Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1856/12.0BELRS
Secção:
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL
Sumário:I - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido”.
II - No caso concreto, o projecto de reversão (para o qual remete, em toda a linha, o despacho de reversão) não esclarece minimamente (pelo contrário, mostra-se até contraditório e confuso) ao abrigo de que preceito legal operou a reversão.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por P... contra o processo de execução fiscal nº 1... e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Mafra, para cobrança de dívidas de IRS (retenções na fonte) e Imposto do Selo, no montante total de €9.744,45, o qual tinha como devedora originária a P... Metalomecânica S.A, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

A - Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida, atendendo às razões que passa a expender.

B - O thema decidendum, assenta em saber se o despacho de reversão estava ou não devidamente fundamentado, permitindo ao oponente, conhecer as circunstâncias, de facto e de direito, que determinaram a sua citação como revertido, nos processos de execução fiscal subjacentes à presente oposição.

C - A Administração Fiscal cumpriu com o estabelecido no n.º 4 do art.º 22.º e no n.º 4 do art.º 23.º, ambos da LGT, fundamentando a reversão com os respetivos pressupostos e extensão, bem como os elementos essenciais da divida, ou seja, no despacho de reversão, constam todos os elementos necessários ao devido contraditório por parte do oponente, assim como os meios processuais de reação ao dispor do revertido, pelo que se consideram integralmente cumpridas as exigências plasmadas nos artigos 163.º e 190.º do CPPT, e art.º 22.º, n.º 4 da LGT.

D - Nestes termos, o despacho de reversão cumpriu com todos os formalismos legais, sendo acompanhado dos documentos necessários, ou seja, das certidões de divida, estando o mesmo fundamentado.

E - Neste desiderato, ao decidir a douta sentença do Tribunal a quo pela falta de fundamentação do despacho de reversão, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei.

F - Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, levando a que também preconizasse uma errada valoração da factualidade dada como assente violando o direito aplicável, no caso os art.º 22º, 23º e 24º da LGT, e os artigos 88º, 153º e 160º do CPPT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


*


O Recorrido, Pedro Chitas, apresentou contra-alegações nas quais concluiu nos seguintes termos:

Da falta de fundamentação do despacho de reversão/Da falta da prova, por parte da Administração Tributária, da gerência de facto do Recorrido/Da falta do pressuposto para a reversão

a) Preceitua o nº.1, do artº. 24º, da L. G. Tributária, que “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

b) É pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

c) Note-se ademais que a alínea b) do art.º 24.º da LGT se refere meramente a imputação, e não a culpa, daí que, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” –vide acórdão do TCAN de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.

d) Mas para que seja imputada a responsabilidade subsidiária bastará a mera nomeação como gerente?

e) O legislador fiscal ao incluir na disposição legal apontada as expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, determinou que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

f) Para que o mecanismo da responsabilidade subsidiária possa operar impera que se verifique o efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, para responsabilizar subsidiariamente o Oponente.

g) Impunha-se assim à Fazenda Pública, aqui Recorrente, antes de mais, demonstrar que o Recorrido exerceu de facto a gerência da primitiva devedora, ou seja, praticou actos de desenvolvimento do respectivo objecto social com vista à obtenção do lucro.

h) No caso vertente do cotejo da matéria de facto julgada provada resulta manifesto que a Recorrente nenhuma prova trouxe aos autos que comprovasse a alegada gerência de facto.

i) A Recorrente não logrou carrear para os autos um único documento que fosse subscrito pelo Recorrido em nome e representação da sociedade primitiva devedora, nem foram concretizadas datas de assinaturas ou apresentados quaisquer documentos (contratos, missivas, ordens , cheques, etc) nos quais constasse aposta a respectiva assinatura, razão pela qual a omissão do Oponente/Recorrido quanto à prática ou não de alegados actos da gerência de facto, não é susceptível de o comprometer.

j) Omitindo a Recorrente, no despacho de reversão os pressupostos da responsabilidade subsidiária previsto no art.º 24.º n.º 1, ou seja, a prova do exercício efectivo de funções de administração ou gestão de facto por parte do Recorrido, é por demais evidente que o despacho em causa padece de falta de fundamentação, devendo ser anulado o referido despacho conforme o decidido pela sentença recorrida, a qual deverá manter-se nos seus precisos termos.

Ainda sem prescindir/Ainda da falta de fundamentação do despacho de reversão

k) Na eventualidade de V/Exas. assim não entenderem, o que apenas se admite à cautela de patrocínio, sempre se dirá que, do despacho de reversão não é sequer possível extrair em que termos exactos é feita a responsabilidade subsidiária do Recorrido, se por via da alinea a) ou se por via da alínea b) do art.º 24.º da LGT.

l) É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou legítimos interesses dos administrados, em harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT.

m) E na esteira do que tem vindo a ser defendido pela doutrina e pela jurisprudência, “a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação”.

n) Deste modo, “o acto só estará fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação”.

o) No caso presente, da leitura do projecto de reversão e do despacho de reversão, não emerge de forma clara e expressa qual é a responsabilização do Oponente, aqui Recorrido, pelo pagamento das dívidas exequendas.

p) Antes pelo contrário, tais despachos se afiguram contraditórios e de difícil percepção.

q) O que significa que, no caso, e face ao teor dos despachos de reversão, não se sabe qual das normas determinou a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, ora Recorrido, isto é, não se sabe se recaía sobre este o ónus de prova de que não tinha tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para pagamento das dívidas tributárias ou se esse ónus de prova recaía sobre a administração tributária.

r) Tais pressupostos têm de ser alegados/incorporados no despacho de reversão, com a obrigatoriedade de indicação das concretas normas legais em que o órgão da execução faz apoiar a responsabilidade subsidiária imputada ao revertido, para lhe permitir conhecer e questionar, atacando se necessário, os concretos pressupostos determinantes da reversão da execução contra si, habilitando-o a reagir eficazmente, pelas vias legais, contra a lesividade do acto caso com a mesma não se conforme.

s) Tendo em conta a ausência total de fundamentos da reversão na nota de citação e atendendo a que os despacho que constam do probatório contêm um tipo de fundamentação que anda longe da indicação do período de exercício do cargo pelo revertido e das normas que sustentam a reversão, é por demais evidente que não merece censura a sentença recorrida quando decidiu pela falta de fundamentação dos despachos e pela anulação dos mesmos.

t) Razão pela qual deve ser mantida a decisão recorrida nos seus precisos termos.

TERMOS EM QUE, DEVEM AS PRESENTES ALEGAÇÕES SER RECEBIDAS, JULGADAS PROCEDENTES POR PROVADAS E DAÍ SER MANTIDA A SENTENÇA RECORRIDA NOS SEUS PRECISOS TERMOS.

SÓ ASSIM SE FARÁ A COMPETENTE JUSTIÇA.


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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Com relevância para a decisão da causa, consideram se provados os seguintes factos:

1. Em data concreta não apurada do ano de 2011, no Serviço de Finanças de Mafra, foi instaurado, contra a sociedade “P... Metalomecânica S.A.”, o processo de execução fiscal n.º 1... e apensos, para cobrança de dívidas de IRS (retenções na fonte) e Imposto de Selo do período de abril e maio de 2011 cfr. informação do serviço de finanças de fls. 41 e 42 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

2. Por sentença proferida em 23.01.2012 a sociedade devedora originária foi declarada insolvente cfr. certidão permanente a fls. 79 a 84 dos autos;

3. Em 29.02.2012, nos processos de execução fiscal referidos no ponto 1, foi lavrado Auto de Diligências, pelo órgão de execução fiscal, constando do mesmo, designadamente, o seguinte: “ (…) pesquisados todos os sistemas informáticos existentes, (nomeadamente CEAP, ICC, IMSV, Património e Declaração Anual), não foram identificados quaisquer bens, direitos ou rendimentos penhoráveis na esfera patrimonial da executada. A qual tem a sua atividade cessada para efeitos de IVA desde 2012 01 30. Face ao exposto, parece me ser de proceder à reversão das dívidas contra os responsáveis subsidiários a fim de se cumprirem os requisitos estipulados no artigo 153.º do CPPT.

Das pesquisas efetuadas, através da consulta à Certidão do registo Comercial, ao Cadastro de Contribuintes e à documentação existente nos Serviços relativa à atividade da originária executada em sede de IVA, verifica se que nos períodos a que respeita a divida exequenda, exerceram a gerência o(s) contribuinte(s) infra identificado(s):
Gerente/AdministradorNIFPeríodo de gerência
P...2...19-08-1999 até ao presente
T...1...19-08-2010 a 09-12-2011
E é tudo que cumpre informar” cfr. fls. 37 dos autos;

4. Em 29.02.2012 foi emitida, pelo órgão de execução fiscal, informação com o seguinte teor: “ Cumpre-me informar que, em face das diligências processuais que antecedem, nomeadamente o auto de diligências, não são conhecidos bens penhoráveis à executada. Mais informo que, de acordo com os elementos recolhidos pelos Serviços, nomeadamente cópias das declarações de alterações da firma, de escrituras e da Certidão da Conservatória do Registo comercial de Mafra, a executada teve, no período da dívida exequenda os seguintes órgãos sociais:
Gerente/AdministradorNIFPeríodo de gerência
P...2...19-08-1999 até ao presente
T...1...19-08-2010 a 09-12-2011
Mais informo que o presente processo executivo corre termos, pelas importâncias e relativas aos períodos discriminados nas folhas anexas…” cfr. fls. 38 v dos autos;

5. Em 29.02.2012 foi emitido, pelo órgão de execução fiscal, documento designado “projeto de reversão”, com o seguinte teor:


«Imagem no original»


- cfr. fls. 38 dos autos;

6. Através do ofício n.º 1702, com data de 29.02.2012, foi enviada ao Oponente, por carta registada, notificação para exercício de audição prévia, constando da mesma, no campo “Projeto da reversão” a menção “ O projeto de reversão consta de informação que se anexa à presente notificação e do qual constam os fundamentos da reversão…Anexos…Cópia do projeto de reversão; Cópia do despacho para audição prévia; cópia das certidões de dívida…”

- cfr. fls. 39 dos autos;

7. Em 26.03.2012 foi proferido despacho de reversão do processo de execução fiscal referido no ponto 1, contra o Oponente, do qual consta, designadamente, o seguinte: “… Face às diligencias que antecedem e estando concretizada a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s), prossiga se com a reversão da execução fiscal contra P...… na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.º 160º do C. P. P. T para pagar no prazo de 30 (trinta)dias, a quantia que contra si reverteu sem juros demora nem custas (n. 5 do Art. 23 da L.G.T)… Fundamentos da Reversão… Constantes do Projeto de Reversão que antecede e que deve fazer parte integrante da citação pessoal…” cfr. fls. 40 dos autos;

8. Através do ofício n.º 2602, com data de 28.03.2012, foi enviada ao Oponente, através de carta registada com aviso de receção, citação em reversão, onde consta, designadamente, o seguinte “… Pelo presente fica citado de que é EXECUTADO (A) POR REVERSÃO, nos termos do artigo 160º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia exequenda de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do n.º 5 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT) se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas… Fundamentos da Reversão… Constantes do Projeto de Reversão e do Despacho de Reversão (Cópia anexa à presente citação) ” cfr. fls. 35 dos autos;

9. Resulta da certidão permanente da sociedade “P... Metalomecânica S.A.” que o Oponente foi membro do Conselho de Administração, desde a sua constituição, em 19.08.1999, até à data em que a mesma foi declarada insolvente cfr. certidão permanente a fls. 79 a 84 dos autos.


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Factos não provados:

1. Que o Oponente tenha sido declarado insolvente;

2. Que tenha sido solicitado reembolso do crédito de Imposto sobre o Valor Acrescentado da sociedade executada, após cessação da sua atividade em 30 de janeiro de 2012;

3. Que a massa insolvente fosse suficiente para vir a satisfazer as dívidas exequendas, no cômputo das demais dívidas da sociedade.


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A decisão da matéria de facto provada fundou se na análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados, conforme indicado em cada um dos pontos supra.

Os factos considerados não provados resultam da ausência de prova sobre a sua verificação”.


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- De direito

Foram vários os fundamentos em que a presente oposição assentou. A sentença não reconheceu razão ao Oponente relativamente à alegada nulidade da citação, à ilegalidade do despacho de reversão por falta de excussão prévia do património da devedora originária e, bem assim, quanto à ilegalidade da reversão atenta a “suspensão dos processos executivos por declaração de insolvência da sociedade devedora originária”. Porém, considerou que procedia o fundamento correspondente à invocada falta de fundamentação do despacho de reversão e, nessa medida, julgou procedente a oposição e anulou tal despacho.

É contra o assim decidido, na medida em que lhe foi desfavorável, que a Fazenda Pública vem recorrer, sustentando, no essencial, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento porquanto foi cumprido “o estabelecido no n.º 4 do art.º 22.º e no n.º 4 do art.º 23.º, ambos da LGT, fundamentando a reversão com os respetivos pressupostos e extensão, bem como os elementos essenciais da dívida, ou seja, no despacho de reversão, constam todos os elementos necessários ao devido contraditório por parte do oponente, assim como os meios processuais de reação ao dispor do revertido, pelo que se consideram integralmente cumpridas as exigências plasmadas nos artigos 163.º e 190.º do CPPT, e art.º 22.º, n.º 4 da LGT”.

Vejamos, antes do mais, o percurso argumentativo seguido na sentença a este propósito. Escreveu-se na sentença o seguinte:

“Nos termos do n.º3 do artigo 268.º da CRP “Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Por sua vez o n.º1 do artigo 77.º da LGT, com a epígrafe “Fundamentação e eficácia” dispõe que “A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária.”

No que se refere à fundamentação do ato de reversão, prevê o n.º 4 do artigo 23.º da LGT que a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

De acordo com os referidos artigos, através da fundamentação do ato de reversão, o revertido deve ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que determinaram a decisão de reversão das dívidas em execução, e, nessa medida, poder questioná-la, por erro nos pressupostos.

Todavia, tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, por referência à alínea a) ou b) do artigo 24º da LGT, não se impondo, porém, que do mesmo constem os factos concretos nos quais a administração tributária fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido (neste sentido cfr. o Acórdão do Pleno da SCT do STA, de 16.10.2013, proferido no proc. nº 0458/13, disponível em www.dgsi.pt).

Aplicando-se ao presente caso, o regime da responsabilidade subsidiária previsto na LGT, são pressupostos da mesma, a fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal (cfr. artigo 23.º, n.º2 da LGT), bem como o exercício efetivo de funções de administração ou gestão em período relevante (cfr. artigo 24.º, n.º1 da LGT).

Os pressupostos referidos têm, assim, de ser alegados no despacho de reversão, com indicação das normas legais que permitem a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, sob pena de ocorrer falta de fundamentação do ato.

Vejamos.

Na citação, enviada ao Oponente, refere-se que a fundamentação da reversão consta do Projeto de Reversão e do Despacho de Reversão em anexo (cfr. supra, ponto 8).

A possibilidade de fundamentação por remissão não é posta em causa pelo Oponente, todavia, invoca este que a Administração Fiscal não logrou juntar à citação o despacho de reversão e, por conseguinte, a declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão.

Na verdade, nem do conteúdo da citação, nem do despacho de reversão, nem sequer do projeto de reversão, que eventualmente o Oponente terá tido conhecimento em sede de notificação para o exercício do direito de audição prévia, decorrem, como veremos, os pressupostos que determinaram a reversão contra o ora Oponente.

Com efeito, a notificação enviada para efeitos de exercício do direito de audição prévia, o despacho de reversão e a citação, remetem para a fundamentação constante do projeto de reversão. (cfr. supra, pontos 7,8 e 9 )

Ora, no projeto de reversão, apenas consta a menção à insuficiência dos bens da sociedade devedora originária, não sendo feita qualquer referência à gerência, de direito e de facto, por parte do Oponente, apesar da mesma não ser questionada nesta sede.

De igual modo, não é possível perceber os termos em foi efetuada a reversão, uma vez que é feita referência à alínea a) do n.º1 do artigo 24.º da LGT e também à alínea b) do mesmo.

É inclusive referenciado no projeto de reversão que, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 24.º da LGT, não dispondo o Serviço de Finanças de elementos que permitam concretizar a prova da culpa, não é possível efetivar a responsabilidade latente.

Do mesmo modo, e apesar do mencionado, é logo em seguida referido que o Oponente é responsável nos termos da alínea b) do n.º1 do mesmo artigo.

Conclui-se, assim, que, quer no projeto de reversão, quer no despacho de reversão, não é efetuada qualquer referência à verificação dos pressupostos da reversão no caso em concreto, limitando-se à exposição abstrata e até contraditória das possibilidades legais de reversão.

Com efeito, do despacho referido e do projeto apenas se extrai que a reversão operou pelo simples facto de a sociedade não ter bens penhoráveis e o Oponente ser responsável subsidiário o que, per si, é manifestamente insuficiente.

Ao despacho de reversão falta, pois, fundamentação válida e congruente e, designadamente, matéria que deveria integrar factos da administração do Oponente e da sua culpa na insuficiência patrimonial, sendo a reversão operada nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 24.º da LGT”.

Vejamos, então.

A reversão, sendo um acto administrativo tributário, deve conter a sua fundamentação.

A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto administrativo, decorrente do artigo 268º da CRP, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

Como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência e pela doutrina, a fundamentação dos actos administrativos há-de ser contextual, integrada no próprio acto, expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente.

Porque assim é, tal equivale a dizer que, será de fazer equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam a concreta motivação do acto.

Neste entendimento, pode afirmar-se que o “acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro”vide, acórdão do STA, de 14/12/11 (proc. 0747/11).

Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina, o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática.

No que concerne à fundamentação do despacho de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no nº 4 do artigo 23º da LGT, que: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”.

No despacho de reversão, que é o que aqui nos ocupa, o que está em causa é a qualidade do chamado, a competência de quem decide a reversão e os pressupostos que a legitimam e que se prendem com o exercício do cargo, o período desse exercício, a qualificação das dívidas e a existência ou não de culpa do chamado pela insuficiência do património societário relativamente ao período que exerceu o cargo de administrador ou gerente (Ac. do TCAN de 21/12/2008, Processo 00711/04).

No caso em análise, a questão que se coloca é a de saber se a Administração Tributária, em sede de reversão, propiciou ao revertido, ora Recorrido, o conhecimento dos motivos que a levaram a agir nos termos em que o fez, ou seja, se foram dadas a conhecer, nos moldes acima indicados, as razões (de facto e de direito) em que se apoiou a reversão da execução fiscal contra o Recorrido. Trata-se de questão que, naturalmente, se situa no âmbito da validade formal do acto - não se trata de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.

Sobre a questão da fundamentação do despacho de reversão, a jurisprudência do STA é pacífica, sendo dela revelador o acórdão de 29/10/14, proferido no processo nº0925/13 que, por isso, aqui parcialmente se transcreve:

“….não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. nº 580/12 e de 23/1/2013, proc. nº 953/12).”.

Ora, o que sucede no caso concreto, como a sentença bem observou, é que o projecto de reversão (para o qual remete, em toda a linha, o despacho de reversão) não esclarece minimamente (pelo contrário, mostra-se até contraditório e confuso) ao abrigo de que preceito legal operou a reversão.

Com efeito, o projecto de despacho de reversão começa por convocar a alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT, enunciando, em abstracto, o seu teor e o respectivo campo de aplicação. Logo afasta a aplicação de tal alínea, referindo que “como não dispõe este Serviço de Finanças de elementos que permitam concretizar a referida prova, não é possível efectivar a responsabilidade latente.”

Após, consta do projecto de despacho o teor da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, sem qualquer referência ao caso concreto, não se percebendo, sequer, que dívidas foram revertidas com base em tal preceito (se o foram), já que, como dissemos, ao abrigo da alínea a), o SF asseverou não dispor de elementos de prova suficientes (apesar de deixar antever que, em abstrato, essa poderia ser a base legal fundamentadora da reversão). Constata-se que, para efeitos da alínea b), nada se refere quanto ao período das dívidas, da obrigação de pagamento, sendo que tal referência (aqui omitida) sempre permitiria apreender minimamente o percurso da análise adoptado no projecto de decisão e, consequentemente, no despacho de reversão para o qual este remete.

Acresce que o despacho de reversão e a citação, na parte reservada aos fundamentos da reversão, também não esclarecem as dúvidas, permanecendo a dúvida sobre os pressupostos e a extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada.

De facto, o que se verifica é que a fundamentação (por remissão) apresentada é contraditória ou, no mínimo, ambígua. Ao despacho de reversão falta, pois, no caso, uma fundamentação válida e congruente, o que basta para determinar a sua anulabilidade.

A sentença que assim decidiu, nos termos já expostos, é de manter, o que equivale a dizer que improcedem as conclusões da alegação do recurso.


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III - DECISÃO


Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 25/03/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


(Catarina Almeida e Sousa)