Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:363/13.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:PRESCRIÇÃO
DÍVIDAS DO FUNDO SOCIAL EUROPEU
REVERSÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
CUSTAS
Sumário:I - As dívidas provenientes de financiamentos do Fundo Social Europeu não têm natureza tributária.
II - A norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro, segundo a qual “Em sede de execução fiscal são subsidiariamente responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na lei geral tributária”, padece de inconstitucionalidade formal e material, por infracção ao disposto nos artigos 112.º, n.º 1, 5, 6 e 7, 198.º, n.º 1 alínea a) e 199.º, alínea c) da CRP.
III - Padece de erro de julgamento a condenação da F.P. em custas, se quem foi notificado para contestar a oposição à execução fiscal instaurada por dívidas do FSE e interveio na lide foi a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

Da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que na verificação da prescrição da dívida, julgou procedente a oposição deduzida por T…à execução fiscal n.º 3239…, contra ele revertida e originariamente instaurada contra a “Associação das O….” (NIPC 503….) para cobrança da quantia de 24.652,88 euros proveniente de verbas pagas pelo Fundo Social Europeu, recorrem a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. e a Fazenda Pública.

A Recorrente, Agência, I.P., alega, conclusivamente:
«
1. Não estando em causa nos presentes autos qualquer procedimento de deteção de irregularidades, não é aplicável o prazo de 4 anos referido no n.º 1 do artigo 3.º do citado Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, mas o previsto para o procedimento de execução da medida administrativa constante das decisões tomadas pelo Gestor do I…, isto é, o de 3 anos estatuído no n.º 2 do artigo 3.º do mesmo Regulamento que dispõe: "O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva";.

2. Mas mesmo que assim não se entenda, a Gestora do I… conclui os procedimentos relativos aos pedidos de financiamento n. 2/97 e 4/99 dentro do prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, não se verificando de forma alguma a prescrição do procedimento administrativo;

3. Como também não se verifica a prescrição dos procedimentos de restituição de verbas, em sede de execução das decisões da Gestora do I… que recaíram sobre os pedidos de pagamento de saldo dos pedidos de financiamento n.º 2/97 e 4/99, pois foram desencadeados dentro do prazo de 3 anos, constante do n.º 2 do artigo 3.º do mesmo Regulamento;

4. A partir do momento em que a dívida é remetida para o Serviço de Finanças para cobrança coerciva deixam de se aplicar os prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, porquanto aqueles prazos de prescrição não respeitam à dívida propriamente dita, mas aos procedimentos administrativos de deteção de irregularidades e da aplicação das medidas ou sanções daí resultantes, da responsabilidade das autoridades administrativas nacionais competentes;

5. Os prazos de prescrição previstos no n.º 1 e n.º 2 do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 só afetam o processo de execução fiscal da responsabilidade da Autoridade Tributária, se as entidades administrativas competentes não respeitarem aqueles prazos nos procedimentos da sua responsabilidade;

6. A verificação do cumprimento dos prazos de prescrição aqui em causa tem de ser aferida em momento anterior ao da instauração do processo de execução fiscal, porquanto, caso não estejam cumpridos, as entidades administrativas atuaram indevidamente, afetando a legalidade dos seus atos;

7. O não cumprimento dos referidos prazos de prescrição afetam, não a dívida exequenda propriamente dita, mas a legalidade dos atos administrativos que a determinaram, pelo que a arguição do vício dos atos administrativos com fundamento na violação dos prazos de prescrição do Regulamento Comunitário em causa, não deve ser feita em sede tributária, mas antes, na jurisdição administrativa.

8. Nos casos em que tal não se verifica, como sucede no caso vertente, a partir do momento em que é instaurado, pelo serviço de finanças, o processo de execução fiscal para a cobrança coerciva do montante indevidamente recebido pela entidade beneficiária, não são aplicáveis os prazos de prescrição previstos no Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, mas sim o prazo de 20 anos previsto no Código Civil, o qual deverá ser contado a partir da promoção feita pelo DAFSE para cobrança coerciva, como ajuizou o citado douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.09.2016, proferido no recurso 02018/04-Viseu;

Donde, a sentença a "quo" ao aplicar o processo de execução fiscal objeto de oposição os prazos de prescrição previstos no artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, incorreu num erro de interpretação e aplicação dos mesmos, porquanto, o prazo de prescrição da dívida exequenda, propriamente dita, é de 20 anos previstos no Código Civil (CC), o qual deverá ser contado a partir da citação da devedora originária efetuada no processo executivo em causa.

Nestes termos e nos melhores de direito, revogando a douta sentença, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores a habitual e esperada,
JUSTIÇA!

»
O oponente apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«
Em face da prova produzida e da apreciação das circunstâncias do caso, o ora Recorrido conclui as suas contra-alegações requerendo que se mantenha a decisão a quo carecendo o recurso de fundamento pelo que deve ser julgado improcedente, confirmando-se a ilegalidade do ato de reversão da execução de que foi alvo, nos termos julgados pelo Tribunal que assentou a sua convicção nos factos evidenciados e fez uma correta interpretação e aplicação da lei; com os seguintes fundamentos:
1. O presente Recurso da Agência I.P. tem por objeto a sentença porquanto esta julga prescrita a dívida revertida relativa a fundos comunitários ao concluir que «Tendo em consideração o prazo prescricional de 4 anos, aqui aplicável ao caso vertente, o disposto nos artigos 48.°, n.°s 2 e 3 e 49.° n.° 1 da LGT é de considerar para início da contagem do prazo prescricional de 4 anos»;
2. As alegações da Recorrente - que absorvem, ao sancionarem, os vícios da atuação da entidade administrativa e também fiscal neste processo - estão em contradição com os concretos meios probatórios constantes no processo e não atendem à boa interpretação e aplicação do direito do tribunal a quo, designadamente a jurisprudência firmada pelo tribunal europeu e pelos tribunais superiores que oferece direta solução para o caso nos autos;
3. Com efeito, está em causa uma divida relativa a 1997 e 1999 cuja citação à originaria devedora ocorreu em 2005 e cuja citação ao Recorrido ocorreu volvidos novos 8 anos, em 2013;
4. Conforme resulta diretamente dos autos, o processo de execução fiscal em causa n.° 3292... diz respeito a financiamento de 1997 e 1999 e foi instaurado nos serviços da Autoridade Tributária em 2002, mas a citação contra a devedora originária apenas ocorreu em 2005 e a reversão contra o oponente veio a ocorrer oito anos depois, em 2013;
5. Ora, em 2005 quando essa citação da devedora originária sucedeu, a dívida já se encontrava prescrita por já terem ocorrido 4 anos sobre a data a que se referem os factos. Porém, mesmo que se admitisse que não tinham ainda decorrido os 4 anos - o que de modo algum se concede perante o probatório-, e que a citação da devedora originária teria motivado a interrupção da prescrição, sucede que decorreram mais 8 anos, desde 2002 até 2013, até o oponente ter sido citado da mesma, facto que consta do probatório e nunca foi contestado;
6. Ora, como bem refere a douta decisão, a jurisprudência firmada impõe que «às situações semelhantes à dos autos, deverá ser aplicado o prazo prescricional de 4 anos, previsto no Regulamento (CE/EURATOM) n.° 2998/95 do Conselho de 18/12/1995)».
7. Compulsando as alegações, constata-se que a Agência I.P. ataca a decisão, invocando fundamentalmente que: a) Não estaria em causa um procedimento de deteção de irregularidade e a DAFSE nunca teria chegado a abrir um procedimento por deteção de irregularidades cometidas, pelo que, em seu entender, não seria aplicável o prazo de 4 anos referido no n.° 1 do artigo 3.° do citado Regulamento (CE EURATOM) n.° 2988/95 embora afinal conclua que seria até aplicável um prazo de prescrição ainda mais curto de três anos estatuído no n.° 2 do artigo 3.° do mesmo regulamento (cfr. Primeiro parágrafo das conclusões das alegações); b) O prazo de prescrição deixaria de contar a partir do momento em que a dívida é remetida para o serviço de finanças para cobrança coerciva porquanto «aqueles prazos de prescrição não respeitam à dívida propriamente dita, mas aos procedimentos administrativos de deteção de irregularidades e da aplicação das medidas ou sanções daí resultantes, da responsabilidade das autoridades administrativas nacionais competentes» {cfr. Segundo parágrafo das conclusões das alegações).
8. Esta argumentação da recorrente não tem qualquer fundamento factual e legal.
9. Ficaram assentes no probatório os factos invocados pela Recorrente dos quais se selecionam os seguintes (parágrafos A) a Q) do probatório a págs. n.° 11 da sentença a fls 174 a 193 dos autos.
a) «O projeto em causa de formação, promoção e desenvolvimento,
denominado de etnia cigana denominado de “Oficina R...” foi inicialmente proposto e desenvolvido pelo Centro Paroquial de Assistência de Santa Maria de Belém, em 1997, pedido de cofinanciamento n.° 2/97, projeto n.° 281, aprovado em Unidade de Gestão em 7 de Abril de 1997»; cfr. parágrafo A);
b) «Com data de 25-03-2002 o Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE) enviou à Associação das Oficinas R... carta registada com A/R, onde consta nomeadamente (fls do PAT):
Assunto: Restituição de Verbas
PO 944240P1- Pedido de financiamento n° 2/97 a 4/99 (...)»; - cfr. parágrafo G);
«Em 30-09-2002 foi extraída a certidão de dívida em nome da Associação das Oficinas R…» (fls do PEF)»; - cfr. parágrafo H);
«Em 8-10- 2002 com base na certidão de divida foi instaurada o PEF n° 3292... para cobrança coerciva da importância de € 29.503,14 tendo sido enviada citação conforme fls 28 do PEF»; cfr.. parágrafo I);
«Em 3-12-2005foi enviada a citação à devedora originária (fls 33 do PEF)»;- cf.. parágrafo J);
«Em 9-01-2013 o oponente foi citado» (doc. n.° 1 da pi)»;- cfr.. parágrafo P).
10. Deste modo, quer no final de 2002 quando aparentemente é aberta a execução contra a executada, quer em 2013, quando iniciam as diligências para reversão da dívida sobre o Oponente, há muito que tinha decorrido o prazo de prescrição sobre a ação desenvolvida.
11. Ficou evidenciado nos autos que ocorreu o prazo de prescrição aplicável aos procedimentos por irregularidade de programa financiado por fundos europeus, regulado pelo Regulamento CE - Euratom n.° 2988/95, do Conselho, de 18/12, o qual é de quatro anos, nos termos do seu n.° 1 do artigo 3.°.
12. O recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Novembro de 2019, esclarece que «o prazo de prescrição do art. 3.°, n.° 1, § l.°, do Regulamento [CE/Euratom] 2988/95, de quatro anos, a contar da data da irregularidade que deu origem à obrigação de restituir as verbas recebidas, interrompe-se com a notificação ao devedor originário para a restituição voluntária dos valores em causa, iniciando-se nessa data novo prazo de 4 anos (cf. § 3.° do n.° 1 do art. 3° daquele Regulamento), motivo por que se a citação do responsável subsidiário ocorreu antes de esgotado este novo prazo, não se verifica a prescrição».
13. Ora, como vimos no caso dos autos a citação do Recorrido ocorreu muito depois de estar esgotado o novo prazo...
14. O STA esclarece que esta posição jurisprudencial está hoje firmada: «Note-se que a sentença e o Recorrente confluem no entendimento - actualmente pacifico na jurisprudência deste Supremo Tribunal (Após a pronúncia pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no âmbito de pedido de reenvio (acórdão de 17 de Setembro de 2014, proferido no processo com o n.° C-341-13), no sentido de que o prazo de 20 anos excede o que é necessário para atingir o objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo alterou-se, passando a entender-se que o prazo de prescrição é o de 4 anos previsto no Regulamento n.º 2988/95, por não haver norma no direito interno especialmente previsto. Vide o acórdão de 8 de Outubro de 2014, (...) no âmbito do qual foi efectuado o referido reenvio prejudicial ao TJUE e que marcou a viragem na jurisprudência da Secção.) - de que o prazo de prescrição é de quatro anos, nos termos do art. 3.°, § l.°, do referido Regulamento [CE Euratom] n.°2988/95, do Conselho, de 28 de Dezembro, (...)sem mais, por apelo ao § l.° do art. 3.° do Regulamento; a sentença, não pondo em causa esse entendimento, adita-lhe que é de ter em conta que na data em que a devedora originária foi notificada para proceder ao reembolso (em 28 de Agosto de 2007, ou seja, dentro daquele prazo), se interrompeu a prescrição e se iniciou novo prazo de quatro anos, o qual ainda estava em curso à data em que o ora Recorrente foi citado (em 29 de Julho de 2011)».
15. Aliás, a reversão em crise estava eivada de ilegalidades que excedem o domínio da prescrição.
16. O fundamento invocado no despacho de reversão para a operar foi o artigo 24.° da LGT segundo o qual ocorre a responsabilidade «dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto funções de administração em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (artigo 24.° n.° 1/b LGT)»- cfr.Fundamentos da reversão” a fls 14 dos autos.
17. A versão inicial do artigo 24, n.° 1, da L.G.T., resultante do Decreto-lei n.° 398/98, de 17/12 inclui na sua previsão a responsabilidade subsidiária apenas face às sociedades, cooperativas e empresas públicas, na esteira, de resto, da previsão constante do anterior artigo 13.°, n.° 1, do CPT sendo apenas por alteração efetuada pela Lei 30-G/2000, de 29/12, em vigor a partir do dia 1 de Janeiro de 2001, que passou a haver a inclusão nos quadros da responsabilidade subsidiária dos administradores, diretores ou gerentes que exerçam as suas atividades em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparáveis, ou seja, associações, fundações, entes públicos dotados de autonomia administrativa e financeira, etc para além das sociedades, cooperativas e empresas públicas.
18. Deste modo «Não é possível responsabilizar subsidiariamente os directores de uma associação ao abrigo do art. 13.° do CPT ou do art. 24.° da LGT pelas dívidas (..) constituídas antes de 1 de Janeiro de 2001, pois uma associação não é uma sociedade ou empresa de responsabilidade limitada, nem cooperativa ou empresa pública e só relativamente a estas estava prevista naqueles preceitos a responsabilidade subsidiária dos titulares dos órgãos sociais por dívidas fiscais - cfr. Ac. TCA de 7.12 (processo n.° 1820/10.3BELRS).
19. Não podiam deixar de se exigir os deveres de notificação em relação ao Oponente nos prazos legais e a dívida já se encontrava prescrita quando ocorreu a reversão porquanto se aplica a regra do artigo 48.° n.° 3 da LGT segundo a qual «a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste em processo de execução fiscal for efetuada após o 5.° ano posterior ao da liquidação».

Termos em que, a decisão a quo Recorrida, não merece censura, devendo V.Ex.as não conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida, tudo com as devidas consequências legais incluindo o ressarcimento dos encargos suportados com a prestação de garantia.

Assim se respeitará o DIREITO e será feita JUSTIÇA!

».

A Recorrente Fazenda Pública remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
«
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta Decisão que julgando a oposição procedente, condenou a Fazenda Pública no pagamento das custas processuais, quando, mediante douto Despacho decisório datado de 09.04.2019, a presente oposição foi declarada extinta relativamente à Fazenda Pública, absolvendo-a da instância, por declarada como parte ilegítima.
II. Motivo pelo qual deveria ser a entidade exequente (neste caso a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP, a suportar as custas da ação, atendendo a que o sentido decisório da sentença foi de procedência do pedido do Oponente e foi aquela entidade a notificada nos presentes autos para contestar.
III. Entendendo, pois de forma diversa, a douta sentença a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 527º; 278.º, n.º 1, alínea e) e 577.º, todos do CPC.
Termos em que:
a) - Concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a decisão recorrida ser reformada quanto à condenação da Fazenda Pública em Custas, nos termos do n.º 1 do artigo 617º do NCPC e, em consequência;
b) – Ser determinado pela anulação da notificação de que a Fazenda Pública foi destinatária para efeitos do disposto no nº 1 do art.º 15º do RCP;
c) – Ser a Fazenda Pública restituída do valor da taxa de justiça pago na sequência da antedita notificação.
Porém, V. Exas., decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.».

Não foram apresentadas contra-alegações neste recurso.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso apresentado pela recorrente Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P., e no sentido da procedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública.



Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: No recurso da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P.: (i) indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela prescrição da dívida. No recurso da Fazenda Pública: (i) indagar do erro de julgamento da sentença na parte em que a condenou em custas.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«A) O projecto de formação, promoção e desenvolvimento, denominado da etnia cigana, denominado “Oficina R….” foi inicialmente proposto e desenvolvido pelo Centro Paroquial de Assistência de Santa Maria de Belém, em 1997 (Pedido de Co-financiamento nº …/97, Projecto nº 2…, aprovado em Unidade de Gestão em 7 de Abril de 1997) (fls do PAT);
B) No âmbito deste Co-financiamento foram feitos adiantamentos no valor total de Esc. 19.212.512$00, sendo o valor do custo total apresentado de Esc. 12.164.773$00 (fls do PAT);
C) No ano de 1998 foi a Associação das Oficinas R… quem fez o pedido de Cofinanciamento para o mesmo projecto 1997 (Pedido de Co-financiamento nº …/97, Projecto nº …1, aprovado em Unidade de Gestão em 7 de Abril de 1988) (fls do PAT);
D) No ano de 1999 a Associação de Oficinas R…. solicitou um pedido de saldo, no valor de €45.204.303$00 que após a sua apreciação foi aprovado o montante de 42.752.530$00 (fls do PAT);
E) Foi emitida a guia de restituição nº …./2001, ao Centro Paroquial a freguesia de Santa Maria de Belém, referente ao pedido de financiamento …./1997, no montante de €27.054,54;
F) Foi emitida a guia de restituição nº 567/2001, à Associação das Oficinas R…, referente ao pedido de financiamento …./1999, no montante de €2.448,60
G) Com data de 25-03-2002 o Departamento para os Assentos do Fundo Social Europeu (DAFSE) enviou à Associação das Oficinas R…. carta registada com A/R, onde consta, nomeadamente (fls do PAT): Assunto: Restituição de verbas PO 94 4240 P1 – Pedido de Financiamento nº …/97 a 4/99 Em resposta ao vosso ofício com o refª 0221/3-02/FFC, de 2002/03/04, cumpre esclarecer o seguinte:
1 – Na sequência da decisão de aprovação dos saldos finais dos pedidos de financiamento mencionados em epígrafe, pela gestora I O integrar que lhes foi notificada, através dos seus ofícios nºs 5229 (31/06/1998) e 17046 (30/08/2000), constituiu-se, essa Associação pelos fundamentos constantes daquele acto administrativo, na obrigação de restituir o montante global de 29.503,14€, conforme se descrimina:


2 - Face ao exposto pensamos ter esclarecido, definitivamente que o débito dessa Associação se refere a 2 pedidos e não somente a um, conforme transparece da leitura do vosso ofício.
3 – Assim na qualidade de entidade competente para exercer a atribuição cometida pela DAFSE, pelo nº 3 do artº 28º do Dec Reg nº 15/96 de 23 de Novembro, reitera- se o pedido de restituição do montante global de 29.503,14€, relativamente aos pedidos de restituição aqui referidos, concedendo-se o prazo de 10 dias para a sua restituição.
4 – (…).
H) Em 30-09-2002 foi extraída a certidão de dívida em nome da Associação das Oficinas R… (fls do PEF);
I) Em 08-10-2002 com base na certidão de dívida foi instaurado o PEF nº 32… para cobrança coerciva da importância de €29.503,14, tendo sido enviada citação, conforme fls 28 do PEF;
J) Em 30-12-2005 foi enviada citação à devedora originária (fls 33, do PEF);
K) O A/R correspondente à citação veio devolvido ao remetente (fls 34 e 35, do PEF);
L) Em 27-08-2012 foi prestada informação de inexistência de bens penhoráveis da Associação das Oficinas R..., junta a fls 73, do PEF, cujo teor se dá por inteiramente reproduzida;
M) Consta do Registo Comercial da Associação das Oficinas R... (devedora originária) que desde 1997 foram seus administradores:
João Afonso Sequeira pereira bastos;
Pedro de Brito e Abreu Krupenski
Tiago Maria Abecassis Maymone Martine (oponente)
N) Em 27-08-2012 foi proferido despacho para audição (reversão) do ora oponente (fls 74, do PEF);
O) O oponente notificado para exercer direito de audição prévia invocar que o Decreto Regulamentar nº 84-A72007, de 10-12, não é aqui aplicável, por, no caso, se tratar de uma situação anterior à sua vigência, que a dívida em causa não tem a natureza fiscal pelo que, a reversão está impedida por lei e não tem culpa na insuficiência do património da associação (fls 100 e 101, do PEF);
P) Em 09-01-2013 o oponente foi citado (doc nº 1 da pi);
Q) Em 08-02-2013 deu entrada a presente oposição.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.
».
Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, documentalmente provado como se indica:
R) Do ponto 10. da informação executiva de 27/08/2012, que precede o projecto de despacho de reversão, consta nomeadamente e, entre o mais, o seguinte: «Mais se informa de que, visto a dívida ter origem em verbas do FSE e de acordo com o n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10/12 (…), em sede de execução fiscal são subsidiariamente responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na LGT» (cf. fls. 73 dos autos).

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Ø Recurso da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P.

Antes de entrar na apreciação das demais questões recursivas, importará apreciar a questão de inconstitucionalidade aflorada nos autos, por se tratar de questão prejudicial imprópria, de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo (art.º 204.º da CRP).

Tal questão prende-se com a inconstitucionalidade da norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto-Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro, que estabelece: «Em sede de execução fiscal são subsidiariamente responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na lei geral tributária».

Como sobressai do probatório, o oponente, aqui recorrido, é executado por reversão de dívidas provenientes de financiamentos do Fundo Social Europeu contraídas pela “Associação O…” e, entre o mais, veio opor-se ao seu chamamento à execução com fundamento na norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto-Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro.

A sentença recorrida deu por prejudicado o conhecimento dessa questão face à procedência da questão da prescrição da dívida.

No entanto, sendo a questão de inconstitucionalidade da reversão por dívidas do FSE uma questão prejudicial, de conhecimento oficioso, dela haverá que conhecer porquanto se verifica o requisito do nexo incindível entre a questão de inconstitucionalidade daquela norma e a questão da prescrição, objecto do recurso.

Como é pacífico na jurisprudência, o despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cf. art.º 120, do CPA), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cf. artºs. 268.º, nº.3, da CRP, e 23.º, nº.4, e 77.º, da LGT) – vd. Ac. deste TCAS, de 04/06/2017, tirado no proc.º 456/13.1BELLE.

Vem isto a propósito para vincar que nada importa que a efectivada reversão encontre eventual apoio num qualquer regime de responsabilidade potencialmente aplicável, o que importa é saber se encontra suporte na norma jurídica convocada para fazer operar a reversão. E essa norma, como se apreende da informação executiva de 27/08/2012 (consta a fls.73) que precede o projecto de reversão, foi a do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007.

O Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, tem natureza de regulamento de execução e foi expedido com o objectivo de regulamentar “o regime jurídico de gestão, acesso e financiamento no âmbito do FSE” (vd. art.º 199/ c) da CRP; n.º 4 do art.º 30.º do Decreto –Lei n.º 312/2007, de 17 de Setembro e parte preambular do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro).

Sucede, porém, que a norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007 veio alargar às dívidas provenientes de financiamentos do Fundo Social Europeu o regime de responsabilidade subsidiária previsto na Lei Geral Tributária para as dívidas tributárias, estabelecendo: «Em sede de execução fiscal são subsidiariamente
responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na lei geral tributária».

Ora, neste segmento, o diploma regulamentar apresenta-se manifestamente praeter legem, sendo que os regulamentos de execução não devem ir além do disposto na lei que visam regular, no caso, dispondo sobre matérias que nada têm que ver com “o regime jurídico de gestão, acesso e financiamento no âmbito do FSE”.

Constata-se, pois, que o segmento normativo do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007 (art.º 45.º, n.º 12), de que agora tratamos se mostra desconforme com a lei que visava regulamentar, nessa medida, a norma está inquinada do vício de ilegalidade.

Mas para além dessa apontada ilegalidade, a norma apresenta-se viciada de inconstitucionalidade, já que, sendo claramente inovatória, deveria constar de acto legislativo, ainda que não esteja em causa matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República, prevista nos artigos 164.º e 165.º da CRP.

Note-se que a norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar 84-A/2007, veio introduzir na ordem jurídica, sem qualquer suporte legislativo, a responsabilidade subsidiária dos membros de corpos gerentes das pessoas colectivas por dívidas destas ao FSE, passando a regular os pressupostos dessa responsabilidade e sua efectivação nos termos previstos na LGT para as dívidas tributárias.

Ou seja, veio afastar o regime de responsabilidade civil das pessoas colectivas e, nomeadamente, das associações, cujo regime decorre do disposto nos artigos 167.º a 184.º do Código Civil, permitindo que os membros dos seus corpos directivos sejam executados e respondam com o seu património pessoal pelas dívidas por elas contraídas ao FSE, nos termos do art.º 24/1 da LGT, com desconsideração da personalidade jurídica destas entidades.

Ora, de acordo com o n.º 5 do art.º 112.º da CRP, «Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o que significa, se bem apreendemos, que o conteúdo da norma regulamentar padece de inconstitucionalidade material, na medida em que veio alterar o âmbito da aplicação da matéria da responsabilidade decorrente de actos legislativos (lei civil) por via de regulamento.

A expedição de actos próprios da função legislativa concorrente do Governo através de decreto regulamentar, acto próprio da função administrativa desse órgão constitucional, embora ambos dentro da competência constitucional do Executivo, mostra-se contrária ao figurino constitucional de repartição dos actos normativos da sua competência, infringindo o disposto nos artigos 112.º, n.º 1, 6 e 7, 198.º, n.º 1 alínea a) e 199.º, alínea c) da CRP.

A norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007 padece dos apontados vícios de inconstitucionalidade formal e material, por infracção ao disposto nos artigos 112.º, n.º 1, 5, 6 e 7, 198.º, n.º 1 alínea a) e 199.º, alínea c) da CRP.

Desaplicando por juízo de inconstitucionalidade (concreto, a título incidental) a norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, fica sem suporte normativo a aplicação às dívidas provenientes de financiamentos do FSE cobradas em processo de execução fiscal, do mecanismo de reversão e responsabilidade subsidiária do art.º 24º da LGT, o que determina a ilegitimidade passiva do oponente e ora recorrido para a execução.

A sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica por este fundamento.

O recurso não merece provimento pelo juízo de inconstitucionalidade feito, ficando prejudicado o conhecimento do objecto do recurso, restrito à questão da prescrição da dívida.

Ø Recurso da Fazenda Pública

No que respeita ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, que se insurge contra a sua condenação em custas e que tem por fundamento a circunstância de por douto despacho proferido nos autos em 09/04/2019, ter sido considerada parte ilegítima e, concomitantemente, absolvida da instância, entendemos que lhe assiste inteira razão, porquanto, tendo sido absolvida da instância e notificada para contestar e intervir na lide a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P., o que fez através de mandatário judicial constituído para o efeito, é esta entidade que deverá ser condenada em custas, sendo de julgar procedente o recurso, com as consequências peticionadas pela recorrente.

Nessa medida, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o segmento condenatório em custas que consta do dispositivo da sentença, e no cumprimento do que, foi a Fazenda Pública notificada para pagamento da conta de custas, condenando-se a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. no pagamento das custas, com as devidas e legais consequências, nomeadamente a restituição à Fazenda Pública das custas processuais eventualmente pagas.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
Ø No recurso da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P.: negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação;
Ø No recurso da Fazenda Pública, conceder provimento ao recurso e revogar o segmento da sentença condenatório em custas, dele passando a constar: “Condena-se a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P., em custas”, e determinar a restituição à Fazenda Pública das custas processuais eventualmente pagas no seguimento de notificação da conta.

Condenação em custas neste:
Recurso da Agência: Condena-se a Recorrente em custas.
Recurso da F.P.: Condena-se a Recorrida em custas, que não são devidas por não ter contra-alegado.

Lisboa, 01 de Junho de 2023


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha
(c/ declaração de voto junta)



Voto de vencida:
Vencida, nos termos constantes do voto elaborado no âmbito dos autos 1479/12.3BELRS.
Lisboa, 01.06.2023
Tânia Meireles da Cunha