Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06207/10
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:SERVIDÃO NON AEDIFICANDI - INDEMNIZAÇÃO DE SACRIFÍCIO – JUS AEDIFICANDI
Sumário:1. O direito de construir (jus aedificandi) constituído pela respectiva licença assume a natureza de direito subjectivo privado de natureza real, oponível erga omnes e insusceptível de ser sacrificado, ainda que em favor do interesse público, sem o pagamento de uma justa indemnização – artº. 62º nºs 1 e 2 CRP.
2. Mesmo não existindo nenhuma das situações previstas no artº 8º nº 2 do Código das Expropriações, a constituição de uma servidão administrativa dará sempre lugar a indemnização no âmbito do artº 16º do RRCEE (Lei 67/2007 de 31.12), quando a mesma produza, na esfera jurídica do proprietário, um prejuízo concreto, grave e anormal.
3. Designadamente, quando o proprietário vê reduzido o valor económico e de mercado do bem por força da eliminação ou redução da capacidade edificativa que o prédio possuía antes de estar onerado com a servidão non aedificand constituída para protecção de estrada no âmbito do artº 3º nºs. 1 e 2 DL 13/94 de 15.01.


A Relatora,
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Herdeiros de ... , com os sinais nos autos, inconformados com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé dela vêem recorrer, concluindo como segue:

1 De acordo com a sua própria fundamentação, a Douta Sentença recorrida entendeu que a A. pretende obter a condenação do Réu por alegados actos ilícitos, por não ter iniciado de imediato quando da ordem de suspensão dos pavilhões o processo expropriativo.
2 No entanto, resulta do processo que, face ao conteúdo da contestação, apresentada pela R. que "na verdade após uma ponderação exaustiva e detalhada desde 3.12,2002, data em que foi ordenada a suspensão das obras iniciadas pelos AA., concluiu-se que a melhor opção do ponto de vista da viabilização da EN2 - Ligação S. Brás de Alportel, não passará pela afectação dos terrenos dos M," (art° 22°), "sendo desta forma possível aos mesmos iniciarem as obras... "(art° 23°).
3 Em consequência do conteúdo destes artigos da Contestação, na sua Réplica, a A. vem alterar o pedido que passou a ser o seguinte: (..) deve a presente acção ser julgada provada e procedente e o R. condenado a pagar à A: a) A quantia de 114,000,00 €uros de danos patrimoniais causados, pela suspensão da obra de 3 de Dezembro de 2002 até 3 de Dezembro de 2004, acrescidos dos juros legais contados desde esta data até ao integral pagamento; b) A quantia de 24.000,00 €uros de danos patrimoniais correspondentes ao aumento do custo da construção face ao aumento do custo dos materiais e da mão-de-obra verificados nos últimos dois anos, acrescidos dos juros legais contados desde 3 de Dezembro de 2004, até ao integral pagamento; c) Custas e procuradorias condignas.
4 Em despacho saneador, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo admitiu a ampliação da causa de pedir e do pedido formulado pela A, em sede de Réplica, nos termos do art° 273° do CPC.
5 E absolveu o R da instância quanto ao pedido formulado pela A de iniciar de imediato o processo de expropriação do seu prédio.
6 Esta decisão judicial não foi impugnada por qualquer das partes, pelo que constitui caso julgado.
7 É pois claro que, após tal despacho decisório, o pedido da presente acção é, tão somente, o formulado na Réplica.
8 E de tal pedido, claro se torna que a A. não pretende a condenação do R. por acto ilícito., porquanto, como decorre do próprio processo, o acto administrativo praticado pela R. que determinou a suspensão da obra da A., é manifestamente legal.
9 De facto, o que a A. pretende e pede é que o R. seja condenado a indemnizá-la pelos prejuízos especiais e anormais que lhe foram impostos, por ter cumprido a ordem de suspensão da obra devidamente licenciada, dada pela R., ordem esta que constitui acto lícito.
10 A Douta Sentença recorrida ao entender que a A. pretende a condenação do Réu, por alegados actos ilícitos e desenvolver a fundamentação de direito, como se assim fosse, para decidir como decidiu, pronuncia-se tão somente por questões de que não podia tomar conhecimento, porque não estão referidas na causa de pedir, nem os seus efeitos contidos no pedidos.
11 É, pois nula, a Douta Sentença recorrida, conforme resulta do n° l alínea d) do art° 668° do CPC.
12 Sem prescindir, impugna-se a decisão relativa á matéria de facto, ao abrigo do art° 685° B n°s l e 2 do C.P.C., com os seguintes fundamentos.
13 Quanto à decisão proferida quanto à matéria de facto contida no Facto 7°, da Base Instrutória entendeu a Meritíssima Juíza do Tribunal "a quo", que apenas se provou que um dos herdeiros, o Eng. ... tinha a intenção de arrendar os sobreditos pavilhões, desconhecendo-se qual a posição ou vontade da co-herdeira, ... ... .
14 Ora tal decisão é inaceitável, porquanto:
15 E A. na Petição Inicial "Herdeiros de ... , pessoa equiparada a pessoa colectiva n° ... , representada pelos herdeiros ... de ... ... e ... ... ...".
16 A procuração forense junto aos autos vem assinada por ambos.
17 Diz o art° 38° da P.I: "Sendo certo que a construção em curso e suspensa pelo R,, estaria concluída em Março de 2003, a partir de l de Abril de 2003, os 3 pavilhões estariam arrendados por 2.000,00 Euros mensais, cada um"
18 Diz o art° 9° da Réplica: "E sendo que agora a A. pode concluir a construção dos três pavilhões comerciais, a verdade é que a obra esteve suspensa durante dois anos por imposição da R., o que acarretou prejuízos para a A. decorrentes de tal facto, pois durante dois anos não receberá as rendas a que tinha direito peio arrendamento dos armazéns".
19 Diz o art° 15° da Réplica: "É facto que cada um dos pavilhões podia ter sido arrendado por 2.000,00 Euros mensais cada, após a sua conclusão",
20 Diz o art° 16° da Réplica: "É facto provado que a obra esteve suspensa 24 meses, o que corresponde a um atraso de igual tempo na conclusão da obra, e consequentemente no início do arrendamento dos referidos pavilhões comerciais".
21 É pois evidente que a A. tinha a intenção de arrendar os sobreditos pavilhões, sendo a vontade suportada, quer pelo Sr. Eng. ... , quer por sua mãe, ... ... , pois ambos subscreveram a P.I. e a Réplica.
22 Pelo que o Facto 7°. deveria ter sido considerado integralmente provado, e ao não o ser, tal facto foi incorrectamente julgado pelo que se impugna a decisão proferida sobre esta matéria de facto, devendo a resposta ser integralmente corrigida (art° 685°-B n° a línea da) do CPC).
23 E cumprindo as exigências do n° 2 do art° 685° - B do CPC, provou a A. que ao contrário da decisão proferida pela Merítíssima Juíza sobre a matéria de facto contida nos Factos 8°. e 9°., estes estão provados por prova testemunhal, como se conclui das transcrições feitas do depoimento de 3 testemunhas.
24 E, por estes erros quanto ao julgamento da matéria de facto dos Factos 7°., 8°. e 9°, deve a presente sentença ser revogada.
25 Ficou também provado que a A, suspendeu de imediato as obras que estavam em curso, para a construção de 3 pavilhões comerciais, no seu prédio sito no Sítio do Fialho, freguesia de Estói, concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número 4216/20010402, freguesia de Estói, logo após ter recebido o ofício n° 2262, de 3 de Dezembro de 2002, do Instituto de Estradas de Portugal, que as manda suspender imediatamente.
26 E conforme o pedido formulado na Réplica e por acordo entre as partes, estas obras estiveram suspensas, durante 2 anos, altura em que o R. levantou a suspensão que havia determinado.
27 Ao não considerar este facto claramente provado, fica a Meritíssima Juíza, impedida de responder correctamente ao pedido formulado na Réplica.
28 Resultando deste facto, a necessidade desse Tribunal Central de determinar a ampliação da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo por forma a que conste como provado que a obra estava suspensa 2 anos a partir de 3 de Dezembro de 2002 (ao abrigo do art° 712° n° 4 do CPC).
29 É facto notório que a suspensão da construção de armazéns comerciais, obra devidamente licenciada, durante dois anos, mais a mais contra a vontade do A. (aqui Recorrente) e determinado por quem tem legitimidade para o efeito, a R. (aqui recorrida), tal ordem cria prejuízos àquela, especiais e anormais.
30 E sendo notório que tal acto ilícito praticado pela Recorrida provoca à Recorrente, prejuízos especiais e anormais, esta constatação nem sequer carece de prova (art° 514° n° l do CPC), sendo que os mesmos estão sustentados na Réplica.
31 A Douta Sentença recorrida vem dizer que "nem numa eventual indemnização por acto ilícito (art° 9° do DL 48052) cujos pressupostos são diferentes, nomeadamente quanto aos prejuízos "especiais e anormais" não fundamentando sequer esta conclusão ou o seu sentido".
32 A verdade é que a meritíssima Juíza do Tribunal a considerou tão só que estava perante um acto ilícito e daí tirou as suas conclusões, que extravasam a causa de pedir e não servem ao pedido.
33 E nunca admitiu sequer que o acto administrativo causador dos prejuízos fosse um acto lícito, o que consubstancia um erro de julgamento que impõe a revogação da Douta Sentença recorrida.
34 Daí que seja necessário que o Tribunal da 1a Instância, fundamente explicitando os motivos ou razões, porque considerou não estar perante um acto lícito e a inexistência de prejuízos "espaciais e anormais" pelo facto da obra do A. (agora recorrente) ter estado suspensa por dois anos, por ordem legitima do R. (agora Recorrido).
Assim se requer:
35 Ao abrigo do n° 4 do art° 712° do CPC, determine esse Tribunal Central a ampliação da matéria de facto, por forma a que fique assente que a obra do A. devidamente licenciada, esteve suspensa 2 anos a contar desde 3 de Dezembro dê 2002, por ordem legítima da R.
36 Que, ao abrigo do n° 5 do art° 712° do CPC, esse Tribunal Central, determine que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, fundamente explicitando os motivos ou razões, porque considerou não estar perante um acto lícito e a inexistência de prejuízos especiais e anormais, pelo facto da obra da A. ter estado suspensa por dois anos, por ordem legítima do recorrido.
37 Que seja declarada a nulidade da sentença recorrida, com a fundamentação de facto expressa no corpo deste peça e porque a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo conheceu questões de que não podia tomar conhecimento (art° 666° n° l alínea d) do CPC) sem prescindir, caso assim se não entenda, deve a Douta Sentença recorrida ser revogada por erros quanto ao julgamento da matéria de facto dos Factos 7°,8° e 9°.
38 Também existe erro de julgamento, porque a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo não conseguiu classificar o acto causador do prejuízo, como acto lícito.

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A Recorrida Estradas de Portugal SA – por transformação do Instituto das Estradas de Portugal (IEP), artº 1º nº 1 DL 239/04 de 21..12 - contra-alegou concluindo como segue:

A Inconformada com a Douta Sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré/Recorrida, veio agora a Autora/Recorrente interpor recurso, cujo objecto se pode delimitar ao conhecimento de duas questões: uma alegada nulidade da Sentença, com fundamento no art, 668/2/d CPC, e a impugnação da resposta à base instrutória, quesitos 7 a 9.
B Ao contrário do que pretende a Recorrente, nas suas alegações de recurso, não é verdade que a Sentença Recorria se tenha pronunciado "tão somente por questões que não podia tomar conhecimento".
C Com efeito, tratando-se de uma acção de responsabilidade civil, e tendo a Douta Sentença conhecido dos seus pressupostos, iiiaxinie, do alegado dano, que não se havia provado, bem como distinguido correctamente três tipos de responsabilidade (por actos ilícitos, por actos lícitos e pelo risco), pronunciou-se a Sentença sobre a matéria efectivamente relevante ajusta decisão desta causa.
D Ademais, da leitura dos articulados da Recorrente (p.i. e réplica, não tendo oferecido alegações escritas) não se conclui pretender esta haver uma alegada responsabilidade por facto lícito; pelo contrário, resulta da p.i o sentido contrário, tendo a Autora invocado "ilegalidade".
E É válida a fundamentação de direito na Sentença Recorrida, devendo ter-se presente, por um lado, a escassa e dúbia fundamentação de direito oferecida pela Autora até esse momento processual, e, por outro lado, que não se provaram quaisquer danos.
F Ora, numa acção de responsabilidade civil, se não se provaram os alegados danos, bastaria até, na fundamentação, dizer-se que o dano é um pressuposto essencial da responsabilidade civil (seja esta por facto lícito ou ilícito) e, falhando este pressuposto, sucumbirá o pedido da Autora.
G De todo o modo, e especificamente sobre a responsabilidade por facto lícito, pronuncia-se a Sentença no final da sua fundamentação de direito (p. 13), bem concluindo que os pressupostos são diferentes, quanto aos prejuízos especiais e anormais. Vale aqui, como na Douta Sentença, um argumento a fortiori: se não se provaram quaisquer prejuízos, muito menos se provariam os tais prejuízos especiais e anormais, requisito da responsabilidade por facto lícito.
H Relativamente à segunda questão do recurso, isto é, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, referente aos quesitos 7 a 9, - ao contrário do que pretende a Recorrente - não resulta da análise do texto das transcrições por efectuadas qualquer indício, e muito menos prova, da verdade dos factos alegados a saber: que a herança (e não apenas um dos herdeiros) pretendesse arrendar os armazéns em construção, e que, em Abril de 2003, os 3 armazéns estariam já arrendados por uma renda de € 2000 mensais cada.
I A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pelo Tribunal a quo, é cabal e esclarecedora: "A resposta negativa dada nos Factos 8° e 9°, e parte do Facto 7°, foi motivada por as testemunhas que a eles responderam se basearam em meras hipóteses ou ilacções suas, ou por meio indirecto", "Nenhuma das testemunhas falou de condições contratuais, como datas de celebração de contratos, duração, etc, que indiciassem o efectivo arrendamento", entre outras.
J Da análise do depoimento da testemunha ... (citando as transcrições constantes das alegações da Recorrente) não se conclui que fosse arrendar um dos armazéns; conclui-se precisamente o contrário, uma vez que, como resulta do texto transcrito, o interesse da testemunha tinha por objectivo um outro negócio (de comercialização de roupeiros e cozinhas) que nunca passou de uma ideia, nem se concretizou por motivos alheios ao armazém. Citando das transcrições, pergunta o Advogado da Ré "como esse negócio não se concretizou, o Sr. não precisou dos armazéns?'', e responde a testemunha ''não''.
K Visto o depoimento da testemunha ... , é por este relatado uma visita ao local, por parte de um Bispo da Igreja do Reino de Deus, supostamente interessado num dos armazéns, mas que, nunca mais lá voltou nem disse nada. A testemunha é questionada pelo Advogado da Autora do seguinte modo: "é sua convicção ou não que o Sr. Eng. ... teria arrendado?", dando inteira razão ao que diz o Tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto, isto é, que o depoimento das testemunhas da Autora é uma especulação baseada apenas em “convicções” e “ilacções” sobre o que poderia ter acontecido ou vir a acontecer.
L Finalmente, do depoimento da testemunha ... resulta que a testemunha afirma peremptoriamente que, em matéria de avaliações, "não sou perito", que nessa avaliação há "inúmeros parâmetros" para além da área, e ainda, perguntado se "conhecia estes armazéns concretamente" e se "foi alguma vez lá dentro?" respondeu "Não. Já lhe disse ainda agora que não.". Nestas circunstâncias, com que razão de ciência pode a testemunha opinar sobre o preço por metro quadrado?
M Para além da análise do texto das transcrições importa ter presente que, neste processo, as testemunhas prestaram depoimento presencialmente em julgamento, dando à Meritíssima Juíza de 1a instância uma percepção dos aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, não ficando gravados para aproveitamento posterior - e que é naturalmente relevante no caso dos autos, quando, na fundamentação da matéria de facto, diz, em relação a uma das testemunhas, que "o seu depoimento foi pouco convincente", e, em geral, de todas as testemunhas que se pronunciaram sobre os factos 7 a 9, que "se basearam em meras hipóteses ou ilacções usas, ou por meio indirecto".
N Essas as circunstâncias a que muito bem faz referência o Douto Acórdão da Relação de Évora de 30-9-2009, como manifestações dos princípios da oralidade e da imediação, consagrados no Direito Português. E, bem assim, no mesmo sentido, a Doutrina de Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, p. 209.
O Finalmente, a clara insuficiência e fragilidade da razão de ciência no depoimento das testemunhas indicadas pelo Autor, chegando tal depoimento ao ponto de se referir "apenas à intenção e conversas havidas com um dos herdeiros, o Sr. Eng. João ... " (como justifica o Tribunal a quo, na decisão sobre a matéria de facto). Enfim, o já referido depoimento indirecto, tanto mais não confirmado, porque o próprio herdeiro, João ... , não prestou depoimento.
P É manifestamente pobre a razão de ciência dessas testemunhas. E o conhecimento cia razão de ciência é indispensável à fiabilidade da prova, como bem tem defendido a Douta Jurisprudência deste Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no recente Acórdão de 2-2-2010 (Proc. 3343/09), que por sua vez cita o Acórdão desse Tribunal de 1-2-2001 (Proc. 752/98) bem como a Doutrina de Alberto dos Reis.
Q Em conclusão, não há dúvida que a resposta, do Tribunal a quo, à matéria de facto é acertada face à prova produzida. Mas ainda que houvesse dúvida (sem conceder), sempre a mesma deveria funcionar a favor da Ré, atentas as regras do ónus da prova.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a factualidade que segue:

A O prédio sito no Sítio do Fialho, freguesia de Estói, concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro, sob o n° 4216/20010402, freguesia de Estói, encontra-se registado a favor de ... da ... ... e ... ... , por sucessão por morte - cfr. doe. l junto à petição inicial;
B Em 11.01.2002 foi publicado em DR, 2ª Série, a Deliberação n° 11/2002 do Instituto Estradas de Portugal, onde se pode ler "Para efeitos do disposto no Decreto-Lei n° 13/94, de 15 de Janeiro, declara-se que:
1 - Por despacho do Presidente do Instituto de Estradas de Portugal de 15 de Novembro de 2001, foi aprovado o estudo prévio da ligação São Brás de Alportel - Nó de Faro da VIS - Nó da 3a Circular de Faro.
2 - O referido estudo estará patente durante 30 dias, no Departamento de Estudos e Normalização do Instituto das Estradas de Portugal - cfr. processo instrutor;
C O estudo prévio precedente abrangia parcialmente o terreno da Autora - acordo;
D Por ofício datado de 24.09.2002 dirigido ao Presidente da CM de Faro o Director de Estradas de Faro do IEP, informou sobre o "pedido de Parecer req. 1313/02, - ... ... que "Nos termos do artigo 3° do Decreto-Lei n° 13/94, de 15 de Janeiro, a pretensão situa-se na zona de servidão non aedificandi do EP aprovado e de que foi dado a conhecer à Autarquia por ofício n° 1359, de 10.07.2002. Não podendo nestas circunstâncias ser autorizada qualquer operação urbanística para o local " - cfr. doe. l junto à Contestação;
E Com data de 8 de Junho de 2004 foi emitida uma certidão pela Direcção de Estradas de Faro, da qual consta o teor do ofício n° 1309 traço LI.02, datado de 24.10.1995 "Assunto: EN 2 - Nó de Faro da V.I.S. - S. Brás de Alportel -Projecto de alteração e ampliação de um armazém no Sítio do Fialho - Estói, Req. ... ... - "Relativamente ao assunto em epígrafe, tenho a informar V. Exa que estes Serviços nada têm a obstar ao empreendimento em epígrafe porquanto, dada a ligação a S. Brás vir a ser assegurada através de uma variante em toda a extensão e o seu atravessamento desta sobre o Rio Seco e a actual EN 2 ser realizada com um viaduto, não haverá qualquer interferência com o projecto a cargo destes Serviços e a iniciar em breve" (d/n) - cfr. doe. 2 junto à p.i.
F Com data de 27 de Setembro de 2002 os Herdeiros de ... ... dirigiram ao Vereador do Urbanismo da CM de Faro o requerimento com o seguinte teor: "Herdeiros de ... Carrasca, titulares do alvará de licença de construção n° 147, de 21 de Maio, tendo a obra em curso no seu prédio localizado no Sítio de Fialho, freguesia de Estói, e ouvido dizer que pelo local passará uma Estrada Nacional (a variante da Via do Infante a S. Brás de Alportel), vem requerer a V. Exa uma reunião urgente para a apurar a verdade de tal notícia, uma vez que na sua obra referida já se gastaram quantias muito avultadas e para a sua conclusão prevê-se gastar ainda 250.000 Euros. Mais informa que o PDM de Faro não estabeleceu para o local qualquer "espaço canal", pelo que a classificação desta situação é muito urgente" - cfr. doe. 4 junto à p.i.;
G Através de fax datado de 18 de Novembro de 2002, os Herdeiros de ... ... solicitaram ao Director da Direcção de Estradas de Faro, do qual se destaca o seguinte: "1° - A obra em curso está devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Faro e decorrerá enquanto não forem os requerentes notificados de que a referida variante passará no seu prédio. 2°- Existem no momento contratos de empreitada para aquelas construções, pelo que só será interrompida a obra, caso V. Exas. confirmem a notícia. Termos em que se requer a V. Exa. para evitar prejuízos aos requerentes e ao Estado, que de imediato confirme se o prédio dos requerentes vai ser expropriado ou não, e em caso afirmativo que o notifique para se poderem resolver os contratos de empreitada e suspender as obras" - cfr. doe. 5 junto à p.i.
H Em resposta o Réu, através de ofício n° 2262, datado de 2002.12.03, informou a Autora, através do seu IM "que o estudo prévio superiormente aprovado e conforme declaração publicada no DR II Série n° 09, de 11 de Janeiro de 2002, prevê a ocupação de parte do terreno dos vossos constituintes, conforme planta anexa. Nestas condições deverão as obras em curso ser imediatamente suspensas, só podendo ser reiniciadas após aprovação do projecto de execução e reanálise do projecto dos vossos constituintes" - cfr. doe. 6 junto à p.i.;
I Em 17 de Março de 2003, a A. enviou ao Instituto de Estradas de Portugal, o Proc. n° requerimento n° 135/03, do qual consta designadamente "vêm dizer que tendo suspendido a execução da obra, conforme lhes foi ordenado pelo ofício em referência [2262, de 3.12.2002] até agora nada sabem quanto ás decisões tomadas por V. Exas, quanto ás obras que vão realizar na área. Como é natural e decorre do bom senso, os requerentes encontram-se a acumular prejuízos aos quais não deram causa e que terão necessariamente de ser ressarcidos pelo Instituto de Estradas de Portugal. Em breve será enviado a V.Exa o relatório dos prejuízos já contabilizados para que possam ser pagos e para que não se prolongue esta situação cuja legalidade é duvidosa, pelo que requer-se a V. Exa que informe o ponto da situação do v/ processo" - cfr. doe. 7 junto à p.i.;
J Em 15 de Setembro de 2003 a Autora enviou novo requerimento ao Instituto de Estradas de Portugal, onde requer "uma reunião urgente para definitivamente se decidir sobre o futuro do investimento dos requerentes nomeadamente se há expropriação ou não, e a justa indemnização que decorre quer da referida expropriação quer da suspensão da obra que já dura há 10 meses" - cfr. doe. 8 junto à p.i.;
K Através de ofício de 2.02.2004, a Autora dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Estradas de Portugal, onde requer: "a) Que informe o requerente acerca do que vai acontecer à sua propriedade, nomeadamente se vai ser expropriada no todo ou em parte, ou se afinal tal não acontecerá, podendo terminar a construção dos Pavilhões Comerciais, que aliás se encontram em fase de adiantada construção; b) Que determine uma reunião com os requerentes a fim de se avaliarem conjuntamente os prejuízos que estes sofreram até agora, em consequência deste processo e do silêncio desse Organismo, ao longo de 15 meses, que impediu os requerentes de concluir uma obra devidamente licenciada e cujo resultado se destinava a ser rentabilizado através do aluguer dos Pavilhões Comerciais ou de terem recebido, em devido tempo a justa indemnização pela expropriação da sua propriedade" - cfr. doe. 9 junto à p.i.;
L Não tendo obtido resposta a Autora intentou neste Tribunal uma intimação para prestação de informação, tendo ficado a saber, por notificação de 17.03.2004, que da parte do Réu "é de todo impossível a rectificação do traçado nesta zona dada a ocupação dispersa de orografía do terreno que não deixa alternativa à implantação do mesmo e o qual se sobrepõe à área de construção requerida" - cfr. doe. 10 e 11 juntos à p.i.
M Na sequência da informação precedente, a Autora dirigiu novo pedido ao Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Estradas de Portugal, nos termos constantes do doe. 12 junto à p.i, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
"Nestes termos, requer-se a V. Exa. que: a) Informe a data prevista par o início do processo de expropriação; b) Informe como prevê esse organismo calcular e pagar a indemnização devida por ter suspendido a construção dos seus pavilhões em 3 de Dezembro de 2002, caso entenda ser o seu cálculo efectuado por processo autónomo do processo de expropriação";
N Por não ter obtido resposta a Autora intentou nova intimação neste Tribunal, tendo sido recebido, em 18 de Maio de 2004, a informação do Réu de que: "Só após a conclusão do projecto de execução será elaborado um projecto de expropriação. Não existe data prevista para a conclusão do projecto de execução. É de todo impossível indicar qualquer previsão para o início do processo de expropriações. Relativamente ao cálculo da indemnização este será efectuado apenas aquando da expropriação, nos termos do disposto no Código das Expropriações, aprovado pela Lei n° 168/ 99, de 18 de Setembro. Assim a avaliação dos encargos com a expropriação terá por base o relatório feito por perito da lista oficial, nos termos do n° 4 do art. 10° do sobredito Código". -cfr. doe. 13 junto em 20.09.2004;
O O Instituto das Estradas de Portugal celebrou em 29.12.2003 com a TECNOFISIL o contrato de Prestação de Serviços para elaboração do projecto de execução da Empreitada "EN 2 - Ligação São Brás de Alportel/Nó de Faro da V.I.S/Nó da 3a circular de Faro", junto ao processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se a Clausula Segunda "l - O presente projecto terá início na data da sua assinatura, tendo um prazo estimado de 15 meses caducando com a aprovação da totalidade do Projecto de Execução, estabelecendo-se os seguintes prazos parcelares:
a. Projecto Base........................ 5 meses (150 dias de calendário)
b. Projecto de Execução .......... 10 meses (300 dias de calendário)";
P Após vários Estudos o Réu aprovou uma outra alternativa ao estudo indicado em B), que assegura a variante da ligação S. Brás de Alportel e Via do Infante Sagres - cfr. doe. 2, 4 juntos à contestação;
Q Que não abrange o projecto de construção da Autora - acordo e doe. 5 junto à Contestação;
R A Autora requereu à Câmara Municipal de Faro, para o prédio indicado em A) o licenciamento de obra para a construção de 3 pavilhões comerciais tendo dado origem ao processo de obras n° 2493/99 - resposta ao Facto l°;
S O projecto de arquitectura foi aprovado por despacho do Vereador do Pelouro de Obras de 5.12.2000 e os projectos de especialidades em 04.05.2001 - Resposta ao Facto 2º
T Emitiu alvará de licença de construção, n° 147/2001 - resposta ao Facto 3°;
U A Autora iniciou de imediato, após emissão do alvará precedente, a obra, demolindo o pavilhão existente e construindo a estrutura dos 3 pavilhões - resposta ao facto 4°,
V Após o ofício indicado em H a Autora suspendeu as obras de construção, em 3 de Dezembro de 2002 - resposta ao facto 5°,
W As obras de construção dos 3 pavilhões estavam previstas terminar em Março de 2003 - resposta ao facto 6°,
X Provado que o herdeiro, Eng. João ... tinha intenção de arrendar os armazéns - resposta ao facto 7°;
Y Desde o ofício de 3.12.2002 a Ré analisou vários traçados para implementação da EN 2 - Nó da V.I.S - S. Brás de Alportel - resposta ao facto 10°,
Z Para ponderação de alternativa menos prejudicial ao interesse público e de terceiros potencialmente afectados - resposta ao facto 11°
AA Daí que foi seleccionada outra alternativa, a que assegura a variante de ligação S. Brás de Alportel e Via do Infante Sagres - resposta ao facto 12°,
BB A suspensão das obras ordenada pelo ofício de 3.12.2002, foi indispensável para a ponderação do estudo para melhor definição do traçado para a ligação S. Brás de Alportel/Nó de Faro da V.I.S. - resposta ao facto 13°
CC A Autora reiniciou as obras de construção dos pavilhões - resposta ao facto 15°,
DD Provado que a estrutura exterior dos pavilhões está concluída - resposta ao facto 17°.

Não se provou que:
§ A Autora teria arrendado em Abril de 2003 os 3 pavilhões, por 2.000,00 euros mensais cada um - resposta negativa aos factos 8° e 9°
§ A Autora foi notificada da situação indicada em P) e Q) - resposta negativa ao facto 14°
§ Com o reinício da construção indicado em CC) a A. teve que suportar um custo acrescido de € 24.000,00 face ao custo inicial, relativo a aumento do custo de produção, materiais e mão-de-obra - resposta negativa ao facto 16°;

Nos termos conjugados dos artºs. 640º nºs 1 a), b) e c) e 662º nº 1 CPC (ex artº. 712º nº 1 a) CPC), adita--se ao elenco da matéria de facto,
§ o item EE, com a transcrição do doc. nº 5 junto a fls. 141/142 dos autos com a contestação, referido supra no item Q deste probatório,
§ o item FF, resultante da modificação da resposta negativa dada ao quesito 9º da base instrutória, motivada nos termos infra da fundamentação de direito.

EE Em resposta ao ofício 4425/DPRJ de 29.09.2004 do Departamento de Projectos do Instituto de Estradas de Portugal, a o Presidente da CM de S Brás de Alportel dirigiu em 15.10.2004 ao Director do Departamento de Projectos do Instituto de Estradas de Portugal (IEP) o ofício nº 7071, referido supra em Q) como doc.5, cujo teor se transcreve:
“(..) ASSUNTO: Projecto de Execução da EN2 entre São Brás de Alportel e a Via do Infante de Sagres.
Ex.mo Sr.,
Acusamos a recepção do V. Ofício de 29 de Setembro sobre o assunto referido em epígrafe, e agradecemos desde já a brevidade do seu envio em cumprimento do compromisso público assumido por Sua Ex.a o Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas no passado dia 15 de Setembro, por altura da inauguração da Variante a Sul de São Brás de Alportel.
Assim, procederam os serviços da Divisão de Obras Municipais e Serviços Urbanos desta autarquia ã análise do projecto em questão, tendo merecido parecer positivo face às alterações introduzidas por V. Ex.as por relação à versão anterior.
Do mesmo modo, o projecto ora em questão mereceu a seguinte deliberação da Câmara municipal reunida no passado dia 13 de Outubro: "Deliberado, por unanimidade, emitir parecer positivo ap traçado apresentado, congratulando-se o executivo municipal pela eficiência e rapidez pela apresentação do traçado apresentado".
Mais uma vez, agradecemos a V. Ex.a toda a atenção ao assunto, na esperança de que a obra em questão possa vir a ser integrada em PIDDAC já no próximo Orçamento de Estado.
Com os melhores cumprimentos,
O Presidente da Câmara Municipal (assinatura) (..)” – fls. 141/142 dos autos.
FF Na zona e à data de 2003, era de 5 (cinco) € por m2 o valor mensal do mercado de arrendamento de armazéns – resposta ao quesito 9º da base instrutória.





DO DIREITO


1. excesso de pronúncia – artº 668º nº 1 d) CPC;

Nos itens 10, 11, 32 e 37 das conclusões os Recorrentes assacam a sentença de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia, regime à data estatuído no artº 668º nº 1 d) CPC - actualmente constante do artº 615º nº 1 d) -, porque “(..)ao entender que a A. pretende a condenação do Réu, por alegados actos ilícitos e desenvolver a fundamentação de direito, como se assim fosse, para decidir como decidiu, pronuncia-se tão somente por questões de que não podia tomar conhecimento, porque não estão referidas na causa de pedir, nem os seus efeitos contidos no pedidos (..)”; todavia, não assiste razão ao Recorrente na medida em que o conceito de excesso de pronúncia vem aplicado de forma jurídicamente indevida.
No que respeita a esta causa de nulidade, como dito, especificada na alínea d) do elenco taxativo do artº 668º nº 1 do CPC em conjugação, quanto ao respectivo conteúdo, com o disposto no artº 660º nº 2 do mesmo Código, cumpre, primeiro, salientar que o conceito adjectivo de questão, no que respeita à delimitação do conhecimento do Tribunal ad quem pedida pelo Recorrente, “(..) deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (..)” (1).
Para este efeito de obstar a que a sentença fique inquinada, questões de mérito “(..) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (..) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.
Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.
E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva. (..)” (2)
Em segundo lugar, cumpre salientar igualmente que não cabe confundir questões com considerações, “(..) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. (..)”. (3)
Voltando à questão, nos termos do disposto nos artºs 668º nº 1 d) 2ª parte, 661º nº 1 e 668º nº 1 e) CPC aplicáveis ex vi artº 1º CPTA, diz-se que há excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.
No tocante às nulidades próprias da sentença, o Tribunal incorre em omissão de pronúncia, artº 668º nº 1 d) 1ª parte CPC, quando não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, aqui incluída a matéria de conhecimento oficioso, cumprindo ter presente que “(..) não existe omissão de pronúncia mas um error in judicando, se o Tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão (..)”.
Por outro lado, “(..) como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (artº 264º nº 1 e 664º , 2ª parte) a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento … sempre que o tribunal utiliza como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer. Assim, por exemplo, é nula a decisão que aprecia ex officio matéria que não é do conhecimento oficioso (..)”.
Consequentemente, e continuando com a doutrina que vem sendo citada,
(i)a omissão de pronúncia e o erro de julgamento não se colocam em alternativa face à mesma base material porque se trata de tipologias de erro judiciário absolutamente distintas, e
(ii) a “(..) a atribuição pelo tribunal de uma qualificação jurídica distinta daquela que é fornecida pelas partes não constitui qualquer excesso de pronúncia. (..)” (4) (5)

*
De modo que, no presente caso, acontece que os Recorrentes discordam do enquadramento jurídico expresso em sede de sentença pelo Tribunal a quo, sendo certo que uma coisa é a discordância relativamente à fundamentação de direito adoptada outra, muito diferente em termos de direito adjectivo, a nulidade de excesso de pronúncia assacada à decisão sob recurso.
Pelo que vem dito, conclui-se pela falta de fundamento legal da questão suscitada nas conclusões sob os itens 10, 11, 32 e 37 das conclusões.


2. fundamentação da prova – artº 653º nº 2 CPC; razão de ciência – força probatória do depoimento;

Nos itens 12 a 28 e 35 das conclusões, os Recorrentes impugnam os factos assentes quanto aos quesitos 7, 8 e 9 da base instrutória, com fundamento no meio probatório testemunhal que especificam.
É patente pelo próprio texto que o Tribunal a quo não ignorou a prova testemunhal produzida e deu cumprimento ao disposto no artº 653º nº 2 CPC mediante especificação dos fundamentos dos meios de prova produzidos, nos termos do probatório acima transcritos.
No tocante a este artº 653º nº 2 CPC, diz-nos a doutrina que “(..) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. (..)
A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial) (..)” (6)
No que respeita à valoração da prova testemunhal fundada na credibilidade da testemunha, é de todo o interesse ter presente a doutrina exposta por Alberto dos Reis, pelo que transcrevemos a parte julgada pertinente à circunstância do caso sob recurso.
Em comentário ao artº 641º do CPC/1939, actual artº 638º nº 1 CPC, diz-nos o Mestre que a testemunha “(..) deporá com precisão indicando a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos. (..)
Razão de ciência quer dizer fonte de conhecimento dos factos. Tem a maior importância esta exigência da lei, porque a razão da ciência é um elemento de grande valor para a apreciação da força probatória do depoimento. (..)
Tanto apreço ligou a lei ao factor – razão de ciência – que no § 2º do artº 641º [actual artº 638º nº 1] manda a lei que seja, tanto quanto possível, especificada. E a seguir esclarece o sentido dessa disposição. Se a testemunha disser que sabe por ver, há-de explicar em que tempo e lugar viu o facto, se estavam aí outras pessoas que também vissem e quais eram; se disser que sabe por ouvir, há-de indicar a quem ouviu, e que tempo e lugar, e se estavam aí outras pessoas que também ouvissem e quais eram. (..)
Desceu a lei a estas minúcias, porque, uma vez destruída ou abalada a razão de ciência, o depoimento perde o valor ou fica notàvelmente enfraquecido; e para a parte contrária poder atacar a razão de ciência e o tribunal poder avaliar até que ponto é exacta a razão invocada, muito interessa saber as condições e circunstâncias especiais de que a testemunha se socorre para justificar o seu conhecimento. (..)” (7)
Por seu turno, os termos legalmente determinados quanto ao ónus de alegação são os seguintes, “(..) Quando o recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto, deve especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (artº 690º-A, nº 1, al. a) CPC) e quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos (artº 690º-A, nº 1, al. b) CPC). (..)” (8)


3. recurso da matéria de facto – conteúdo, relevância e valoração jurídicas dos depoimentos em concreto;

Os Recorrentes impugnam a resposta dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 7º, 8º e 9º do questionário (fls. 240/241 dos autos), tendo a parte oferecido como meio de prova as três testemunhas que identifica, cujo o depoimento gravado especificamente transcreve no tocante à matéria envolvendo os citados quesitos, (corpo alegatório, fls. 381/388 dos autos) constando da acta de julgamento a razão de ciência aduzida a título de suporte das declarações prestadas (fls. 305/306 dos autos).
Quesito 7º: Com referência à construção suspensa em 03.12.2002 dos 3 (três) pavilhões – quesitos 3º, 4º e 5º provados (fls. 240 e 313 dos autos) ao quesito 7º - “Destinavam-se ao arrendamento ?” respondeu-se como segue - “Provado apenas que o herdeiro Engº João ... tinha intenção de arrendar os armazéns”.
Cotejando a razão de ciência com o depoimento das testemunhas oferecidas à matéria do quesito, conclui-se pela bondade da fundamentação constante do despacho de resposta ao quesito atendendo à transcrição dos respectivos depoimentos.
Efectivamente, da transcrição do depoimento gravado decorre que as mencionadas testemunhas fazem referência directa ao “Sr. ... ” e “Eng. ... ”, nunca mencionando o outro herdeiro ... ... , o que significa, e bem, que a resposta ao quesito respeita com exactidão o que as testemunhas disseram.
Questão diversa é, atendendo ao objecto da causa, que efeito jurídico daí advém o que necessariamente tem a ver com a fundamentação de direito – isto é, o direito aplicável em função da factualidade provada – e não com a fundamentação de facto.
De modo que quanto à assacada deficiência de resposta dada ao quesito 7º não assiste razão aos Recorrentes.
*
Quesitos 8º e 9º: Ao quesito 8º - A Autora teria arrendado em Abril de 2003 os 3 pavilhões?” e ao quesito 9º - “No montante de 2 000 euros mensais por cada um ?” respondeu-se, a ambos, como segue - Não provado”.
Cotejando a razão de ciência com o depoimento das testemunhas oferecidas à matéria do quesito, conclui-se pela bondade da fundamentação constante do despacho de resposta ao quesito 8º atendendo à transcrição dos respectivos depoimentos.
Como é sabido, nas acções declarativas condenatórias, como é o caso, o julgamento da matéria de facto envolve um juízo de certeza que há-de decorrer do conjunto dos meios probatórios carreados para o processo e não, como ocorre nas acções cautelares, um juízo meramente perfunctório.
O que significa que o juízo de valoração da matéria de facto expresso na resposta ao quesito, depende do meio probatório, que no caso dos autos é a prova testemunhal.
E, sejamos rigorosos, o quesito 8º não é a repetição do quesito 7º.
No quesito 7º quer-se saber a que finalidade económica se destinavam os 3 pavilhões em construção no prédio registado a favor dos AA sob o nº 4216 em 02.04.2001 na CRP de Faro e, já sabemos, com base na razão de ciência invocada de ouvir dizer directamente ao “Eng. ... ”, as testemunhas disseram que se destinavam ao arrendamento.
Ao fim e ao cabo, no que importa ao objecto da causa, é esta a utilitas do prédio objecto do direito de propriedade dos AA, retirar dele o rendimento com a celebração de contratos de arrendamento com os mencionados 3 pavilhões.
*
No quesito 8º, não se pergunta outra vez se o fim económico dos 3 pavilhões é o arrendamento, pergunta-se da previsibilidade desse arrendamento para Abril de 2003 – e daí o verbo no modo condicional composto “teria arrendado em Abril de 2003”.
Evidentemente que a data de Abril de 2003 está relacionada com o objecto da causa, pela qual os AA pretendem ser ressarcidos da ablação da utilitas do prédio de que são proprietários via hereditária, na medida da suspensão das obras de construção dos pavilhões em Março de 2003 decorrente da ordem expressa nesse sentido através do ofício da Ré de 03.12. 2002, cujo acabamento estava previsto precisamente para esse mês de Março de 2003 – vd. alíneas H), I), V) e W) do probatório – tendo em conta o enquadramento jurídico sustentado pelos AA. no tocante à avaliação concreta do dano de cálculo na modalidade do acréscimo patrimonial frustrado dos lucros cessantes (artº 564º nº 1 CC).
Ora, a verdade é que nenhuma das três testemunhas ouvidas à matéria de facto do quesito 8º afirmou que em Abril de 2003 - mês seguinte à prevista conclusão das obras -, os 3 pavilhões estariam arrendados, fosse por elas próprias directamente, fosse por outrem, sendo certo que a invocarem esse outrem, teriam de identificar a pessoa em causa porque, como ensina a doutrina da especialidade, no caso, Alberto dos Reis, em juízo não são admitidos rumores, o que significa que a razão de ciência fundada em ouvir dizer se configura juridicamente como ouvir dizer a uma determinada pessoa, que a testemunha sabe quem é e diz quem é, não de ouvir dizer não se sabe a quem. (9)
No que respeita à testemunha António Jacinto Rodrigues Rosa, construtor civil residente em Faro, à pergunta “… o senhor ía arrendar os armazéns?” respondeu “…nós estávamos a trabalhar nesse sentido, depois o mercado começou a fraquejar e nós acabámos por desistir” – fls. 382 dos autos.
No que respeita à testemunha ... , mediador imobiliário em Faro, à pergunta “… é sua convicção ou não que o Sr. Eng. ... teria arrendado em Abril, Março, Abril, Maio?” respondeu “Penso que sim, esse cliente dessa Igreja [do Reino de Deus] tinha muito interesse num deles” – fls. 384 dos autos.
No que respeita à testemunha José António Faísca Duarte Pacheco, Vereador da CM de Faro, à pergunta “… o Sr. pode afirmar aqui ou tem a certeza de que o Sr. ... teria arrendado aqueles três pavilhões?” respondeu “Eu penso que sim, na altura eu penso que sim … Havia uma procura muito grande, eu posso dizer-lhe que durante o ano de 2001, e já agora disse e se for preciso digo o nome das empresas que estavam muito empenhadas em vir aqui para o Algarve…” – fls. 388 dos autos - sendo o depoimento desta testemunha todo ele centrado no valor por m2 do arrendamento, à data – fls. 385/388 dos autos.
De modo que a previsibilidade do arrendamento em Abril de 2003 não tem suporte nos depoimentos testemunhais na medida em que,
(i) o único interessado directo disse que desistiu e,
(ii) os outros dois constituem depoimento indirecto,
1. do mediador imobiliário relativamente a um cliente que também não seguiu em frente com o negócio e
2. do vereador camarário que disse haver muita procura mas não especificou de quem,
– o que significa que relativamente à data de Abril de 2003 do ponto de vista jurídico-adjectivo neste último caso se trata de rumores, não admissíveis como razão de ciência do depoimento testemunhal.
Pelo exposto, quanto à assacada deficiência de resposta dada ao quesito 8º não assiste razão aos Recorrentes.
*
No quesito 9º cuja formulação é “No montante de 2 000 euros mensais por cada um?”, quer-se saber se 2.000,00€/mês seria o valor da renda, por cada um dos 3 pavilhões, tendo por horizonte temporal o mês de Abril de 2003.
E, também aqui, nenhuma das três testemunhas ouvidas à matéria de facto do quesito 9º afirmou que os 3 pavilhões estariam arrendados, cada um, por 2.000,00€/mês e, repete-se, no enquadramento temporal de Abril de 2003 dado pelo quesito 8º.
No que respeita à testemunha António Jacinto Rodrigues Rosa, construtor civil residente em Faro, afirmou que “… tive uma abordagem com o Eng. ... …”, “Na altura falou-me em dois mil euros cada armazém daqueles…” - fls. 381 dos autos - sendo certo que a testemunha declarou que desistiu do negócio, conforme transcrição já acima referida.
No que respeita à testemunha ... , mediador imobiliário em Faro, à pergunta de se “Chegou a falar com o Sr. Eng. ... àcerca do preço do arrendamento?” respondeu “…cheguei por causa desse cliente [a Igreja do Reino de Deus] e ele falou-me à volta de 2.000,00 Euros…” – fls. 384/385 dos autos - sendo certo que o cliente em causa não seguiu em frente com o negócio.

*
No que respeita à testemunha José António Faísca Duarte Pacheco, Vereador da CM de Faro, à pergunta “… tem alguma ideia de valores de mercado dos armazéns no concelho de Faro nessa altura, 2003?” respondeu “… Em questão de avaliações não sou perito mas eu penso que isso andará na ordem dos 5 euros o metro quadrado…”
A instâncias do Ilustre Mandatário da parte contrária a testemunha ... esclareceu que a razão do valor dos 5€/m2 assenta na circunstância dos “…inúmeros pelouros que tinha na altura … além do licenciamento … tinha também as obras municipais e por força disso, também me via obrigado a alugar armazéns e por isso sei os valores de mercado…” – fls. 386 dos autos.
Ou seja, dos depoimentos decorre que o valor de arrendamento pedido pelo A era de 2.000,00€/mês, mas nada mais foi declarado pelas testemunhas que permita concluir, como os Recorrentes sustentam, que os arrendamentos seriam contratados por aquele valor, sem embargo de não se suscitarem dúvidas de que os pavilhões estavam a ser construídos com destino ao arrendamento e, como é sabido, o arrendamento para comércio define-se como contrato oneroso.

*
Impõe-se dizer que, face à razão de ciência da testemunha José António Faísca Duarte Pacheco, Vereador da CM de Faro, assume total credibilidade o valor que declarou, de 5 (cinco) Euros por m2 praticado nos arrendamentos comerciais de armazéns, à data de 2003 e naquela zona.
Do ponto de vista tanto adjectivo como substantivo, tal implica que não tem sustentação no concreto meio de prova registado em audiência de julgamento a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 9º nos termos de “não provado”, pelo que deve ser modificada nesta 2ª Instância, em via de recurso e ao abrigo do disposto no artº 712º n º 1 a) CPC, por aquela que, sem violar os exactos termos e objecto do quesito formulado, expresse os exactos termos do depoimento credível prestado pela citada testemunha José António Faísca Duarte Pacheco.
Neste sentido à quesitação de “No montante de 2 000 euros mensais por cada um?” cabe responder – “No montante de 5 (cinco) € por m2, mensais, por cada um”.
Pelo exposto, quanto à assacada deficiência de resposta dada ao quesito 9º assiste razão aos Recorrentes, substituindo-se a resposta ao quesito 9º nos termos de “não provado” pelo aditamento do probatório com o item FF) – “Na zona e à data de 2003, era de 5 (cinco) € por m2 o valor mensal do mercado de arrendamento de armazéns – resposta ao quesito 9º”, conforme texto supra.

*
Por último, cabe referir que a questão do item 35 das conclusões de recurso, na veste de ampliação de matéria de facto, não pode proceder porque configura claramente formulação de conteúdo conclusivo no tocante à natureza jurídica do controlo prévio pela entidade municipal da operação urbanística levada a cabo pelos AA, RJUE e de legalidade do acto praticado pela ora Recorrida; neste sentido trata-se de questão de recurso a ser dirimida em sede de fundamentação de direito.
Consequentemente, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 12 a 28 e 35 das conclusões.


4. servidão non aedificandi; aptidão edificativa do solo;

Conjugada a matéria de facto levada ao probatório nos itens B), D) e H) temos que a servidão non aedificandi constituída sobre o prédio dos Recorrentes a favor da Recorrida com assento normativo no artº 3º nºs. 1, 2 e 4 do DL 13/94 de 15.01 é, no plano dos factos, consequência directa da publicitação no Diário da República, 2ª série nº 09 de 11.01.2002 do estudo prévio da ligação São Brás de Alportel/Nó de Faro da VIS/Nó da 3ª Circular de Faro, aprovado por despacho do Presidente da Recorrida datado de 15.11.2001.
O teor das citadas normas é o seguinte:
o artº 3º nº 1 – As faixas de terreno de 200 m situadas em cada lado do eixo da estrada, bem como o solo situado num círculo de 1300 m de diâmetro centrado em cada nó de ligação, são consideradas zonas non aedificandi de protecção à estrada a construir ou reconstruir.
o nº 2 – A servidão a que se refere o número anterior é constituída com a publicação, no Diário da República, da aprovação do estudo prévio de uma estrada nacional ou de documento equivalente, nomeadamente estudos de viabilidade ou plantas à escala e esboços corográficos devidamente cotados, desde que superiormente aprovados.
o nº 4 – A servidão manter-se-á até à publicação, nos termos do Código das Expropriações, do acto declarativo de utilidade pública dos terrenos e da respectiva planta parcelar.
A mencionada servidão non aedificandi do DL 13/94 de 15.01 incide sobre certas faixas de terrenos adjacentes a uma estrada ou uma auto-estrada a construir, a reconstruir ou já existente, com o fim de protecção das referidas vias de comunicação, integrando o conceito de servidão administrativa que, por sua vez, está intimamente ligado ao conceito civilista de servidão predial, vazado no artº 1543º CC, no sentido de “encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente”; transplantado o conceito para o universo administrativo, uma servidão non aedificandi configura a oneração de um prédio com a proibição de edificar, por motivo de interesse público . (10)
Por força da constituição da mencionada servidão non aedificandi, a Recorrida ordenou aos Recorrentes a suspensão das obras em curso de construção de 3 pavilhões no dito prédio onerado, destinados a arrendamento comercial, operação urbanística licenciada com projecto de arquitectura aprovado em 05.12.2000 e alvará nº 147/2001 de 21.05, suspensão efectivada em 03.12.2002 - vd. itens L), V), S) e X) do probatório.

*
A servidão non aedificandi onerativa do prédio dos Recorrentes caducou por força da alteração dos pressupostos legalmente configurados no artº 3º nº 2 da Lei 13/94 para a sua constituição, ou seja, com a alteração do traçado de ligação de S. Brás de Alportel à Via do Infante definido pelo estudo prévio de 15.11.2001 publicado em 11.01.2002, na exacta medida em que dessa alteração resultou que a implantação do traçado deixou de afectar parcialmente o prédio dos Recorrentes, como ocorria com o traçado na versão anterior de 11.01.2001 – vd. itens L), P) e Q) do probatório. (11)
É desconhecida nos autos a data precisa da mencionada alteração do traçado da zona na variante de ligação S. Brás de Alportel a Via do Infante de Sagres, da EN2-Nó de Faro da VIS – S. Brás de Alportel definido pelo estudo prévio de 15.11.2001, tendo sido carreado apenas que a CM de S. Brás de Alportel emitiu parecer positivo sobre esse novo traçado em 13.10.2004 em resposta ao ofício 4425/DPRJ de 29.09.2004 do Departamento de Projectos do Instituto de Estradas de Portugal, cujo conteúdo foi levado ao item EE) do probatório.
De modo que, com relevância na economia dos autos, a suspensão dos trabalhos de construção dos 3 pavilhões ordenada pela Recorrida Estradas de Portugal, por força da servidão non aedificandi conforme ao artº 3º do DL 13/94 de 15.01 constituída no prédio dos Recorrentes a favor da Recorrida em 11.01.2002, prolongou-se no tempo de 03.12.2002 a 29.09.2004, ou seja, por 21 meses.

*
Vejamos agora quais os efeitos jurídicos desta situação, no domínio do objecto da causa.
No que respeita ao direito de construir, ou jus aedificandi, é conhecido o debate doutrinário em torno da configuração deste poder do proprietário na veste de componente essencial do direito de propriedade, ou, diversamente, entendido como algo que acresce à esfera jurídica do proprietário nos termos atribuídos pelo ordenamento urbanístico, em especial pelos planos. (12) (13)
No caso presente a situação mostra-se facilitada pois não sofre dúvidas que relativamente ao prédio de que os Recorrentes são proprietários o jus aedificandi se apresenta como poder consolidado mediante direito adquirido anterior à constituição da servidão non aedificandi (acto de 15.11.2001 publicado em 11.01.2002) exactamente no quadro da competência administrativa de controlo prévio da actividade urbanística materializada no licenciamento da construção dos 3 pavilhões (projecto de arquitectura aprovado em 5.12.2000 e licença de construção com alvará nº 147/2001), matéria levada ao probatório nos itens S) e T).
Pode-se, pois, avançar para o enquadramento jurídico da matéria de facto começando por atender ao conteúdo básico da garantia constitucional do direito de propriedade privada consagrada no artº 62º nºs 1 e 2 CRP – “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição” e “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Estes dois segmentos, tendo por destinatário o poder constituinte, mormente o legislador, formam uma unidade normativa que impõe a sua leitura conjunta de cujo sentido interpretativo se extrai a seguinte regra: “(..) toda e qualquer lei que impuser a um privado um sacrifício patrimonial de índole grave e especial realiza uma verdadeira expropriação … Assim sendo, a lei que sacrificar – ou, o que é o mesmo, que expropriar – só poderá ser acto lícito, obediente ao direito e portanto conforme à Constituição se contiver uma cláusula explícita de indemnização, destinada a compensar o sacrifício que através dela é imposto. (..) Tais condições [do nº 2] ou requisitos de legitimação do acto de privação da propriedade, são três. É em primeiro lugar necessário que o acto seja justificado por razões imperiosas de “utilidade pública” (i); é em segundo lugar necessário que o acto seja efectuado “com base na lei” (ii); é em terceiro lugar necessário que o acto seja praticado “mediante o pagamento de justa indemnização”(iii). (..)”. (14)


5. princípio constitucional da indemnização - direito consolidado - expropriação de sacrifício;

Neste enquadramento, “(..) é o nº 2 daquele artigo [62º CRP] que acaba por determinar o que é que realmente cabe no âmbito da protecção constitucional do direito de propriedade privada e o que é que está sujeito à livre conformação do legislador … balizada pelo conceito constitucional de expropriação. Ou a conformação legal se faz “nos termos da Constituição”, não existindo nesse caso um dever público de indemnizar, ou se trata de uma lei expropriatória.
De acordo com esta leitura do artº 62º da Constituição, expropriar não implica necessariamente extinguir as posições jurídicas patrimoniais dos particulares ou transferir a titularidade dos respectivos bens para o Estado ou para qualquer outro ente público, mas pura e simplesmente, impor sacrifícios indemnizáveis ao seu património.
E todo o sacrifício grave e especial que afecte aquele património constitui uma expropriação que exige o pagamento de uma justa indemnização.
Assim tal como o conceito constitucional de propriedade não se identifica com o direito real de propriedade previsto e regulado no Código Civil [muito para além da propriedade sobre coisas (proprietas rerum) dos artºs 1302º e 1305º do Código Civil], o conceito constitucional de expropriação também não se identifica com o instituto de direito administrativo previsto e regulado no Código das Expropriações, abrangendo as chamadas expropriações materiais, de sacrifício ou de valor.
É nesta extensão do conceito constitucional de expropriação que reside a força da garantia constitucional da propriedade. É ela que permite qualificar como expropriatórias todas as “restrições” e “limitações” que não sejam estabelecidas pelo legislador em obediência aos valores inscritos na própria Constituição, reduzindo assim substancialmente a sua margem de discricionariedade. (..)” (15)
Para a doutrina que vimos citando, a cujo entendimento se adere, o uso urbano que implique o exercício de faculdades urbanísticas incluídas no direito de construir consolidadas por acto de licenciamento urbanístico ou outro acto análogo de controlo prévio das operações urbanísticas, não podem ser sacrificadas sem o pagamento de uma justa indemnização, direito este erigido à categoria de direito subjectivo público, na veste de direito fundamental do tipo direito liberdade e garantia directamente aplicável e vinculativo das entidades públicas (cfr. artº 18º nº 1 CRP) e nos exactos termos da garantia constitucional inscrita no artº 62º nº 2 CRP, pelo que a respectiva titularidade (que não o seu exercício) não depende de ulterior concretização normativa. (16)
No caso concreto “(..) A chave do problema está, portanto, na expressão “direito consolidado”, que a nossa legislação urbanística utiliza a propósito do dever de indemnização das “restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo” … “preexistentes” e “juridicamente consolidadas”, e que a restrição imposta à utilização do solo tenha um efeito equivalente a uma expropriação [artº 143º nº 2 do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT)].
Um “direito consolidado” ou um “direito adquirido”, numa expressão com maior tradição na nossa cultura jurídica, é aquele que além de assegurar ao particular o direito de construir nos termos em que foi concedido, não pode ser sacrificado, por qualquer forma, sem o pagamento de uma justa indemnização ou outra forma de compensação patrimonial.
Há, de facto, uma relação inevitável entre a tutela constitucional do direito de construir e a garantia expropriatória estabelecida no nº 2 do artº 62 da Constituição … o proprietário só tem constitucionalmente o direito de construir na medida em que a impossibilidade legal de o fazer gere na sua esfera jurídica o direito a uma compensação patrimonial. (..)” (17)

*
Por via da oneração do prédio dos Recorrentes com a servidão non aedificandi constituída em 11.01.2002, a expropriação de sacrifício traduziu-se na suspensão da construção de 3 pavilhões que aqueles destinavam ao arrendamento comercial, introduzindo uma modificação especial e grave (ou anormal) na utilitas do direito de propriedade dos Recorrentes sobre o prédio “(..) em termos tais que ocorreria uma violação do princípio da justa indemnização por expropriação (aqui entendido no sentido de expropriação de sacrifício ou substancial), condensado no artº 62º nº 2 da Constituição, do princípio do Estado de direito democrático, consagrado nos artºs. 2º e 9, alínea b), da Lei Fundamental, nos termos do qual os actos do poder público lesivos de direitos ou causadores de danos devem desencadear uma indemnização, e do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, ínsito no artº 13º nº 1 da Constituição, se o proprietário onerado com essa servidão administrativa não obtivesse uma indemnização. (..)” (18)
Na linha do que vem de ser dito, o direito de construir constituído pela respectiva licença em favor dos Recorrentes assume a natureza de direito subjectivo privado de natureza real, oponível erga omnes e insusceptível de ser sacrificado, ainda que em favor do interesse público, sem o pagamento de uma justa indemnização.
Cabe, agora, decidir sobre o regime jurídico da indemnização por expropriação de sacrifício correspondente ao jus aedificandi pelo período em que as obras de construção dos 3 pavilhões estiveram suspensas e que mediou, como já determinado acima, entre 03.12.2002 e 29.09.2004, num total de 21 meses.


6. responsabilidade por acto lícito – indemnização de sacrifício – artº 16º RRCEE (Lei 67/2007 de 31.12);

Desde logo é uma evidência que o acto determinativo da suspensão da construção assume a natureza de acto administrativo lícito na medida em que a sua emanação é consequência da servidão non aedificandi constituída em 11.01.2002 ex vi artº 3º nºs. 1 e 2 DL 13/94 de 15.01.
Neste sentido, a posição jurídica dos Recorrentes inerente ao jus aedificandi mostra-se lesada por incidência directa do acto da ora Recorrida, assente em direito de uso do solo consolidado por acto administrativo válido e constitutivo de direitos, expresso pelo licenciamento da operação urbanística de construção dos 3 pavilhões que incorporou os efeitos urbanísticos decorrentes do acto de aprovação do projecto de arquitectura anteriormente praticado em seu favor.
O factor de valorização do solo na vertente do jus aedificandi é um dos elementos constitutivos do critério de cálculo do valor do prédio expropriado em ordem a precisar o valor da justa indemnização tendo por “referência a construção que nele seria possível efectuar … num aproveitamento económico normal” ou “em função do custo de construção, em condições normais de mercado”, cfr. artº 26º nºs. 1, 2 e 4 CE e Ac. do Tribunal Constitucional nº 11/2012 de 12.01.2012 (Conselheiro Pamplona de Oliveira).
Do mesmo modo que relativamente à servidão non aedificandi constituída sobre parcela sobrante do mesmo terreno objecto de expropriação, a ablação da utilitas rei na vertente de faculdade de uso ou de gozo que o prédio proporcionava implica indemnizar a perda de valor patrimonial que, por acréscimo, é inerente à imposição de servidão, em obediência ao regime principialista vazado nos artºs. 13º nº 1 e 62º nº 2 CRP - princípios da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos e da justa indemnização por expropriação, aqui no sentido amplo de expropriação de sacrifício, cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 612/2009 de 02.12.2009 (Conselheiro Vítor Gomes).
Todavia, como afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 525/2011 de 09.11.2011 (Conselheiro Sousa Ribeiro), publicado no DR, 2ª Série, de 21.12.2011 - tirado no quadro de uma servidão non aedificandi para protecção de estrada, constituída sobre prédio não expropriado - “(..) nada autoriza a pensar que os regimes especiais (o constante do artº 8º nº 2 do Código das Expropriações, e os demais regimes fixados para situações particulares previstas noutros diplomas) esgotam as hipóteses de possibilidade de indemnizações dos sacrifícios patrimoniais decorrentes de servidões. Essas previsões específicas não impedem o recurso a dispositivos mais genéricos de tutela, desde que estejam reunidos os pressupostos por estes fixados e nos encontremos fora do campo aplicativo daquelas previsões.
Como vimos é este o papel que parte significativa da doutrina reserva para o artº 16º do RRCEE, como “norma de recepção” (Auffangsnorm) das situações merecedoras de indemnização não especialmente reguladas, ou, por outras palavras, como cláusula geralde salvaguarda para cobrir aquele “resto” de actuações causadoras de danos que, num Estado de direito, não podem deixar de dar lugar ao pagamento de indemnização” (Maria da Glória Garcia ob. Loc. Cit.). (..)
E, não estando em causa danos análogos ao da expropriação, não se afigura desrazoável exigir ao interessado a demonstração do carácter especial e anormal dos prejuízos, como condição da sua ressarcibilidade. Demonstração que, no caso das proibições de edificar, se apresenta muito facilitada, pois que se pode dizer que, na generalidade dos casos, esse carácter está in re ipsa.
Ainda que não sejam estruturalmente idênticas as posições do proprietário de prédio sujeito a servidão non aedificandi (pela razão evidente de que este não perde a titularidade do direito), a relevância da capacidade edificativa, no caso de indemnização por expropriação, vem evidenciar – se dúvidas houvesse – que a supressão do jus aedificandi constitui uma perda de valor atendível. (..)”

*
Na sequência do quadro legal gizado, a questão indemnizatória por ablação do direito de construir decorrente da servidão non aedificandi para protecção de estrada constituída no prédio dos ora Recorrentes ao abrigo do artº 3º nºs. 2 e 4 DL 13/94 não tem cabimento no domínio do Código das Expropriações (artº 8º nºs 2 e 3 CE); e não tem, desde logo porque tal servidão non aedificandi caducou na sequência da alteração dos pressupostos que legalmente determinaram a sua constituição, não chegando, assim, a verificar-se a emissão do acto declarativo de utilidade pública expropriativa (DUP) relativamente ao prédio dos Recorrentes.
Mas, ainda que não tivesse ocorrido a caducidade, a servidão non aedificandi a que se reporta a presente acção não é subsumível a nenhuma das hipóteses legais das alíneas a), b) e c) do nº 2 do citado artº 8º do CE na exacta medida em que a utilização que, no seu conjunto, vinha sendo dada ao prédio não se mostra inviabilizada, nem foi inviabilizada qualquer utilização do dito prédio, nem, ainda, foi completamente anulado o seu valor económico.
O que significa que no tocante à suspensão dos trabalhos de construção dos 3 pavilhões entre 03.12.2002 a 29.09.2004 por força da servidão non aedificandi constituída em 11.01.2002 ao abrigo do artº 3º nº 2 DL 13/94 de 15.01 no prédio dos Recorrentes a favor da Recorrida, compete o enquadramento normativo do artº 16º, Lei 67/2007 de 31.12 (RRCEE) que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), nos termos da cláusula geral de indemnização por sacrifício imposto ao particular em razão do interesse público, e não do artº 8º nº 3, Lei 168/99 de 18.09 (Código das Expropriações) que por disposição expressa do nº 2 do citado artigo torna extensivo à constituição de servidões administrativas o regime indemnizatório da requisição e expropriação por utilidade pública, salvaguardado pelas disposições conjugadas do artº 2º nº 1 Lei 67/2007 e artº 1º nº 1do regime da RCEE por aquela aprovado.

7. danos e encargos ressarcíveis – capacidade edificativa consolidada - lucros cessantes;

Nos termos do artº 16º do RRCEE (Lei 67/2007 de 31.12), são indemnizáveis os “danos especiais e anormais”, cumprindo atender para efeitos de cálculo “designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado”, o que significa que se trata de compensar o “sacrificado” pelos prejuízos do facto lícito apenas incidentes na sua esfera jurídica e, portanto, de forma desigual relativamente aos demais sujeitos – não se trata de limitações decorrentes de uma vinculação situacional objectiva do prédio onerado em vista da realização de interesses públicos gerais e abstractos mas, pelo contrário, de limitações em vista da opção tomada pela Administração de construção daquela concreta estrada, por via da justaposição do traçado escolhido pela ora Recorrida com parte do prédio dos Recorrentes - cujas consequências materiais são de dimensão desproporcionada por ultrapassarem os custos próprios da vida em sociedade.
Basta ver, no tocante à especialidade, que as consequências ablativas da utilitas rei incidiram apenas sobre o prédio dos Recorrentes, cortado pelo traçado da estrada determinado administrativamente aquando da 1ª versão publicada no Diário da República, sendo que os benefícios decorrentes da construção daquela concreta infra-estrutura pública, com dinheiros públicos, são comuns à sociedade em geral; quanto ao requisito da anormalidade, a destruição para o mercado de arrendamento da construção em curso dos 3 pavilhões implantados no prédio onerado durante todo o período de vigência da servidão non aedificandi até caducar na sequência da alteração dos pressupostos que legalmente determinaram a sua constituição.
Portanto, trata-se de “(..) uma limitação singular e individualizada do uso do solo, que obriga o respectivo proprietário a uma contribuição acrescida para a satisfação daquele interesse público concreto e, nessa medida, o coloca numa situação desigual relativamente aos demais proprietários. Ou seja, a proibição de construir constitui um encargo que, incidindo especialmente sobre o proprietário do prédio onerado, se traduz no sacrifício de um factor de valorização do solo (a aptidão edificativa) que, cumpre relembrar, é atendível para o cálculo da indemnização, nos casos em que o solo é expropriado.
Em consequência, é de dar por verificada a situação em que é constitucionalmente devida uma reparação da perda patrimonial sofrida pelo particular atingido pela servidão non aedificandi. Estamos perante uma restrição do direito de propriedade carecida de indemnização.(..)”-Acórdão 525/2011/Tribunal Constitucional (Conselheiro Sousa Ribeiro), que vimos seguindo de perto.
Em via de síntese, o excesso de sacrifício imposto ou causado ao particular em favor do interesse público deve ser indemnizado, sendo neste sentido pacífica a jurisprudência dos Tribunais da Relação no sentido de surgir o direito a indemnização por danos graves e anormais pela constituição de uma servidão non aedificandi no quadro da construção de infra-estruturas ferroviárias ou rodoviárias, designadamente quando a servidão reduz substancialmente a capacidade edificativa até aí possível na parcela sobrante, à data da publicação da DUP, por redução do respectivo valor económico e de mercado. (19)

*
Todavia, resulta controvertido do lado da doutrina o preenchimento do quid indemnizatório no domínio da espécie de danos indemnizáveis, desde logo atendendo ao critério consagrado no artº 16º do RRCEE (Lei 67/2007) referente ao “grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado”, que acresce aos pressupostos da especialidade e anormalidade dos danos ou encargos causados ou impostos ao particular.
De modo que a indemnização pelo sacrifício (i) comporta a integralidade da reparação por danos patrimoniais e não patrimoniais, naqueles incluídos os lucros cessantes e danos futuros previsíveis (Gomes Canotilho e Alves Correia) ou, pelo contrário, (ii) cumpre distinguir entre a função compensadora de prejuízos na indemnização pelo sacrifício, correspondente a uma compensação equitativa e não a uma reparação integral, e a função reparadora na medida da reconstituição dos danos, incluindo o dano da confiança na responsabilidade por acto lícito (Vieira de Andrade) do mesmo modo que (iii) a referência ao grau de afectação do conteúdo substancial remete para o carácter compensatório da indemnização e limitam o quantum indemnizatur às consequências imediatas dos encargos e danos, limitada, pois, ao dano emergente embora não forçosamente de todo o dano emergente, excluindo quaisquer efeitos indirectos v.g. os ganhos frustrados em consequência da lesão (Carlos Cadilha e Carla Amado Gomes). (20)

*
No caso trazido a recurso temos uma possibilidade de uso do prédio na veste de direito consolidado (adquirido) por acto administrativo de licenciamento e alvará nº 147/2001/21.05 da operação urbanística de edificação de 3 armazéns requerida pelos ora Recorrentes junto da Câmara Municipal de Faro, possibilidade de uso impedida devido à posterior constituição em 11.01.2002 da servidão non aedificandi de protecção a estrada cujo traçado, na primeira versão relativa à variante da ligação S. Brás de Alportel e Via do Infante Sagres publicitada no Diário da República, assentava sobre parte do prédio dos ora Recorrentes e, nessas circunstâncias, foi ordenada a 03.12.2002 a suspensão das obras de construção dos 3 armazéns - cfr. probatório, itens B), C), H) e V).
A ora Recorrida não informou nos autos os termos da alternativa ao estudo da variante da ligação S. Brás de Alportel e Via do Infante Sagres publicado em 11.01.2002, pela qual o respectivo traçado deixou de assentar sobre parte do prédio dos ora Recorrentes e, consequentemente, originou a caducidade da servidão non aedificandi
Apenas se tendo colhido nos autos que a Recorrida aprovou uma alternativa ao estudo publicado em 11.01.2002 sobre a ligação S. Brás de Alportel e Via do Infante Sagres que deixou de abranger o prédio dos Recorrentes tendo a CM de S. Brás de Alportel em resposta ao ofício 4425/DPRJ de 29.09.2004 do Departamento de Projectos do Instituto da Recorrida emitido parecer positivo sobre o novo traçado em 13.10.2004 – cfr. probatório, itens P) e Q) - o que significa que a única data de referência da caducidade da servidão seja 29.09.2004, e, consequentemente, os termos a quo e ad quem da suspensão da construção dos 3 armazéns sejam 03.12.2002 e 29.09.2004.
Ou seja, existe prova firme sobre o interesse público subjacente à imposição da servidão administrativa em 11.01.2002 sobre o prédio dos ora Recorrentes, com a paragem das obras em Dezembro desse mesmo ano, mas não existe nenhuma prova sobre as razões da cessação desse interesse público em 29.09.2004, as razões que levaram à alteração do traçado da estrada, deixando de assentar sobre o prédio dos Recorrentes, embora não se suscitem dúvidas, porque como tal foi levado ao probatório, que se tratou de alteração da tipologia do traçado de estrada em causa.
Assim sendo, a impossibilidade de uso privativo do solo nos termos decorrentes do acto de licenciamento e respectivo alvará anteriores à servidão, incide sobre o período temporal circunscrito entre 03.12.2002 a 29.09.2004, coincidente com o período de vigência da servidão non aedificandi, em que a concretização edificativa esteve suspensa pela oneração do prédio em razão do interesse público rodoviário, período em que os Recorrentes se viram despojados da substância económica do seu direito de construir consolidado por acto de controlo prévio urbanístico, já materializado na construção dos 3 armazéns destinados ao arrendamento comercial.
Ou seja, em ordem a precisar o conteúdo próprio do nexo de causalidade entre o prejuízo e o facto lícito, para efeitos de cálculo da indemnização pelo dano patrimonial a lei atribui relevância ressarcitória aos benefícios que o particular deixou de obter na vertente da exploração económica do uso do solo consolidado por acto administrativo emitido pela entidade competente.

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No tocante aos lucros cessantes o critério jurídico do artº 564º nº 1 CC tem como momento temporal de referência a data da lesão e atende à perda ou diminuição de valores patrimoniais de que o lesado já era titular (dano emergente) por contraposição aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, à falta de aquisição de um acréscimo patrimonial (lucro cessante).
Não deixando entre parêntesis as dificuldades da distinção entre dano emergente e lucro cessante, tanto no plano dos factos como no plano jurídico e de que nos dá sobejamente conta a doutrina, o exposto significa a opção por configurar o dano emergente como “frustração de vantagem já existente”, o lucro cessante como “não concretização duma vantagem que, doutra forma, operaria” (A. Menezes Cordeiro); dano emergente como “privação de um bem existente” contraposto a lucro cessante como “privação de um bem que se esperava adquirir e não se adquiriu” (Castro Mendes); dano emergente como “diminuição de valores já existentes no património do lesado”, lucro cessante como “acréscimo patrimonial frustrado” (Almeida Costa); dano emergente, o “prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão”, lucro cessante os “benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” (Antunes Varela). (21)
E, com ressalva do respeito devido, significa também que no enquadramento no conceito de lucro cessante não se segue o entendimento assente na “(..) ideia de que o lucro cessante pressupõe a existência, já no momento da lesão, de um direito ao ganho que se frustrou .(..)”. (22)

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Na exacta medida em que se trata de ressarcir a redução substancial da potencialidade edificativa actual e efectiva atribuída ao prédio dos ora Recorrentes por acto administrativo consolidado emitido anteriormente à constituição da servidão non aedificandi por força da implantação da citada rodovia, na primeira versão do respectivo traçado temos que concluir que a medida da indemnização contempla os danos por lucros cessantes, seguindo a jurisprudência pacífica no domínio dos Tribunais da Relação no sentido de arbitramento de justa indemnização no quadro da construção de infra-estruturas ferroviárias ou rodoviárias, citada em nota (19), de cujos sumários se destaca:
1. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. 1128/08 de 20.02.2014: “Ainda que não se mostre preenchida qualquer das alíneas do nº 2 do artº 8º do CE, ainda poderá surgir direito a indemnização pela constituição de uma servidão non aedificandi, desde que se produzam danos graves ou anormais na esfera jurídica dos proprietários, o que acontece, designadamente, quando a servidão reduz substancialmente a capacidade edificativa que o terreno possuía e reduz, consequentemente, o respectivo valor económico e de mercado.”
2. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, proc.2392/09 de 16.10.2012: “O disposto no nº 2 do artº 8º [CE] na interpretação de que o mesmo restringe a atribuição de uma indemnização às utilidades actuais dadas a uma parcela com servidão non aedificandi de protecção de uma linha ferroviária, impedindo a indemnização da perda da potencialidade edificativa adveniente á classificação do solo, anterior à constituição da servidão, como solo apto para construção, é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da justa indemnização e do estado de direito democrático.” - “A indemnização pela constituição de uma servidão non aedificandi resultante da construção de uma infra-estrutura ferroviária, imposta pelo artº 15º do DL 276/2003, deverá corresponder à diferença entre o valor que o prédio teria antes e depois da constituição da servidão na sequência da redução da sua capacidade edificativa.”
3. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, proc.540/05 de 14.06.2010: “Mesmo não existindo nenhuma das situações previstas no artº 8º nº 2 do CE, a constituição de uma servidão administrativa dará sempre lugar a indemnização quando a mesma produza, na esfera jurídica do proprietário, um prejuízo concreto, grave e anormal.” - “Designadamente, quando o proprietário vê reduzido o valor económico e de mercado do bem por força da eliminação ou redução da capacidade edificativa que o prédio possuía antes de estar onerado com a servidão non aedificandi.
No mesmo sentido, colhe relevo o Acórdão do STJ – 7ª Secção, tirado no rec. nº 2081/09 de 13.02.2014 em que relativamente à situação indemnizável fundada em zona non aedificandi em consequência de implantação de estruturas viárias, salienta que pese embora a superveniência de um facto novo “(..) o núcleo fáctico essencial identificador da causa petendi permanece o mesmo e único, estribando-se a pretensão indemnizatória na ocorrência de danos emergentes e lucros cessantes, causalmente determinados pela proibição de construir no imóvel em causa por força da implantação de certa rodovia, que teria frustrado uma efectiva e actual potencialidade edificativa do prédio (..)”.

*
O que, na economia do caso concreto, significa que a medida da indemnização se traduz,
i. na desvalorização sofrida pela servidão non aedificandi e consequente suspensão dos trabalhos de construção dos 3 pavilhões entre 03.12.2002 e 29.09.2004 – cfr. itens V) e EE) do probatório.
ii. configurada pela redução substancial de potencialidades de rendimento com expressão concreta entre Abril de 2003 e Setembro de 2004, sendo a primeira data o mês seguinte ao termo da construção dos pavilhões com colocação no mercado de arrendamento,
iii. calculado ao valor de 5 (cinco) € por m2 – cfr. itens W), EE) e FF) do probatório.
iv. sendo, para efeitos de cálculo, considerada a área dos 3 pavilhões a constante do projecto de arquitectura aprovado em 05.12.2000 – cfr. itens R) e S) do probatório.

*
Tudo visto, assiste razão aos Recorrentes quanto à pretensão indemnizatória formulada fundada nos efeitos ablativos da utilitas rei decorrentes da oneração do seu prédio com a servidão non aedificandi de 11.01.2002 de protecção a infra-estrutura rodoviária, concretizados na proibição vigente entre 03.12.2002 e 29.09.2004 e consequente paragem da construção em curso dos 3 pavilhões, constitutiva de danos na vertente do acréscimo patrimonial frustrado do arrendamento comercial entre Abril/2003 a Setembro/2004.
O montante exacto da indemnização deverá ser liquidado em execução de sentença, computando-se o valor resultante pela multiplicação de 5 (cinco) €/m2 sobre a área dos 3 pavilhões, área constante do projecto de arquitectura no processo de obras nº 2493/99 – cfr. itens R) e S) do probatório – calculado mensalmente durante o período de Abril/2003 a Setembro/2004.
Nesta sede, não há lugar a juros indemnizatórios por mora a partir da citação, na medida em que a iliquidez da obrigação indemnizatória não é imputável à ora Recorrida Estradas de Portugal SA – vd. artº 805º nºs. 1 e 3 C. Civil.


***


Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em,

A. julgar procedente o recurso e revogar a sentença proferida;
B. condenar a Recorrida Estradas de Portugal, SA no pagamento a favor dos Recorrentes Herdeiros de ... , a título de indemnização por imposição de sacrifício, o valor resultante a liquidar em execução de sentença, computando-se o valor resultante pela multiplicação de 5 (cinco) €/m2 sobre a área dos 3 pavilhões, área constante do projecto de arquitectura no processo de obras nº 2493/99, calculado mensalmente durante o período de Abril/2003 a Setembro/2004.

Custas a cargo da Recorrida.


Lisboa, 10.JUL.2014,


(Cristina dos Santos) ………………………………………………………………………….

(António Vasconcelos) ……………………………………………………………………….

(Catarina Jarmela) …………………………………………………………………………….




1- Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, pág.142.
2- Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 53/54.
3- Autor e Obra citados na nota (2), pág. 143.
4- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, págs. 220 a 223.
5- Miguel Teixeira de Sousa, Obra citada, págs. 222/223 e 408/410.
6- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, 2ª edição, pág. 348.
7- Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. IV, Coimbra, 1962, págs. 441/443.
8- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, 2ª edição, pág. 527.
9- Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. IV, Coimbra, 1962, pág. 442.
10- Alves Correia, Manual de direito do urbanismo, Vol I/3ª ed. Almedina/2006, págs. 292/293.
11- Bernardo Azevedo, Servidão administrativa – noção, delimitação e regime jurídico aplicável, in Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território – Estudos/Vol. II – Coord.: Fernanda Paula Oliveira, Almedina/2012, pág. 424.
12- Alves Correia, Manual …, Vol I/3ª ed. Almedina/2006, págs.698 a 718.
13- Fernanda Paula Oliveira, Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial – Comentado, Almedina/2012, artº 143º, págs. 484/487.
14- Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, Coimbra Editora/1998, págs. 469 e 559.
15- Cláudio Monteiro, A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas, CJA-91, págs. 11/12; Alves Correia, Manual …,Vol I/3ª ed., pág. 702 nota 86; Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado … págs. 568, 570/.
16- Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina./2012, 5ª ed., págs. 187, 195/198, 264 e ss.
17- Cláudio Monteiro, A garantia constitucionalCJA-91, pág. 9.
18- Alves Correia, Manual …, Vol I/3ª ed. Almedina/2006, págs. 147 e 302/303.
19- cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. 1128/08 de 20.02.2014 e Acs. do Tribunal da Relação do Porto, proc. 417/06 de 09.05.2013, proc.2392/09 de 16.10.2012 e proc.540/05 de 14.06.2010.
20- Pedro Machete, Comentário ao regime da responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Org. Rui Medeiros, Universidade Católica Editora/2013, págs. 438/446 e 473/476.
21- Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. I, Coimbra Editora/ 2008, pág. 680; Vol. II, págs., 1088/1092.
22- Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, ed./1972, págs. 373 e ss., cit.Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, Almedina/1973, pág. 480, nota (2).