Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1133/13.9BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:07/02/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DEMAIS PESSOAS COLECTIVAS PUBLICAS POR ACTO ILÍCITO;
ÓNUS DA PROVA;
CULPA;
CULPA DE SERVIÇO.
Sumário:I - Para se poder efectivar a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas publicas por acto ilícito, praticados pelos seus órgãos ou agentes, exige-se a verificação cumulativa de cinco pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;
II - É ao A. e lesado que compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão, mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado;
III - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor. Ainda nos termos dos mencionados preceitos, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos;
IV – A “culpa do serviço” dispensa culpa subjectiva, personalizada na pessoa de um concreto funcionário ou agente, e que remete para uma culpa anónima ou colectiva, que resultará do deficiente funcionamento generalizado do serviço, de um “funcionamento anormal do serviço”;
V- Não se provando nos autos ter ocorrido uma conduta da entidade demandada, de algum órgão ou agente seu, que tenha violado regras de ordem técnica, ou de deveres objectivos de cuidado, falece o pressuposto facto ilícito que dá lugar à obrigação de indemnizar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

F.............................. interpôs recurso da sentença do TAF de Sintra, que julgou improcedente a presente acção, onde o A. e Recorrente peticionava a condenação dos RR,. Ministério da Saúde (MS) e Instituto de Emergência Médica (INEM), a pagar-lhe uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual, no montante de €30.000,00, por danos não patrimoniais decorrentes da morte da sua Mãe e de €20.000,00, por danos patrimoniais, montantes acrescidos de juros vincendos.
Foi excepcionada pelo MS a sua ilegitimidade passiva. Nessa sequência, foi oficiosamente determinada a intervenção do Estado Português (EP), que foi citado para contestar.
Por despacho de 12/03/2019, o MS e o EP foram julgados partes ilegítimas e absolvidos da instância, que prosseguiu contra o INEM.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”senão inquinar a sentença dos vícios insanáveis, requerendo a sua invalidade, com fundamento em violação do artigo 266º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa passando a enunciar,
1) Não Prossecução dos Fins Públicos de segurança e paz social, (vejamos como uma preocupação de bem estar social o resultado de o cidadão não ser socorrido pelo INEM em casos que é necessário os meios próprios das suas ambulâncias) ao invés, não assegurando a responsabilização extracontratual do Estado, que conforme estipulado na Lei 67/2007 no artigo 9º 1 e 2, apenas se exige Culpa Leve ou mesmo Funcionamento Anormal de serviço para responsabilizar o Estado- querendo com isto o legislador proteger o cidadão dos atos e omissões da Administração Pública, simplificando o esforço de prova deste, recorrer a meios científicos e matemáticos para ver valer os seus direitos.
2) Violar o Princípio da Proporcionalidade, atirando fora a sua responsabilidade como Estado ainda que este enquanto tal tem obrigação e meios que podem reparar nos termos da lei, a situação gravosa a que deu origem, por falha de serviço.
3) Violar o Principio de Justiça da administração pública, por assentar em depoimento contraditório da testemunha do INEM que ao assumir e explicar o procedimento do INEM em Cronologia do Evento - passo a transcrever da sentença: ” bem como a situação do «pacemaker» e o «aneurisma da aorta» da doente em causa, o risco e os fatores de risco, e que o aneurisma da aorta não tem a ver com a dor no baixo ventre de que se queixava, e que a demora de cerca de 01H:3M, em caso de aneurisma, é um tempo muito prolongado (longo), sendo que é de 90 a 97% a taxa de morte nos casos de aneurisma. Foi confrontado com a ¯Cronologia do evento de fls 114-115, que explicou detalhadamente. Mais explicou que, face às queixas apresentadas, a Saúde 24 e o INEM agiram corretamente; o INEM apurou os antecedentes da doente: pacemaker e aneurisma; e que, com esse quadro [dor no baixo ventre, respiração, …] o comportamento do CODU do INEM foi adequado, em mandar recorrer ao Hospital. Quanto à ambulância de transporte, não pode concluir que a decisão do médico do CODU do INEM --de não se enviar uma ambulância com as valências das ambulâncias do INEM, e ser adequada uma ambulância dos Bombeiros, de transporte de doentes--, fosse errada, pois a situação passa pela análise do momento e não é de ¯resposta linear quanto à necessidade de envio de uma ambulância do INEM”, ora tanto puxando para que o tempo perdido de uma hora e meia conduziria à morte, mas não enviando ambulância a atuação era correta, senão que não se pode concluir se é correto o não envio de ambulância (!!) …esta amalgama de palavras antinómicas excluem-se, é mais que um assumir de culpa por duvidas na atuação ainda que por erro, que aliás gerariam dever de indemnizar pelo que a douta sentença deveria ser reformada nesta parte, em que andou tão mal.
5º Em síntese, ressalvando o devido respeito a sentença ora recorrida assentou em erro da aplicação nos pressupostos de direito na apreciação da prova não reconhecendo o preenchimento dos requisitos em concreto da responsabilidade civil do Estado, violando o disposto no artigo 7º da Lei 67/2007 de 31/12 e por isso inquina de invalidade
6º Não prosseguindo os Princípios Fundamentais da Administração Pública, enunciados em 4º, violou o previsto no artigo 266º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, por essa motivação se requer ser considerada inválida e ser revogada.”

O Recorrido INEM nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. Entende o Recorrente, que a Sentença em crise assentou em erro de aplicação nos pressupostos de direito na apreciação da prova não preenchendo os requisitos em concreto da responsabilidade civil do Estado, violando o disposto no artigo 7º da Lei 67/2007, de 31/12.
2. O Recorrente entende ainda que a Sentença contém vícios insanáveis, requerendo a sua invalidade, com fundamento na violação do artigo 261º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), por não Prossecução dos Fins Públicos de Segurança e Paz Pública, por violação do princípio da proporcionalidade e por violação do princípio de justiça da administração pública.
3. Desde logo, o Recorrente não distingue, a alegação do recurso e das suas conclusões, pelo que o Recorrente violou o artigo 144º nº 2 do CPTA, devendo o recurso não ser admitido, nos termos do artigo 145º nº 2 b) do mesmo diploma legal.
4. Caso assim não se entenda, o Recorrente considera que se verifica um erro aplicação nos pressupostos de direito na apreciação da prova não preenchendo os requisitos em concreto da responsabilidade civil do Estado, violando o disposto no artigo 7º da Lei 67/2007, de 31/12.
5. O Recorrente não sustenta minimamente esta sua alegação, não indicando os pontos de facto que considera incorretamente julgados, que especifique os concretos meios probatórios que permita concluir que a prova não foi devidamente apreciada pelo tribunal à quo que imponha uma decisão diversa, bem como não fez uma análise crítica da prova invocada, em confronto com o que consta da motivação da sentença, que permita justificar a alteração da decisão proferida sobre os factos em causa.
6. O Recorrente, desta forma, não deu cumprimento estabelecido no artigo 640º do n.º 1, nem ao previsto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito legal do CPC (aplicável ex vi artigo 140º nº 3 do CPTA, pelo que impõe-se a rejeição do recurso nos termos do artigo 640º, nº 1 e nº 2 alínea a) do CPC.
7. Sem conceder, o Recorrente alega, ainda, a existência de vícios insanáveis da Sentença por violação do artigo 266º nºs 1 e 2 da CRP por não Prossecução dos Fins Públicos de Segurança e Paz Social, por violação do princípio da proporcionalidade e por violação do princípio de justiça da administração pública.
8. Quanto a esta alegada violação daquele preceito constitucional, o Recorrente limita-se a fazer conclusões, sem apresentar quaisquer factos ou fundamentos com base na prova produzida que sustentem a sua posição, ignorando, por completo, a prova produzida em tribunal e os factos que face à mesma o tribunal recorrido considerou provados.
9. Não se verificando na Sentença em crise qualquer violação da referi norma constitucional ou de qualquer outra.
10. A Decisão em crise revela-se bem fundamentada com base em critérios objetivos e lógicos, pois o Mmo. Juiz à quo não se limita a extrair conclusões, mas explicita, de forma clara, com base na prova produzida quais as razões objetivas que em baseou a sua convicção.
11. Deverá, assim, face a todo o exposto, improceder na sua totalidade o Recurso devendo ser confirmada a Sentença recorrida.”


II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
1) -O Autor [A], F.............................., NIF ..................., reside na Rua ……………, n° …., 1ª Cave Dtª, Tapada das Mercês, Mem Martins, Sintra.
2) -O Réu, Instituto Nacional de Emergência Médica [INEM], é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, [artigos 1º-1, e 4º, do DL 34/2012, de 14/02], e tem sede na Rua……………., ….., Lisboa.
3) -O trabalho do Centro de Orientação de Doentes Urgentes [CODU] do INEM tem por objetivo efetuar a triagem dos pedidos de assistência médica encaminhados pelo Número Europeu de Emergência – «112»; assim, após a recepção da chamada telefónica, são efetuadas uma série de perguntas que se destinam a avaliar o grau de emergência da situação em questão, a localização correta da ocorrência, e o tipo de meios de socorro a enviar para o local, bem como o hospital de drenagem; e sempre que, do ponto de vista clínico se justificar, o INEM envia as ambulâncias necessárias para o local, para a resolução de situações --DOC 4, fls 16vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4) –A L……………., SA [¯Linha Saúde 24], com o NIPC…………, é uma sociedade comercial anónima, com sede na Avª………., nº………, 11º, Lisboa.
5) -A referida L………………….., SA, celebrou com o Estado Português o contrato de prestação de serviços de fls 42 a 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que tem por «objeto a conceção, projeto, instalação. financiamento, exploração e transferência para a Entidade Pública Contratante do Centro de Atendimento do SNS» [artigo 5º, nº 1], que presta, entre outros, o «Serviço de Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento: serviço de contactos de teor clínico que disponibiliza o acesso a um profissional de saúde que avalia o nível de risco sobre os sintomas descritos pelo Utente, presta aconselhamento, incluindo o auto-cuidado e, caso se verifique necessário, encaminha o doente para a estrutura de cuidados de saúde da rede de prestação de cuidados de saúde mais apropriada à sua condição do momento» [artigo 5°, nº 2-a)].
6) -Nos procedimentos de atendimento da Linha de Saúde 24, --Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento [TAE]-- para efeitos de avaliação de sintomas, são utilizados algoritmos, ou seja, árvores de decisão clínica pré-determinadas, que orientam a avaliação dos enfermeiros que atendem a Linha Saúde 24 e garantem a sua qualidade – Testemunhas e DOC dos autos a fls 111 e 112, (Cronologia de Evento).
7) -O Autor é filho de A................... –Certidão do assento de nascimento nº ……….., lavrado em 23/09/1958, na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, actual assento de nascimento nº …………, da Conservatória do Registo Civil de Lisboa, DOC 1 da PI, fls 11 e vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8) -Em 20/02/2012, a mãe do A, A..................., tinha 91 anos de idade, era viúva e residia na referida Rua…………….., ……., 1ª Cave Dtª, Tapada das Mercês, na morada do Autor -DOC 2 da PI, fls 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9) -Em 20/02/2012, estando em casa com o Autor, cerca das 20h, a mãe deste começou a sentir-se mal; no seguimento do que o Autor telefonou para a ¯Linha Saúde 24, dizendo que a Mãe se queixava de uma dor abdominal, na zona do baixo ventre, rígido, e de dificuldade de respirar, tendo sido aconselhado, perante as queixas apresentadas, que a mesma tomasse paracetamol e fosse transportada ao Serviço de Urgência do Hospital da área de residência –o Hospital Doutor Fernando da Fonseca, também conhecido por Hospital Amadora-Sintra - cfr DOC 3 da PI e 4, fls 15 e 16vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10) -Perante a sintomatologia descrita, acabada de referir, no contato feito à Linha de Saúde 24, esta procedeu à avaliação com recurso ao algoritmo ¯Cólica Abdominal, concluindo pela necessidade de recurso à urgência hospitalar, para onde deveria ser transportada; e enviou a notificação de fls 57 a 59, DOC 2, da Contest do MS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11) -Em 20/02/2012, pelas 21:29H, por não conseguir transportar a mãe sozinho ao Hospital e esta se queixar ainda mais, o Autor telefonou para o CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes] do INEM a pedir uma ambulância para o transporte da sua mãe ao Hospital, tendo a operadora da comunicação referido, entre o mais, que, a ¯Linha Saúde 24, quando encontra sinais de gravidade, transfere directamente a chamada para o INEM [em vez de mandar telefonar para o INEM] --DOC 4 da PI, fls 16 e vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12) -Nesse contexto e momento, a operadora do CODU do INEM continuou com a triagem da situação, e o Autor informou que a mãe não estava a respirar normalmente, encontrando-se muito ofegante; pelo que a operadora pediu para falar diretamente com a doente, pelo telefone, para ouvir a sua respiração, e, tendo confirmado a dificuldade respiratória, recolhido a morada e número de utente da mãe do Autor para esclarecer a situação com a Linha Saúde 24, o que fez, entrando em contacto com o profissional da Linha Saúde 24 ---DOC 4 da PI, fls 16vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13) -De seguida, no mesmo contexto, a operadora do CODU do INEM, após terminar o contacto com a profissional da Linha Saúde 24, voltou à chamada com o ora Autor; na sequência do que o Autor informou a operadora do CODU do INEM que a doente, sua mãe, tinha como antecedentes pessoais «pacemaker» (1) e «aneurisma na aorta» --DOC 4 da PI, fls 16vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14) Na sequência e no mesmo contexto, a operadora do CODU do INEM, transmitiu ao médico do CODU todas as informações disponíveis sobre a situação em questão, tendo o médico decidido que que não era necessário o envio de uma ambulância de emergência do INEM, não havendo inconveniente em a doente ser transportada em ambulância de transporte dos bombeiros --DOC 4 da PI, fls 16vº, e «Cronologia de Evento» Nº……………., de fls 111 e 112 [114 e 115], cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15) -Em 20/02/2012, no seguimento da decisão do Médico do CODU do INEM, o Autor telefonou para os Bombeiros Voluntários de Algueirão-Mem Martins, área da residência, solicitando o transporte de ambulância da sua mãe para referido Hospital Fernando da Fonseca; tendo os referidos bombeiros voluntários comparecido na sua morada e procedido ao transporte da mãe do A para o referido Hospital --DOC 5 da PI, fls 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16) -Chegados ao referido Hospital Fernando da Fonseca, --ainda antes da inscrição da doente mãe do A, na Urgência Hospitalar--, a mesma doente manifestou a necessidade absoluta de ir à casa de banho, pelo que, para o efeito, foi ajudada pelo ora Autor e por um dos bombeiros que os acompanharam.
17) -Nesse dia 20/02/2012, e nesse momento, no Hospital Fernando da Fonseca, Amadora, a mãe do A, A..................., ficou inanimada nos braços do Autor, antes de ter recebido assistência; vindo o óbito da mesma a ser declarado como ocorrido pelas 04:30H de 21/02/2012 --certidão do assento de óbito nº…………, da Cª do Registo Civil de Sintra, DOC 2 e 3 da PI, fls 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18) -Em dada não indicada, mas anterior a 23/08/2012, o ora A apresentou uma reclamação junto do INEM, acerca do atendimento ocorrido em 20/02/2012, acima referido, na sequência do que o INEM abriu o processo nº……….., da Inspeção-Geral das atividades em saúde, para averiguações -DOC 3 e 4 da PI, fls 13/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19) -Em 23/08/2012, no processo nº 23/2012-ESC, o Assessor Médico emitiu o Parecer Médico IGAS Nº 33/2012, de fls 14 e 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual ora se destaca o seguinte:
«(…) Após leitura atenta dos documentos agora presentes no Processo verifica-se que a Sra. D. A..................., no dia 20 Fev 2012, terá apresentado umas queixas por ela definidas como cólicas.
Foi contatado o Serviço Saúde 24, que perante as queixas apresentadas, aconselhou que tomasse Paracetamol e recorresse ao Serviço de Urgência do Hospital da área de residência (Hospital Prof. Doutor Fernando da Fonseca).
Porque a situação se agravou foi contatado o INEM, para fazer o transporte da doente. O Operador de Serviço, após escutar a descrição da sintomatologia, considerou não se tratar de uma situação de emergência médica, peio que aconselhou o transporte numa ambulância de uma corporação de Bombeiros. Assim aconteceu, e já no Hospital, antes deter sido observada, a doente foi à casa de banho, terá feito algum esforço, pelo que rompeu um aneurisma da Aorta, falecendo pouco tempo depois.
O rompimento de um aneurisma da Aorta é uma situação de extrema gravidade, necessitando de uma cirurgia vascular de emergência, conduzindo muitas vezes a morte do doente.
Com base na documentação agora presente no Processo é tudo o que posso confirmar (…)».
20) -Em 24/08/2012, no processo nº……….., foi proferido o despacho manuscrito aposto no referido Parecer Médico IGAS Nº 33/2012, no sentido de ser remetida cópia ao reclamante para em 10 dias se pronunciar; o que lhe foi comunicado pelo ofício de 05/09/2012, de fls 13, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
21) -Em data não indicada, mas, em resposta à referida reclamação, o Presidente do Conselho Directivo do INEM subscreveu a comunicação de fls 16 e 17, [supra citado DOC 4 da PI], do qual agora se destaca o seguinte:
«(…) No caso em questão, e tendo em conta as informações recolhidas pela operadora no diálogo com V. Exa e na decisão da Linha Saúde 24, entendeu o médico do CODU não existir nenhum critério que indicasse a necessidade do acionamento de uma ambulância de emergência. Contudo, pela audição das chamadas e perante os sinais e sintomas, apresentados pela doente, não podemos concordar com a avaliação feita por este profissional.
Assim, concluímos que esta decisão foi incorreta, pois a situação clínica da doente justificava o envio de uma ambulância de socorro, por apresentar dificuldade respiratória.
Em função desta reclamação, informamos que procedemos desde já à abertura de um processo de inquérito interno para apurar o que falhou nesta situação, procurando desta forma evitar que situações idênticas ocorram no futuro.
Os dados apurados aquando da triagem feita pelo CODU deveriam ter prevalecido sobre a decisão, independentemente da decisão tomada pela Linha Saúde 24, a qual, recordamos, encaminha para o INEM qualquer situação que entendam ser de emergência. É este o procedimento normal e quotidiano entre as duas entidades - Linha Saúde 24 e CODU do INEM - pelo que não encontramos qualquer explicação para quando refere terem informado V. Exa que ¯não chamavam o INEM.
Apesar de não haver a garantia de que o desfecho pudesse ter sido outro -mesmo no Hospital, após a administração dos cuidados de saúde necessários não foi possível evitar o falecimento (…) - situações como esta que sê passou são encaradas pelo INEM com elevado pesar. (…)».
22) -O Autor requereu e foi-lhe concedido Apoio Judiciário – DOC fls 19.
23) -Em 30/08/2013, a Autor deu entrada em juízo à presente acção --fls 2 e 3.
24) -Pela subitaneidade do acontecimento, o A ficou perturbado com o falecimento da Mãe, o que lhe causou dor, sofrimento, angústia e abatimento.
25) O Autor ficou profundamente chocado e angustiado por sua Mãe lhe ter falecido nos braços, nos sanitários do Hospital Doutor Fernando da Fonseca, sem nada poder fazer, absolutamente impotente para a auxiliar.
Mais se provou, pela audição dos médicos em julgamento, que:
26) - Não se pode concluir que o Médico do CODU do INEM decidiu mal, quanto ao (não) envio de uma ambulância do INEM, para transporte da mãe do A ao Hospital, porque se trata de uma decisão segundo as concretas circunstâncias e informações de cada caso e do momento, passando a resposta médica pela análise da situação, não sendo de “resposta linear” o envio de uma ambulância do INEM, podendo ser transportada numa ambulância (comum) dos Bombeiros, desde que numa posição confortável (deitada), sendo que a ambulância do INEM, em regra para suporte de vida no local, no caso, em nada ia adiantar.
Não se provaram outros factos relevantes, além dos referidos, nomeadamente, que:
-Os problemas de saúde descritos, da mãe do A, estivessem devidamente controlados [19 da PI].
-Fizesse uma vida normal, para uma pessoa da sua idade: por vezes saísse com amigas, saía também com a neta, ajudava o filho nas lides da casa [20 da PI].
-Um fim tão súbito e brusco se tenha ficado a dever a um erro na triagem de uma situação de emergência [21 da PI].
-O absurdo de tal situação tivesse sido causado por um erro dos RR, e que, se a Mãe do A tivesse sido transportada numa ambulância de socorro do INEM, ainda estivesse viva [27 da PI].

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir da questão prévia suscitada pelo Recorrido, da não admissão do recurso por violação do art.º 144.º, n.º 2, do CPTA, por faltarem alegações, por o recurso apresentar uma indicação de factos, após ao que se passa, de imediato, às conclusões;
- aferir da questão prévia suscitada pelo Recorrido, do incumprimento do art.º 640.º do Código de Processo Civil (CPC), caso se entenda que o Recorrente pretende impugnar o julgamento de facto;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 e dos princípios da proporcionalidade e da justiça, por estar mal apreciada a prova, da qual resulta a existência de culpa de serviço.

O art.º 144.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), exige que o requerimento de recurso seja acompanhado de alegações, onde se enunciam os vícios imputados à decisão. Após, devem ser indicadas as conclusões de recurso.
O recurso apresentado cumpre o indicado preceito, pois inicia com alegações, que se referem a matéria factual e de Direito e termina com “conclusões”. É certo, que nas “conclusões” o Recorrente invoca matéria a que não se refere no corpo das alegações, delas se apartando. Porém, essa mesma circunstância não implica, por si só, a não admissão do recurso.

Apreciado o recurso, compreende-se, que o Recorrente não quer impugnar o julgamento da matéria de facto, mas só o julgamento de Direito. Ou seja, o Recorrente invoca um erro na apreciação de Direito, atendendo à matéria de facto que foi dada por assente.
Nestes termos, não tinha o Recorrente que cumprir os ónus do art.º 640.º do CPC, pois, verdadeiramente, não impugna o julgamento da matéria de facto.

O art.º 22.º da CRP consagra o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, por danos causados no exercício das suas funções.
Por seu turno, a Lei nº 67/2007, de 31/12, vem regular o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas. Porém, quer no referente aos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana do Estado e demais pessoas colectivas públicas, fonte da obrigação de indemnização, quer quanto ao conteúdo dessa obrigação, aquela Lei manteve por referência o regime geral da responsabilidade civil, nomeadamente o estatuído nos art.ºs. 483.º e 562.º a 572.º, do Código Civil (CC).
Assim, para se poder efectivar a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas publicas por acto ilícito, praticados pelos seus órgãos ou agentes, exige-se a verificação cumulativa de cinco pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – cf. art.º 7.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Lei nº 67/2007, de 31/12.
Por seu turno, em termos de ónus de alegação e prova, por aplicação do art.º 487º, n.º 1, do CC, é ao A. e lesado que compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão, mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado – cf. art.º 342º, n.º 1, do CC.
Ou seja, ao A. e lesado compete expor na sua PI, a causa de pedir, o acto ou facto concreto (simples ou complexo) donde emerge o direito que invoca e se propõe fazer valer em juízo – teoria da substanciação (cf. art.ºs. 78.º, n.º 1, al. f), do CPTA e 552º, n.º 1, al. a), do CPC).
No que se refere à causa de pedir nas acções de responsabilidade civil é, em regra, complexa, isto é, não se circunscreve ao facto gerador dos danos, antes assenta em vários factos que entrecruzados fundamentam a pretensão do autor/lesado. Note-se, ainda, que não é todo e qualquer facto que constitui a causa de pedir, mas apenas o ou os factos principais e decisivos, uma vez que os factos instrumentais apenas tendem a demonstrar a realidade da causa petendi.
Quanto ao primeiro pressuposto para a efectivação da responsabilidade - o facto - deve ser um comportamento ou uma conduta voluntária do agente – porque objectivamente controlável ou dominável pela sua vontade - praticado no exercício das suas funções e por causa delas. Pode ser um facto positivo – uma acção – ou um facto um facto negativo – uma omissão. O facto pode traduzir-se, também, numa acto jurídico ou num acto ou conduta material – cf. art.º 7.º, n.º 1, da Lei nº 67/2007, de 31/12.
No que concerne à ilicitude, é a que advém da violação, por aquele facto, de disposições ou princípios, constitucionais, legais ou regulamentares, ou de regras de ordem técnica, ou de deveres objectivos de cuidado, que se destinam a proteger interesses alheios e de que resulte a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos - cf. art.ºs. 7.º, n.ºs 1, 3 e 4 e 9.º da Lei nº 67/2007, de 31/12.
Para que o facto seja ilícito não basta, portanto, a conduta, mas é ainda necessário que a mesma produza um dado resultado. Ou seja, para efeitos de integração dos pressupostos de responsabilidade civil, não basta que haja uma mera violação de uma disposição legal – uma ilicitude de conduta – mas a lei exige, ainda, que aquela violação se traduza numa ofensa de uma disposição legal que se destina a proteger interesses alheios, designadamente, exige-se que resultem violados direitos ou interesses juridicamente protegidos dos administrados, ou disposições legais destinadas a assegurar posições jurídico-subjectivas dos cidadãos – exige-se, assim, também, uma ilicitude de resultado (cf. o art.º 9.º da Lei nº 67/2007, de 31/12).
Quanto ao pressuposto culpa, reporta-se ao nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente.
Conforme art.º 10.º, n.ºs 1 e 2, da Lei nº 67/2007, de 31/12, a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor. Ainda nos termos dos mencionados preceitos, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
Os art.ºs 9.º, n.º 2 e 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 67/2007, de 31/12, na esteira do que foi sendo desenvolvido pela jurisprudência e já vinha determinado no anterior Decreto-Lei n.º 48051, de 21/12/1967, admite, também, a chamada “culpa do serviço”.
Trata-se de uma figura que dispensa culpa subjectiva, personalizada na pessoa de um concreto funcionário ou agente, e que remete para uma culpa anónima ou colectiva, que resultará do deficiente funcionamento generalizado do serviço, de um “funcionamento anormal do serviço”.
Já o padrão a partir do qual deve ser apreciada a culpa, é reportado a uma culpa abstracta, aferida pelo modelo do “homem médio”, pela diligência de um bonus pater famílias, em face das circunstâncias de cada caso, que é indicada no art.º 487.º, n.º 2, do CC.
O dano será a lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do terceiro.
Diz o A. e Recorrente que ocorreu um erro decisório, por da prova produzida, designadamente do testemunho do Director do INEM, resultar a existência de culpa de serviço.
Contudo, dos factos apurados de 9) a 17), 19), 20) e 26), não decorre ter existido, no caso, uma conduta do INEM, de algum órgão ou agente seu, que tenha violado regras de ordem técnica, ou de deveres objectivos de cuidado.
Como decorre expresso do facto provado em 26), o médico do CODU do INEM não terá decidido erradamente quando não determinou o envio de uma ambulância do INEM para transportar a Mãe do A. e remeteu tal transporte para uma ambulância (comum) dos bombeiros atendendo à sintomatologia descrita por telefone – uma dor abdominal.
Desse mesmo facto, conjugado com o facto 19), decorre que o envio da ambulância do INEM, em regra, visa o suporte de vida no local e, no caso, a situação da Mãe do A. não apresentava a necessidade de tal suporte.
Identicamente, atendendo a que a Mãe do A. veio a falecer já no hospital, imediatamente após um esforço que fez por ter ido à casa de banho, que levou ao rompimento do aneurisma da aorta, decorre que a razão da morte não foi a falta daquele suporte de vida no local de onde foi transportada.
Mais se indique, que foi dado por não provado nos autos que a razão da morte da Mãe do A. tivesse por base um erro de triagem na situação de emergência. Ficou também dado por não provado que se a Mãe do A. tivesse sido transportada de ambulância do INEM ainda estaria viva.
Portanto, atendendo à matéria factual provada há que confirmar a decisão recorrida, pois não se verifica nos autos a existência de um facto ilícito que dê lugar à obrigação de indemnizar.
Acompanha-se, portanto, aquela decisão e nomeadamente quando julgou da seguinte forma: ”Como resulta do probatório, o CODU do INEM tem por objetivo efetuar a triagem dos pedidos de assistência médica encaminhados pelo Número Europeu de Emergência – «112»; e após a recepção da chamada telefónica, são efetuadas uma série de perguntas que se destinam a avaliar o grau de emergência da situação em questão, a localização correta da ocorrência, e o tipo de meios de socorro a enviar para o local, bem como o hospital de drenagem; e sempre que, do ponto de vista clínico se justificar, o INEM envia as ambulâncias necessárias para o local, para a resolução de situações.
A Linha de Saúde 24, por outro lado, presta, como também resulta do probatório, serviço de triagem, aconselhamento e encaminhamento, através de contactos de teor clínico com um profissional de saúde, que avalia o nível de risco sobre os sintomas descritos pelo utente, presta aconselhamento, incluindo o autocuidado e, caso se mostre necessário, encaminha o doente para a estrutura de prestação de cuidados de saúde «mais apropriada à sua condição do momento» [artigo 5°, nº 2-a) do supra referido contrato].
Assim, a obrigação em causa é uma obrigação de meios e não de resultados.
No caso, dito por palavras simples, o núcleo da questão reside na circunstância de o médico do Centro de Orientação de Doentes Urgentes [CODU] do INEM, ora Réu, não ter enviado uma ambulância do próprio INEM [com as valências médicas próprias desse tipo de ambulâncias], e antes ter decidido que a doente, mãe do A, fosse conduzida às urgências do Hospital, mas, noutro tipo de ambulância, as ambulâncias comuns, dos Bombeiros Voluntários. Note-se, é disso que se trata. E infere-se, depois, na PI, que, se o médico do CODU do R tivesse mandado à morada do A, e da paciente, uma ambulância do INEM, esta não teria falecido.
A Linha Saúde 24 informou o A de que devia dirigir a paciente, sua mãe, ao Hospital; e que o devia fazer, nomeadamente, através de uma ambulância.
Ora, o Autor, não levou de imediato a referida paciente, sua mãe, à urgência do Hospital, nem chamou uma ambulância, nomeadamente dos Bombeiros Voluntários, vindo apenas a chamá-la, cerca de 01:30H após esse aconselhamento e depois de ter ligando para o CODU do INEM que, do mesmo modo, o aconselhou a levar a doente ao Hospital, chamando uma ambulância, por entender não se tratar de situação adequada ao envio de uma ambulância com as valências de suporte de vida e socorro médico do INEM.
Pelo que, desde logo por aqui, não é possível concluir que, a morte da mãe do A resulte direta e/ou necessariamente do facto de o médico do CODU do INEM não ter mandado uma ambulância das do tipo do INEM para transportar a infeliz paciente ao Hospital
Não resulta minimamente provado que a morte da paciente tivesse resultado, mesmo que hipoteticamente, desse atraso na condução da mãe do A para o hospital, ou, sequer, de que a morte tivesse a ver com qualquer atraso, ou envio de ambulância do INEM.
Nada garante que a morte da mãe do A não tivesse acontecido por razões e antecedentes completamente estranhas a envios de ambulâncias, do INEM ou outra entidade.
Cumpre salientar ainda que, de acordo com os elementos do probatório, o A só comunicou os antecedentes da paciente, «pacemaker» e «aneurisma da aorta», depois de ter telefonado para a Linha de Saúde 24, já na sequência de o CODU do INEM ter contactado com aqueles serviços da Linha de Saúde 24, para apurar dúvidas, em face do que lhes foi comunicado como tendo sido dito pelo ora Autor.
E, ponderado esse novo fator dos antecedentes, o médico do INEM entendeu que era de conduzir a paciente para as urgências do Hospital, mas, não em ambulância de suporte de vida e demais valências, no local, como são as do INEM, mas sim através de ambulância de transporte de pacientes para o Hospital, onde, infere-se, depois seria avaliada e assistida.
Como dissemos acima, os referidos pressupostos da responsabilidade civil são sempre cumulativos. O que significa que, a não verificação de um deles basta para a improcedência do direito à indemnização.
O primeiro elemento a verificar tem de ser o facto e a sua alegada ilicitude. Se não se verificar a prática do facto ilícito gerador da responsabilidade, fica prejudicada a verificação obrigatória dos restantes elementos, designadamente da culpa e do nexo entre o facto ilícito e o dano, improcedendo logo a pretensão indemnizatória.”
Em suma, o presente recurso claudica.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 2 de Julho de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)


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(1) Trata-se, grosso modo, de um dispositivo médico que gera impulsos elétricos entregues pelos elétrodos para contrair os músculos do coração e regular o sistema de condução elétrica do coração.