e 141.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, em vigor à data dos factos, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, se considera sanável pelo decurso do tempo.

12.ª Efetivamente, previa o artigo 135.º do CPA, em conjugação com o artigo 133.º do CPA, a
contrario, que “São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”. Estabelece ainda o artigo 136.º do CPA que “O acto administrativo anulável pode ser revogado nos termos previstos no artigo 141.º”. Por sua vez, previa o artigo 141.º do CPA que “Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”, momento que se encontra ultrapassado.

13.ª A igual conclusão se chega se considerarmos as regras contidas no CPA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, atualmente em vigor. Com efeito, o artigo 168.º, n.º 3 determina que os atos objeto de impugnação jurisdicional, só podem ser objeto de anulação administrativa até ao encerramento da discussão, o que, como vimos, não se verificou.

14.ª Assim, (1) a Impugnação é tempestiva, mostrando-se respeitados os prazos de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico e de apresentação da competente Impugnação e (2) o ato impugnado não suscitou qualquer questão processual – ou seja, a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico não apreciou a alegada intempestividade do recurso -, pelo que não há caso julgado ou resolvido com a virtualidade de obstar ao conhecimento do mérito dos autos, não cabendo, além do mais, nesta sede de recurso, o conhecimento da alegada intempestividade, que sempre se mostraria sanada.

15.ª Surge igualmente demonstrado nos presentes autos que o ato impugnado, consubstanciado na decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso no IVA valor de € 133.837,16, padece de ilegalidade. Com efeito, e desde logo, porquanto a norma em que o mesmo se fundamenta – o artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do Código do IVA, na redação à data aplicável, incorre em violação do disposto no artigo 17.º da Sexta Diretiva. Para além disso, e por força do efeito direto da Sexta Diretiva, o ato impugnado incorre, também, em violação do artigo 17.º da mesma e do respetivo direito à dedução.

16.ª Efetivamente, enquanto o artigo 17.º da Sexta Diretiva prevê, para efeitos do exercício do direito ao reembolso, uma distinção fundamental entre as despesas com carácter profissional e as que não assumem esse carácter, que se encontram, por conseguinte, excluídas daquele direito, o artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do Código do IVA, na redação em vigor à data da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do IVA, não fazia qualquer tipo de distinção entre despesas efetuadas para fins profissionais ou não profissionais, tratando de forma idêntica situações distintas, não permitindo, sequer, aos sujeitos passivos fazer prova de que tais despesas são efetuadas para fins estritamente profissionais. Como tal, a referida norma incorria em manifesta violação do disposto no artigo 17.º da Sexta Diretiva.

17.ª Acresce que nenhuma das duas hipóteses de derrogação do direito à dedução previstas nesta Diretiva, e que podiam sustentar a legalidade do disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do Código do IVA, tem aplicação no caso sub judice.

18.ª Com efeito, no que concerne à primeira derrogação, que diz respeito à introdução de limitações mediante decisão prévia do Conselho, nos termos do disposto no artigo 27.º da Sexta Diretiva, a mesma nunca foi utilizada por Portugal (informação disponível no sítio www.europa.eu/european-union/index_pt.).

19.ª Já a segunda derrogação, consubstanciada numa cláusula de standstill que permite a manutenção em vigor, por parte dos Estados-Membros, de todas as exclusões previstas na legislação nacional respetiva no momento da entrada em vigor da Sexta Diretiva, a mesma aplica-se, apenas e tão só, às exclusões do direito à dedução de IVA vigentes nas ordens jurídicas dos Estados-Membros da então designada Comunidade Económica Europeia, à data da notificação da Sexta Diretiva a esses Estados. Pelo que, uma vez que, à data da entrada em vigor da Sexta Diretiva (1977), Portugal não fazia parte da Comunidade Económica Europeia, nem existia, na ordem jurídica nacional, qualquer disposição que excluísse o direito à dedução de IVA, tal possibilidade não lhe é aplicável.

20.ª Deste modo, uma vez que nenhuma das mencionadas hipóteses de derrogação do direito à dedução, previstas na Sexta Diretiva, é aplicável a Portugal, estava a República Portuguesa obrigada a adotar, a partir de 1 de Janeiro de 1989, nos termos do anexo XXXVI ao Acto de Adesão, as medidas necessárias ao cumprimento dessa diretiva, incluindo do artigo 17.º da mesma. Não o tendo feito, o Estado Português incorre, assim, em incumprimento.

21.ª Pelo que, em face do exposto, é evidente que o ato impugnado, fundamentando-se no referido artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA, disposição violadora do artigo 17.º da Sexta Diretiva por força do efeito direto desta, está, nessa medida, inquinado de ilegalidade, devendo, por conseguinte, ser anulado. Também em resultado do mencionado efeito direto da Sexta Diretiva, o ato impugnado viola o artigo 17.º desta, ofendendo o direito à dedução do IVA, de que é titular a Recorrida. Assim sendo, está o ato impugnado, também por este motivo, ferido do vício de violação de lei, devendo ser anulado.

22.ª Ainda que se considere, por mero dever de patrocínio, que haveria lugar à aplicação da segunda derrogação do artigo 17.º da Sexta Diretiva supra mencionada, sempre haveria que concluir que o artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA viola o Direito Comunitário. Isto porque, face ao disposto no artigo 395.º do Ato de Adesão, sempre se impõe que o adiamento da transposição da Sexta Diretiva aí previsto se limite a facilitar a integração portuguesa no sistema comunitário do IVA, e nunca a introdução de legislação contrariando os princípios base desse sistema. Assim, tendo em consideração o nível hierarquicamente superior do Ato de Adesão relativamente à Sexta Diretiva, nunca a aplicação de uma cláusula de standstill, prevista numa Diretiva, pode manter vigente uma norma, adotada à sombra de Tratado Constitutivo, mas desconforme à sua ratio essencial.

23.ª Também por esta razão, o ato impugnado padece de ilegalidade, porquanto a legislação em que se fundamenta, o artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA, não só viola a Sexta Diretiva, como também, a título independente e autónomo, o artigo 395.º do Acto de Adesão, pelo que deverá ser anulado. De igual modo se conclui que o próprio ato impugnado viola, também com este fundamento, o direito à dedução do IVA pela Impugnante, consagrado por via do efeito direto da Diretiva, devendo, por conseguinte, ser anulado.

24.ª Acresce que terá igualmente de se reconhecer, ainda, que o artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA contraria o dever de cooperação que rege as relações entre os Estados- Membros e a Comunidade, tal como prevê o artigo 10.º do Tratado CE, como aliás se tem vindo a defender na jurisprudência comunitária, de que é exemplo o Acórdão Wallonie. Assim, o dever de cooperação constante do artigo 10.º do Tratado CE, na redação à data aplicável, em conjugação com o artigo 17.º da Sexta Diretiva, permite concluir pela invalidade do citado artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA. Deste modo, o ato impugnado, que se fundamenta na referida disposição do Código do IVA, enferma de violação de lei, devendo, como tal, ser anulado. Também o próprio ato impugnado, nesta medida, viola o direito à dedução do imposto que assiste à Impugnante, por força do efeito direto da Sexta Diretiva, devendo, assim, ser anulado.

25.ª Incorre ainda o ato impugnado na violação do princípio da interpretação conforme ao direito comunitário, cujo reconhecimento é pacífico. Efetivamente, o citado artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA, na redação em vigor à data da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do IVA, não pode, em nenhum caso, ser interpretado de modo a legitimar o ato impugnado. Com efeito, não diferenciando o referido artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA entre despesas estritamente profissionais, que deveriam, à luz do direito comunitário, ser dedutíveis, e despesas que não correspondem a esses fins, e que, consequentemente, poderiam não ser dedutíveis, é obrigação do intérprete, em homenagem ao primado do Direito Comunitário, proceder a esta diferenciação, restringindo a aplicação da norma do Código do IVA- que exclui o direito à dedução – às despesas não profissionais.

26.ª Resulta, assim, em face do exposto, que a interpretação do artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA, nos termos em que o fez o ato impugnado, não é uma interpretação conforme com o Direito Comunitário. Com efeito, não foi efetuada uma interpretação conforme ao Direito Comunitário que, nos termos acima enunciados, restringisse a exclusão do direito à dedução às despesas de carácter não profissional. Pelo que, também com este fundamento, se conclui que o ato impugnado padece de ilegalidade por violação de lei, devendo ser anulado.

27.ª Finalmente, há que concluir ainda que, ao invés de promover, de imediato, a restrição do direito à dedução, a administração tributária havia que ter ponderado recorrer a outros meios, menos atentatórios dos princípios e objetivos da Sexta Diretiva, os quais, sendo igualmente eficazes quanto aos objetivos de combate à fraude e evasão fiscal a atingir, não poriam em causa a regra comunitária do direito à dedução de despesas estritamente profissionais. Não fazendo uso desses outros meios, quando os mesmos, de forma inequívoca, eram existentes, é fácil concluir que a restrição ao direito à dedução viola o princípio da proporcionalidade, inquinando o ato impugnado de ilegalidade.

28.ª Acresce, ainda, que é sobre a Administração Tributária que recai, face ao princípio da cooperação, a obrigação de providenciar os meios necessários de modo a dar aplicação ao direito à dedução. Assim, a alegada indisponibilidade de tais meios representa uma violação clara do dever de cooperação, não podendo, nessa medida, constituir justificação para o carácter desproporcionado das restrições ao direito à dedução previstas no referido artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA.

29.ª Negar à partida a possibilidade de demonstrar a natureza das despesas e a verificação dos pressupostos do direito à dedução, é limitar injustificadamente – e ilegalmente – a característica essencial do IVA – a neutralidade.

30.ª Da mesma forma, aceitar que o artigo 21.º do CIVA estabelece presunções inilidíveis é negar a própria essência deste imposto, como já o decidiu o CAAD, podendo ver-se a este respeito, exemplificativamente, a Decisão proferida no processo n.º 398/2014 – T, onde se determina que “as normas relativas ao direito à dedução do IVA têm como efeito o afastamento da incidência do imposto, pelo que se reconduzem a normas de delimitação negativa da incidência devendo aplicar-se o regime do referido artigo 73.º da LGT.”
Nesta decisão estava em causa, tal como nos presentes autos, a interpretação do artigo 21.º do Código do IVA, sendo que o Tribunal arbitral decidiu, e bem, pela existência de uma presunção ilidível, também no âmbito da realização de eventos, decidindo que: “No caso em apreço, sendo facto notório que a realização de concertos em barragens, especialmente no caso do concerto que teve cobertura televisiva, têm potencialidade de divulgação e promoção da imagem da Requerente, deve considerar-se ilidida a presunção que justifica o afastamento da dedutibilidade do IVA, tanto mais que não é crível que uma empresa da dimensão da Requerente realize eventos deste género tendo em vista a satisfação de interesses particulares dos que produzem e dos que assistem aos concertos.
Por isso é de considerar ilidida a presunção ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, pelo que a Requerente tem direito a deduzir a totalidade do IVA relativo às despesas referidas, pelo que o não reconhecimento desse direito em relação a € 28.458,42 é ilegal por violação daquela norma, conjugada com o artigo 20.º n.º 1 do CIVA, e o artigo 73.º da LGT”.

31.ª Pelo que, em face do exposto, a violação do princípio da proporcionalidade pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA inquina o ato impugnado, que nele se fundamenta, de ilegalidade, devendo ser anulado. Para além disso, e porque o próprio ato impugnado incorre, também, numa restrição desproporcional do direito subjetivo à dedução, concedido por via do efeito direto da Sexta Diretiva, o mesmo padece de ilegalidade, devendo, também com este fundamento, ser anulado.

32.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da
União Europeia que suscite dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE).

33.ª As questões a interpretar pelo Tribunal da Justiça da União Europeia são as seguintes: É
compatível com a Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977), em especial com o seu artigo 17.º, a legislação de um Estado-Membro que exclua o direito à dedução do IVA, sem distinguir entre despesas profissionais e despesas não profissionais, quando esse Estado-Membro não utilizou o processo de derrogação previsto no artigo 27.º da Sexta Diretiva, e se a esse Estado-Membro não for aplicável o n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Diretiva; É compatível com o princípio da interpretação conforme ao direito comunitário e com o princípio da proporcionalidade que tem vindo a ser firmado na jurisprudência comunitária, um Estado-Membro aplicar legislação – o artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do CIVA – que exclua o direito à dedução do IVA, sem distinguir entre despesas profissionais e despesas não profissionais, estabelecendo, nessa medida, uma presunção inilidível.

34.ª Por tudo o exposto deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação judicial, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.».

A Recorrente impugnante culmina as suas alegações de recurso com as seguintes e doutas conclusões:

«

























».

Não foram apresentadas contra-alegações neste recurso.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo ser de manter a sentença recorrida na ordem jurídica por não estar afectada dos vícios que lhe são imputados.

Com dispensa dos vistos legais por estarem em causa questões já recorrentemente tratadas na jurisprudência e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação, são estas as questões que cumpre apreciar: No recurso da Fazenda Pública: caducidade do direito de impugnar. Em ambos os recursos: indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da legalidade da decisão da Administração Tributária de indeferimento do pedido de reembolso do IVA apresentado pela Impugnante, relativo a despesas de evento promocional, realizado em Portugal no ano de 2001, respeitante ao lançamento dos novos modelos da marca O…, respectivamente, o O… C… e o O… S…
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«

Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:

A)
A impugnante é uma sociedade sucursal do «GRUPO O…» que tem como objeto social a produção e a comercialização de meios de transporte, nomeadamente de veículos a motor, peças, componentes e acessórios de meios de transporte, de máquinas a motor e outros dispositivos mecânicos, de máquinas para fins domésticos e agrícolas, de produtos semelhantes e a realização de negócios relacionados, de forma direta ou indireta, com o objeto da empresa;
(cfr. fls. 317 dos autos)
B)
Em 16.07.2002, a impugnante deu entrada nos Serviços do IVA de um Pedido de Reembolso do montante total de €595.499,68, referente ao período de 12/2001, onde foi registado com o número 100191237;
(cfr. fls. 297 a 301 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos)
C)
O pedido de reembolso, atrás mencionado, foi deferido no montante de €454.796,28 e indeferido no montante de €133.837,16, com o fundamento de «Imposto suportado em despesas enumeradas no art.º21 do CIVA (n.º2 art.º3);
(cfr. fls. 293 a 296 do PA junto aos autos)
D)
Em 09.11.2004, a impugnante deu entrada da Direção de Serviços de Administração do IVA, de Reclamação Graciosa, com os fundamentos se aqui se dão por reproduzidos;
(cfr. fls. 33 a 68 do PA junto aos autos)
E)
Em 07.06.2005 a impugnante deu entrada de Recurso Hierárquico do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa da parte em que concluiu pelo indeferimento parcial do pedido no montante de €133.837,16, com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos;
(cfr. fls. 122 a 169 do PA junto aos autos)
F)
As despesas sobre as quais a impugnante suportou IVA encontram-se juntas ao pedido de reembolso, a fls. 298 a 301 do PA junto aos autos;
G)
Em 31.01.2006 a Diretora de Serviços do IVA, em Substituição, proferiu despacho de junção da informação retro para instrução do Processo Administrativo que mantém a posição de indeferimento do reembolso;
(cfr. fls. 289 a 292 do PA junto aos autos)
H)
A impugnação deu entrada no Tribunal tributário de Lisboa em 03.11.2005, carimbo aposto no rosto da petição inicial;

III.I – Factos não Provados
Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.

MOTIVAÇÃO
A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão a proferir e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, resultou da sua análise crítica e está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.».

B.DE DIREITO

Ø Recurso da Fazenda Pública

Invoca a Recorrente caducidade do direito de acção, questão que é de conhecimento oficioso e prioritário, pois a verificar-se obsta ao conhecimento do pedido (art.º 333/1 do Código Civil).

A questão, tal qual vem suscitada, prende-se com o exercício das garantias impugnatórias especialmente previstas no Decreto-lei n.º 408/87, de 31 de Dezembro, que “Estabelece o reembolso do imposto sobre o Valor Acrescentado suportado no interior do País por sujeitos passivos não estabelecidos no território nacional” e cujo art.º 6.º, dispõe, no segmento pertinente:
«
1 - Os reembolsos do imposto, quando devidos, deverão ser efectuados pelo Serviço de Administração do IVA até ao fim do sexto mês seguinte ao da apresentação do pedido, formulado nos termos do artigo anterior.
2 - O prazo referido no número anterior começará a ser contado a partir da data em que dêem entrada no Serviço de Administração do IVA todos os documentos exigidos no presente decreto-lei.
3 – (…).
4 - As decisões de rejeição do reembolso, devidamente fundamentadas, devem ser notificadas ao requerente no prazo previsto no n.º 1, podendo ser objecto de recurso hierárquico, sem prejuízo de impugnação judicial, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Processo das Contribuições e Impostos, devendo esta última ser apresentada na Repartição de Finanças do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa.
5 – (…)».

Tanto quanto se apreende das doutas alegações, pretende a Recorrente que se verifica a apontada excepção peremptória de caducidade, porquanto, nem o recurso hierárquico, nem a impugnação judicial foram apresentadas nos prazos previstos na lei processual tributária, como estabelecido naquele n.º 4 do art.º 6.º do DL n.º 408/87.

De facto, mostram os autos que a impugnante, ao invés de interpor recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de reembolso que lhe foi notificada por ofício de 10/08/2004 (a fls.71 do apenso instrutor), apresentou, em 09/11/2004, reclamação graciosa dessa decisão.

Nenhuma decisão expressa tendo recaído sobre a reclamação graciosa no prazo legal de decisão (art.º 57.º, n.ºs 1 e 5 da LGT) interpôs então, em 07/06/2005, recurso hierárquico “do indeferimento tácito da reclamação graciosa” (fls.122 do apenso).
Nenhuma decisão tendo recaído sobre o recurso hierárquico no prazo legal de decisão (art.º 66/5 do CPPT), deduziu em 03/11/2005, a presente impugnação judicial visando o “acto do Ministro das Finanças de indeferimento do recurso hierárquico” (fls. 3 dos autos e pontos D) a F) da matéria assente e art.º102.º, n.º 1 al. e) do CPPT).

O pedido formulado, quer na reclamação graciosa, quer no recurso hierárquico era anulatório do acto reclamado/ recorrido [“acto de indeferimento do reembolso da quantia de € 133.837,16…, referente a IVA suportado …em despesas enumeradas no art.º 21.º do CIVA] por vício de violação de lei, substituindo-o por outro que defira o pedido de reembolso de IVA respeitante a despesas de carácter estritamente profissional, suportadas pela ora Reclamante/ Recorrente.

Como se deixou explicado no ac. arbitral do CAAD de 09/03/2020, tirado no proc.º 707/2019-T (Rel. Jorge Lopes de Sousa), que embora proferido em contexto factual diverso reveste manifesto interesse para os autos,
«
O indeferimento tácito, que é um conceito que ainda vigora no contencioso tributário (depois de ter sido abandonado no contencioso administrativo, na reforma de 2002/2004), não constitui um acto, mas uma presunção destinada a permitir aos contribuintes a impugnação contenciosa ou administrativa, nos casos em que pretendem utilizar meios processuais que têm um acto como seu objeto, como se infere do preceituado no n.º 5 do artigo 57.º da LGT.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa através de um meio processual que tem por objecto um acto, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa às questões de legalidade colocadas pelo impugnante. Por isso, presume-se que o indeferimento tácito de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.
Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico interposto de decisão expressa de prévia impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), pois, nestes casos, o recurso hierárquico não tem por objecto directo um acto de liquidação, mas sim o anterior acto de indeferimento da impugnação administrativa. Se o acto expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade de acto de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o acto anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta.
É este o regime que resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT: o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, conferem ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão».

É também neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu: «Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de acto de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objecto a legalidade do acto de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.» (fim de cit.).

Assim vistas as coisas, nos casos de indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto de indeferimento tácito de reclamação graciosa, a decisão ficcionada afere-se relativamente ao pedido e esse era anulatório da decisão de indeferimento do pedido de reembolso, ou seja, não há qualquer decisão da AT (expressa ou tácita) que não tenha conhecido da legalidade do acto denegatório do pedido de reembolso por obstáculos de ordem formal, como a intempestividade ou o erro na forma do procedimento (art.º 52.º do CPPT).

Nesta linha de entendimento, defender em sede de alegações de recurso jurisdicional, como faz a Recorrente, que o recurso hierárquico interposto do indeferimento tácito da reclamação graciosa foi apresentado fora de prazo, não colhe, pois para isso, teria de ser proferida decisão expressa na reclamação graciosa ou no recurso hierárquico rejeitando-os por intempestividade ou outro obstáculo de ordem formal, sob pena de se ter de ficcionar que o conteúdo daqueles actos presumidos de 2.º e 3.º graus foi de indeferimento do pedido formulado (anulatório da decisão de denegação do reembolso do IVA, por ilegalidade).

No que em particular respeita à intempestividade da impugnação judicial, tanto quanto apreendemos, pretende a Recorrente à luz da interpretação que faz do n.º 4 do art.º 6.º do citado DL n.º 408/87, que só poderia ser apresentada no seguimento da notificação da decisão de rejeição do reembolso, sendo esse o dies a quo dos prazos de impugnação previstos na lei processual tributária.

Mas, salvo o devido respeito, também a não podemos acompanhar neste modo de ver. Optando a impugnante por lançar mão do recurso hierárquico, não fica precludida a possibilidade de impugnação judicial da decisão (tácita) do recurso, posto que o faça nos prazos da lei, que no caso se têm por observados – o recurso hierárquico foi interposto em 07/06/2005 e a impugnação apresentada em 03/11/2005 (pontos E) e H) da matéria assente) – face aos prazos previstos nos artigos 66/5 e 102/1 alínea e), ambos do CPPT.

Pelas indicadas razões, improcede a invocada excepção peremptória de caducidade do direito de acção.

Entrando na apreciação da questão de mérito, está em discussão saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que assiste à impugnante o direito à dedução de 50% do IVA suportado com despesas a que se refere a alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do Código do IVA. Vejamos mais de perto.

Como se apreende dos autos e do probatório, a impugnante, ora recorrida, “A… AG”, é uma sociedade de direito alemão, não registada em Portugal para efeitos de IVA, que tem por actividade social, nomeadamente, a produção e distribuição de veículos a motor.

Em 28/06/2002, solicitou o reembolso do IVA, no montante de 595.499,68 euros, suportado em facturas de despesas diversas, nomeadamente, de alojamento e restauração, lavandaria, telefones.

O pedido de reembolso foi parcialmente indeferido quanto ao montante de 133.837,16 euros, por despacho do Sr. Director de Serviços de Reembolso do IVA, com fundamento “no facto de o imposto ter sido suportado em despesas enumeradas no art.º 21.º do CIVA, que de acordo com o n.º 2 do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 408/87, de 31 de Dezembro, não lhe permite o direito ao reembolso…”.

O IVA cujo reembolso foi indeferido incidiu sobre despesas da impugnante efectuadas no âmbito de uma acção de promoção, realizada em Portugal, respeitante ao lançamento dos novos modelos da marca O…, respectivamente, o O… C…e o O… S….

Sendo esta a factualidade que importa reter, vejamos o que a propósito se deixou consignado na sentença recorrida e merece repúdio da Recorrente:
«
Preceituava o artigo 21º do CIVA (redação à data dos factos), sob a epigrafe “Exclusões do direito à dedução” que:
«1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:
(…)
d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;
(…)»
Porém, estabeleceu o n.º2 do art.º17º da Sexta Diretiva do Conselho n.º77/388/CEE, que:
«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a ) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo ;
(…)»
Com efeito, a Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005), cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2005 e, em conformidade com o disposto no artigo 30º desse diploma, veio introduzir alterações ao referido artigo 21º do Código do IVA (CIVA).
Assim, das alterações efectuadas, consubstanciadas na adopção de novas redacções para as alíneas c) e d) do nº 1 e alíneas d) e e) do nº 2, ambos do referido artigo 21º, resultou a instituição de um novo regime aplicável à dedução do IVA suportado nas despesas aí referidas.
Não obstante, no sentido de clarificar o teor e alcance das referidas alterações, então introduzidas, viria a Lei nº 57/2005, de 13 de Dezembro, a alterar as redacções das referidas normas do artigo 21º do CIVA, reajustando o regime do direito à dedução de despesas resultantes da organização e participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares.
Assim, o nº 1 do artigo 21º exclui do direito à dedução o IVA contido, entre outras, nas seguintes despesas, cf alíneas c) e d):
«(…)
c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;
d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;
No entanto, o nº 2 do mesmo artigo 21º passou a prever que não se verificará, contudo, a exclusão do direito à dedução, entre outros, nos seguintes casos, cf. alíneas d) e e):
«(…)
d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto será dedutível na proporção de 50%;(…)»
No sentido de uniformizar o procedimento dos Serviços da AT, o Oficio Circulado n.º30090/2006 de 31 de Março da Direção de Serviços do IVA, as CONDIÇÕES OBJECTIVAS no que à alínea d) do nº 2 do art.º 21º do CIVA (dedução de 50%) respeita, apenas compreende as despesas seguintes:
· Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal;
· Despesas de portagens;
· Despesas de alojamento, alimentação e bebidas;
· Despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa;
· Despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente às recepções antes referidas.
Sob condição, de que, cumulativamente:
· Se refiram à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares;
· Sejam efectuadas para as necessidades directas dos participantes nos eventos em questão;
· Comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis.
Ora, tendo em conta o primado do direito da União Europeia sobre o direito Nacional, podemos dizer que a transposição da referida norma da Sexta Diretiva no que respeita à dedução de imposto respeitante às situações, não se encontrava transcrita com a amplitude ali prevista.
De facto, não será despropositado afirmar que o legislador nacional, ao proceder às referidas alterações, quis aproximar a transposição das normas do art.º21 do CIVA dos textos da Sexta Diretiva impondo, no entanto as restrições, nestes casos a 50% do imposto suportado.
Assim, como resulta provado, os Serviços do IVA não contestaram que, no caso em apreço, o imposto suportado nos documentos apresentados pela impugnante, resulta da referida ação de promoção, apresentação ao público e lançamento dos novos modelos da marca “O… C…” e “O… S…”.
Neste conspecto, não restam dúvidas que as despesas com o alojamento e a alimentação dos seus profissionais da impugnante que se encontravam adstritos ao evento se integram nos requisitos elencados, quer na norma do n.º2 do art.º21 do CIVA, quer no referido ofício circulado.
Com efeito, podemos com certeza concluir que tais despesas de alojamento, alimentação e bebidas, relacionadas com organização de exposições, de apresentação, dos referidos automóveis, efectuadas para as necessidades directas dos participantes contribuíram comprovadamente para a realização de operações tributáveis.
Estes requisitos cumulativos retiram-se do facto do lançamento dos modelos da impugnante terem tido aceitação no território nacional.
Nestes termos, não pode o ato sindicado manter-se na ordem jurídica por ilegal, devendo os fundamentos da impugnante proceder parcialmente, nos termos da legislação invocada, ou seja, de dedução apenas em 50% do imposto suportado.
Por conseguinte, o pedido de reembolso deveria ter sido atendido em função da dedutibilidade dos referidos 50% das despesas em causa.
(…)».

O essencial da discordância da recorrente com o discurso fundamentador da sentença está bem expressado nas doutas conclusões, acima transcritas, e prende-se, por um lado, com a aplicação da lei no tempo e, por outro, saber se as exclusões à dedução previstas no art.º 21.º, na redacção à data dos factos (2001), se encontram cobertas pela cláusula de congelamento ou standstill, prevista na Sexta Directiva.

Quanto à primeira questão, tem razão a Recorrente, adiantamos já. Se, não obstante trazer à colação o primado do direito comunitário, o Mmº juiz a quo veio a concluir que só com a lei interna de transposição da Sexta Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de Março de 1977 – Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro e Lei n.º 57/2005, de 13 de Dezembro – aquele instrumento de direito comunitário passou a produzir efeitos a nível nacional, sendo que tais leis internas não vigoravam à data dos factos (2001), acabou por fazer aplicação retroactiva dessas mesmas leis, o que não é consentido pelo art.º 12/1 do Código Civil («A lei dispõe para o futuro»), nem pelo art.º 12/1 da Lei Geral Tributária, segundo o qual, «As normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos», outrossim se mostrando desconforme com o princípio da segurança jurídica.
De facto e salvo melhor entendimento, o Mmº. Juiz recorrido fez uma leitura muito própria da aplicação temporal das disposições constantes, nomeadamente, da Lei n.º 57/2005, ao concluir que a alteração introduzida no n.º 2 alínea d) art.º 21.º do CIVA – que passou a prever a possibilidade de dedução, na proporção de 50%, das “despesas incorridas com alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções”, “efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis” – se aplicava a situações pretéritas constituídas ainda na vigência da redacção anterior do CIVA, em que não se previa a possibilidade de qualquer dedução.

Neste ponto, a Recorrente tem razão em apontar à sentença vício de erro de julgamento.

Já quanto à questão de saber se a exclusão absoluta da dedução do IVA incidente sobre certas despesas, prevista no art.º 21.º do CIVA na redacção contemporânea dos factos, se encontra coberta pela cláusula standstill prevista na Sexta Directiva, vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.

O artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, previa o seguinte:

«O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.».

Nestes termos e como é sustentado no ac. Arbitral do CAAD de 25/05/2021, tirado no proc.º 298/2020 – T, “a norma autorizava os Estados-membros a manter exclusões gerais do direito à dedução do IVA constantes de normas de direito interno que já vigorassem à data da adesão à Comunidade Europeia, e o Estado Português pôde beneficiar dessa excepção porquanto o Código do IVA e o seu artigo 21.º entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1986, e ainda antes da adesão à Comunidade Europeia e do início de vigência da Sexta Directiva no ordenamento jurídico nacional, e que poderia ser mantida até que o legislador europeu estabelecesse um regime comum de exclusões e harmonizasse as legislações nacionais”.

Por outro lado, como se refere no acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1999, Processo C-305/97, Royscot, “Assim, como o Tribunal de Justiça já declarou nos n.ºs 18 e 19 do acórdão Comissão/França, já referido, há que inferir da redacção bem como da sua génese que o artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a expressão «todas as exclusões» inclui as despesas que têm carácter estritamente profissional”.

Portanto, contrariamente ao que defende a Recorrida, o art.º 21.º, n.º 1 al. d) do CIVA (por remissão do art.º 3.º, n.º2 do DL n.º 408/87, de 31 de Dezembro), que na sua redacção inicial não distinguia entre despesas profissionais e as que não se destinavam a esse fim, não viola o direito comunitário, antes se limita a utilizar a autorização prevista no art.º 17/6 da Sexta Directiva.

Nem se argumente que, então, fica esvaziado o conteúdo essencial do direito à dedução, pois tal só sucederia se o Estado-membro, aproveitando a autorização da Directiva, com absoluto poder discricionário excluísse do direito à dedução todos, ou quase todos, os bens e serviços adquiridos e não se restringisse, como faz, àqueles bens e serviços cujo carácter os torna nada essenciais à actividade produtiva ou, facilmente desviáveis para consumos particulares.

Admitindo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a norma derrogatória do art.º 17/6 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, autoriza os Estados-membros a manter exclusões gerais do direito à dedução pré-existentes à sua entrada em vigor na ordem interna, incluindo em despesas com aquisição de bens e serviços utilizados em operações tributáveis relacionadas com a actividade do sujeito passivo, não vemos que a norma do art.º 21.º, n.º 1 alínea d) do CIVA [“Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas: d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções”] ofenda o princípio da proporcionalidade enquanto princípio transversal de direito comunitário, na medida em que não distingue entre despesas de carácter estritamente profissional e para outros fins, caindo por terra o argumento de que o art.º 21.º do CIVA contém uma presunção não ilidível (não consentida pelo art.º 73.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual, “As presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”), de que determinadas despesas não se destinam a fins estritamente profissionais.

Tem pois razão a Recorrente quando sustenta que as exclusões gerais das despesas contempladas no art.º 21.º do CIVA foram estabelecidas pelo legislador nacional ao abrigo da cláusula standstill do art.º 17/6 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, sem ofensa dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade e que as alterações introduzidas pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro e Lei n.º 57/2005, de 13 de Dezembro, que passaram a prever uma exclusão parcial do direito à dedução, não se aplicam a situações pretéritas.

A sentença recorrida ao decidir diferentemente incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.
Ø Recurso da impugnante A…, A.G.

A Recorrente centra as alegações de recurso na inadmissibilidade da aplicação que a sentença fez à situação dos autos – em que o reembolso de imposto foi pedido em 16/07/2002 e respeita a despesas incorridas em 2001 – das alterações introduzidas no art.º 21.º do CIVA pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que passou a prever a dedução do imposto na proporção de 50% das despesas.

Sendo a aplicação da lei no tempo uma questão transversal a ambos os recursos, limitar-nos-emos a reproduzir o que sobre o tema deixamos acima escrito no recurso da Fazenda Pública.
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Tem razão a Recorrente, adiantamos já. Se, não obstante trazer à colação o primado do direito comunitário, o Mmº juiz a quo veio a concluir que só com a lei interna de transposição da Sexta Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de Março de 1977 – Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro e Lei n.º 57/2005, de 13 de Dezembro – aquele instrumento de direito comunitário passou a produzir efeitos a nível nacional, sendo que tais leis internas não vigoravam à data dos factos (2001), acabou por fazer aplicação retroactiva dessas mesmas leis, o que não é consentido pelo art.º 12/1 do Código Civil («A lei dispõe para o futuro»), nem pelo art.º 12/1 da Lei Geral Tributária, segundo o qual, «As normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos», outrossim se mostrando desconforme com o princípio da segurança jurídica.
De facto e salvo melhor entendimento, o Mmº. Juiz recorrido fez uma leitura muito própria da aplicação temporal das disposições constantes, nomeadamente, da Lei n.º 57/2005, ao concluir que a alteração introduzida no n.º 2 alínea d) art.º 21.º do CIVA – que passou a prever a possibilidade de dedução, na proporção de 50%, das “despesas incorridas com alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções”, “efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis” – se aplicava a situações pretéritas constituídas ainda na vigência da redacção anterior do CIVA, em que não se previa a possibilidade de qualquer dedução.

A sentença incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica merecendo devida procedência este segmento do recurso.

No mais, sustenta a Recorrente que face à redacção do art.º 21.º, n.º1 alínea d) do CIVA aplicável ao tempo [“Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas: (…) d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções”], lhe assiste o direito à dedução total do imposto contido em despesas ali enumeradas incorridas em operações tributáveis da sua actividade, lembrando-se que não resulta controvertido que as despesas se relacionam com a actividade da impugnante, aqui recorrente.

Assim entende a Recorrente, porquanto, a seu ver, a interpretação correcta da cláusula de standstill contida no art.º 17/6 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, será a que limita o seu âmbito de aplicação às exclusões do direito à dedução do IVA vigentes nas ordens jurídicas internas dos Estados-membros da então designada Comunidade Económica Europeia, à data da entrada em vigor da referida directiva; que havendo lugar à aplicação do art.º 17/6 da Sexta Directiva, tal viola outros actos comunitários, nomeadamente a ratio do art.º 395.º do Tratado de Adesão, na medida em que contraria os mais básicos princípios do sistema do IVA; que a aplicação que se faz do art.º 21.º, n.º1 alínea d) do CIVA e que o acto impugnado espelha, é revelador de uma aplicação claramente desproporcionada porque não distingue entre a parte profissional e a parte privada das despesas ali enumeradas e não possibilita a prova do carácter estritamente profissional das despesas incorridas.

Em causa nos autos, está a rejeição do pedido de reembolso de IVA suportado pela impugnante em despesas enumeradas no art.º 21.º do CIVA com operações tributáveis da sua actividade.

Estabelece o art.º 21.º, n.º 1 do CIVA, na redacção aplicável (anterior a 2004), no segmento pertinente: «Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas: (…) d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;»

Ou seja, de acordo com o art.º 21º do CIVA estava totalmente excluído do direito à dedução o imposto suportado em despesas do tipo das enumeradas no seu n.º 1, não se distinguindo entre despesas profissionais e para outros fins.

Dispunha o art.º 17/6 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977,
«O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva».

Esta disposição veio a ser mantida no art.º 176.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, “relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado”, que passaria a dispor quanto ao regime das deduções:
«Limitações do direito à dedução
Artigo 176.º
O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão».

Acompanhando o que sobre o tema se deixou consignado no ac. arbitral do CAAD, tirado no proc.º 298/2020 – T, «Nestes termos, a norma autorizava os Estados-membros a manter exclusões gerais do direito à dedução do IVA constantes de normas de direito interno que já vigorassem à data da adesão à Comunidade Europeia, e o Estado Português pôde beneficiar dessa excepção porquanto o Código do IVA e o seu artigo 21.º entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1986 [vd. art.º10.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro], e ainda antes da adesão à Comunidade Europeia e do início de vigência da Sexta Directiva no ordenamento jurídico nacional, e que poderia ser mantida até que o legislador europeu estabelecesse um regime comum de exclusões e harmonizasse as legislações nacionais (n.º 31 do acórdão Royscot)».

Por outro lado, como se deixou consignado no ac. Acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1999 (ac. Royscot), «Assim, como o Tribunal de Justiça já declarou nos n.ºs 18 e 19 do acórdão Comissão/França, já referido, há que inferir da redacção bem como da sua génese que o artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que a expressão «todas as exclusões» inclui as despesas que têm carácter estritamente profissional».

Assim, o art.º 17/6 da Sexta Directiva autorizava os Estados-membros a manter o regime de exclusões do direito à dedução previsto na sua legislação interna e, no caso português, o art.º 21.º, n.º 1 al. d) do CIVA, ao não distinguir entre despesas de carácter estritamente profissional e para fins privados, não atingiu a cláusula de standstill.

Nem se diga que, então, fica esvaziado o conteúdo essencial do sistema geral do direito à dedução, que é a pedra angular do sistema harmonizado do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Com efeito, a legislação nacional não afasta toda e qualquer dedução do imposto, apenas do imposto contido em certos tipos de despesa relacionadas com bens ou serviços que, pela sua natureza, são susceptíveis de ser exclusiva ou parcialmente utilizados para as necessidades privadas do sujeito passivo ou do seu pessoal.

Quanto à questão da violação do princípio da proporcionalidade aferido à circunstância de o regime de exclusões das deduções previsto no art.º 21.º do CIVA não distinguir entre a parte profissional e para outros fins das despesas ali enumeradas, nem permitir a prova do carácter estritamente profissional das despesas, não cremos que ocorra.
Com efeito, admitindo que a cláusula de standstill da Sexta Directiva autoriza os Estados-membros a manter exclusões à dedução pré-existentes mesmo em relação a despesas com carácter estritamente profissional, que não salvaguarda, não saindo com isso atingido o conteúdo essencial do regime geral do direito à dedução, não vemos que seja de trazer à colação o princípio da proporcionalidade enquanto instrumento de controlo relevante na compatibilização do alcance normativo da lei interna com actos comunitários.

Acompanhando de novo o que se escreveu no citado ac. do CAAD, de 25/05/2021, tirado no proc.º 298/2020 – T, «A esse propósito, o acórdão Royscot recorda que o artigo 11.º da Segunda Directiva, embora introduzindo no n.º 1 o direito à dedução, prevê, no n.º 4, que os Estados-membros “podem excluir do regime das deduções certos bens e serviços, designadamente os que sejam susceptíveis de utilização, exclusiva ou parcial, para as necessidades privadas do sujeito passivo ou do seu pessoal”, e ao utilizar a expressão ‘designadamente’, “o legislador expressou claramente a intenção de não limitar as exclusões admitidas às despesas com bens e serviços susceptíveis de utilização privada”, podendo haver lugar à exclusão do direito à dedução mesmo em relação a despesas com “carácter estritamente profissional” (n.º 23).

E embora o mesmo aresto reconheça que o artigo 11.º, n.º 4, da Segunda Directiva “não concedeu aos Estados-membros um poder discricionário absoluto para excluir todos ou quase todos os bens e serviços do regime do direito à dedução e esvaziar assim do seu conteúdo o regime criado pelo artigo 11.º, n.º 1, da mesma Directiva”, veio a concluir que ao excluir do direito à dedução determinados bens – no caso veículos automóveis utilizados pelo sujeito passivo para as necessidades das suas operações tributáveis – o Estado membro “não atingiu o sistema geral do direito à dedução, mas utilizou uma autorização decorrente do artigo 11.º, n.º 4, da Segunda Directiva” (n.ºs 24 e 25).

À luz de todos estes considerandos, e visto que a jurisprudência do TJUE admite que as exclusões do direito à dedução pré-existentes no direito interno podem abranger despesas profissionais, impõe-se concluir que as normas das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA não contêm uma qualquer presunção implícita do carácter não empresarial ou não profissional das despesas, mas constituem normas de incidência tributária que operam objectivamente em face dos elementos da facti species tidos como pressupostos tributários, apenas dependendo da subsunção jurídica dos factos à previsão normativa.

Estão por isso em causa normas de incidência tributária aplicáveis às despesas que aí são mencionadas e que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário» (fim de cit.).

Tudo visto, concluímos que a aplicação que foi feita pela AT do disposto no art.º 21.º, n.º 1 alínea d) do CIVA e que o acto impugnado de denegação do pedido de reembolso reflecte, não enferma do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.

A sentença recorrida, que decidiu diferentemente. não pode manter-se na ordem jurídica por manifesto erro de julgamento.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
Ø Conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
Ø Negar provimento ao recurso da impugnante.

Condenação em custas:

No recurso da Fazenda Pública: Condena-se a Recorrida em custas.

No recuso da impugnante: Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 22 de Junho de 2023


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha