Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1306/08.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
TRIBUTAÇÃO DE MAIS-VALIAS.
REGIME TRANSITÓRIO.
Sumário:Não são tributáveis em IRS os ganhos obtidos com a alienação, em 2001, de prédios, adquiridos em momento anterior a 01.01.1989, que não tinham, nessa data, a natureza de terrenos para construção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
A FAZENDA PÚBLICA interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 123 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por J........., contra o despacho proferido em 26 de Dezembro de 2007 pela Directora de Serviços do IRS, que concedeu provimento parcial ao recurso hierárquico interposto contra o despacho proferido em 7 de Maio de 2007 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras 2, o qual havia deferido parcialmente a reclamação graciosa da liquidação de IRS n.º 2005 5……, relativa ao ano de 2001, no montante de € 26.772,22
Nas alegações de fls. 158 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formula as conclusões seguintes:
«A. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.
B. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida pelas razões que se seguem:
C. A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se há sujeição a IRS, por mais-valias, de ganhos obtidos pela venda, em 2001, de imóvel, adquirido em 1968, quando na escritura é mencionado, expressamente, que o objecto da venda é um terreno para construção.
D. O regime transitório previsto no art. 5º do DL 442-A/88, relativo aos prédios adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, procurou, por um lado, assegurar a continuidade da tributação dos ganhos que, à luz do anterior regime do CIMV, a ela se encontravam sujeitos, nomeadamente, os ganhos resultantes da alienação de terrenos para construção, na acepção que lhe era dada pelo § 2 do art. 1º do CIMV.
E. Por outro lado, pretendeu consagrar a não tributação das mais-valias não sujeitas a tributação, como sejam as provenientes da alienação de prédios rústicos e de prédios urbanos, que mantivessem essa mesma natureza no momento da sua alienação.
F. Salvo o devido respeito, e contrariamente ao que foi decido na douta sentença, o momento relevante para aferir da sujeição, ou não, a tributação é o momento em que se verificam os ganhos da realização da mais-valia, ou seja, o que releva é o momento em que se opera a transmissão do terreno para construção.
G. Nesta perspectiva, não se pode acompanhar o entendimento vertido na douta sentença, no sentido de considerar que o momento central para efeitos de aferir da sujeição, a natureza jurídica dos prédios no momento em que entrou em vigor o CIRS.
H. E não se pode acompanhar, uma vez que o art. 5º do DL 442-A/88 faz menção expressa aos ganhos que não eram sujeitos, ganhos estes que apenas se verificam no concreto momento em que ocorre o facto gerador dos referidos ganhos, isto é, a transmissão do imóvel.
I. Estabelecia o art. 1º do CIMV que estavam sujeitos a imposto sobre as mais-valias os ganhos resultantes da transmissão onerosa de terrenos para construção, desde que o alienante os tivesse adquirido, quer a título gratuito quer a título oneroso, posteriormente a 9 de Junho de 1965.
J. Cumpre também salientar que o §2º do art. 1º do CIMV estabelecia uma mera presunção juris tantum que, se por um lado admite prova em contrário, por outro não impossibilita a demonstração da verificação dos pressupostos objectivos de incidência com base em elementos que demonstrem que os terrenos transmitidos se destinavam efectivamente à construção.
K. Sendo que, conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores, são terrenos para construção, para efeitos do art. 1º, nº 1, do CIMV os efectivamente a isso destinados, pressupondo-se que o são os referidos no § 2º do mesmo preceito (Veja-se entre outros, o Acórdão do STA (Pleno) de 13-03-1980, Rec. 1340, citado no Acórdão do TCA Sul, de 2002-10-15.
L. Ora, no caso sub judice, essa destinação construtiva foi declarada de forma expressa na escritura de compra e venda.
M. Sendo certo que o § 2º do art. 1º do CIMV considerava como terrenos para construção os assim declarados no título aquisitivo, devendo entender-se como momento relevante, o momento da obtenção dos ganhos derivados da transmissão.
N. Face ao exposto, dúvidas não restam que estamos em presença de um verdadeiro terreno para construção, cuja transmissão se encontraria sujeita a tributação à luz das regras do CIMV, e que, por tal motivo, não lhe será de aplicar a exclusão prevista no regime transitório.
O. Ao não ter entendido assim, e salvo melhor opinião, a sentença recorrida fez uma errónea interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente do art. 5º do DL 442- A/88, e dos art.s 9º e 10º do CIRS, razão pela qual deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a presente impugnação.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.
X
O Recorrido, a fls. 169 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), apresentou a suas contra-alegações:
«A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou procedente a impugnação apresentada pelo ora recorrido e, em consequência, anulou a liquidação de IRS impugnada, por entender que,
“In casu, tendo ficado demonstrado que, à data da entrada em vigor do CIRS (1 de Janeiro de 1989), já se havia verificado o decurso dos 20 anos necessários à aquisição do direito de propriedade por usucapião, … a usucapião podia servir de causa adquirendi, não sendo, aliás, controvertido que o Impugnante e a mulher exerceram sobre os prédios em questão uma posse que lhes facultou a aquisição, por usucapião, daquele direito.
Assim sendo, estamos perante uma aquisição efectuada antes da entrada em vigor do CIRS (1 de Janeiro de 1989).
Ficou ainda demonstrado que os prédios em questão mantiveram a natureza de prédios não qualificados como “terrenos para construção” até essa data.
O Impugnante tinha legitimidade para transferir validamente o direito de propriedade e, se os prédios tivessem sido alienados nessa data, estariam excluídos da incidência do imposto, por aplicação do citado artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.”
E conclui que “não está sujeito a IRS, a título de mais-valias, o ganho resultante da ulterior alienação dos terrenos para construção em 2001, enfermando a liquidação de IRS impugnada do vício de violação de lei que lhe vem assacado pelo Impugnante”.
A Recorrente não se conformou com a douta sentença proferida e dela interpôs recurso com efeito suspensivo e formulou as suas alegações, afirmando entre outros, que a decisão recorrida não faz uma correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso e que “o que releva é o momento em que se opera a transmissão do terreno para construção”.
Atendendo a toda a fundamentação de facto considerada provada nas letras A. a O. do ponto “III. Fundamentação A) De Facto” da douta sentença que, aliás, não foi impugnada pela ora Recorrente, nem objecto do presente recurso, mostra-se assente que a sociedade compradora, “A... & F..... – C.......l, Lda”, tomou posse dos prédios vendidos à data da assinatura do contrato promessa de compra e venda junto aos autos;
Que M....... era a solicitadora que, à data, prestava e ainda presta à dita sociedade, quando necessário, serviços de solicitadoria, que em 25 de Maio de 2001, na qualidade de gestora de negócios, apresentou, declarações modelo 129, com referência aos lotes de terreno para construção com origem nos prédios em questão;
Que a transformação em lotes foi efectuada pela referida sociedade, a qual procedeu à demolição dos edifícios (adegas e armazéns velhos) que estavam edificados nos prédios, com máquinas e funcionários da própria sociedade, a qual procedeu à remoção e transporte do entulho, tendo-lhes dado o devido destino;
Que o que a sociedade efectivamente comprou ao Impugnante foram dois prédios urbanos compostos por adegas e armazéns velhos com projecto de arquitectura aprovado, destinados à construção de dois prédios e que foi a sociedade promitente-compradora que procedeu a demolição dos edifícios.
Provado, ainda, que a aquisição dos prédios urbanos pelo ora recorrido e mulher ocorreu em 1968 por usucapião, por via da doação verbal feita por seus pais e sogros.
Dúvidas não subsistirão da aplicação aos autos do disposto no art.º 5.º do DL 442-A/88, de 30 de Novembro, que “deve ser interpretado no sentido de que não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano e sido alienado como tal.” – vide Ac. Supremo Tribunal Administrativo, P.º 1072/12, de 30/01/2013.
No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no Ac. proferido em 09/11/2005 no âmbito do P.º 733/05 “I – Não estão sujeitos a tributação pela categoria G do IRS os terrenos adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS se o não estavam a imposto de mais-valias.”
Acresce que, como refere o n.º 2 do citado art.º 5.º do DL 442-A/88, de 30 de Novembro, cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste código.
O que, no caso em apreço, se verifica, pois, como amplamente referido e provado nos autos, o ora recorrido e a mulher adquiriram os prédios urbanos por usucapião em 1968, por via da doação verbal feita por seus pais e sogros.
Aquisição que ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS (1 de Janeiro de 1989).
Afirma a recorrente que a norma transitória do art.º 5.º do DL 442-A/88, de 30 de Novembro exceptua os terrenos para construção.
Esquece, no entanto, que o recorrido e a mulher não adquiriram qualquer terreno para construção por via da escritura de usucapião que titulou a sua aquisição de dois prédios urbanos reportada ao ano de 1968, os mesmos prédios urbanos que prometeu vender por contrato promessa celebrado em 8 de Setembro de 1999, no qual o recorrido e a mulher autorizaram a sociedade compradora a tomar posse dos prédios que, assim, ocorreu à data da assinatura do contrato promessa.
Tudo isto sem esquecer que o art.º 10.º do Código do IRS determina que existindo contrato promessa de compra e venda, a mais valia se presume realizada logo que verificada a tradição ou posse dos bens objecto do contrato que, ao caso, ocorreu em 8 de Setembro de 1999.
Neste sentido, veja-se o Acórdão de 5 de Maio de 1971, do Tribunal de 2ª Instância das Contribuições e Impostos, in CTF nº 177-178, Set.-Out. de 1973, a pgs. 266 e sgts, de cujo sumário me permito transcrever o seguinte excerto:
“... II - Não havendo disposição expressa no Código do Imposto de Mais-Valias a determinar qual seja a data da aquisição dos bens, para efeitos de tributação, não é lícito recorrer ao conceito de transmissão fornecido pelo artigo 3º, nº 1 do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações [que contém disposição semelhante à invocada, por analogia, pela DGCI, no presente caso - a constante do artigo 2º, § 1º, nº 2, do mesmo Código], por se tratar de uma disposição de natureza excepcional, só aplicável nos casos expressamente referidos.”.
Assim, e como refere o Provedor de Justiça José Meneres Pimentel “para efeitos fiscais diferentes da tributação em imposto de sisa ou em imposto sobre as sucessões e doações, há-de entrar em funcionamento o conceito civilístico de transmissão”.
É necessário fundamentar esta convicção com argumentos de natureza jurídico-fiscal, os quais tendem a prevalecer sobre os argumentos de natureza jurídico-civil junto da Administração Fiscal.
Para isso socorremo-nos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o qual refere que o conceito de transmissão integra as promessas de aquisição e de alienação, logo que verificada a tradição para o promitente adquirente, ou quando este esteja usufruindo os bens em causa.
Desta forma, se conclui que o conceito fiscal de transmissão, o qual determina a incidência objectiva em termos tributários, não é incompatível com o conceito civil de aquisição.
O Recorrido não pode deixar de impugnar as conclusões extirpadas pela Recorrente.
Aplicando critérios de experiência e razoabilidade e inferindo dos factos conhecidos e provados no processo, somente é possível admitir a decisão proferida na sentença recorrida.
O Tribunal a quo decidiu e aplicou correctamente a norma aplicável do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro e do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer a fls. 189 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), no sentido da procedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A. Em 5 de Agosto de 1998, foi outorgada escritura de justificação, tendo por objecto dois prédios urbanos compostos por armazéns e logradouro, sitos no lugar de S......., freguesia de A-……, concelho de Torres Vedras, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de A-….. sob os artigos 6…. e 6….., com o valor patrimonial total de € 24.241,58, declarando o Impugnante e a mulher, entre o mais, que estes prédios lhes pertencem por estarem na posse deles há mais de vinte anos, desde a doação verbal, feita por seus pais e sogros, no ano de 1968, pelo que os adquiriram por usucapião (cf. fls. 26 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B. Em 8 de Setembro de 1999, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, assinado pelos promitentes, declarando o Impugnante e a mulher, entre o mais, que prometem vender os referidos prédios, livres de quaisquer ónus e encargos, pelo preço de 32.000.000$00, que apresentaram na Câmara Municipal de Torres Vedras um projecto de construção para os mesmos prédios, a que se referem os processos de obras n.ºs 19-98/….. – 1800/…. e 19-98/…. – 1801/….., encontrando-se já aprovado o projecto de arquitectura e que autorizam que a Sociedade promitente-compradora ocupe, naquela data, os mencionados prédios e inicie as obras de demolição e assim tome posse dos mesmos (cf. fls. 30 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C. Após o que a Sociedade promitente-compradora procedeu à demolição dos edifícios (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas);
D. Em 25 de Maio de 2001, M......, na qualidade de Gestora de negócios, apresentou em nome do Impugnante Declarações modelo 129 com referência aos lotes de terrenos para construção com origem nos prédios em questão (cf. fls. 62 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E. M....... era a Solicitadora que, à data (e ainda hoje) prestava serviços à Sociedade promitente-compradora (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas);
F. Em 30 de Maio de 2001, foi celebrada escritura de compra e venda, declarando o Impugnante e a mulher, entre o mais, que vendem dois lotes de terreno para construção urbana, omissos na matriz, pelo preço global de € 159.615,30 (cf. fls. 33 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G. Em 7 de Dezembro de 2005, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2005 5……., relativa ao ano de 2001, no montante de € 26.772,22 (cf. fls. 65 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H. Em 13 de Abril de 2007, o Impugnante e a mulher apresentaram reclamação graciosa da liquidação referida na letra anterior e ora impugnada (cf. fls. 3 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
I. Em sede de exercício do direito de audição prévia, juntaram comprovativos de encargos com a valorização dos prédios, entre os quais, um recibo do desenhador de construção civil e a respectiva nota de honorários (cf. fls. 47 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fl. 14 do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J. Através do Ofício n.º 2….. de 10 de Maio de 2007, recebido em 18 de Maio de 2007, o Impugnante foi notificado de que a reclamação graciosa foi deferida parcialmente por despacho datado de 7 de Maio de 2007 (cf. fls. 68 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
K. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação a fl. 67 do processo de reclamação graciosa apenso;
L. Em 18 de Junho de 2007, o Impugnante interpôs recurso hierárquico (cf. fls. 10 e segs. do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
M. Através do Ofício n.º 03…… de 24 de Abril de 2008, recebido em 29 de Abril de 2008, o Impugnante foi notificado de que o recurso hierárquico foi deferido parcialmente por despacho datado de 26 de Dezembro de 2007 (cf. artigo 7.º da informação para que remete a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, fl. 48 do processo administrativo tributário apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 30 e segs. do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
N. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação a fls. 27 e segs. do processo de recurso hierárquico apenso;
O. Por mensagem de correio electrónico de 28 de Julho de 2008, o Impugnante apresentou a p. i. da presente impugnação (cf. doc. junto a fl. 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou.
Assenta a convicção do tribunal na posição processual assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos e informações constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e, bem assim, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, os quais se revelaram isentos e credíveis, na parte relevada, tal como referido em cada letra do probatório.»
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 123 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por J........., contra o despacho proferido em 26 de Dezembro de 2007 pela Directora de Serviços do IRS, que concedeu parcial provimento ao recurso hierárquico do despacho proferido em 7 de Maio de 2007 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras 2, o qual deferiu parcialmente a reclamação graciosa da liquidação de IRS n.º 2005….., relativa ao ano de 2001, no montante de € 26.772,22
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«In casu, tendo ficado demonstrado que, à data da entrada em vigor do CIRS (1 de Janeiro de 1989), já se havia verificado o decurso dos 20 anos necessários à aquisição do direito de propriedade por usucapião, conforme dá conta a escritura de justificação outorgada em 1998 (cf. letra A do probatório), a usucapião podia servir de causa adquirendi, não sendo, aliás, controvertido que o Impugnante e a mulher exerceram sobre os prédios em questão uma posse que lhes facultou a aquisição, por usucapião, daquele direito.
Assim sendo, estamos perante uma aquisição efectuada antes da entrada em vigor do CIRS (1 de Janeiro de 1989)
Ficou, ainda, demonstrado que os prédios em questão mantiveram a natureza de prédios não qualificados como “terrenos para construção” até essa data (cf. letras B a F do probatório).
Pelo que o Impugnante tinha legitimidade para transferir validamente o direito de propriedade e, se os prédios tivessem sido alienados nessa data, estariam excluídos da incidência do imposto, por aplicação do citado artigo 5.º do Decreto- Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Donde, não está sujeito a IRS, a título de mais-valias, o ganho resultante da ulterior alienação dos terrenos para construção em 2001, enfermando a liquidação de IRS impugnada do vício de violação de lei que lhe vem assacado pelo Impugnante».
2.2.3. A recorrente assaca à sentença em exame erro de julgamento. Afirma que a destinação construtiva dos prédios foi declarada de forma expressa, na escritura de compra e venda; que o artigo 1.º, §2º, do CIMV, considerava terrenos para construção os assim declarados no título aquisitivo, devendo entender-se como momento relevante, o momento da obtenção dos ganhos derivados da transmissão; que dúvidas não restam que estamos em presença de um terreno para construção, cuja transmissão se encontra sujeita a tributação à luz das regras do CIMV, pelo que não será de aplicar a exclusão de tributação prevista no artigo 5.º do Decreto- Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Vejamos.
A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro na aplicação do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro (“Regime transitório da categoria G”)(1), ao caso em apreço.
A norma estabelece o seguinte: «1. Os ganhos que não eram sujeitos sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código. // 2. Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos».
O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 46373, de 09.06.1965, que aprovou o Código do Imposto sobre mais-valias, estatuía o seguinte:
«O imposto de mais-valias incide sobre ganhos realizados através de actos que a seguir se enumeram:
1º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenha, a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial. (…)».
A este propósito, são pontos firmes na jurisprudência os seguintes:
a) «O facto de resultar do contrato de transmissão económica de um prédio urbano que a habitação nele existente vai ser demolida pelos adquirentes para nele ser construído um novo prédio urbano habitacional, não significa que a transmissão tenha incidido sobre um terreno para construção. // A natureza do prédio transmitido tem de ser vista em função das circunstâncias, qualidades e propriedades que o bem detém à data do acto translativo gerador dos rendimentos, pois que aí radica o facto tributário na sua dimensão temporal. // Tendo um prédio urbano sido adquirido em 1975 e tendo a sua transformação em terreno para construção ocorrido já após a sua transmissão operada em 1991, não ficam os ganhos resultantes desta transmissão sujeitas a tributação como rendimentos da categoria G de IRS (mais-valias), atento o disposto no art. 5º nº 1 daquele DL nº 442-A/88»(2).
b) «[O] afastamento pelo art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 da tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS, eram qualificados como terrenos agrícolas (e, por isso, estavam fora do âmbito de incidência do Código do Imposto de Mais-Valias) compreende-se pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor. // Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral» (3).
c) «Por força do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, fixando um regime transitório para os rendimentos da categoria G, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado após a entrada em vigor daquele código, em 1 de Janeiro de 1989. // Assim, não estão sujeitos a tributação em IRS os ganhos resultantes da venda efectuada em 2007 de um prédio adquirido em 1973 como prédio rústico e que mantinha essa natureza à data da entrada em vigor do CIRS»(4).
d) «Para efeitos de mais-valias originadas por alienação de imóvel relativamente ao qual havia sido outorgado contrato-promessa de compra e venda, com tradição do imóvel, anteriormente a 1/1/1989, na interpretação legal do regime transitório previsto no art. 5º do DL 442-A/88, de 30/11, não pode desconsiderar-se que o momento que a actual norma de incidência presume como sendo aquele em que se verifica o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é, precisamente, o da tradição ou posse (al. a) do nº 1 e al. a) do nº 3, do art. 10º do CIRS)»(5).
e) «O artigo 5.° do Dec. Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, deve ser interpretado no sentido de que não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano e sido alienado como tal. // Tratando-se de aquisição por usucapião, a não sujeição a IRS dos ganhos obtidos com a alienação do prédio rústico depende da prova de que na data da entrada em vigor do CIRS o alienante já podia invocar a usucapião, ainda que a escritura de justificação notarial tenha sido efectuada em data posterior»(6).
Do probatório resultam os elementos seguintes:
a) Em 5 de Agosto de 1998, foi outorgada escritura de justificação, tendo por objecto dois prédios urbanos compostos por armazéns e logradouro, sitos no lugar de S......., freguesia de A-…., concelho de Torres Vedras, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de A-……. sob os artigos 6…. e 6……, com o valor patrimonial total de € 24.241,58, declarando o Impugnante e a mulher, entre o mais, que estes prédios lhes pertencem por estarem na posse deles há mais de vinte anos, desde a doação verbal, feita por seus pais e sogros, no ano de 1968, pelo que os adquiriram por usucapião (alínea A).
b) Em 8 de Setembro de 1999, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, assinado pelos promitentes, declarando o Impugnante e a mulher, entre o mais, que prometem vender os referidos prédios, livres de quaisquer ónus e encargos, pelo preço de 32.000.000$00, que apresentaram na Câmara Municipal de Torres Vedras um projecto de construção para os mesmos prédios, a que se referem os processos de obras n.ºs 19-98/….. – 1800….e 19-98/…. – 1801/…., encontrando-se já aprovado o projecto de arquitectura e que autorizam que a Sociedade promitente-compradora ocupe, naquela data, os mencionados prédios e inicie as obras de demolição e assim tome posse dos mesmos (alínea B).
c) Em 30 de Maio de 2001, foi celebrada escritura de compra e venda, declarando o Impugnante e a mulher, entre o mais, que vendem dois lotes de terreno para construção urbana, omissos na matriz, pelo preço global de € 159.615,30 (alínea F).
Dos elementos coligidos nos autos resulta que os recorridos são detentores de direito equiparado ao direito de propriedade por via da usucapião (artigos 1…...º e 1…...º do CC). De onde se extrai que na data a entrada em vigor do CIRS (01.01.1989) os mesmos são proprietários dos imóveis cujos ganhos resultantes da sua alienação não eram tributados pelo Código de Imposto sobre mais-valias, dado que não assumiam a natureza de terrenos para construção. A aquisição da natureza de terrenos para construção dos prédios em causa apenas ocorreu em 25.05.2001 (alínea D). De onde resulta que a norma do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, tem aplicação ao caso em exame, excluindo a tributação das mais-valias em causa.
Ao assim decidir, a sentença não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(Lurdes Toscano)
(2º. Adjunto)
(Benjamim Barbosa)


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(1) Diploma que aprovou o Código do IRS.

(2) Acórdão do TCAN, de 23.06.2005, P. 00149/04.
(3) Acórdão do STA, de 06.06.2007, P. 0179/07.

(4) Acórdão do STA, de 12.02.2015, P. 01266/13.
(5) Acórdão do STA, de 13.07.2016, P. 01624/15.
(6) Acórdão do STA, de 30.01.2013, P. 0172/12.