Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1050/06.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
REGIME SIMPLIFICADO DE DETERMINAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
Sumário:1. O regime simplificado de determinação do lucro tributável, previsto no artigo 53.º do Código do IRC, tem carácter facultativo e não obrigatório – sob pena de violação da disposição constitucional de que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa).
2. A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos nomeadamente na declaração de início de actividade [alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do Código do IRC].
3. A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável tem validade por um período de três exercícios, nos termos do n.º 8 do artigo 53.º do Código do IRC (aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 30 de Dezembro).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por F………….., LDA., no seguimento de indeferimento tácito de recurso hierárquico, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa em que pedia o enquadramento da sua actividade no regime geral de determinação do lucro tributável para efeitos de IRC, com relação aos exercícios de 2003 e 2004.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
1. In casu, com o devido respeito, e que é muito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido no art. 205.º da nossa Mater Legis; arts.125.º e 123.º, n.º 2 do CPPTributário; arts. 653.º, 655º., 659.º, 668.º, n.º 1, al. b) do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, ao estatuído pelo princípio da cooperação e da auto- responsabilidade das partes, e ao doc.3 junto com a PI, para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido.

2. Outrossim, o sobredito “erro de julgamento” consubstanciado na errada valoração da prova (documental) produzida e da factualidade considerada assente, por virtude da falta e/ou insuficiência de motivação da fundamentação assim como, da falta de exame crítico da prova, levou à consequente errada subsunção jurídica que foi realizada pelo respeitoso areópago à matéria dada como assente.

3. Tudo assim, foi como que causa adequada para que fosse preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.

4. , In casu, foi inexistente o percurso lógico, racional e objectivo que levou a determinar o Tribunal a quo a integrar factos na sua fundamentação, sobre os quais se desconhece a forma como os mesmos foram efectivamente comprovados.

5. Na verdade, in casu, a motivação da decisão de fixação da matéria dada como assente é manifestamente insuficiente, se não mesmo inexistente, no aresto recorrido.

6. Falta o Exame Crítico da Prova que levou à decisão em apreço.

7. Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.

8. Destarte, a omissão do exame crítico das provas implica a nulidade do aresto sub judice com todas as consequências legais que lhe estão inerentes.

9. Caso o respeitoso areópago ad quem, não considere verificar-se a predita falta de exame crítico da prova e consequente nulidade, deverá então, desde já, considerar a INSUFICIÊNCIA OU MEDIOCRIDADE DA MOTIVAÇÃO.

10. A qual, sendo de espécie diferente, poderá consequentemente, afectar o valor doutrinal da sentença a quo (quanto a este thema decidendo), sujeitando-a ao risco de ser revogada, com todas as consequências legais que lhe estão inerentes.

11. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, o acervo probatório não devidamente valorado (prova documental supra elencada, cfr. doc.3 junto com PI) conjugada, com a falta e/ou insuficiente motivação da fundamentação de facto e consequente falta de exame critico da prova com os demais elementos constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

12. Ao invés, atenta a matéria dada como assente, com o devido respeito, a errada e/ou falta de valoração da prova pelo Tribunal recorrido, mormente da factualidade dada como assente no item B) do probatório, acrescida da incorrecta valoração e ausente apreciação crítica da prova documental do caso vertente,

13. levam a impedir que se possa sindicar cabalmente e de meritis a decisão a quo, e a não permitir um controlo profícuo da mesma. Ao que acresce que tal vicissitude levou a que o douto Tribunal a quo tenha preconizado erro de julgamento, vaticinando num determinado sentido que não o que estaria em consonância com o facto provado naquele item B) da factualidade assente e acabou por ser desconsiderado.

14. A factualidade apurada e dada como assente no item B) dos factos assentes do douto aresto recorrido, não foi devidamente considerada.

15. Ora, do supra exposto, discorre que a própria AT, sob a égide de um sempre inerente princípio da colaboração e cooperação entre os participantes do procedimento em apreço, solicitou ao recorrido quer adoptasse uma conduta correctiva relativamente ao enquadramento do regime de tributação do regime geral para regime simplificado, por virtude de um erro informático.

16. Erro informático esse, que não ficou provado no douto aresto a quo, que tenha sido imputável ao sistema informático da AT!

17. O referido erro informático, tudo indica que terá a sua génese em erro de materialização informática ou quiçá de digitação do próprio recorrido, e por isso mesmo, foi dado esse conhecimento ao recorrido e consequentemente solicitando-lhe que preconizasse a necessária correcção.

18. Caso contrário, naturalmente e atentas as regras da lógica e do procedimento normal das coisas, caso o erro informativo tivesse a sua génese na conduta volitiva da AT, o mesmo seria rectificado oficiosamente.

19. Ora, seguindo o itinerário logico das coisas, tal como supra se referiu, como correspectivo daquele pedido de correcção efectuado pela AT ao recorrido, apenas mereceu da parte do Impugnante um puro “NON FACERE”.

20. Nesta senda, em face do peso e da capacidade influente que tem o princípio da verdade declarativa e da cooperação e colaboração do contribuinte para com a AT, à luz de um certo ócio procedimental por parte do contribuinte apenas recolher e amealhar as mais valias que tais escudos principialistas lhe fornecem…

21. Usando e abusando dos mesmos…

22. Todavia, o Ordenamento jurídico não se compadece com o fomentar de tais facilitismos e procedimentos de “caixa de pândora”, sem que a escolha de um verdadeiro “non facere” por parte do contribuinte,

23. não acarrete consequências (negativas) na esfera jurídica de quem os preconiza. Aliás, tudo assim, com arrimo no velho brocardo de que UBI COMMODA, IBI INCOMMODA, o qual, também aqui terá aplicação prática, mutais mutandis, por força do preceituado no art. 2.º, al. d) da LGT. Pelo que, in casu, tem pendor especial o princípio da auto- responsabilidade das partes pelos seus actos e o princípio de que quem recebe as vantagens, deve também arcar com as desvantagens da sua actuação (Ubi commoda, ibi incommoda)!

24. Consequentemente, atenta o item B) da factualidade dada como assente, não poderia, nem deveria o respeitoso Tribunal a quo, na fundamentação do douto aresto recorrido, a fls. 11 do mesmo, ter consubstanciado que:

“Acresce que, não se pode inferir e muito menos assentir que a não-aceitação de questões impostas pelo sistema informático da AT, de situações como a dos autos, se sobreponha ao estabelecido nas normas jurídico-tributárias referidas.” (Negrito e sublinhado nossos)

25. E tão-somente, pois que não consta do processo (quod non este in processus non est in mundo) e muito menos do próprio aresto a quo, maxime, da factualidade dada como assente, que, in casu, se trata de” …questões impostas pelo sistema informático da AT…”.

26. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, obliterando a necessária motivação da sua fundamentação e a falta absoluta do exame crítico da prova.

27. Consequentemente, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito aos factos, nos termos supra explanados.

28. Assim se tendo alvitrado manifesto erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto
suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá, desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada
JUSTIÇA!».


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista à Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta que emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, são estas as questões que importa decidir: (i) se a sentença enferma de nulidade por falta de exame crítico da prova; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir ser o regime geral de tributação e não o regime simplificado o aplicável ao contribuinte nos anos de 2003 e 2004.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:
A)
A sociedade impugnante deu início de atividade de “Estucagem”, CAE 45410 e Compra e Venda de Bens Imóveis, CAE 70120, em 14.06.2002, tendo inscrito no quadro 09 da Declaração de Início - Dados Referidos a 7 meses de volume de negócios – €105.000,00 e €180.000,00 para enquadramento em IR relativo a volume anual de vendas estimado;
(cfr. doc. n.º2 junto com a PI)


B)
Em 28.05.2004 foi emitida pelos serviços da AT, uma notificação dirigida à impugnante para proceder à correção do enquadramento do regime de tributação de regime geral para regime simplificado, em virtude da existência de um erro central informático;
(cfr. doc. n.º3 junto com a PI)
C)
Em 05.07.2004, a impugnante deu entrada no serviço de finanças da Lourinhã de reclamação garciosa, em relação ao referido enquadramento, com os fundamentos que se dão por reproduzidos;
(cfr. doc. n.º5 junto com a PI)
D)
Através do ofício n.º 6104 de 10.12.2004, a impugnante foi notificada do despacho de indeferimento da referida reclamação, proferido pela Diretora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento, em face dos fundamentos vertidos pela informação da Divisão de Liquidação de Impostos s/ Rendimento e Despesa que o acompanha;
(cfr. doc. n.º6 junto com a PI)
E)
Do indeferimento da reclamação a impugnante deduziu recurso hierárquico, com os fundamentos que se dão por reproduzidos;
(cfr. doc. n.º7 junto com a PI)
F)
Da presunção de indeferimento tácito, a impugnante deduziu a presente impugnação, tendo dado entrada da mesma no tribunal em 27.02.2006, cf. data do carimbo aposto na primeira página dos autos, a fls. 2;

III.I – Factos não Provados

Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.

MOTIVAÇÃO

A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.».
*

A coberto do disposto no art.º 662/1 do CPC, altera-se o ponto A) do probatório, que passa a ter a seguinte redacção:

«A sociedade impugnante deu início de atividade de “Estucagem”, CAE 45410 e Compra e Venda de Bens Imóveis, CAE 70120, em 14.06.2002, tendo inscrito no quadro 09 da Declaração de Início - Dados Referidos a 7 meses de volume de negócios – €105.000,00 e €180.000,00 para enquadramento em IR relativo a volume anual de vendas estimado e assinalado no campo 19 da declaração a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável» - (cf. doc.2 junto com a P.I.).

B.DE DIREITO

A Recorrente invoca nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas.

As causas de nulidade da sentença estão taxativamente enunciadas no art.º 615/1 do CPC e, em especial, no processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT.

A não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão prevista na alínea b) do n.º1 do art.º 615.º do CPC, a que eventualmente se poderá reconduzir a falta de exame crítico da prova, prende-se com o disposto no art.º 607/4 do mesmo Código, segundo o qual, «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

Em sentido convergente, dispõe o art.º 123/2 do CPPT que «O juiz discriminará também [na sentença] a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões».

O dever de fundamentação das decisões decorre do art.º 208/1, da Constituição da República, sendo da maior relevância não só para que possa ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto, como na decisão de direito.

A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.

Lebre de Freitas in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil”, 3.ª Edição, pág. 315, escreve:

“No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”.

Regressando aos autos, constata-se que o ponto B) da matéria assente está suportado em prova documental que expressamente se indica como sendo o doc. 3 junto com a P.I.

E essa indicação do meio de prova é suficiente para afastar a invocada falta de fundamentação de facto da sentença, porquanto o exame crítico da prova documental só se impõe ao julgador quando se confronte com elementos de prova contraditórios entre si, em que importará perceber as razões por que deu prevalência a uns em detrimento de outros na formação da sua convicção.

Improcede a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto da decisão.

E terá a sentença incorrido em erro de julgamento ao dar por assente o facto vertido em B) do probatório? A nosso ver, não.

Na verdade, olhando o doc.3 junto à P.I. – que se trata de um ofício da AT dirigido ao contribuinte com «data de emissão de 28-05-2004» - dele consta:
«Assunto: Erros centrais na declaração de rendimentos Mod.22 de IRC exercício de 2003.
Na sua declaração mod.22 de IRC, submetida à Administração Fiscal via Internet, foi verificada a existência dos seguintes erros, após validação central:
D6B ASSINALADO REG. GERAL E SUJ.PASSIVO ENQUADRADO NO REG. SIMPLIFICADO.
Assim, queira V. Exa. proceder à sua correcção…»

Como se vê, o que se extrai do doc.3 junto à P.I. é exactamente aquilo que factualmente está vertido no ponto B) do probatório, não se alcançando que outra leitura poderia merecer o documento que o suporta.

Improcede, sem necessidade maiores considerandos, a impugnação da matéria de facto vertida no ponto B) do probatório.

Avançando na apreciação das demais questões suscitadas, vejamos se a sentença fez errónea interpretação e aplicação do direito aos factos.

Em causa, está, determinar se a actividade do sujeito passivo impugnante, no exercício em causa de 2003, se deveria enquadrar no regime geral de tributação (como ele pretende), ou, pelo contrário, no regime simplificado, como é entendimento da Administração tributária, que a sentença não validou para inconformismo da Recorrente.

A determinação do lucro tributável faz-se, em regra, com base na contabilidade – art.º 17 do CIRC.
Todavia, a lei prevê outras formas de determinação do lucro tributável, reunidos que estejam os pressupostos para o efeito, seja através de métodos indirectos, seja através do regime simplificado – artigos 52.º e 53.º do CIRC.

Os pressupostos da aplicação do regime simplificado de determinação do lucro tributável estão enunciados no art.º 53.º do CIRC, que ao tempo e nos segmentos pertinentes, dispunha:
«1 — Ficam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável os sujeitos passivos residentes que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com excepção dos que se encontrem sujeitos à revisão legal das contas, que apresentem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um valor total anual de rendimentos não superior a € 149.639,37 e que não optem pelo regime de determinação do lucro tributável previsto na secção II do presente capítulo.
2 — No exercício do início de actividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor total anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de actividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o número anterior.
3 – (…).
4 – (…).
5 – (…).
6 – (…).
7 — A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de actividade;
b) Na declaração de alterações a que se referem os artigos 118.º e 119.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
8 — A opção referida no número anterior é válida por três períodos de tributação, findo os quais caduca, excepto se o sujeito passivo manifestar a intenção de a renovar pela forma prevista na alínea b) do número anterior.
9 — O regime simplificado de determinação do lucro tributável mantém-se, verificados os respectivos pressupostos, durante, pelo menos, três períodos de tributação, prorrogável automaticamente por igual período, salvo se o sujeito passivo comunicar, pela forma prevista na alínea b) do n.º 7, a opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável.
10 — Cessa a aplicação do regime simplificado quando o limite do total anual de rendimentos a que se refere o n.º 1 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único período de tributação em montante superior a 25 % desse limite, caso em que o regime geral de determinação do lucro tributável se aplica a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
11 – (…).
12 – (…).
13 – (…).
14 – (…).

Como decorre dos autos e do probatório, na declaração de início de actividade apresentada em 2002, a impugnante, ora Recorrida, optou pelo regime geral de determinação do lucro tributável, tendo assinalado expressamente essa opção no campo 19 daquela declaração, mais tendo indicado no quadro 9 da mesma declaração um “volume total anual de proveitos estimados”, de 180.000,00 Euros.
Como nesse ano de 2002 apresentou um total de proveitos inferior a 149.639,37 Euros, foi enquadrada oficiosamente pela AT no regime simplificado em 2003, dado não ter formalizado “até ao fim do 3.º mês do período de tributação” a opção pela aplicação do regime geral de tributação com relação a esse ano de 2003.

Não concordamos com este modo de ver.

Na verdade, a Recorrida, na sua declaração de início de actividade de 2002 optou expressamente pelo regime geral de tributação e essa opção mantém-se válida por um período de três exercícios (2002 a 2004) ainda que o volume total anual de proveitos apresentado seja inferior a 149.639,37 Euros – cf. art.º 53/8 do CIRC.

Com efeito, lembrando-se que o regime regra é o da tributação com base na contabilidade, não há qualquer requisito específico quanto ao volume total anual de proveitos apresentados para que o sujeito passivo se mantenha validamente nessa opção pelo período de três exercícios.

Assim, a Administração tributária não podia ter-se substituído ao contribuinte na opção deste pelo regime geral, porque não foi ultrapassado o período de validade dessa opção, fixado no art.º 53/8 do CIRC.

A regra da tributação dos rendimentos empresariais é com base na contabilidade, por ser aquela que melhor permite apreender o rendimento real dos contribuintes.

Tal tem vindo a ser a interpretação conferida ao referido preceito por diversas decisões do Supremo Tribunal Administrativo de que é exemplo a mencionada na sentença recorrida – vd. Acórdão de 18/06/2008, tirado no proc.º 0205/08.

Já se alcança do sobredito que a estafada discussão da Recorrente em torno da imputabilidade do erro central informático a que se alude no ponto B) do probatório não assume qualquer relevância para a decisão.

A sentença recorrida fez, pois, uma adequada interpretação e aplicação do direito aos factos provados, não enfermando do erro de julgamento que lhe é apontado, o que determina a sua confirmação.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.



Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes