Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05008/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/29/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA, DEVER DE EXECUTAR, PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES, PODERES DE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO.
Sumário:I. Existe o dever legal de executar o julgado anulatório, extraindo dele todas as consequências devidas, conquanto não ocorra qualquer impossibilidade fáctica ou jurídica – artº 173º do CPTA.

II. O dever que recai sobre a Administração ao executar o julgado anulatório não se esgota na cassação da licença ilegalmente atribuída à contrainteressada, mas também em dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04, elaborando lista em que ordene os candidatos ao concurso, segundo a ordem de preferências aí prevista.

III. O facto de o exequente já há data do concurso ter 65 anos de idade, não integra fundamento de causa legítima de inexecução, pois o exequente foi admitido ao concurso e graduado em 2º lugar, além de que, não estão verificados os pressupostos previstos nos artºs. 175º e 163º do CPTA.

IV. Nos termos do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 74/79, de 04/04, sempre que por limite de idade ou qualquer outro impedimento suficientemente ponderoso e devidamente comprovado, seja manifestamente impossível o cumprimento da obrigação prevista no número anterior, a Direção-Geral de Transportes Terrestres poderá autorizar o exercício da atividade de condução por entidade diversa do titular da licença.

V. Estando em causa um ato a praticar no âmbito da execução de julgado, tal ato sempre terá de reportar os seus efeitos ao quadro legal e factual existente à data em que o ato deveria ter sido praticado, segundo o nº 1 do artº 173º do CPTA.

VI. Em respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os Tribunais Administrativos julgam do cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a Administração e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação (nº 1 do artº 3º do CPTA).

VII. Em concretização do princípio da plena jurisdição dos Tribunais Administrativos e como forma de assegurar a efetividade da sua tutela, podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponha à Administração, assim como sanções pecuniárias compulsórias (nº 2 do artº 3º do CPTA).

VIII. Além disso, têm o poder de proferir sentenças que produzam os efeitos do ato administrativo devido, quando a prática e o conteúdo do ato sejam estritamente vinculados, assim como de condenar a entidade competente à prática do ato ilegalmente omitido ou recusado – artº 3º, nº 3, artº 66º, nº 1, artº 71º e artº 95º, nºs 3 e 4, todos do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Portimão, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor, recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 16/06/2008, que no âmbito do processo de execução de sentença instaurado por Manuel ..............., julgou procedente o pedido, determinando que a Câmara Municipal de Portimão, no prazo de 60 dias, atribua a licença para o exercício da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros no Município de Portimão no âmbito do concurso que abriu para o efeito, obedecendo à ordem de prioridades estabelecida no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04.

Formula a aqui recorrente, Câmara Municipal de Portimão, nas respetivas alegações (cfr. fls. 56 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“- A douta sentença violou o disposto nos art° 163° do CPTA e 111° da CRP, devendo ser revogada;

- Deve ser julgada procedente a causa legitima de inexecução;

- Não deve a Câmara ser instada a atribuir a licença em questão;”.


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O ora recorrido, notificado, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 77 e segs.), tendo concluído do seguinte modo:

“i) Da interpretação conjugada dos artigos 142 e n.° do art° 143 do CPTA, decorre que ao presente recurso deverá ser atribuído efeito meramente devolvido.

ii) Pois encontram-se preenchidos os requisitos legalmente previstos para tal.

iii) Sendo atribuído ao recurso efeito devolutivo a sentença, torna-se exequível e deverá a mesma ser cumprida de imediato pela ora recorrente.

iv) A sentença não enferma de qualquer dos vícios que a recorrente lhe aponta, sendo que, além do mais, os mesmos foram invocados tardiamente, do ponto de vista da lei processual.

v) A sentença sob recurso faz uma correta aplicação do direito aos factos.

vi) Assim, improcedem na sua totalidade as conclusões apresentadas pela recorrente, não merecendo a douta sentença sob recurso a qualquer censura.”.

Pede que seja atribuído ao recurso efeito meramente devolutivo e seja negado provimento ao recurso.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 106-107), a qual sendo notificado às partes, não mereceu resposta.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, ao erro de julgamento de direito:
1. por violação do artº 163º do CPTA e
2. por violação do artº 111º da CRP.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1) Pela Câmara Municipal de Portimão foi aberto “concurso para atribuição de uma licença para o exercício da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros no Concelho de Portimão” obedecendo o mesmo “às normas aprovadas pelo Decreto-Lei n° 74/79, de 4 de abril e pela Portaria n° 149/79, de 4 de abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n° 358/93, de 25 de março e Portaria 17/96 de 24 de janeiro”.

2) Manuel ............. e a Cooperativa .............., CRL candidataram-se àquele concurso.

3) Por deliberação da Câmara Municipal de Portimão de 03 de setembro de 1996 foi adjudicada à COOP ............... – Cooperativa de ................ CRL.

4) Manuel ............ interpôs recurso contencioso de anulação daquela deliberação que correu termos no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, 2ª Secção, com o n° de processo 902/98 (1ª Secção).

5) Àquele recurso contencioso de anulação foi concedido provimento tendo o ato recorrido sido anulado com fundamento em que o mesmo padecia do vício de violação de lei por violação do número 7 do Programa do Concurso e por o ato impugnado não ter observado, na atribuição da licença posta a concurso, a ordem de prioridade estabelecida no n° 1 do artigo 3° da Lei n° 74/79, de 4 de abril, por ter aplicado outra ordem de prioridades ao abrigo de preceito declarado inconstitucional com força obrigatória geral.

6) A Câmara Municipal de Portimão e a C...... ............ CRL interpuseram recurso jurisdicional daquela decisão para o Supremo Tribunal Administrativo que proferiu Acórdão em 15 de março de 2005 que manteve a anulação do ato contenciosamente impugnado mas apenas em razão da aplicação de norma inconstitucional (a anulação do ato deveu-se ao facto de o Tribunal Constitucional ter declarado com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma constante do n° 3 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 74/79, de 4 de abril, ao abrigo da qual foi publicada a Portaria n° 17/96, na qual se baseou a ordem de prioridades estabelecida no concurso para a atribuição da licença para o exercício da indústria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros).

7) Na reunião da Câmara Municipal de Portimão de 22 de junho de 2005 foi tornada a deliberação n° 644/05 de na sequência do Acórdão n° 936/04 do Supremo Tribunal Administrativo “ordenar a cassação do alvará de licença para o exercício da industria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros, adjudicado por deliberação de 03/09/96, e notificar a Cooperativa ........., P................ CRL, para no prazo de 10 (dez) dias, proceder à sua entrega nesta Câmara Municipal” Cfr. documento de folhas 10 a 12 dos autos.

8) Manuel ............... nasceu em 12 de dezembro de 1931. Cfr. documento de folhas 42 dos autos.”.


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Nos termos do disposto no artº 712º, nº 1, a), do CPC, por relevante e ser manifestamente insuficiente a factualidade fixada na sentença recorrida, aditam-se os seguintes factos à seleção dos Factos Assentes:

9) Extrai-se do Programa do Concurso, a que se refere o ponto 1), com relevo, o seguinte:

(…) 3 – Serão admitidos a concurso (…) todos os cidadãos de nacionalidade portuguesa:

a) Cooperativas de motoristas profissionais cujo objeto seja a exploração da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros;

b) Motoristas profissionais exercendo a profissão há mais de 1 ano.

c) Outros concorrentes.

(…)

10 – Para efeitos de ordenação dos concorrentes nas alíneas a) do nº 3, dar-se-á preferência aos motoristas profissionais com maior período ininterrupto no exercício da profissão.

11 – Existindo concorrentes com igual tempo de exercício da profissão, terão prioridade os que residam no concelho há mais tempo.

12 – Para efeitos de ordenação dos concorrentes da alínea b) do nº 3, dar-se-á preferência àqueles que tenham maior período ininterrupto no exercício da profissão como motorista profissional.

13 – Existindo concorrentes com igual tempo de exercício da profissão, terão prioridade os que residam no Concelho de há mais tempo.

14 – Para efeitos de ordenação dos concorrentes da alínea c) do nº 3, dar-se-á preferência àqueles que residam no Concelho de há mais tempo.”;

10) Manuel ........, na lista de ordenação de ordenação dos candidatos ao concurso assente em 1), foi ordenado em 2º lugar – Acordo e cfr. doc. de fls. 7-8 dos autos;

11) Manuel ................ é o motorista profissional concorrente, que exercia a atividade de motorista há mais tempo – Acordo e cfr. doc. de fls. 7-8 dos autos.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, a qual não foi impugnada pela recorrente, importa entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional interposto.

1. Erro de julgamento de direito, por violação do artº 163º do CPTA

Segundo a alegação da recorrente, em cumprimento do acórdão do STA, a Câmara Municipal deliberou cancelar a licença atribuída à C........, P.............., CRL mas, não satisfeito, o exequente veio ainda requerer a execução desse acórdão, por entender que a Câmara deve reclassificar os concorrentes e atribuir-lhe a licença em questão.

Pela sentença ora recorrida foi julgada procedente a sua pretensão e determinado que a Câmara atribuísse a licença, obedecendo à ordem de prioridades estabelecida no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04.

Contudo, segundo a alegação da recorrente, desde a interposição do recurso contencioso, até hoje, foi publicada legislação especial relativa ao exercício da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros, a qual condiciona mais fortemente os condutores, exigindo-lhe requisitos antes inexistentes, como a titularidade de um Certificado de Aptidão Profissional – cfr. D.L. nº 263/98, de 19/08 e D.L. nº 293/03, de 21/11.

Assim, segundo a recorrente, seria um erro grosseiro cumprir-se a execução e ignorar-se a legislação entretanto produzida, pelo que, a Câmara Municipal de Portimão acatou a decisão do poder judicial ao anular a deliberação e a licença que havia concedido.

Invoca que a decisão recorrida esteve mal ao não aceitar a causa legítima de inexecução, uma vez que a Câmara Municipal agiu com vista ao rigoroso cumprimento da lei e para obstar ao grave prejuízo para o interesse público, incorrendo em violação do artº 163º do CPTA, além de que também esteve mal ao atribuir a licença, pois cabe à Administração extrair as necessárias consequências jurídicas na sequência da anulação do ato administrativo.

Ora, da sentença recorrida, resulta o seguinte, mediante transcrição integral:

Dispõe o artigo 173°, n° 1 do CPTA que “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”

Uma vez anulado um ato administrativo a Administração fica constituída no dever de executar a sentença de anulação, fica constituída no dever de dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando os atos jurídicos e realizando as operações materiais necessárias para colocar a situação, tanto no plano do Direito, corno no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida.

Está provado que a deliberação da Câmara Municipal de Portimão de 03 de setembro de 1996, que no âmbito do concurso para atribuição de uma licença para o exercício da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros no Concelho de Portimão, atribuiu a licença à C.......... P.............. – Cooperativa ....................... CRL foi anulada com fundamento em que a ordem de prioridades estabelecida no concurso para a atribuição da licença para o exercício da indústria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros era inconstitucional. A Administração ficou assim constituída no dever de executar a sentença de anulação, ficando constituída no dever de praticar todos os atos jurídicos e de realizar as operações materiais necessárias para colocar a situação, tanto no plano do direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida. Isto é, a Câmara Municipal de Portimão tem de dar sem efeito a graduação efetuada e proceder a nova graduação dos candidatos ao concurso observando a ordem de prioridades estabelecida no n° 1 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 74/79, de 4 de abril e, após graduar, nos termos aí referidos, os candidatos, atribuir a referida licença.

Provou-se que na reunião da Câmara Municipal de Portimão de 22 de junho de 2005 foi tomada a deliberação n° 644/05 que ordenou a cassação do alvará de licença para o exercício da industria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros, adjudicado por deliberação de 03/09/96, e determinou a notificação da Cooperativa C.............., Portimonense CRL, para proceder à sua entrega da licença.

Mas não se provou que se tenha procedido a nova graduação dos candidatos ao concurso observando a ordem de prioridades estabelecida no n° 1 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 74/79, de 4 de abril por forma a atribuir a licença, razão porque cabe concluir que existe inexecução de julgado.

Invoca a Câmara Municipal de Portimão que existe causa legítima de inexecução pois o recorrente/exequente tinha à data do concurso a idade de 65 anos.

Está efetivamente provado que Manuel ............... nasceu em 12 de dezembro de 1931. Está também provado que o concurso para atribuição de uma licença para o exercício da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros no Concelho de Portimão foi aberto nos termos do Decreto-Lei n° 74/79, de 4 de abril.

Estabelecia o n° 2 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 74/79, de 4 de abril que “para efeitos do presente diploma, considera-se motorista profissional aquele que exerce a atividade de condução como profissão, mediante retribuição, sob a autoridade e direção de outrem.” Dispunha o artigo 4° n°1 que A concessão de licenças a motoristas profissionais implica a obrigação de os beneficiários passarem a exercer a atividade de condução dos veículos a que aquelas se referem.” O n° 2 do mesmo artigo 4° estabelecia que “sempre que por doença, limite de idade ou qualquer outro impedimento suficientemente ponderoso e devidamente comprovado seja manifestamente impossível o cumprimento da obrigação prevista no número anterior, a Direção-Geral de Transportes Terrestres poderá autorizar o exercício da atividade de condução por entidade diversa do titular da licença.”

Atento o estatuído neste n° 2 do artigo 4° tem de improceder a invocada causa legítima de inexecução. Independentemente da idade do exequente, se for a ele a quem for atribuída a licença, poderá ser autorizado, nos termos da lei, o exercício da atividade de condução por outrem que não o titular da mesma.

Cabe assim, nos termos do n° 1 do artigo 179° do CPTA especificar “o conteúdo dos atos e operações a adotar para dar execução à sentença”.

Julgando procedente a pretensão do exequente cabe determinar que a Câmara Municipal de Portimão no prazo de 60 dias atribua a licença para o exercício da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros no Concelho de Portimão no âmbito do concurso que abriu para o efeito, após graduação dos concorrentes, em obediência à ordem de prioridades estabelecida no n° 1 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 74/79, de 4 de abril.”.

É finalidade do presente processo de execução de sentença aferir do cumprimento do anterior julgado anulatório, nos termos que se dão como assentes no ponto 6) dos factos assentes, isto é, na sequência da anulação da deliberação camarária, de atribuição de licença para o exercício da indústria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros, com fundamento em tal deliberação se ter baseado em norma constante da Portaria nº 17/96 – publicada no D.R. I, Série-B, nº 20, de 24/01/1996, que alterou a ordem de prioridades na atribuição de licenças, nos termos previstos no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04 –, que foi julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, por Acórdão do Tribunal Constitucional nº 869/96, publicado no D.R. I Série-A, nº 204, de 03/09/1996.

Em sequência desse aresto proferido pelo STA, a ora recorrente deliberou, em 22/06/2005, ordenar a cassação do alvará de licença para o exercício da indústria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros que fora atribuído à candidata ordenada em 1º lugar, a C.......... P........ – ....................... CRL – cfr. factos assentes em 3) e 7).

O exequente, discordando dos termos em que ocorreu a execução do acórdão do STA, designadamente, por entender que a cassação da licença anteriormente concedida não executa plena e integralmente o acórdão exequendo, veio a juízo através dos presentes autos de execução de sentença requerer que os concorrentes sejam novamente escalonados, de acordo com o que se mostra estabelecido no programa de concurso e de acordo com o previsto no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04, sendo a licença atribuída ao motorista que exerça a profissão há mais tempo, o ora exequente, ordenado em 2º lugar.

Nos termos do disposto no nº 1 do artº 173º do CPTA, encontra-se consagrado o “dever de executar”.

Estabelece tal preceito legal que “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.

Impõe-se, por isso, à Administração, que viu o seu ato ser anulado, mediante decisão judicial transitada em julgado, dar integral execução do acórdão anulatório, que se traduz em reconstituir a situação que deveria existir caso não tivesse sido praticado o ato ilegal, anulado judicialmente.

Uma vez anulado um ato administrativo, a Administração fica constituída no dever de executar a sentença de anulação, isto é, fica constituída no dever de dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando os atos jurídicos e realizando as operações materiais necessárias para colocar a situação, tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida.

Para tanto impõe-se a renovação dos atos procedimentais praticados no concurso e que foram anulados, em virtude da ilegalidade de que padeciam, não incorrendo nos mesmos vícios.

Isto é, por via do dever de executar, a Administração não só deve abster-se de praticar um novo ato administrativo inquinado do vício ou vícios que determinaram a invalidação do ato recorrido, como deve praticar todos os atos jurídicos e operações materiais que se mostrem necessários à reintegração da ordem jurídica, segundo o critério da reconstituição da situação atual hipotética.

Assim, por força do dever de acatamento do acórdão exequendo, a ora recorrente tem o dever de eliminar da ordem jurídica os efeitos positivos ou negativos que o ato ilegal tenha produzido e de reconstituir, na medida do possível, a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado e se, portanto, o curso dos acontecimentos no tempo que mediou entre a prática do ato e o momento da execução se tivesse apoiado sobre uma base legal (neste sentido, Freitas do Amaral, inA execução das sentenças dos Tribunais Administrativos”, 2ª ed., pág. 45 e Ac. do STA, de 01/10/97, rec. nº 39 205, in Ap. ao DR de 12/06/2001, pág. 5261).

No caso dos autos, tal como entendeu a sentença recorrida, em face da factualidade demonstrada, de imediato é possível dizer que:

(i) não foi devidamente executado o acórdão exequendo por parte da ora recorrida, já que do mesmo não foram extraídas todas as consequências de facto e de direito, designadamente, na esfera jurídica do exequente,

(ii) não ocorre, na situação em presença, qualquer causa legítima de inexecução.

Vejamos cada uma destas questões.

(i) No que concerne à questão de saber se o acórdão exequendo se encontra ou não integralmente executado, decorre do probatório apurado que a Administração, ora recorrente, se limitou a deliberar a cassação da licença para o exercício da indústria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros anteriormente atribuída e nada mais, pelo que, existe apenas uma execução parcial desse aresto.

Isto é, tendo a ora recorrente reposto a legalidade no que concerne ao anterior titular da licença, ao deliberar a cassação da licença atribuída, em sequência da ordenação ilegal ocorrida, eliminando os efeitos que ainda subsistiam do ato anulado, pelo contrário, já nada fez em relação ao ora exequente, por quanto a ele não ter extraído quaisquer consequências, nada tendo feito para repor a legalidade.

Assim, quanto ao ora exequente não se encontram provados quaisquer factos que permitam fundar a execução do anterior julgado.

O dever que recai sobre a Administração ao executar o julgado, não se esgota na cassação da licença atribuída, mas também, designadamente, no tocante à esfera jurídica do ora exequente, em dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04, elaborando lista em que ordene os candidatos ao concurso, segundo a ordem de preferências aí prevista, concretizada nos termos dos nºs 10, 11, 12, 13 e 14 do programa de concurso [cfr. ponto 9) dos factos assentes, ora aditado].

Decorre, aliás, do nº 2 do artº 173º do CPTA que para efeitos do dever de executar, a Administração pode ficar constituída no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.

Por isso, não se mostra integralmente o julgado anulatório, tal como entendido na sentença recorrida.

Argumenta a ora recorrente, como fundamento para a inexecução, que já há data do concurso o ora exequente tinha 65 anos de idade (e atualmente 80 anos), atento ao facto de ter nascido em 12/12/1931 [cfr. facto assente em 8)].

Tal remete-nos para a questão subsequente, quanto a saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quando julgou inexistir causa legítima de inexecução.

(ii) Quanto a saber se existe ou não causa legítima de inexecução, decorre dos nºs 1 e 2 do artº 175º do CPTA que “salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses” e que “a existência de causa legítima de inexecução deve ser invocada segundo o disposto no artigo 163º, mas não se exige, neste caso, que as circunstâncias sejam supervenientes”.

Assim, remetendo para o disposto no nº 1 do artº 163º do CPTA, “só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença”.

Extrai-se do nº 3 do citado preceito legal que “a invocação de causa legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respetivos fundamentos, dentro do prazo estabelecido no nº 1 do artigo anterior (…)”.

A sentença recorrida pronunciou-se sobre a causa legítima de inexecução na perspetiva da situação jurídica do exequente e do julgado anulatório proferido, entendendo que a mesma não se verifica e que nada impede a Administração de reconstituir a situação que existiria caso não tivesse sido praticado o ato anulado.

Este juízo mostra-se corretamente formulado, pois atenta a matéria de facto provada nos autos, não resulta qualquer impossibilidade fáctica ou jurídica de a ora recorrente dar integral cumprimento ao dever de executar o julgado anulatório, extraindo dele todas as consequências devidas, designadamente, na esfera jurídica do exequente.

A recorrente considera que seria um erro dar integral execução ao acórdão exequendo, pelo facto de o exequente já há data do concurso ter 65 anos de idade, mas sem razão, conforme bem entendeu a sentença recorrida.

Está efetivamente provado que o ora exequente nasceu em 12/12/1931, mas se tal facto não constituiu óbice à sua admissão ao concurso, como não constituiu, visto ter sido admitido e graduado em 2º lugar, também não pode agora servir de fundamento para a Administração não dar integral execução ao acórdão anulatório.

Além disso, demonstrado que está que o concurso para atribuição de uma licença para o exercício da indústria de transporte de aluguer de veículos ligeiros de passageiros no Concelho de Portimão foi aberto nos termos do D.L. nº 74/79, de 04/04, importa atender ao regime legal nele previsto.

Segundo tal diploma, “considera-se motorista profissional aquele que exerce a atividade de condução como profissão, mediante retribuição, sob a autoridade e direção de outrem”, prevendo-se que a “concessão de licenças a motoristas profissionais implica a obrigação de os beneficiários passarem a exercer a atividade de condução dos veículos a que aquelas se refere.” (cfr. nº 2 do artº 3º e nº 1 do artº 4º).

Contudo, no nº 2 do artº 4º do citado diploma “sempre que por doença, limite de idade ou qualquer outro impedimento suficientemente ponderoso e devidamente comprovado seja manifestamente impossível o cumprimento da obrigação prevista no número anterior, a Direção-Geral de Transportes Terrestres poderá autorizar o exercício da atividade de condução por entidade diversa do titular da licença.” (sublinhado nosso).

Donde, tal como entendeu a sentença recorrida, atento o estatuído no nº 2 do artº 4 do D.L. nº 74/79, de 04/04, tem de improceder a invocada causa legítima de inexecução pois, independentemente da idade do exequente, se for a ele a quem for atribuída a licença, poderá ser autorizado, nos termos da lei, o exercício da atividade de condução por outrem que não o titular da mesma.

Além de que, estando em causa um ato a praticar no âmbito da execução de julgado, tal ato sempre terá de reportar os seus efeitos ao quadro legal e factual existente à data em que deveria ter sido praticado, isto é, por referência “à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”, segundo o nº 1 do artº 173º do CPTA.

Donde, a idade do exequente não constitui fundamento para a inexecução do julgado e não constitui causa legítima de inexecução.

Do mesmo modo, não faz qualquer sentido a invocação na alegação de recurso, de novos diplomas, os D.L. nº 263/98, de 19/08 e 293/2003, de 21/11 (o D.L. nº 263/98, de 19/08 “estabelece as condições de acesso e de exercício da profissão de motorista de veículos ligeiros de passageiros de transporte público de aluguer, adiante designado por motorista de táxi” e o D.L. nº 293/2003, de 21/11, nada tem que ver com a matéria em causa nos autos, pretendendo a recorrente, porventura, referir-se ao D.L. nº 298/2003, de 21/11, que altera o D.L. nº 263/98, de 19/08), por relevar o quadro legal à data em que o ato administrativo anulado foi praticado.

Por outro lado, não estão verificados os pressupostos legais de que a lei, nos artºs. 175º e 163º do CPTA, faz depender a invocação de causa legítima de inexecução pois, não só não se mostra fundamentada tal invocação, nos termos exigidos pela 1ª parte do nº 3 do artº 163º, como os fundamentos invocados não se reconduzem a nenhuma das causas previstas, a impossibilidade absoluta ou o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença, nos termos do nº 1 do artº 163º, além de que tal invocação não ocorreu dentro do prazo de três meses previsto para a execução, segundo o nº 1 do artº 175º e a 2ª parte do nº 3 do artº 163º.

Pelo que, não estão reunidos os pressupostos legais para que fosse atendida e dada como demonstrada pelo Tribunal, a existência de causa legítima de inexecução do julgado.

Donde, não proceder o erro de julgamento por violação do artº 163º do CPTA.

2. Erro de julgamento de direito, por violação do artº 111º da CRP

Segundo a recorrente, o nosso sistema rege-se pelo sistema de separação de poderes, previsto no artº 111º da CRP, o que implica que os Tribunais não dão ordens à Administração.

Assim, não poderia a Administração ter sido condenada a atribuir a licença ao ora exequente.

Decidindo-se no sentido da inexecução do julgado e na inexistência de causa legítima de inexecução do julgado e, consequentemente, não se mostrar violado o artº 163º do CPTA, resta apenas apreciar se a sentença recorrida incorre na violação do princípio da separação de poderes, previsto no artº 111º da Constituição, ao determinar a atribuição da licença a favor do ora exequente.

Delimitando o fundamento do recurso, não põe a recorrente em crise a concreta pronúncia condenatória – de atribuição da licença ao ora exequente –, mas antes e apenas que não possam os Tribunais dirigir pronúncias condenatórias à Administração, quaisquer que elas sejam.

Conforme exposto, em cumprimento do dever de executar o acórdão, deve a Administração reelaborar a lista de ordenação dos candidatos, que obedeça à ordem de prioridades definida no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04, e atribuir a licença respetiva a quem ficar ordenado em 1º lugar, neste caso, o ora exequente, que ocupa o 1º lugar das prioridades do citado diploma legal e que antes, por força de norma julgada inconstitucional, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 869/96, constante da Portaria nº 17/96, havia sido ordenado em 2º lugar.

Quanto o de a sentença a quo ter violado o princípio da separação de poderes e o núcleo essencial da sua autonomia, ao determinar a atribuição da licença ao ora exequente, isto é, por determinar o conteúdo dos atos e praticar pela Administração, impõe dizer-se, seguindo a doutrina do Acórdão deste TCAS, de 04275/08, de 02/02/2012, o seguinte.

Nos termos do nº 1 do artº 3º do CPTA, em respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os Tribunais Administrativos julgam do cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a Administração e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.

Em concretização do princípio da plena jurisdição dos Tribunais Administrativos e como forma de assegurar a efetividade da sua tutela, podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponha à Administração, assim como sanções pecuniárias compulsórias (nº 2 do artº 3º do CPTA).

Além disso, têm o poder de proferir sentenças que produzam os efeitos do ato administrativo devido, quando a prática e o conteúdo do ato sejam estritamente vinculados, assim como de condenar a entidade competente à prática do ato ilegalmente omitido ou recusado – artº 3º, nº 3, artº 66º, nº 1, artº 71º e artº 95º, nºs 3 e 4, todos do CPTA.

O caso trazido a juízo deve ser configurado como situação em que a atuação da Administração se pauta por critérios de estrita legalidade, em que em sede de execução de julgado, isto é, considerando o efeito de caso julgado produzido e o dever de dar integral execução a esse julgado, se impõe saber se em execução de sentença, tem o exequente direito à atribuição da licença, como decidiu a sentença recorrida, nos termos da ordem de prioridades definida no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04, pelo que é recusar qualquer margem de livre oportunidade ou de conveniência do agir administrativo que vede ao julgador a emissão de uma pronúncia condenatória, como a que foi emitida na sentença recorrida.

Um contencioso de plena jurisdição, sob o signo do princípio da tutela jurisdicional efetiva não colide com o princípio da separação e interdependência de poderes.

Admite-se, na atual configuração da ordem jurídica, constitucional e administrativa, que o juiz administrativo possa emitir sentenças condenatórias da Administração e até sentenças substitutivas de atos administrativos estritamente vinculados, na fase declarativa do processo – cfr. a propósito, João Pacheco de Amorim, “A Substituição Judicial da Administração na Prática de Atos Devidos”, in “Reforma do Contencioso Administrativo, Trabalhos Preparatórios (O Debate Universitário)”, Vol. I, Ministério da Justiça, Lisboa, 2000, pág. 475 e Marco Real Martins, “Sentenças Substitutivas de Atos Administrativos sob o signo do Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva – em especial, nos procedimentos de formação de contratos públicos”, in “O Direito”, Ano 143.º, 2011, II, Almedina.

O princípio da proibição de sentenças de condenação, segundo o qual a Administração não podia ser condenada a coisa diversa do que o pagamento de quantias pecuniárias, designadamente, não podia ser condenada à prática de atos administrativos, nem lhe serem impostas injunções tendentes à prática de atos não administrativos, veio paulatinamente a sofrer desvios, a que está associada a interpretação do princípio da separação de poderes sem caráter absoluto, antes enquadrado no âmbito dos demais princípios consagrados na Constituição, de entre os quais, o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

“(…) a produção de um efeito substitutivo (de um ato administrativo vinculado quanto ao seu quid e ao seu an) pela sentença prolatada em sede declarativa – antecipando, assim, os efeitos típicos da fase executiva “complementar” (…) – não só é admissível (à luz do princípio da separação de poderes), como também necessária (desta feita, sobretudo à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva administrativa, depois de o mesmo ser sujeito ao “teste” de ponderação, concordância prática ou harmonização), quando a restauração da ordem jurídica o imponha (por haver norma jurídica prévia cuja previsão, estatuição e sentido deôntico não permitam inferir qualquer “espaço de liberdade” para valorações próprias do exercício da função administrativa), caso esse em que, necessariamente, se tratará de uma atividade fungível (a ser exercida, in casu, pelo juiz administrativo, em substituição do ente administrativo normalmente competente para o efeito, por este se ter revelado incumpridor no exercício da sua competência de efetivação do interesse público secundário a que estava adstrito). (…) Ora, dúvidas não se oferecem quanto à delimitação negativa operada ao princípio da separação de poderes pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva (administrativa): a influência valorativa deste último postula (…), a existência de sentenças condenatórias e, sempre que possível (ou seja, sempre que exequível e não se traduza numa violação da reserva de administração constitucionalmente garantida), substitutivas (…). Efetivamente, o princípio da separação de poderes vale com o conteúdo prescrito pela Constituição; isso mesmo resulta da parte final do nº 1 do artigo 111º da Lei Fundamental: “Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição” (…), isto é, com o conteúdo que lhe é atribuído pela Constituição, o que implica a sua harmonização com os demais direitos ou valores potencialmente conflituantes.” – vide Marco Real Martins, obra cit., pág. 393 e nota 13, a pág. 395-396.

Condenar a Administração, não significa substituí-la, não traduz a sua substituição, nem fazer o que ao poder administrativo compete fazer.

A condenação da Administração à prática de ato devido, apelidada de “revolução coperniciana” da Justiça Administrativa por Vasco Pereira da Silva (inO Contencioso Administrativo como “Direito Constitucional Concretizado” ou “Ainda por concretizar”?”, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 43-44), traduz-se na imposição de adotar uma conduta que, por força da lei, é devida ao administrado, pelo que, “é um instituto que oferece a proteção jurídica ao particular que tem um direito ou interesse legalmente protegido à emissão de um ato administrativo, quando a Administração Pública presenteia esse particular com uma recusa expressa ou com o silêncio, comportamentos contrários à atuação pretendida pela lei.” (cfr. Rita Calçada Pires, “O Pedido de Condenação à Prática de Ato Administrativo Legalmente Devido”, Almedina, 2004, pág. 16.

Deste modo, não assiste razão ao recorrente quando dirige a citada censura à sentença recorrida, havendo que ter presente que a “separação entre administrar e julgar é pressuposto para se discutirem problemas de substituição entre o poder judicial e o poder administrativo” (cfr. Paulo Otero, “O Poder de Substituição em Direito Administrativo, Enquadramento Dogmático-Constitucional”, Vol. I, Lex, Lisboa, 1995, pág. 38-39), num contexto do evoluir das relações entre o poder judicial e o poder executivo.

“(…) se a função oferecida pela Constituição à Administração não é atendida, nem exercida, então, visto não se poder prescindir dessa função e como os poderes se relacionam entre si, colmatando as falhas de uns por outros, através de institutos de controlo imprescindíveis à concretização das tarefas constitucionalmente impostas, então, em nome dessa interdependência de poderes que supõe o respetivo cruzamento, pode o tribunal condenar a Administração sem que para isso incorra em violação do princípio da separação de poderes, uma vez que a visão clássica, onde cada poder é estático e permanente fechado no seu espaço individual de ação, não representa sequer um reflexo da realidade que hoje caracteriza o relacionamento entre poderes.” (cfr. Rita Calçada Pires, obra cit., pág. 117).

Aferindo-se a ilegalidade do agir administrativo, pautado por critérios de estrita legalidade, e sendo a realização da Justiça, não só um meio, como um fim em si mesmo, exercido por intermediação da lei, há que extrair as devidas consequências do princípio da tutela jurisdicional efetiva e dos poderes conferidos ao juiz administrativo, não só ao nível da reposição da legalidade objetiva, mas da plena satisfação das posições jurídicas subjetivas dos interessados, acentuando o pendor subjetivo do sistema de justiça administrativa.

Está em causa o «conferir um sentido atualista – e também pragmático / funcional / finalístico – ao princípio da separação de poderes, mais próprio de um Estado de Direito Democrático pós-modernista, de cariz marcadamente social, a partir do reconhecimento de que a tarefa de “administrar a justiça” (cfr. artigo 202º, nº 1 da Constituição) envolve sobretudo hoje muito mais que a mera aplicação de normas, mediante raciocínios lógico-subsuntivos, “passando pela concretização e operacionalização dos valores e princípios constitucionais”» – cfr. Marco Real Martins, obra cit., pág. 406.

Tal condenação não acarreta a violação do princípio da separação de poderes, do núcleo essencial do poder administrativo ou dos poderes conferidos ao juiz administrativo e aos Tribunais Administrativos, mas antes a realização do princípio da tutela jurisdicional efetiva e o exercício do poder jurisdicional à luz da nova conceção do sistema de justiça administrativa e da interdependência e compatibilização dos princípios constitucionais, que elimina a atitude self-restraint da jurisprudência ao tempo do anterior modelo de contencioso administrativo.

Assim, em face de todo o exposto é de concluir pela improcedência da violação do artº 111º da Constituição, já que não está vedado ao poder judicial proferir decisões de condenação da Administração, como aquela que foi proferida.

De resto, deve salientar-se que a recorrente, em momento algum, põe em crise que em execução de sentença deva o ora exequente ser ordenado em 1º lugar e que, em consequência, lhe assiste o direito à atribuição da licença objeto de concurso.

Pelo que, em face de todo o exposto, com relevo para o facto de a recorrente não pôr em causa que assista ao ora exequente o direito de ser ordenado em 1º lugar na reordenação dos candidatos, que deve ocorrer, em obediência ao dever de execução do julgado em conformidade com o nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04, improcedem todas as conclusões do recurso que se mostram dirigidas contra a sentença recorrida.


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Por último, não se mostram alegadas razões que determinem a alteração do efeito do recurso, nos termos pretendidos pelo recorrido, pelo que, se mantém o efeito anteriormente fixado.

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Em suma, pelo exposto, será de improceder o recurso interposto, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Existe o dever legal de executar o julgado anulatório, extraindo dele todas as consequências devidas, conquanto não ocorra qualquer impossibilidade fáctica ou jurídica – artº 173º do CPTA.

II. O dever que recai sobre a Administração ao executar o julgado anulatório não se esgota na cassação da licença ilegalmente atribuída à contrainteressada, mas também em dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 3º do D.L. nº 74/79, de 04/04, elaborando lista em que ordene os candidatos ao concurso, segundo a ordem de preferências aí prevista.

III. O facto de o exequente já há data do concurso ter 65 anos de idade, não integra fundamento de causa legítima de inexecução, pois o exequente foi admitido ao concurso e graduado em 2º lugar, além de que, não estão verificados os pressupostos previstos nos artºs. 175º e 163º do CPTA.

IV. Nos termos do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 74/79, de 04/04, sempre que por limite de idade ou qualquer outro impedimento suficientemente ponderoso e devidamente comprovado, seja manifestamente impossível o cumprimento da obrigação prevista no número anterior, a Direção-Geral de Transportes Terrestres poderá autorizar o exercício da atividade de condução por entidade diversa do titular da licença.

V. Estando em causa um ato a praticar no âmbito da execução de julgado, tal ato sempre terá de reportar os seus efeitos ao quadro legal e factual existente à data em que o ato deveria ter sido praticado, segundo o nº 1 do artº 173º do CPTA.

VI. Em respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os Tribunais Administrativos julgam do cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a Administração e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação (nº 1 do artº 3º do CPTA).

VII. Em concretização do princípio da plena jurisdição dos Tribunais Administrativos e como forma de assegurar a efetividade da sua tutela, podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponha à Administração, assim como sanções pecuniárias compulsórias (nº 2 do artº 3º do CPTA).

VIII. Além disso, têm o poder de proferir sentenças que produzam os efeitos do ato administrativo devido, quando a prática e o conteúdo do ato sejam estritamente vinculados, assim como de condenar a entidade competente à prática do ato ilegalmente omitido ou recusado – artº 3º, nº 3, artº 66º, nº 1, artº 71º e artº 95º, nºs 3 e 4, todos do CPTA.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora) ________________________________________________

(Maria Cristina Gallego Santos) __________________________________________________


(António Paulo Vasconcelos) ____________________________________________________