Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08251/14
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IRC. SOCIEDADE EXTINTA, NO ÂMBITO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA.
Sumário:a) Nos termos do artigo 65.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, «conforme a administração passou a ser confiada ao administrador da insolvência, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, ou pelo contrário, foi mantida no próprio insolvente, assim será aquele ou este quem deve agir e responde pelo incumprimento. // Porém, uma vez tomada a deliberação de encerramento do estabelecimento, nos termos do artigo 156.º, n.º 2, extinguem-se todas as obrigações fiscais e declarativas inerentes à actividade do devedor que, evidentemente, cessa.
b) Perante a comprovação do encerramento da empresa, no quadro do processo de falência, ocorrido em 28 de Novembro de 2000, perante a apreensão do seu património e o rateio, pagamento das dívidas dos credores e a subsequente prestação de contas, impõe-se concluir que a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2007 em exame não tem por base elementos que comprovem a ocorrência do facto tributário (o lucro tributável), nem se vê como tal possa suceder perante uma sociedade extinta.
c) O ónus da prova recai sobre a parte que alega o direito (artigos 74.º/1 e 75.º/2, da LGT). Ónus que no caso não foi observado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
“Massa Falida de …, SA”, representada pelo seu liquidatário judicial, interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 174/181, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 2007.
Nas alegações de fls. 193/225, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) A presente impugnação funda-se nos termos do disposto no art.º 99.º, alíneas a), c) e d) do CPPT, quer por força da errónea qualificação dos factos tributários, já que a pretendida liquidação ocorre após a persistência do processo de falência, quer por força da ilegitimidade e nulidade daquela liquidação, já que a Massa Falida não está sujeita a IRC, nem o seu liquidatário obrigado a entregas declarativas. Assim,
2) Verifica-se que a liquidação ora operada e em função da sentença ora recorrida assenta num vício originário que faz desabar os fundamentos e pretensões da mesma, isto é, a inexistência de lucro tributável,
3) já que o art.º 17.º n.º l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas), razão pela qual o que releva como pressuposto básico da tributação do rendimento da pessoa colectiva é a real natureza da actividade exercida pelo sujeito passivo de IRC, incidindo este imposto sobre os lucros das sociedades comerciais que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
4) Neste contexto, o pressuposto ou razão da existência de tal tributação, é a prática de uma actividade bem caracterizada geradora de rendimento, sendo da conjugação desse facto que a lei faz depender o surgimento da relação jurídica do imposto.
5) É que o lucro, na definição legal contida no art.º 3.º, n.º 2 do CIRC, consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no CIRC, pelo que é abrangente de todos e quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo de valor patrimonial e não apenas o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional.
6) A massa falida prova facilmente que, nos períodos de exercício subsequentes à declaração da falência, não tem qualquer actividade e, consequentemente qualquer lucro susceptível de tributação em sede de IRC razão pela qual, inexistindo rendimento tributável - leia-se, lucro ou facto tributário -, a liquidação, ainda que oficiosa, não pode manter-se na ordem jurídica.
7) Deste modo, qualquer exigência de declaração fiscal ou posterior liquidação oficiosa de tributos por parte da máquina fiscal não podem subsistir já que, demonstrada a inexistência de facto tributário, não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se demonstra não ser real, sob pena de violação do princípio contido no artigo 104.º, n.º 2 da CRPortuguesa.
8) Concluindo, no âmbito do Processo de Falência e sua liquidação, salvo melhor opinião, NÃO HÁ ACTOS SUBMETIDOS A IRC que possam ser tributáveis e cujo ónus da prova incumbia à Administração Fiscal, pelo que a liquidação de IRC ora impugnada, por se reportar a data posterior à declaração de falência, é legalmente inadmissível e fundamentalmente errónea.
9) Assim, sempre se dirá que a Massa Falida e o Liquidatário Judicial não estão obrigados a proceder à entrega de quaisquer declarações periódicas. Assim,
10) Sufraga a sentença ora recorrida o entendimento da Administração Fiscal de que o Liquidatário Judicial / massa falida procedesse à entrega de declaração de IRC, originando, pela sua falta, a liquidação oficiosa que se impugna. Porém,
11) O Liquidatário Judicial NÃO É REPRESENTANTE da sociedade falida nos termos e para os efeitos consignados no art.º 109.º do CIRC.
12) Por outro lado e em primeiro lugar, a declaração de falência opera a DISSOLUÇÃO IMEDIATA DA SOCIEDADE - cfr. art.º 141.º, alínea e) do CSComerciais -, embora se mantenha a personalidade jurídica e
13) em segundo lugar, seria muito estranho que a Massa Falida apresentasse actividade sujeita a tributação!
14) Da mesma forma, as contas da agora Massa Falida NÃO PODEM SER FISCALIZADAS PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL, designadamente, ao nível da apresentação ou não das declarações tributárias.
15) Assim, a liquidação ora recorrida, são actos ABSURDOS e ILEGAIS como infra se demonstra; a actividade tributária agora dirigida contra a recorrente constitui, ainda, uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O PRINCÍPIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA FÉ, previstos nos art.ºs 55.º, 56.º e 59.º, n.ºs l a 3 da LGTributária. É que,
16) Os deveres e obrigações do liquidatário social do CSComerciais - cfr. Artigos 147.º a 150.º e 152.º a 161.º do CSComerciais - não se confundem com a figura do Liquidatário Judicial - cfr. Artigos 52º a 65.º do CIRE e Lei n.º 32/2004.
17) Nos termos do disposto nos art.ºs l.º e 46.º, n.º l do CIRE e em situação análoga à do CPEREF, a Massa Insolvente/Falida administrada pelo AI/LJ deve fazer reverter o produto da liquidação em condições especificamente definidas no CIRE/CPEREF para todos os credores e tal obrigação compreende não só o que é apreendido mas igualmente TUDO QUANTO SURJA, EM TERMOS DE BENS E DIREITOS, NA PENDÊNCIA DO PROCESSO, seja a título do produto da actividade da empresa falida se o estabelecimento se mantiver aberto, seja a título do produto da liquidação do já apreendido.
18) Deveras revelador da razão que assiste à recorrente é que, desconhecendo-se com que fundamentos ou a que título, foi entregue uma declaração de Modelo 22, relativa a IRC do ano de 2005, pelo legal representante da sociedade falida. Assim sendo,
19) Com a declaração de falência, opera-se a "morte" da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária.
20) Tal questão encontra-se jurisprudencialmente assente no ACÓRDÃO do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01107/12, datado de 09.07.2014, que UNIFORMIZOU JURISPRUDÊNCIA no sentido de que
Sumário: Constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades e equivalendo, para efeitos fiscais, essa dissolução à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e art. 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorre a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
21) Ou seja, se a sociedade MORRE/EXTINGUE-SE para efeitos de procedimento contraordenacional, também deverá extinguir-se, designadamente quanto à INEXISTÊNCIA DE ACTIVIDADE sujeita a tributação, para efeitos de IRC.
22) Dito de outra forma, o escopo do Liquidatário Judicial é, exclusivamente, a atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa falida, não podendo assumir os deveres funcionais do T.O.C.
23) A responsabilidade pelo eventual incumprimento de declarações fiscais ou outras deve ser assacada ao devedor principal (falida) e, se for o caso, ao R.O.C, ou T.O.C, em cuja actuação se subsume o incumprimento das declarações fiscais ou outras infracções, por incumprimento dos deveres de fiscalização e regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.
24) Sendo que, após a declaração de falência, os únicos responsáveis pelo cumprimento das declarações de imposto são quem tem competência legal para tal, designadamente, em regra, os T.O.C, que, deixam de existir, na prática, na massa falida, não sendo substituídos na sua função por qualquer outro profissional.
25) Por seu lado, a empresa, declarada falida, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o Liquidatário Judicial.
26) É este o princípio que releva claramente do disposto no art.º 82.º, n.º l do CIRE. Assim sendo,
27) tenta a Administração Fiscal obter dividendos de tributação e, no rateio/distribuição do produto da liquidação, ainda obter pagamentos preferenciais, o que constituiria um duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade.
28) Significando: revelar-se-ia manifestamente desproporcional que o processo de falência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais credores e da falência.
29) Pelo que, por tudo quanto resulta supra exposto, deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.
30) Nestes termos, pugna-se pelo exarar de decisão que, avalizando os argumentos ora expostos, já que a pretendida liquidação ocorre após a persistência do processo de falência, quer por força da ilegitimidade e nulidade daquela liquidação, já que a Massa Falida não está sujeita a IRC, determine a :
a) A invalidade do acto de liquidação, por inexistência de lucro tributável imputável à Massa Falida após a declaração de falência, porquanto, com a declaração de falência, opera-se a "morte" da sociedade;
b) Subsidiariamente, a ilegitimidade do Liquidatário Judicial, já que a empresa, declarada falida, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o Liquidatário Judicial, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º l do CIRE.
c) Procedendo assim integralmente a presente impugnação.

Não há registo de contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 237 e verso, dos autos), no qual se pronuncia no sentido da concessão de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
a) Por sentença proferida em 4/12/2000, foi a Impugnante declarada falida - cf. fls. 34.
b) Em 13/10/2011 foi emitida a liquidação n.º …, relativa ao exercício de 2007 no valor de € 20.033,52 - cf. fls. 32.
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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«Factos Não Provados // Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita. // Motivação da decisão de facto // A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
c) Na Assembleia de Credores de 28 de Novembro de 2000 não foi aceite a recuperação da empresa – fls. 264/266.
d) Na sentença referida em a), foi ordenada a imediata apreensão dos bens da falida, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.
e) Em 19.01.2011, o liquidatário judicial da massa falida apresentou no Tribunal de Comércio de Lisboa a prestação de conta corrente de receitas e despesas, tendo sido efectuados os pagamentos aos credores – fls. 267/272.
f) Em 25 e 26 de Maio de 2011, foram publicados no Diário de Notícias anúncios relativos à prestação de contas – fls. 273/274.
g) Foram efectuados os pagamentos aos credores de acordo com o rateio - fls. 267/272
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2. 2. De Direito.
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 174/181, que julgou improcedente a impugnação deduzida por “Massa Falida de …, SA” contra a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2007.
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob escrutínio, porquanto a massa falida não exerce qualquer actividade, não podendo a mesma ser objecto de tributação ou ser sujeita ao dever de prestação de declarações fiscais.
A recorrente sustenta a sua posição nas asserções seguintes:
1) O liquidatário não é o representante da sociedade para efeitos do disposto no artigo 109.º do CIRC.
2) A declaração de falência da sociedade opera a dissolução imediata da sociedade.
1) Os deveres e obrigações do liquidatário da sociedade não se confundem com a figura do liquidatário judicial.
2) O escopo do liquidatário judicial reside na atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa falida, não podendo assumir deveres funcionais do TOC.
2.2.3. A recorrente peticiona o reconhecimento da invalidade do acto de liquidação. Por seu turno, a sentença em crise julgou improcedente a impugnação com base na argumentação segundo a qual «a impugnante tinha a faculdade de comprovar que a matéria tributável apurada pela Administração Tributária não correspondia à verdade, ou que era inexistente, o que não alegou, nem comprovou, pelo que improcede a presente acção».
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a seguinte:
a) «A sociedade dissolvida na sequência de processo falimentar continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, ficando sujeita, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, às disposições previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação, mantendo-se vinculada a obrigações fiscais declarativas. // A inexistência de facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e a falta de obtenção de quaisquer receitas constitui um vício que pode ser imputado à liquidação oficiosa do imposto por falta de entrega da declaração periódica de rendimentos» [Acórdão do STA, de 24.02.2011, P. 1145/11].
b) «A sociedade declarada falida não se considera extinta - «A falência sendo uma causa de dissolução das sociedades comerciais, não extingue a personalidade jurídica da sociedade declarada falida, que se mantém, apenas se considerando a sociedade extinta pelo registo do encerramento da liquidação – arts. 160º, nº2, e 146º, nº 2, do CSC». Acórdão do STJ, de 28.02.2012, P. 106/2001.L1.S1
c) «1. São realidades distintas, sujeitas a regimes igualmente distintos, a dissolução e liquidação da sociedade e a sua extinção. // 2. Dissolvida a sociedade, esta entra em liquidação, mantendo ainda a sua personalidade jurídica, sendo os seus administradores os liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido. // 3. Com a extinção – que só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação – deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem». [Acórdão do STJ, de 26.08.2008, P. 08B1184].
A este propósito, estatui o artigo 73.º do CIRC (“Sociedades em liquidação”) (versão vigente) o seguinte: «1. Relativamente às sociedades em liquidação, o lucro tributável é determinado com referência a todo o período de liquidação. // 2. Para efeitos do disposto no número anterior, deve observar-se o seguinte: // a) As sociedades que se dissolvam devem encerrar as suas contas com referência à data da dissolução, com vista à determinação do lucro tributável correspondente ao período decorrido desde o início do exercício em que se verificou a dissolução até à data desta; // b) Durante o período em que decorre a liquidação e até ao fim do exercício imediatamente anterior ao encerramento desta, há lugar, anualmente, à determinação do lucro tributável respectivo, que tem a natureza provisória e é corrigido face à determinação do lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação; // c) No exercício em que ocorre a dissolução deve determinar-se separadamente o lucro referido na alínea a) e o lucro mencionado na primeira parte da alínea b). // 3. Quando o período de liquidação ultrapasse três anos, o lucro tributável determinado anualmente, nos termos da alínea b), do número anterior, deixa de ter natureza provisória».
Por seu turno, estatui o artigo 109.º/8, do CIRC, que: «[r]elativamente às sociedades ou outras entidades em liquidação, as obrigações declarativas que ocorram posteriormente à dissolução são da responsabilidade dos respectivos liquidatários ou do administrador da falência».
No que respeita às funções do administrador da insolvência ou liquidatário judicial, rege o disposto no artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março. Nos termos do preceito citado, «1. Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão e credores, se existir: // a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação que lhe incumbe promover, dos bens que a integram; // b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica».
«O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incubem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado» - artigo 59.º/1, do CIRE.
A sentença recorrida, para julgar improcedente a impugnação, considerou, em síntese, que: «(…) o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta a que, nos termos dos artigos 231.º e seguintes do CPEREF, se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade. E até o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em vigor desde 18/09/2004, continua a prever a possibilidade de a sociedade poder retomar a sua actividade comercial após ter sido declarada insolvente (artigos 230º e 234º). O que significa que, relativamente às sociedades em liquidação em processo de falência, não é o facto de se tratar de uma execução universal de bens e de se estar em presença de uma situação económica deficitária que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC» e que «[n]o caso dos autos, a impugnante tinha a faculdade de comprovar que a matéria colectável apurada pela Administração Tributária não correspondia à verdade, ou que era inexistente, o que não alegou, nem comprovou, pelo que improcede a presente acção».
Sem embargo, o presente entendimento não se pode manter.
É certo que o processo falimentar não contende com a existência e com o exercício da actividade da sociedade falida, pelo que a mesma não deixa de ser sujeito passivo do IRC, sujeita às normais obrigações declarativas, cujo cumprimento, em nome da massa insolvente, compete ao administrador da insolvência – artigo 109.º/8, do CIRC. Mas, este regime não se coaduna com o disposto no artigo 181.º/2, do CPPT, que impõe ao liquidatário judicial o dever de requerer a avocação ao processo de falência dos processos em que o falido/insolvente seja executado ou responsável a fim de serem apensados àquele. A liquidação oficiosa de imposto (artigo 91.º do CIRC/2008 ou artigos 89.º/b) e 90.º/1, do CIRC/2011) não pode subsistir sempre que a mesma tenha apenas por base a alegada omissão declarativa do administrador da massa insolvente, sem atender à situação concreta desta última. No caso, à data da liquidação já tinha sido encerrado o estabelecimento e ordenada a apreensão dos bens da falida(1). No mesmo sentido depõe o disposto no artigo 65.º do Código de Insolvência e da recuperação de empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março (versão conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril). Ou seja, «conforme a administração passou a ser confiada ao administrador da insolvência, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, ou pelo contrário, foi mantida no próprio insolvente, assim será aquele ou este quem deve agir e responde pelo incumprimento. // Porém, uma vez tomada a deliberação de encerramento do estabelecimento, nos termos do artigo 156.º, n.º 2, extinguem-se todas as obrigações fiscais e declarativas inerentes à actividade do devedor que, evidentemente, cessa»(2).
Por outras palavras, perante a comprovação do encerramento da empresa, no quadro do processo de falência, ocorrido em 28 de Novembro de 2000, perante a apreensão do seu património e o rateio, pagamento das dívidas dos credores e a subsequente prestação de contas, dir-se-á que a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2007 em exame não tem por base elementos que comprovem a ocorrência do facto tributário (o lucro tributável), nem se vê como tal possa suceder perante uma sociedade extinta. O ónus da prova recai sobre a parte que alega o direito (artigos 74.º/1 e 75.º/2, da LGT). Ónus que no caso não foi observado.
Do acima exposto impõe-se concluir que o acto tributário em apreço enferma de erro nos pressupostos de facto, o que determina a sua anulação.
Ao decidir em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo, por isso, ser revogada e substituída por decisão que julgue procedente a impugnação.
Termos em que se impõe conceder provimento ao recurso.
DISPOSITIVO
Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular o acto tributário impugnado.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)



(Cristina Flora - 1º. Adjunto)



(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)


(1)Alíneas c) e d), do probatório.

(2)Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, anotado, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Quid Juris, 2013, p. 382.