Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:961/12.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO
ÓNUS MATERIAL DA PROVA
Sumário:I – No conceito de acidente em serviço previsto no Decreto-Lei nº 503/99 não entram considerações sobre nexo causal.
II - A predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente não implica a sua descaracterização, nem prejudica o direito à reparação, salvo quando tiverem sido ocultadas.
III – Aqui, (i) como existe um acidente em serviço (de acordo com os factos provados e o Decreto-Lei nº 503/99), (ii) como a decisão administrativa de não reconhecimento do nexo causal pela entidade patronal, entre este acidente em serviço e os danos sofridos pelo trabalhador, carece de fundamento aceitável e (iii) como o risco da não demonstração da factualidade subjacente a essa decisão administrativa corre por conta do interessado nessa demonstração (o serviço público), conclui-se, à luz do artigo 87º/1 do CPA/1991 e, sobretudo, à luz do artigo 342º/1/2 do CC, que a defesa ou contra-pretensão da entidade patronal improcede.
IV - É que se fez prova dos pressupostos do exigido no artigo 7º/1 do Decreto-Lei nº 503/99 (acidente em serviço) e não se fez prova dos pressupostos do exigido no artigo 7º/3 do mesmo Decreto-Lei, nem dos pressupostos do exigido no artigo 7º da Lei nº 100/97.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – RELATÓRIO
ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS PROFISSIONAIS DE POLÍCIA – ASPP/PSP, melhor identificado nos autos, em representação do seu associado S…, interpôs no TAC de L… a presente ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.
A pretensão formulada foi a seguinte:
- Anulação do despacho de 20-12-2011,
- Condenação do réu a reconhecer o acidente sofrido pelo cit. S… como um acidente em serviço.
Após a discussão da causa, o TAC decidiu o seguinte:
- condena-se o R. nos pedidos, mediante a qualificação do acidente ocorrido como acidente em serviço, com as legais consequências de ressarcimento do associado do A.
*
Inconformado com tal decisão, o réu interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. São improcedentes todos os motivos indicados pela douta sentença para anular o despacho do Senhor Secretário de Estado, de 20 de dezembro de 2011 Desde logo, deve assinalar-se à douta sentença o erro metodológico de analisar a existência de "causas de descaracterização do acidente'' (cfr. fls. 21), antes de apurar da verificação das condições legais fixadas no artigo 7º do Decreto­ Lei nº 503/99, de 20 de novembro, para que o incidente de Julho de 2005 pudesse ser classificado como «acidente em serviço»;
2. São improcedentes os vícios de violação de lei e de falta de fundamentação apontados ao despacho agora impugnado. Com efeito,
3. Quanto ao segundo dos vícios, o despacho impugnado indica, muito claramente, que não classificou o episódio de 13 de julho de 2005 como «acidente em serviço», porque existia um exame anterior - uma "ressonância magnética" - que atestava que, em 15 de dezembro de 2004, o ora Autor já apresentava a patologia em causa (veja-se o nº 8 do Parecer que lhe serve de fundamentação);
4. Quanto ao primeiro dos vícios, o processo de sanidade, atempadamente organizado ao incidente de julho de 2005, permite demonstrar, sem margem para equívocos, que não foi reconhecida "lesão corporal, perturbação funcional ou doença a seguir ao acidente" (cfr. artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº 503/ 99); e que o ora Autor não logrou provar o preenchimento do requisito previsto no nº 3 do mesmo artigo 7º; e que não se verificava no caso a situação tratada no nº 4 do mesmo artigo 7º; e que a inexistência de efeitos identificáveis e relevantes (e autónomos) na saúde do ora Autor provocados pelo incidente de 2005 acarretava a inaplicabilidade ao caso da norma do nº 5 do artigo 7º do mesmo diploma;
5. A constatação de que, em face da lei, o incidente de 2005 não foi - porque não reunia as condições necessárias - considerado como um «acidente em serviço» atesta a verificação do erro metodológico assinalado, supra, na conclusão II. De facto,
6. A questão ''de saber se ocorre a descaracterização do «acidente em serviço»" não tem relevância perante a verificação (prévia) de que o incidente não foi classificado como «acidente em serviço»;
7. Não ocorreu o "vício de violação de lei traduzido na violação do disposto nos art°s. 6º/ 1/ DL 143/ 99, de 30.4; art° 6º/ 1/ a)/ 2/ Lei nº 100/ 97, de 13.9, e art 7°/ 1/ DL 503/ 99, de 20.1 1", ao contrário do que a douta sentença afirma, a fls. 22-v, pelas razões atrás expostas.
*
O recorrido contra-alegou, concluindo assim:
Factos Provados
a) O associado da Autora em 13.07.2005, pelas 13h10, no seu turno de serviço, tropeçou na porta de entrada, ao entrar na esquadra de V…, e acabou por cair no solo, no átrio.
b) Nesse mesmo dia 13.07.2005, pelas 14hl2, o associado da Autora deu entrada no Hospital Nossa… de …, sendo registada a causa como "queda" e "acidente", e dando conhecimento superior por escrito.
c) Ainda na mesma data e em consulta é prescrito, por médico de clínica geral, um par de canadianas, por traumatismo no joelho direito.
d) Em 15.07.2005 o associado da Autora é submetido a consulta de ortopedia no Hospital Privado da T… e em 23.08.2005 foi consultado pelo ortopedista Dr. M… que lhe transmitiu que a única alternativa para debelar aquela lesão que apresentava no joelho direito seria a intervenção cirúrgica que veio a ser concretizada em 31de agosto de 2005 no Hospital de S… na cidade do….
e) Até julho de 2005 (data em que ocorreu a queda) o representante da Autora fazia uma vida absolutamente normal, fazendo corrida, havia programado com o seu médico uma cirurgia para debelar um esporão num pé, mas perante o relatório da ressonância magnética efetuada ao joelho direito, teve de se submeter à cirurgia ao referido joelho.
Regime Jurídico
f) O regime jurídico dos acidentes em serviço e doenças profissionais, ocorridos ao serviço da Administração Pública, consagrado no decreto- Lei n.º 503/99 de 2011, prevê como conceito de acidente em serviço o ocorrido no local de trabalho do funcionário e/ou no trajeto normalmente utilizado pelo funcionário nas deslocações entre a sua residência e o seu local de trabalho durante o período de tempo que habitualmente gastava nesse trajeto (conforme art. 3, n. 1,b do Decreto-Lei n 503/99 de 20.11).
g) Por sua vez, devemos atender à qualificação do acidente em serviço, previsto no art. 7 do Decreto-Lei nº 503/99 de 20.11: todo aquela que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho.
h) Também o art. 6. do Decreto-Lei 143/99 de 30.4 (conceito de acidente de trabalho) dispõe: é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho, produzindo, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
i) Quanto à descaracterização do acidente dispõe o art. 8 do Decreto-Lei n.º 143/99 de 30.04:
1 - Para efeitos do art. 7 da Lei considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora do qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
2 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
j) A descaracterização do acidente encontra-se também prevista em moldes semelhantes no art.º 14 na Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro.
k) Competia ao R. alegar e provar os factos que permitem não qualificar o acidente ocorrido como "acidente em serviço", face às regras de direito probatório material e em concreto ao disposto no art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil, impendendo sobre o R. a Prova dos factos impeditivos da qualificação do acidente como acidente em serviço e em simultâneo o dever legal de fundamentação face ao estabelecido no art.º 124, n.2 1 b) do C.P.A. (anterior).
l) Ora não cabe ao lesado -aqui - provar os factos impeditivos da qualificação da situação de facto ocorrida como de "acidente em serviço", cabe sim ao Réu e nesse sentido assim decidiu o acórdão proferido pelo T.C.A. Sulque considerou que:
''VI - O ónus da prova dos factos demonstrativos da descaracterização do acidente como de serviço incumbe ao R., pelo que se este os não alegar o Tribunal fica impossibilitado de concluir que o acidente se deveu a negligência grosseira do sinistrado".
m) O R. quer na decisão impugnada, quer na decisão confirmada pela decisão tomada no recurso hierárquico é imprecisa na alegação concreta dos factos impeditivos da qualificação do acidente como "acidente em serviço" e não é por o associado da Autora ter admitido em sede de audiência prévia que havia tido uma lesão anterior que tal facto só por si exclui a verificação do nexo de causalidade; deveria o Réu de modo diligente separar as águas: a lesão anterior, que lesão, extensão e efeitos; a lesão resultado da queda sofrida pelo associado da Autora, extensão e efeitos, bem como se a queda acabou ou não, por determinar a necessidade de intervenção cirúrgica, tudo factos que o R. não apurou, não alegou na presente ação e por isso não cumpriu o R.com o ónus probatório que sobre ele recai, bem como não cumpriu o dever legal de fundamentação, porque, como (re)afirma a Autora a fundamentação revela-se "insuficiente" e assim é.
n) Não alega, nem integra na motivação factos suficientes para o tribunal apurar de que lesão anterior e seus efeitos e na lesão decorrente da queda sofrida pelo associado da Autora, factos que devia ter apurado e incluído na motivação do ato e ao não o fazer não cumpriu com o dever legal de fundamentação, o que inquina o ato de vício de forma e dita a sua invalidade e consequente condenação do R. à prática de ato devido.
o) Assim a atuação do R. não permite apurar e aplicar o disposto nos artigos 6.º, n 1 do decreto-Lei 143/99 de 30/04; art. 6.º n.º 1, a) da Lei n.º 100/97 de 13/9 e art. 7.º, n 1do decreto-Lei n 503/99 de 20.11 e art.º 14.º da Lei n 98/2009 de 4/9, por não terem sido apurados os factos suficientes para concluir pela descaracterização do acidente como "acidente em serviço" atividade cometida ao R. e não ao associado da Autora e por isso, a motivação do ato viola os preceitos legais supra referidos e impõe a procedência do alegado vício de violação de lei, que, igualmente, afeta a validade do ato.
p) Em síntese: o douto Acórdão do Tribunal a quo não merece qualquer censura.
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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROVADOS
(Texto no Original)

(Texto no Original)

(Texto no Original)


(Texto no Original)

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(Texto no Original)

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(Texto no Original)



(Texto no Original)



(Texto no Original)



(Texto no Original)


(Texto no Original)

(Texto no Original)

(Texto no Original)

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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO
São as seguintes as questões a resolver contra a decisão recorrida:
- Erro de direito quanto à falta de fundamentação (por insuficiência) do ato administrativo impugnado;
- Erro de direito quanto à caracterização do evento como acidente em serviço, ao abrigo do artigo 7º do DL 503/99.
*
Como as duas questões estão intimamente relacionadas, neste caso em especial, vamos abordá-las em conjunto.
Sobre (i) o erro de direito quanto à falta de fundamentação (por insuficiência) do ato administrativo impugnado e (ii) o erro de direito quanto à caracterização do evento como um acidente em serviço, ao abrigo do artigo 7º do DL 503/99, sendo que a descaracterização do acidente como acidente em serviço é aqui tema irrelevante e prematuro
A)
O que o TAC considerou, pouco claramente, foi que a factualidade-base do ato administrativo é insuficiente e imprecisa no que diz respeito à conclusão do MAI de que não haveria nexo causal entre o evento e as lesões do agente da PSP. Quer dizer, o acidente ocorreu em serviço, mas, para efeitos da proteção jurídica e financeira do funcionário ou servidor público, o MAI “descaracterizou” o acidente, no todo, assim separando o evento dos danos.
Com efeito, a razão compósita invocada para não considerar o cit. evento (queda à entrada da esquadra da PSP onde o agente trabalhava – vd. facto nº 4) como causador das lesões físicas apuradas foi, em síntese, a seguinte:
i-inexistência de elementos clínicos suficientes para fazer uma avaliação criteriosa sobre a natureza e a intensidade do traumatismo sofrido pelo aqui autor (parece desfavorável à conduta decisória do R.);
ii-já havia sinais de rutura do menisco interno e edema do espaço pré-patelar (vd., porém, o artigo 7º/5 do DL nº 503/99);
iii-não existe nexo direto de causalidade entre o acidente e as queixas atuais que motivaram a cirurgia ao joelho direito (trata-se de uma conclusão);
iv-conforme parecer anterior (qual?) as lesões apresentadas eram já pré-existentes, tratando-se de uma sequela de acidente anterior.
Quanto a este último ponto conclusivo, adianta-se desde já que não existe nenhum elemento nos autos que permita afirmá-lo.
Ora, consideramos estas razões como uma fundamentação insuficiente para efeitos do previsto nos artigos 124º e 125º do CPA/.
Ela não permite compreender perfeitamente o iter mental ou intelectivo que conduziu à decisão administrativa, designadamente que as lesões apresentadas (quais?) são consequência de um acidente anterior (como?). Na verdade, é tudo meramente conclusivo.
E, em parte, a fundamentação até é contraproducente para o MAI, quando afirma a inexistência de elementos clínicos suficientes para fazer uma avaliação criteriosa sobre a natureza e a intensidade do traumatismo sofrido pelo aqui autor.
Com efeito, acidente em serviço é, necessariamente, o que está descrito como tal nos artigos 3º/1-b) e 7º/1 do DL nº 503/99 e no artigo 6º da Lei nº 100/97 (vd. infra). Não é que a entidade patronal decida. Esta decide sobre se qualifica ou não um acidente como acidente em serviço, mas trata-se apenas de uma decisão administrativa (artigo 148º CPA) suscetível de ser infirmada pelos tribunais.
B)
Está em causa a legalidade do “não reconhecimento” a que se refere a 1ª parte do nº 3 do artigo 7º do DL 503/99 (Caso a lesão corporal, perturbação funcional ou doença não seja reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele).
É que se tal decisão do MAI for ilegal, não ocorre a inversão probatória prevista na 2ª parte daquela disposição legal (cf. os artigos 342º/1/2 e 344º/1 do CC).
C)
O quadro legal principal em que nos movemos é o que segue.
Do DL nº 503/99 - regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública:
Artigo 3º/1-b)
Acidente em serviço é o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública.
Artigo 7º
1 - Acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral (Lei 100/97), incluindo o ocorrido no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho.
2 - Se a lesão corporal, perturbação funcional ou doença for reconhecida a seguir a um acidente, presume-se consequência deste.
3 - Caso a lesão corporal, perturbação funcional ou doença não seja reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.
4 - Pode considerar-se ainda como acidente em serviço o incidente ou o acontecimento perigoso de que venha a resultar lesão corporal, perturbação funcional ou doença, em que se comprove a existência do respetivo nexo de causalidade.
5 - A predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente não implica a sua descaracterização, nem prejudica o direito à reparação, salvo quando tiverem sido ocultadas.
6 - Não se considera acidente em serviço aquele em que se verifique qualquer das condições de descaracterização do acidente de trabalho previstas no regime geral, sem prejuízo da obrigação de o empregador garantir a prestação dos primeiros socorros ao trabalhador e o seu transporte ao local onde possa ser clinicamente assistido.
7 - A qualificação do acidente compete à entidade empregadora, no prazo máximo de 30 dias consecutivos, contado da data em que do mesmo teve conhecimento e, nos casos previstos no n.º 4, da data em que se comprovou a existência do respetivo nexo de causalidade.
8 - Excecionalmente e em casos devidamente fundamentados, o prazo referido no número anterior pode ser prorrogado.
Da Lei 100/97 - regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais (em vigor aquando do acidente, em 2005):
Artigo 6º
1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora;
c) No local de trabalho, quando no exercício do direito de reunião ou de atividade de representante dos trabalhadores, nos termos da lei;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa da entidade empregadora para tal frequência;
e) Em atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso;
f) Fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pela entidade empregadora ou por esta consentidos.
3 - Entende-se por local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador.
4 - Entende-se por tempo de trabalho, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
5 - Se a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste.
6 - Se a lesão corporal, perturbação ou doença não for reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.
Artigo 7º
1 - Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se a entidade empregadora ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação;
d) Que provier de caso de força maior.
2 - Só se considera caso de força maior o que, sendo devido a forças inevitáveis da natureza, independentes de intervenção humana, não constitua risco criado pelas condições de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente ordenado pela entidade empregadora em condições de perigo evidente.
3 - A verificação das circunstâncias previstas neste artigo não dispensa as entidades empregadoras da prestação dos primeiros socorros aos trabalhadores e do seu transporte ao local onde possam ser clinicamente socorridos.

Do DL 143/99 - Regulamenta a Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, no que respeita à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho:
Artigo 6º
1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho, produzindo, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da lei estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador:
a) Entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho;
b) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e os mencionados nas alíneas a) e b) do n.º 4;
c) Entre o local de trabalho e o local da refeição;
d) Entre o local onde por determinação da entidade empregadora presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual.
3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
4 - Estão compreendidos no artigo 6.º da lei os acidentes que se verifiquem nas seguintes circunstâncias:
a) No local do pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito;
b) No local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esses fins.
Artigo 8º
1 - Para efeitos do disposto no artigo 7.º da lei, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
2 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.

D)
D.1)
Ora, está assente para nós que o autor sofreu um acidente em serviço, nos termos do cit. DL 503/99.
Com efeito, o ocorrido (vd., sobretudo o facto nº 4) enquadra-se totalmente no conceito legal de acidente em serviço resultante dos cits. artigos 3º/1-b) e 7º/1 do DL 503/99 e 6º da Lei 100/97.
Em tal conceito não entram considerações sobre nexo causal. As consequências do acidente enquadram-se já noutra dimensão, que não a da qualificação jur´dica de um axcidente como axidente em serviço.
D.2)
Por outro lado, já vimos que o réu concluiu que os danos sofridos pelo autor não resultaram daquele acidente, porque, citando, “inexistem elementos clínicos suficientes para fazer uma avaliação criteriosa sobre a natureza e a intensidade do traumatismo sofrido” pelo aqui autor; “já havia sinais de rutura do menisco interno e edema do espaço pré-patelar”; “não existe nexo direto de causalidade entre o acidente e as queixas atuais que motivaram a cirurgia ao joelho direito”; “conforme parecer anterior (?) as lesões apresentadas eram já pré-existentes, tratando-se de uma sequela de acidente anterior”.
Além do que já referimos em A) e B), lembre-se que a predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente não implica a sua descaracterização, nem prejudica o direito à reparação, salvo quando tiverem sido ocultadas (cf. assim o artigo 7º/5 do DL 503/99 cit.).
E essa ocultação não ocorreu aqui, o que está claramente provado. Aliás, disso se valeu o MAI para tirar conclusões opostas e precipitadas contra os interesses do autor.
E)
Por outro lado, em sede da lei geral (cit. Lei nº 100/97), cabe sublinhar que não se verifica aqui nenhuma das causas de “descaracterização” do acidente como sendo “em serviço” previstas no artigo 7º/1 daquela Lei nº 100/97 (cf. ainda o cit. artigo 7º/6 do DL 503/99).
Portanto, o acidente em serviço - ocorrido - não pode ser “descaracterizado” como tal.
Temos, pois, um acidente em serviço (i) que a A.P: descaracterizou como tal e (ii) em que a A.P. não reconheceu que as lesões resultaram do acidente.
Os trabalhadores têm direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma (artigo 4º/1 do DL 503/99).
Pelo que resta apurar a legalidade ou ilegalidade do não reconhecimento do nexo causal por parte do MAI, isto é, a correta aplicação do previsto no cit. artigo 7º/1/2/3 do DL 503/99 e no artigo 342º do CC (sobre este artigo do CC, cf.: o Ac. deste TCAS de 10-03-2016, processo nº 12843/15; ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., III, 1982, pp. 349 ss; e J. LEBRE DE FREITAS, Introdução…, 4ª ed., pp. 41-42, 69-70, 183-186 e 202-203; PAULO PIMENTA, P.C.D., 2ª ed., pp. 31-33, 369-373 e 379; e ainda: MÁRIO AROSO, Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de atos administrativos, in CJA, nº 20, pp. 38 ss; CARLOS CADILHA, A prova em contencioso administrativo- anotação ao Ac. do TCA Sul de 14.11.2007, P. 2982/07, in CJA, nº 69).
F)
Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (artigo 342º/1/2 do CC).
Ora, (i) como existe aqui um acidente em serviço (de acordo com o facto nº 4 e os cits. artigos do DL 503/99 e da Lei 100/97), (ii) como a decisão administrativa positiva de não reconhecimento do nexo causal, pelo MAI, entre este acidente em serviço e os danos sofridos pelo trabalhador carece de fundamento aceitável e (iii) como o risco da não demonstração da factualidade subjacente a essa decisão administrativa corre aqui por conta do interessado nessa demonstração (o MAI), conclui-se, à luz do artigo 87º/1 do CPA/1991 e, sobretudo, do artigo 342º/1/2 do CC, que a defesa ou contra-pretensão do MAI improcede.
É que se fez prova dos pressupostos do exigido no cit. artigo 7º/1 do DL nº 503/99 (acidente em serviço) e não se fez prova dos pressupostos do exigido no cit. artigo 7º/3 do mesmo DL, nem dos pressupostos do exigido no cit. artigo 7º da Lei nº 100/97.
Assim, com esta factualidade provada, a pretensão do autor tem de proceder.
*
III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, com esta fundamentação, negar provimento ao recurso.
Custas do recurso a cargo do recorrente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 19-04-2018