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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:422/14.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:07/05/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NÃO CONHECIMENTO DE QUESTÃO DEVIDO A NEXO DE PREJUDICIALIDADE. ERRO DE JULGAMENTO.
PARÂMETROS LEGAIS DA ACTUAÇÃO DA A. FISCAL NO EXERCÍCIO DA SUA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO.
NATUREZA SUBSTANTIVA E SUBSIDIÁRIA DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
DEVER DE CUIDADA FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À OPÇÃO PELA SUA UTILIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
ESPECIFICIDADE DO I.V.A.
LIQUIDAÇÃO SUBSEQUENTE À AVALIAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODOS INDIRECTOS.
NECESSIDADE DE DEDUÇÃO DE PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL AO ABRIGO DO ARTº.91, DA L.G.T.
PRESSUPOSTO PROCESSUAL ATENTO O DISPOSTO NOS ARTºS.86, Nº.5, DA L.G.T., E 117, Nº.1, DO C.P.P.T.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
4. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação. Mais devendo chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
5. A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.).
6. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária).
7. Atendendo à especificidade do I.V.A., não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa. Relativamente à possibilidade de recurso à aplicação de métodos indiciários, com vista à determinação da matéria colectável no âmbito do I.V.A., faz-se esta de acordo com os vectores consagrados nos citados artºs.87 e seg. da L.G.Tributária, "ex vi" do artº.90, do C.I.V.A.
8. A liquidação subsequente à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos só é impugnável após o procedimento de revisão previsto nos artºs.91 e seguintes da L.G.T., caso o fundamento de tal impugnação se reconduza ao erro nos pressupostos da utilização da avaliação indirecta ou ao erro na sua quantificação, situação que se deve visualizar como um pressuposto processual/condição de procedibilidade, atento o disposto nos artºs.86, nº.5, da L.G.T., e 117, nº.1, do C.P.P.T., tal implicando o não conhecimento do mérito da causa e devendo levar à absolvição da instância (que não à absolvição do pedido, como decidiu o Tribunal “a quo”), consequência processual adequada para a procedência de obstáculos ao conhecimento do mérito, conforme estatuem os artºs.278, nº.1, al.e), e 576, nº.2, ambos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“M... & FILHOS, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Beja, exarada a fls.100 a 109 do processo, através da qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrente, visando liquidações de I.V.A., relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 e no montante total de € 79.239,76, tudo em virtude da procedência do pressuposto processual de inimpugnabilidade dos actos tributários devido a falta de prévia dedução de pedido de revisão.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.126 a 130 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida não tomou posição sobre qualquer das questões suscitadas pela ora recorrente na impugnação judicial, tendo-se limitado a apreciar a exceção suscitada pela Fazenda Pública;
2-Constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões de que o juiz da causa deva conhecer (nº 1 do art. 125º do CPPT);
3-Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, a douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, pelo que não deve desde logo, permanecer na ordem jurídica;
4-As liquidações adicionais de IVA dos anos de 2008, 2009 e 2010 resultaram de correções aritméticas efetuadas pela inspeção e não da aplicação de métodos indiretos;
5-Pelo que a ora recorrente não tinha que solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos em IVA (art. 91º da LGT) e é inaplicável o disposto nos artigos 117º, nº 1 do CPPT, e 86º, nº 5 da LGT;
6-Assim, a douta sentença recorrida ao acolher a posição da Fazenda Pública, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de direito e não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica;
7-Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas, e em consequência, revogada a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais daí advindas.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.151 a 154 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto, com base em prova documental e visando a decisão da alegada excepção de inimpugnabilidade dos actos tributários (cfr.fls.104 e 105 - numeração nossa):
1-Em resultado de uma acção de fiscalização efectuada à actividade económica da sociedade impugnante, “M... & Filhos, L.da.”, com o n.i.p.c. ..., aos anos de 2008 a 2010, foi-lhe fixada a matéria colectável por recurso a métodos indiciários com fundamento na desconsideração de faturas detectadas representativas de custos, tendo por enquadramento legal, além de outros, os artºs.87, nº.1, al.b), da L.G.T., 57, do C.I.R.C., e 90, do C.I.V.A. (cfr.cópia de relatórios de inspecção juntos a fls.38 a 62-verso do processo administrativo apenso);
2-Nessa sequência, além do mais, foram efetuadas liquidações adicionais trimestrais em sede de IVA, e respectivos juros compensatórios, relativamente a todos esses exercícios, no montante total de € 79.239,76 e com termo final de pagamento voluntário fixado em 31/01/2013 (cfr.informações exaradas a fls.221 a 223 e 232 a 242 do processo administrativo apenso);
3-Na sequência da inspecção foi elaborado o relatório final sendo a sociedade deste notificado (cfr.documentos juntos a fls.34 a 37 do processo administrativo apenso);
4-Não se conformando com as suas conclusões contra o mesmo deduziu reclamação graciosa (cfr.articulado junto a fls.209 a 219 do processo administrativo apenso);
5-Na reclamação graciosa foi proferido despacho de indeferimento (cfr.documentos juntos a fls.243 a 250 do processo administrativo apenso);
6-Sobre este apresentou recurso hierárquico (cfr.articulado junto a fls.260 a 271-verso do processo administrativo apenso);
7-Sendo que sobre o mesmo recaiu despacho de indeferimento (cfr.documentos juntos a fls.376 a 387 do processo administrativo apenso);
8-Decisão esta que foi dada a conhecer à sociedade impugnante em 26/05/2014 (cfr.documentos juntos a fls.390 a 392 do processo administrativo apenso);
9-A impugnante formulou, em 01/12/2012, pedido de revisão da matéria colectável assim fixada em termos do IRC adicionalmente liquidado (cfr.articulado junto a fls.4 a 8 e informação junta a fls.12 do processo de revisão da matéria tributável apenso);
10-A presente impugnação foi instaurada em 02/09/2014 tendo por objecto as liquidações de I.V.A. identificadas no nº.2 supra (cfr.articulado junto a fls.7 a 20 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente o pressuposto processual de inimpugnabilidade dos actos tributários identificados no nº.2 do probatório, devido a falta de prévia dedução de pedido de revisão da matéria tributável nos termos do artº.91, da L.G.T.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida enferma de omissão de pronúncia, porquanto, não tomou posição sobre qualquer das questões suscitadas pelo apelante no articulado inicial, tendo-se limitado a apreciar o pressuposto processual suscitado pela Fazenda Pública (cfr. conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, uma nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida.
Examinemos se a sentença objecto do recurso enferma de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Por último, conforme é jurisprudência constante quando o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/1/2014, proc.6995/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7343/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2014, proc.7784/14).
"In casu", foi precisamente isso que se passou. O Tribunal "a quo" julgou procedente a questão da falta de prévia dedução de pedido de revisão da matéria tributável previsto no artº.91, da L.G.T., o que se deve visualizar como um pressuposto processual/condição de procedibilidade, atento o disposto nos artºs.86, nº.5, da L.G.T., e 117, nº.1, do C.P.P.T., tal implicando o não conhecimento do mérito da causa.
Considerando o acabado de mencionar, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
O apelante discorda do decidido aduzindo, em segundo lugar e em sinopse, que as liquidações adicionais de I.V.A. objecto do processo resultaram de correcções aritméticas efectuadas pela inspecção e não da aplicação de métodos indirectos. Que não tinha que solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos e em I.V.A., assim sendo inaplicável o disposto nos artºs.117, nº.1, do C.P.P.T., e 86, nº.5, da L.G.T. (cfr. conclusões 4 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.3216/09).
A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Mais se dirá que a avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que é mester recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.201 e seg.).
A tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L.G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.Sul, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303).
O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável e sendo, por isso, uma faculdade da A. Fiscal (cfr.artº.82, nº.2, da L.G.T.) no exercício do seu poder/dever de liquidar impostos quando, comprovadamente, demonstre não poder, por via directa, calcular o rendimento tributável/matéria colectável do sujeito passivo em causa.
As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artº.87, da L. G. Tributária. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14).
No que diz respeito ao específico regime do I.V.A., o legislador socorre-se de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.v.g.artº.86, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por outro lado, atendendo também à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.3216/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/04/2016, proc.8645/15).
Relativamente à possibilidade de recurso à aplicação de métodos indiciários, com vista à determinação da matéria colectável no âmbito do I.V.A., faz-se esta de acordo com os vectores consagrados nos citados artºs.87 e seg. da L.G.Tributária, "ex vi" do artº.90, do C.I.V.A.
Revertendo ao caso dos autos, do probatório se retira que a Fazenda Pública fundamenta o recurso a métodos indirectos de fixação da matéria colectável (cfr.nº.1 da matéria de facto), além de outros, nos artºs.87, nº.1, al.b), da L.G.T., 57, do C.I.R.C., e 90, do C.I.V.A.
Com estes pressupostos, era óbvia a necessidade da sociedade recorrente de deduzir pedido de revisão da matéria tributável ao abrigo do artº.91, da L.G.T., em sede de I.V.A., para que pudesse, posteriormente, deduzir impugnação judicial incidente sobre as liquidações de I.V.A. objecto do presente processo, tudo conforme determinam os artºs.86, nº.5, da L.G.T., e 117, nº.1, do C.P.P.T.
Na verdade, a liquidação subsequente à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos só é impugnável após o procedimento de revisão previsto nos artºs.91 e seguintes da L.G.T., caso o fundamento de tal impugnação se reconduza ao erro nos pressupostos da utilização da avaliação indirecta ou ao erro na sua quantificação, situação que se deve visualizar como um pressuposto processual/condição de procedibilidade, atento o disposto nos citados artºs.86, nº.5, da L.G.T., e 117, nº.1, do C.P.P.T., tal implicando o não conhecimento do mérito da causa e devendo levar à absolvição da instância (que não à absolvição do pedido, como decidiu o Tribunal “a quo”), consequência processual adequada para a procedência de obstáculos ao conhecimento do mérito, conforme estatuem os artºs.278, nº.1, al.e), e 576, nº.2, ambos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/06/13, rec.216/13; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/03/14, rec. 1613/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.272 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 2015, Almedina, pág.887 e seg.).
No caso “sub judice”, do exame do articulado inicial do presente processo (cfr.fls.8 a 20 dos autos) deve concluir-se que as causas de pedir erigidas como alicerce da anulação das liquidações de I.V.A. se reconduzem à falta de fundamentação/pressupostos das liquidações e à errónea quantificação de que padecem. Em sede de errónea quantificação igualmente chama à colação o recorrente o disposto no artº.100, do C.P.P.T., regime que não é aplicável à quantificação da matéria tributável por métodos indirectos (cfr.artº.100, nº.2, do C.P.P.T.).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora absolvendo a Fazenda Pública da instância, que não do pedido.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
Remeta cópia do presente acórdão ao processo de inquérito crime identificado a fls.136 dos presentes autos.
D.N.
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Lisboa, 5 de Julho de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)