Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 363/13.8 BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | PRESCRIÇÃO DÍVIDAS DO FUNDO SOCIAL EUROPEU REVERSÃO INCONSTITUCIONALIDADE CUSTAS |
| Sumário: | I - As dívidas provenientes de financiamentos do Fundo Social Europeu não têm natureza tributária. II - A norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro, segundo a qual “Em sede de execução fiscal são subsidiariamente responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na lei geral tributária”, padece de inconstitucionalidade formal e material, por infracção ao disposto nos artigos 112.º, n.º 1, 5, 6 e 7, 198.º, n.º 1 alínea a) e 199.º, alínea c) da CRP. III - Padece de erro de julgamento a condenação da F.P. em custas, se quem foi notificado para contestar a oposição à execução fiscal instaurada por dívidas do FSE e interveio na lide foi a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. |
| Votação: | MAIORIA |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | 1 – RELATÓRIO Da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que na verificação da prescrição da dívida, julgou procedente a oposição deduzida por T…à execução fiscal n.º 3239…, contra ele revertida e originariamente instaurada contra a “Associação das O….” (NIPC 503….) para cobrança da quantia de 24.652,88 euros proveniente de verbas pagas pelo Fundo Social Europeu, recorrem a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. e a Fazenda Pública. A Recorrente, Agência, I.P., alega, conclusivamente: « 1. Não estando em causa nos presentes autos qualquer procedimento de deteção de irregularidades, não é aplicável o prazo de 4 anos referido no n.º 1 do artigo 3.º do citado Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, mas o previsto para o procedimento de execução da medida administrativa constante das decisões tomadas pelo Gestor do I…, isto é, o de 3 anos estatuído no n.º 2 do artigo 3.º do mesmo Regulamento que dispõe: "O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva";. 2. Mas mesmo que assim não se entenda, a Gestora do I… conclui os procedimentos relativos aos pedidos de financiamento n. 2/97 e 4/99 dentro do prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, não se verificando de forma alguma a prescrição do procedimento administrativo; 3. Como também não se verifica a prescrição dos procedimentos de restituição de verbas, em sede de execução das decisões da Gestora do I… que recaíram sobre os pedidos de pagamento de saldo dos pedidos de financiamento n.º 2/97 e 4/99, pois foram desencadeados dentro do prazo de 3 anos, constante do n.º 2 do artigo 3.º do mesmo Regulamento; 4. A partir do momento em que a dívida é remetida para o Serviço de Finanças para cobrança coerciva deixam de se aplicar os prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, porquanto aqueles prazos de prescrição não respeitam à dívida propriamente dita, mas aos procedimentos administrativos de deteção de irregularidades e da aplicação das medidas ou sanções daí resultantes, da responsabilidade das autoridades administrativas nacionais competentes; 5. Os prazos de prescrição previstos no n.º 1 e n.º 2 do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 só afetam o processo de execução fiscal da responsabilidade da Autoridade Tributária, se as entidades administrativas competentes não respeitarem aqueles prazos nos procedimentos da sua responsabilidade; 6. A verificação do cumprimento dos prazos de prescrição aqui em causa tem de ser aferida em momento anterior ao da instauração do processo de execução fiscal, porquanto, caso não estejam cumpridos, as entidades administrativas atuaram indevidamente, afetando a legalidade dos seus atos; 8. Nos casos em que tal não se verifica, como sucede no caso vertente, a partir do momento em que é instaurado, pelo serviço de finanças, o processo de execução fiscal para a cobrança coerciva do montante indevidamente recebido pela entidade beneficiária, não são aplicáveis os prazos de prescrição previstos no Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, mas sim o prazo de 20 anos previsto no Código Civil, o qual deverá ser contado a partir da promoção feita pelo DAFSE para cobrança coerciva, como ajuizou o citado douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.09.2016, proferido no recurso 02018/04-Viseu; Donde, a sentença a "quo" ao aplicar o processo de execução fiscal objeto de oposição os prazos de prescrição previstos no artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, incorreu num erro de interpretação e aplicação dos mesmos, porquanto, o prazo de prescrição da dívida exequenda, propriamente dita, é de 20 anos previstos no Código Civil (CC), o qual deverá ser contado a partir da citação da devedora originária efetuada no processo executivo em causa. Assim se respeitará o DIREITO e será feita JUSTIÇA! ». 2 - Face ao exposto pensamos ter esclarecido, definitivamente que o débito dessa Associação se refere a 2 pedidos e não somente a um, conforme transparece da leitura do vosso ofício. 3 – Assim na qualidade de entidade competente para exercer a atribuição cometida pela DAFSE, pelo nº 3 do artº 28º do Dec Reg nº 15/96 de 23 de Novembro, reitera- se o pedido de restituição do montante global de 29.503,14€, relativamente aos pedidos de restituição aqui referidos, concedendo-se o prazo de 10 dias para a sua restituição. 4 – (…). H) Em 30-09-2002 foi extraída a certidão de dívida em nome da Associação das Oficinas R… (fls do PEF); I) Em 08-10-2002 com base na certidão de dívida foi instaurado o PEF nº 32… para cobrança coerciva da importância de €29.503,14, tendo sido enviada citação, conforme fls 28 do PEF; J) Em 30-12-2005 foi enviada citação à devedora originária (fls 33, do PEF); K) O A/R correspondente à citação veio devolvido ao remetente (fls 34 e 35, do PEF); L) Em 27-08-2012 foi prestada informação de inexistência de bens penhoráveis da Associação das Oficinas R..., junta a fls 73, do PEF, cujo teor se dá por inteiramente reproduzida; M) Consta do Registo Comercial da Associação das Oficinas R... (devedora originária) que desde 1997 foram seus administradores: João Afonso Sequeira pereira bastos; Pedro de Brito e Abreu Krupenski Tiago Maria Abecassis Maymone Martine (oponente) N) Em 27-08-2012 foi proferido despacho para audição (reversão) do ora oponente (fls 74, do PEF); O) O oponente notificado para exercer direito de audição prévia invocar que o Decreto Regulamentar nº 84-A72007, de 10-12, não é aqui aplicável, por, no caso, se tratar de uma situação anterior à sua vigência, que a dívida em causa não tem a natureza fiscal pelo que, a reversão está impedida por lei e não tem culpa na insuficiência do património da associação (fls 100 e 101, do PEF); P) Em 09-01-2013 o oponente foi citado (doc nº 1 da pi); Q) Em 08-02-2013 deu entrada a presente oposição. A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados. ». Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, documentalmente provado como se indica: R) Do ponto 10. da informação executiva de 27/08/2012, que precede o projecto de despacho de reversão, consta nomeadamente e, entre o mais, o seguinte: «Mais se informa de que, visto a dívida ter origem em verbas do FSE e de acordo com o n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10/12 (…), em sede de execução fiscal são subsidiariamente responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na LGT» (cf. fls. 73 dos autos). 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Ø Recurso da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. Antes de entrar na apreciação das demais questões recursivas, importará apreciar a questão de inconstitucionalidade aflorada nos autos, por se tratar de questão prejudicial imprópria, de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo (art.º 204.º da CRP). Tal questão prende-se com a inconstitucionalidade da norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto-Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro, que estabelece: «Em sede de execução fiscal são subsidiariamente responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na lei geral tributária». Como sobressai do probatório, o oponente, aqui recorrido, é executado por reversão de dívidas provenientes de financiamentos do Fundo Social Europeu contraídas pela “Associação O…” e, entre o mais, veio opor-se ao seu chamamento à execução com fundamento na norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto-Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de Dezembro. A sentença recorrida deu por prejudicado o conhecimento dessa questão face à procedência da questão da prescrição da dívida. No entanto, sendo a questão de inconstitucionalidade da reversão por dívidas do FSE uma questão prejudicial, de conhecimento oficioso, dela haverá que conhecer porquanto se verifica o requisito do nexo incindível entre a questão de inconstitucionalidade daquela norma e a questão da prescrição, objecto do recurso. Como é pacífico na jurisprudência, o despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cf. art.º 120, do CPA), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cf. artºs. 268.º, nº.3, da CRP, e 23.º, nº.4, e 77.º, da LGT) – vd. Ac. deste TCAS, de 04/06/2017, tirado no proc.º 456/13.1BELLE. Vem isto a propósito para vincar que nada importa que a efectivada reversão encontre eventual apoio num qualquer regime de responsabilidade potencialmente aplicável, o que importa é saber se encontra suporte na norma jurídica convocada para fazer operar a reversão. E essa norma, como se apreende da informação executiva de 27/08/2012 (consta a fls.73) que precede o projecto de reversão, foi a do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007. O Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, tem natureza de regulamento de execução e foi expedido com o objectivo de regulamentar “o regime jurídico de gestão, acesso e financiamento no âmbito do FSE” (vd. art.º 199/ c) da CRP; n.º 4 do art.º 30.º do Decreto –Lei n.º 312/2007, de 17 de Setembro e parte preambular do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro). Sucede, porém, que a norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007 veio alargar às dívidas provenientes de financiamentos do Fundo Social Europeu o regime de responsabilidade subsidiária previsto na Lei Geral Tributária para as dívidas tributárias, estabelecendo: «Em sede de execução fiscal são subsidiariamente responsáveis pela restituição dos montantes em dívida os administradores, directores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, nos termos previstos na lei geral tributária». Ora, neste segmento, o diploma regulamentar apresenta-se manifestamente praeter legem, sendo que os regulamentos de execução não devem ir além do disposto na lei que visam regular, no caso, dispondo sobre matérias que nada têm que ver com “o regime jurídico de gestão, acesso e financiamento no âmbito do FSE”. Constata-se, pois, que o segmento normativo do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007 (art.º 45.º, n.º 12), de que agora tratamos se mostra desconforme com a lei que visava regulamentar, nessa medida, a norma está inquinada do vício de ilegalidade. Mas para além dessa apontada ilegalidade, a norma apresenta-se viciada de inconstitucionalidade, já que, sendo claramente inovatória, deveria constar de acto legislativo, ainda que não esteja em causa matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República, prevista nos artigos 164.º e 165.º da CRP. Note-se que a norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar 84-A/2007, veio introduzir na ordem jurídica, sem qualquer suporte legislativo, a responsabilidade subsidiária dos membros de corpos gerentes das pessoas colectivas por dívidas destas ao FSE, passando a regular os pressupostos dessa responsabilidade e sua efectivação nos termos previstos na LGT para as dívidas tributárias. Ou seja, veio afastar o regime de responsabilidade civil das pessoas colectivas e, nomeadamente, das associações, cujo regime decorre do disposto nos artigos 167.º a 184.º do Código Civil, permitindo que os membros dos seus corpos directivos sejam executados e respondam com o seu património pessoal pelas dívidas por elas contraídas ao FSE, nos termos do art.º 24/1 da LGT, com desconsideração da personalidade jurídica destas entidades. Ora, de acordo com o n.º 5 do art.º 112.º da CRP, «Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o que significa, se bem apreendemos, que o conteúdo da norma regulamentar padece de inconstitucionalidade material, na medida em que veio alterar o âmbito da aplicação da matéria da responsabilidade decorrente de actos legislativos (lei civil) por via de regulamento. A expedição de actos próprios da função legislativa concorrente do Governo através de decreto regulamentar, acto próprio da função administrativa desse órgão constitucional, embora ambos dentro da competência constitucional do Executivo, mostra-se contrária ao figurino constitucional de repartição dos actos normativos da sua competência, infringindo o disposto nos artigos 112.º, n.º 1, 6 e 7, 198.º, n.º 1 alínea a) e 199.º, alínea c) da CRP. A norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007 padece dos apontados vícios de inconstitucionalidade formal e material, por infracção ao disposto nos artigos 112.º, n.º 1, 5, 6 e 7, 198.º, n.º 1 alínea a) e 199.º, alínea c) da CRP. Desaplicando por juízo de inconstitucionalidade (concreto, a título incidental) a norma do n.º 12 do art.º 45.º do Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, fica sem suporte normativo a aplicação às dívidas provenientes de financiamentos do FSE cobradas em processo de execução fiscal, do mecanismo de reversão e responsabilidade subsidiária do art.º 24º da LGT, o que determina a ilegitimidade passiva do oponente e ora recorrido para a execução. A sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica por este fundamento. O recurso não merece provimento pelo juízo de inconstitucionalidade feito, ficando prejudicado o conhecimento do objecto do recurso, restrito à questão da prescrição da dívida. Ø Recurso da Fazenda Pública No que respeita ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, que se insurge contra a sua condenação em custas e que tem por fundamento a circunstância de por douto despacho proferido nos autos em 09/04/2019, ter sido considerada parte ilegítima e, concomitantemente, absolvida da instância, entendemos que lhe assiste inteira razão, porquanto, tendo sido absolvida da instância e notificada para contestar e intervir na lide a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P., o que fez através de mandatário judicial constituído para o efeito, é esta entidade que deverá ser condenada em custas, sendo de julgar procedente o recurso, com as consequências peticionadas pela recorrente. Nessa medida, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o segmento condenatório em custas que consta do dispositivo da sentença, e no cumprimento do que, foi a Fazenda Pública notificada para pagamento da conta de custas, condenando-se a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. no pagamento das custas, com as devidas e legais consequências, nomeadamente a restituição à Fazenda Pública das custas processuais eventualmente pagas. 5 - DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Ø No recurso da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P.: negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação; Ø No recurso da Fazenda Pública, conceder provimento ao recurso e revogar o segmento da sentença condenatório em custas, dele passando a constar: “Condena-se a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P., em custas”, e determinar a restituição à Fazenda Pública das custas processuais eventualmente pagas no seguimento de notificação da conta. Condenação em custas neste: Recurso da Agência: Condena-se a Recorrente em custas. Recurso da F.P.: Condena-se a Recorrida em custas, que não são devidas por não ter contra-alegado. Lisboa, 01 de Junho de 2023 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Tânia Meireles da Cunha (c/ declaração de voto junta) Voto de vencida: Vencida, nos termos constantes do voto elaborado no âmbito dos autos 1479/12.3BELRS. Lisboa, 01.06.2023 Tânia Meireles da Cunha |