Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:105/22.7BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/08/2022
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
ACÓRDÃO ARBITRAL
NULIDADE
ERRO DE JULGAMENTO
ARTIGOS 13º, ALÍNEA F) E 87º-A, NºS 4 E Nº 5 DO RD DA LPFP
ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA
Sumário:I – De acordo com o artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPCivil, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, o que se verifica quando ocorre um vício lógico da decisão, como por exemplo se, na fundamentação desta, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente.
II – A ambiguidade ou a obscuridade a que se alude na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.
III – Se os esclarecimentos prestados pelos delegados aos vários jogos em questão e pelo comandante da força policial, não permitiam concluir, para além duma dúvida razoável, sobre se efectivamente o sistema instalado no estádio do Braga permitia a recolha de imagem e a de som em todo o recinto, como determinado nos regulamentos da Liga, e perante a dúvida que resultava da prova recolhida em sede de inquérito disciplinar, impunha-se ao colégio arbitral a aplicação do princípio “in dúbio pro reo”, pois não era isenta de dúvidas a factualidade demonstrativa da verificação dos elementos constitutivos da infracção pela qual a SAD arguida veio a ser punida.
IV – As contradições e incongruências em matéria de prova e consequentes dúvidas daí advindas têm que ser resolvidas a favor do arguido, por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, sendo que, em processo disciplinar, o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar, o qual não se satisfaz com uma insuficiência probatória.
V – O que importa é que, do conjunto da prova disponível (testemunhal, ou outra) resultem suficientemente comprovados os factos constitutivos da infracção, ainda que se possam constatar discrepâncias, contradições ou incongruências, desde que estas não impeçam uma conclusão segura sobre a ocorrência desses factos.
VI – Sendo possível concluir que os factos dados como provados, constitutivos da infracção disciplinar imputada à SAD arguida, não encontram sustentação bastante na prova recolhida no processo disciplinar, designadamente nos esclarecimentos prestados pelos vários delegados aos jogos e pelo comandante da força policial, os quais são de molde a por em causa uma conclusão segura sobre a ocorrência da aludida infracção disciplinar, e recaindo sobre o instrutor do processo disciplinar e sobre a entidade competente para a decisão do mesmo o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção que se imputa ao arguido, quando da análise dos elementos constantes do processo disciplinar e daqueles trazidos aos autos resulte incerteza objectiva em matéria probatória, designadamente quando os elementos existentes no processo disciplinar não fornecem prova indiciária bastante do facto em que se consubstancia ou do qual se faz depender a violação do dever violado, haverá défice de instrução que determina a anulação do acto que aplicou a pena disciplinar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A Federação Portuguesa de Futebol, inconformada com a decisão arbitral proferida pelo TAD, que julgou procedente o recurso apresentado pela demandante Sporting Clube de Braga – Futebol SAD no âmbito do processo nº 5/2021, veio, ao abrigo do disposto no artigo 8º, nºs 1, 2 e 5 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem por objecto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 20 de Abril de 2021, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora recorrida, que correu termos sob o nº 5/2021.
2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em revogar o Acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da ora recorrente, absolvendo a recorrida da prática da infracção disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 87º-A, nº 4 e nº 5, do RD da LPFP19, que lhe tinha sido aplicada por aquele órgão no âmbito do processo disciplinar nº 84 – 2019/2020;
3. Em causa nos presentes autos está a violação dos deveres a que a recorrida se encontra adstrita, por ser promotora do espectáculo desportivo sub judice, de instalar e a manter em perfeitas condições e em funcionamento, um sistema de videovigilância, que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respectivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, nos termos conjugados da alínea t) do nº 1 do artigo 35º do RCLPFP19, alínea u) do artigo 6º do Anexo VI ao sobredito RCLPFP19 [Regulamento de Prevenção da Violência], bem como nos nºs 1 e 2 do artigo 18º da Lei nº 39/2009 de 30 de Julho;
4. O Colégio de Árbitros entendeu que “Atenta a matéria de facto dada como assente e provada, emerge do confronto do acervo probatório existente, e em particular da ausência de relato de factos que as regras de experiência ditariam como normal terem sido relatados no concreto local e momento em que ocorreu o jogo ou, não o sendo, permitirem uma determinada e lógica conclusão, que afasta senão com certeza absoluta pelo menos acolhida por uma razoável dúvida atestada pelo princípio in dúbio pro reo a impossibilidade de condenação da demandante, arguida, impondo-se assim a sua absolvição”.
5. Sem razão, pois vejamos,
6. Desde logo, o acórdão recorrido, salvo o devido respeito, desconsidera, em sede de matéria de facto provada, diversa factualidade que resultou provada, nomeadamente em face dos documentos juntos aos autos e não impugnados pela recorrida.
7. Atentos os elementos probatórios melhor identificados em sede de alegações, resultam provados os seguintes factos:
“1. A recorrida, nos jogos disputados antes da realização da Final Four da Taça da Liga (Allianz Cup), época desportiva 2019/2020, com excepção do jogo disputado com a Clube Desportivo de Tondela – isto é, nos jogos oficialmente identificados sob os nºs 10102, 10406, 30301 e 11406 – manteve instalado o sistema de videovigilância, no Estádio Municipal de Braga, que permitia o controlo visual de todo o recinto desportivo, pois encontrava-se dotado de câmaras de videovigilância que permitia a captação e gravação de imagens, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, todavia apenas era captado e gravado som no túnel de acesso aos balneários, não permitindo a gravação de som nas restantes zonas do Estádio;
2. A recorrida agiu de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que o seu comportamento (omissivo), designadamente o de não instalar e manter em perfeitas condições um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respectivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas (as quais visam a protecção de pessoas e bens), consubstancia conduta prevista e punível pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de a realizar;
3. À data dos factos a recorrida tinha antecedentes disciplinares na época desportiva 2019/2020, tendo ainda sido punida pelos ilícitos disciplinares p. p. pelos artigos 86º-A, nº 1 e 87º-A, nº 4, ambos do RDLPFP, numa das três épocas desportivas anteriores àquela em que ocorreram os factos objecto destes autos, nomeadamente na época 2018/2019 [decisões proferidas no âmbito dos Processos Disciplinares nºs 06-18/19 e 50-18/19 – que condenaram a SC Braga, respectivamente, na multa de € 2.677,50, pela prática da infracção disciplinar p. e p pelo artigo 86º-A, nº 1, do RDLPFP e na multa de € 5.740,00, pela prática da infracção prevista no artigo 87º-A, nº 4 do RDLPFP, já transitadas em julgado]”.
8. Por outro lado, atendendo ao supra exposto em sede de alegações, deverá ser considerada não provada a seguinte factualidade:
« Ponto 44: “Não tendo o Exmº Superintendente-Chefe, ao contrário dos identificados Delegados da Liga, qualquer conhecimento directo acerca dos factos objecto destes autos – cf. Lista das presenças constantes da Actas elaboradas nas Reuniões Preparatórias dos jogos aqui em apreço ora juntas sob os doc. 1, 2 e 3” (matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84 – 2019/2020 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95 – 2019/20 de fl.)”.».
Sem prescindir,
9. O acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, porquanto ao considerar provados os Pontos 86, 87, 88 e 89 entra numa grave contradição ao decidir pela impossibilidade de condenação da demandante, ora recorrida, porquanto o tipo objectivo do ilícito disciplinar pelo qual foi sancionada se preenche, precisamente, com aquela factualidade que foi, sublinhe-se, considerada provada pelo Colégio de Árbitros.
10. Ora, não temos qualquer dúvida que o CD da recorrente carreou e coligiu prova mais do que suficiente para sustentar a condenação da recorrida, senão vejamos,
11. De toda a prova junta aos presentes autos resulta, de forma clara, que a recorrida não dispunha de um sistema de videovigilância que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respectivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, conforme exigidos pelos RC da LPFP e pela Lei nº 39/2009.
12. E não se diga, como entendeu o Colégio Arbitral, que os esclarecimentos prestados pela PSP consubstanciam pedido de esclarecimentos prestados por terceiros porquanto, consabidamente, a PSP era a força de segurança presente em todos os jogos dos autos;
13. Por outro lado, os Delegados da LPFP não tiveram qualquer intervenção em termos de operacionalização do sistema de videovigilância e, de acordo com os esclarecimentos complementares que prestaram, apenas reportaram aquilo que, agora sim, lhes terá sido dito por terceiros;
14. Pelo que, consabidamente, por se referirem a factos de que não tiveram conhecimento directo, os mesmo não podem beneficiar da presunção de veracidade constante do artigo 13º, alínea f) do RD da LPFP;
15. Por outro lado, também não concebemos que se atribua, como fez o Colégio Arbitral, a omissões constantes dos relatórios dos delegados da LPFP e da força de segurança a presunção de veracidade, regulamentar e legalmente prevista respectivamente, para os factos directamente percepcionados por aquelas entidades;
16. E, não se diga que no “Relatório do auto de vistoria e categorização de estádio de Sporting Clube de Braga – Futebol SAD” da época desportiva 2019-2020, foi pela Comissão Técnica de Vistorias da Liga Portugal aprovado o Estádio Municipal de Braga, por cumprir com todas as exigências legais.
17. Como bem sublinha o Conselho de Disciplina no acórdão recorrido «Debalde esta argumentação, compulsado o Relatório do auto de vistoria e categorização de estádio da SC Braga, datado de 18/03/2019, resulta que a aprovação nessa vistoria foi feita com reservas e precisamente quanto ao som do sistema de videovigilância. De facto, no Relatório de auto de vistoria em causa, junto pela própria defesa, no item Não Conformidades / Descrição, consta como não conformidades que: “A SD encontra-se a requalificar o sistema de som CCTV com as indicações transmitidas na vistoria”, “Prazo de Execução 30/05/2019”; “No Sistema de videovigilância tem que ser instaladas 2 câmaras na saída do elevador com acesso ao C. presidencial e no C. Presidencial – assim como melhorar todas as existentes”, “Prazo de Execução 30/05/2019”; “A SD tem que pedir nova vistoria para verificar os itens acima referidos com prazos” (apud p. 237).».
18. Com efeito, parece-nos claro que, se na data da vistoria, a recorrida não tinha o sistema de videovigilância em conformidade com as normas a que se encontra adstrita, tal facto corrobora, obviamente, os factos trazidos ao processo pela PSP, e não o contrário, como entendeu o Tribunal a quo.
19. De facto, é irrefutável que qualquer dúvida em matéria de prova se resolve a favor do arguido, por aplicação dos princípios da presunção da inocência e do in dúbio pro reo.
20. Contudo, nos presentes autos, não existe qualquer dúvida relativamente aos factos que motivaram a condenação da recorrida.
21. Muito pelo contrário, toda a prova produzida nos autos está harmoniza entre si, tendo sido analisada de forma crítica e conjugada, desse modo permitindo concluir a que a recorrida, nos jogos sub judice, não manteve, como lhe competia, uma sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respectivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, as quais visam a protecção de pessoas e bens. Motivo pelo qual, o princípio do in dúbio pro reo, não tem aplicação no caso concreto.
22. Atento todo o supra exposto, não temos qualquer dúvida de que andou bem o Conselho de Disciplina da recorrente na fixação da matéria de facto considerada provada resultando a mesma de toda a prova carreada para os autos de processo disciplinar.
23. Assim, por ser promotora «do espectáculo desportivo em cujo recinto se realizem espectáculos desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado», estava a recorrida obrigada, na data dos factos, nos termos conjugados da alínea t) do nº 1 do artigo 35º do RCLPFP19, alínea u) do artigo 6º do Anexo VI ao sobredito RCLPFP19 [Regulamento de Prevenção da Violência], bem como nos nºs 1 e 2 do artigo 18º da Lei nº 39/2009 de 30 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 113/2019, de 11 de Setembro, a instalar e a manter em perfeitas condições e em funcionamento, um sistema de videovigilância, que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respectivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas.
24. De toda a prova carreada para os autos resulta, de forma claríssima, que que o sistema de videovigilância, instalado no Estádio Municipal de Braga, só após a realização da Final Four da Taça da Liga (de 21 de Janeiro de 2020 a 25 de Janeiro de 2020), é que ficou dotado de câmaras que permitissem a captação e gravação de som para além da zona do túnel de acesso aos balneários, nomeadamente que permitissem a captação e gravação de som nas bancadas do Estádio, assim concluindo, e bem, o Conselho de Disciplina pela existência de indícios suficientes da prática, pela recorrida, da infracção disciplinar p. e p. pelo artigo 87º-A, nº 4 do RDLPFP, em vigor à data dos factos, [Incumprimento de deveres de organização], no que concerne aos jogos números 10102, 10406, 30301 e 11406.
25. Ademais, dúvidas não temos, e também não as teve o Conselho de Disciplina, quanto ao facto de a recorrida não ter actuado com o cuidado e diligência que lhe era exigível, tendo a possibilidade de prever o preenchimento do tipo de ilícito em causa, contribuindo para a produção do resultado típico, in casu, não salvaguardando pela manutenção em funcionamento de um sistema de videovigilância com captação de imagens e som, conforme exigido pelos regulamentos e normas legais em vigor, e por conseguinte, quanto ao preenchimento dos elementos integrativos do disposto nos artigos 87º-A, nº 4 do RDLPFP19.
26. A recorrida, nem em sede arbitral, nem em sede disciplinar, juntou, em algum momento, qualquer prova do cumprimento do dever acima mencionado.
27. Destarte, não se nos afiguram quaisquer dúvidas quanto ao facto de a recorrida não ter actuado com o cuidado e diligência que lhe era exigível, tendo a possibilidade de prever o preenchimento do tipo, contribuindo para a produção do resultado típico, in casu, não salvaguardando pela manutenção em funcionamento de um sistema de videovigilância com captação de imagens e som, conforme exigido pelos regulamentos e normas legais em vigor, e por conseguinte, quanto ao preenchimento dos elementos integrativos do disposto nos artigos 87º-A, nº 4 do RD da LPFP.
28. Atendendo ao cadastro disciplinar da recorrida, à data da prática dos factos, a mesma tinha antecedentes disciplinares, tendo sido punida numa das três épocas desportivas anteriores, em 2017/2018, pelo ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 87º-A, nº 4, do RDLPFP, pelo que, deverá ser considerada reincidente nos termos conjugados do disposto nos artigos 54º e 87º-A, nº 5, todos do RD da LPFP.
29. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira – limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à actuação do Conselho de Disciplina da FPF.
30. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, alínea f) e 87º-A, nº 4 e nº 5 do RD da LPFP e por erro na apreciação da prova produzida nos autos”.
2. O “Sporting Clube de Braga – Futebol SAD” apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
A. Inconformada com o acórdão arbitral proferido a 19.05.2022 que absolveu a demandante da prática do ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 87º-A, nºs 4 e 5 do RDLPFP, vem a FPF interpor o recurso a que ora se dá resposta, advogando em suma que “deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, alínea f) e 87º-A, nºs 4 e 5 do RD da LPFP e por erro na apreciação da prova produzida nos autos”.
B. Afigura-se, porém, que nenhuma razão assiste à demandada, ora recorrente, devendo improceder na íntegra o recuso apresentado aos autos, porquanto bem andou o Tribunal a quo ao proferir uma decisão absolutória devidamente fundamentada.
C. Isto porque, ao contrário do que pretende fazer valer a recorrente, não pode a condenação da recorrida fundamentar-se numa mera presunção de culpabilidade.
D. Bem vistas as coisas, é tão-somente no teor dos ulteriores esclarecimentos prestados pela Divisão de Policiamento que a recorrente se escora – contra toda a prova cabal existente nos autos – para evidenciar que se mostram provados todos os elementos típicos da infracção imputada.
E. Acontece que, é inequívoco que por todos os Delegados da Liga designados foi unânime e peremptoriamente afirmado que o sistema de videovigilância estava operacional, cumprindo os requisitos legais e regulamentares.
F. Além do mais, não só foi garantido (de forma generalizada e sem reservas) pelos Comandantes das Forças Policiais presentes na reunião preparatória de cada um dos jogos em apreço que o sistema de CCTV existente no Estádio estava operacional e cumpria todos os requisitos,
G. como, após o decurso dos jogos – e já depois de operado o sistema durante um período de tempo considerável –, não foi relatado aos Delegados qualquer anomalia ou deficiência relevante, nenhuma nota existindo sobre esta matéria nos Relatórios de Policiamento Desportivo por aqueles elaborados.
H. A ausência de referência a qualquer facto relacionado com a matéria em sindicância quer nos Relatórios de Policiamento, quer, sobretudo, nos Relatórios dos Delegados (até por força da presunção de veracidade do seu conteúdo – artigo 13º, alínea f) do RD), não pode deixar de ser valorada a favor da recorrida.
I. A verdade é que, a procedência da pretensão da recorrente resultaria numa condenação sem prova e contra a prova, violadora dos mais elementares princípios do direito sancionatório.
J. Note-se que, resulta explícito do acervo probatório carreado aos autos que os esclarecimentos prestados pela Divisão de Policiamento se baseiam tão-só na “última vistoria efectuada” (realizada cerca de 5 meses antes do primeiro jogo aqui em referência!), e, além do mais, não são sequer prestados pelos concretos Comandantes das Forças Policiais que estiveram presentes nos jogos em questão (nem tampouco a estes é feita qualquer referência).
K. Os esclarecimentos prestados pela Divisão de Policiamento estão, por isso, longe de se mostrar suficientes para determinar a responsabilização disciplinar da recorrida, revelando-se, aliás, em absoluto desacordo com o que resulta dos Relatórios de Policiamento Desportivos elaborados (por quem esteve presente!) à data de cada um dos jogos em apreço.
L. Ademais, quanto à invocada vistoria, sempre se diga que da acção levada a cabo pela Comissão Técnica de Vistorias da Liga Portugal ao Estádio Municipal de Braga em 18/03/2019 resultou a Aprovação do Estádio por se entender estarem devidamente verificadas e cumpridas todas as exigências legais aplicáveis, tendo o mesmo sido categorizado como Estádio de nível 1 – sendo que, nos requisitos para categorização de Estádios, no que concerne ao ponto “sistema de videovigilância (todo o estádio), o Estádio é considerado como de nível 1 e nível 2.
M. Na óptica da recorrente, a circunstância de no item “não conformidades/descrição” ter sido aposta a nota informativa “A SD encontra-se a requalificar o sistema de som CCTV com as indicações transmitidas na vistoria” e “No Sistema de videovigilância tem que ser instaladas 2 câmaras na saída do elevador com acesso ao C. presidencial e no C. Presidencial – assim como melhorar todas as existentes” é bastante para que se dê como provado que, volvidos 5 meses, a SAD mantinha em funcionamento um sistema que não dava cumprimento às exigências legais.
N. Trata-se, contudo, de uma conclusão ilógica e falaciosa que não só não tem qualquer suporte no próprio Relatório/Auto de Vistoria, como vai contra todos os demais elementos probatórios constantes dos autos.
O. Aliás, se a 18/03/2019 a SAD se encontrava (já) “a requalificar o sistema de som CCTV”, e se nos jogos ocorridos entre 11/08/2019 e 15/12/2019 nada nos Relatórios dos Delegados, nem mesmo nos Relatórios de Policiamento, é apontado quanto à desconformidade do sistema, então a conclusão deve ser precisamente a inversa daquela que pretende a recorrente fazer valer: aquando da realização daqueles eventos desportivos o sistema de CCTV instalado no Estádio era adequado e funcionava em plenas condições!
P. A verdade é que, impunha-se à recorrente – e não à recorrida!! – reunir prova efectiva que permitisse afirmar, ou, pelo menos, ultrapassar a dúvida razoável, que o sistema de videovigilância instalado no Estádio Municipal de Braga não permitiu a regular e plena captação de som em cada um dos eventos desportivos e, além do mais, que a sua verificação se deveu a uma actuação culposa da recorrida. Tudo o que manifestamente não se mostra verificado nos presentes autos!
Q. Ao contrário do que pugna a recorrente não há qualquer contradição entre os factos dados como provados (em especial, nos pontos 86, 87, 88 e 89) e o decidido pelo Tribunal a quo, pois que, como bem se esclarece na decisão recorrida, “tal significa apenas que o teor do esclarecimento é verdadeiro – ou seja, quem o presta, não presta falsas declarações –, mas daí não se pode inferir que o valor probatório desse esclarecimento seja bastante para infirmar a demais prova, ou melhor ausência de prova, que permita com segurança demonstrar que o sistema de gravação de som não observava as normas regulamentares e que assim havia incumprimento por parte da arguida, tanto mais que, se a informação detida pela PSP – detida como? Por quem? Relatada de que forma? Onde? Por quem em concreto? – antes da Final Four da Taça da Liga era daqueloutro sentido esclarecido em 17.12.2020 também não se encontram respostas nos autos para as antecedentes questões, tão pouco para que tal não tivesse sido reportado e reduzido a auto ex-ante”.
R. Pelo que, face à prova existente nos autos, jamais se poderá dar como provado que a recorrida violou os deveres de organização, inerentes à instalação e funcionamento daquele sistema, a que está regularmente sujeita. Até porque, qualquer dúvida em matéria de prova resolve-se a favor do arguido por aplicação dos princípios da presunção de inocência e do ‘in dubio pro reo’.
S. Impondo-se, assim, a improcedência do recurso apresentado aos autos pela FPF e, consequentemente, a manutenção in totum do acórdão absolutório proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto”.
3. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado para os termos e efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, não emitiu parecer.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
4. Cumpre a este TCA Sul apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo pois lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
5. Assim, constituem objecto dos recursos interpostos as seguintes questões:
a. Apreciar se o acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPCivil, porquanto ao considerar provados os pontos 86, 87, 88 e 89 entra numa grave contradição ao decidir pela impossibilidade de condenação da demandante, ora recorrida, porquanto o tipo objectivo do ilícito disciplinar pelo qual aquela foi sancionada se preenche, precisamente, com a factualidade que foi considerada provada pelo colégio de árbitros; e,
b. Apreciar se o acórdão proferido pelo TAD incorreu em erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, alínea f) e 87º-A, nºs 4 e nº 5 do RD da LPFP, e por erro na apreciação da prova produzida nos autos.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
6. O acórdão do TAD considerou assente a seguinte factualidade:
i. Por acórdão de 26-1-2021, proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, foi a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD, condenada pela prática de uma infracção disciplinar de falta de colaboração com a justiça desportiva, p. e p. pelo artigo 86º-A, nºs 1 e 3 do RDLPFP19, tendo-lhe sido aplicada uma sanção de multa no valor de € 8.568,00, bem como pela alegada falta de instalação e manutenção em perfeitas condições de um sistema de videovigilância no seu recinto desportivo, infracção p. e p. pelo artigo 87º-A, nºs 4 e 5 do RDLPFP19, tendo-lhe sido aplicada uma sanção de multa no valor de € 10.710,00 e a sanção de realização de um jogo à porta fechada. ii. Esta última condenação prende-se com o funcionamento do sistema de videovigilância, colocado no Estádio Municipal de Braga, aquando da realização dos seguintes jogos:
⎯ Jogo nº 10102 disputado entre a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD e Moreirense Futebol Clube – Futebol, SAD, no dia 11 de Agosto de 2019, a contar para a Liga NOS;
⎯ Jogo nº 10406 disputado entre a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD e a Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, no dia 1 de Setembro de 2019, a contar para a Liga NOS;
⎯ Jogo nº 30301 disputado entre a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD e o Marítimo do Madeira Futebol, SAD, no dia 13 de Outubro de 2019, a contar para a Allianz Cup;
⎯ e jogo nº 11406 disputado entre a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD e o Futebol Clube Paços de Ferreira – Futebol, SDUQ, no dia 15 de Dezembro de 2019, a contar para a Liga NOS (Ponto 1 da matéria de facto alegada, não controvertida e resultante do Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls.);
iii. Pese embora tenha o Conselho de Disciplina afastado a responsabilização disciplinar da demandante no que concerne aos jogos por esta disputados nos dias 12 de Janeiro de 2020, 02 de Fevereiro de 2020 e 08 de Fevereiro de 2020, todos a contar para a Liga NOS, por entender que “inexistem indícios suficientes de que o Estádio Municipal de Braga não estivesse (já) dotado de câmaras que permitissem a captação e gravação de som em todo o recinto desportivo (Ponto 4 da matéria de facto alegada, não controvertida, e resultante do Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95 – 2019/20 de fls.);
iv. No decurso da instrução, procurou a CI esclarecer junto dos Delegados da Liga, nomeados para os jogos realizados no Estádio Municipal de Braga nos dias 11 de Agosto, 1 de Setembro, 13 de Outubro e 15 de Dezembro de 2019, se todo o recinto estava dotado de câmaras de videovigilância com captação de som e imagem (Ponto 15 da matéria de facto alegada, não controvertida, e resultante do Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls.);
v. No referente ao jogo disputado a 11 de Agosto de 2019 entre a demandante e a Moreirense Futebol Clube – Futebol SAD, veio o Delegado António Reis esclarecer que:
Na Reunião Preparatória deste jogo foi questionado o Sr. Comandante da Força de Segurança acerca se o sistema de videovigilância estava operacional e a funcionar nos termos da regulamentação em vigor. O Sr. Comandante da Força de Segurança respondeu afirmativamente; Durante o preenchimento do Relatório de jogo, foi feita ao Sr. Director de Segurança a seguinte pergunta: “O sistema de videovigilância está em perfeitas condições? Respondeu também afirmativamente; Não me foi reportado por qualquer agente desportivo presente neste jogo, o funcionamento anormal do sistema de videovigilância” (cfr. fls. 100 dos autos, sublinhado nosso – Ponto 16 da matéria de facto alegada, não controvertida, e resultante do Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 100 dos autos);
vi. Também o Delegado A… afirmou:
Relativamente aos esclarecimentos solicitados, respondo da mesma forma, em três pontos, às perguntas a) e b):
- Na Reunião Preparatória deste jogo foi questionado o Sr. Comandante da Força de Segurança acerca se o sistema de videovigilância estava operacional e a funcionar nos termos da regulamentação em vigor. O Sr. Comandante da Força de Segurança respondeu afirmativamente;
- Durante o preenchimento do Relatório de jogo, foi feita ao Sr. Director de Segurança a seguinte pergunta: “O sistema de videovigilância está em perfeitas condições? Respondeu também afirmativamente;
- Não me foi reportado por qualquer agente desportivo presente neste jogo, o funcionamento anormal do sistema de videovigilância” (cfr. fls. 103 dos autos – Ponto 17 da matéria de facto alegada, não controvertida, e resultante do Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 103 dos autos);
vii. Relativamente ao jogo realizado a 1 de Setembro de 2019, que opôs a demandante à Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, veio o Delegado P… prestar os seguintes esclarecimentos:
No dia do jogo, antes da reunião preparatória, foi questionado o Director de Segurança do Braga, Sr. J…, se o Sistema de Videovigilância estava em perfeitas condições tendo este confirmado afirmativamente, conforme reportado pelos Delegados em sede de relatório de organização de jogo.
Na reunião preparatória, no dia do jogo, foi confirmado pelo Comandante das Forças de Segurança que o Sistema de VIDEOVIGILÂNCIA estava em funcionamento e cumpria os requisitos nos termos previstos da legislação em vigor (nomeadamente de som e imagem) Lei nº 39/2009, artigo 18º, nº 1.
Na reunião após o final do jogo com o Comandante das forças de segurança, o Director de Segurança e o coordenador de Segurança nada foi reportado aos Delegados sobre este tema, pois se tal tivesse sido referido teria sido colocado no relatório de Ocorrências onde todo a matéria desta reunião é sempre relatada” (cfr. fls. 97 dos autos, sublinhado nosso – Ponto 18 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 97 dos autos);
viii. O Delegado P… respondeu:
(…) Na reunião preparatória efectuada no dia do jogo, foi confirmado pelo Comandante das Forças de Segurança que o Sistema de Videovigilância estava em funcionamento e cumpria os requisitos nos termos previstos da legislação em vigor; no debrief efectuado após o final do jogo com o Comandante das forças de segurança, o Director de Segurança do SC de Braga e o coordenador de Segurança, nada foi reportado aos Delegados sobre este tema. Caso tivesse sido referida alguma situação, a mesma teria sido registada em sede de relatório de ocorrência” (cfr. fls. 101 dos autos, sublinhado nosso – Ponto 19 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 101 dos autos);
ix. O Delegado M… sobre o sistema de videovigilância no jogo realizado a 13 de Outubro de 2019, entre a demandante e a Marítimo da Madeira – Futebol, SAD no âmbito da Allianz CUP, informou os autos que:
Questionado o comandante da Força Policial, aquando da Reunião preparatória, se o “O CCTV está operacional e cumpre os requisitos legais e regulamentares”, a resposta do mesmo foi SIM” (cfr. fls. 96 dos autos – Ponto 20 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 96 dos autos);
x. Referindo-se ao jogo disputado a 15 de Dezembro de 2019 entre a SB SAD e a Futebol Clube Paços de Ferreira – Futebol SDUQ, Ldª, esclareceram os Delegados J… e V… o seguinte:
Em resposta ao solicitado, cumpre informar que na reunião preparatória do jogo, foi perguntado ao Sr. Comandante da força de segurança se o CCTV estava a funcionar nos termos da regulamentação em vigor, tendo este respondido que sim.
O Sr. Director de Segurança, também questionado relativamente ao funcionamento do CCTV, informou que estava tudo operacional.”(cfr. fls. 184 do apenso nº 95-19/20).
“1 – Aquando da Reunião Preparatória do jogo e na abordagem feita ao Sr. Comandante da Força Policial presente, foi-lhe perguntado se o CCTV (Sistema de Videovigilância) se encontrava em condições e conforme a Regulamentação em vigor, ao que o mesmo confirmou que estava tudo em conformidade e operacional. 2 – Quando questionado na mesma Reunião o Sr. Director de Segurança sobre se o CCTV (Sistema de videovigilância) se encontrava em condições, o mesmo também confirmou que estava tudo em condições operacionais e conforme a Regulamentação em vigor” (cfr. fls. 189 do apenso nº 95-19/20, sublinhado nosso – ponto 21 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. mais precisamente fls. 184 e 189);
xi. Por todos os Delegados da Liga designados foi unânime e peremptoriamente afirmado que o sistema de videovigilância estava operacional, cumprindo os requisitos legais e regulamentares (cfr. ponto 24 da matéria de facto alegada, não controvertida e assim dada como assente e provada);
xii. A informação acerca do concreto funcionamento do sistema de videovigilância do Estádio foi devida e directamente transmitida aos identificados Delegados pelos próprios Comandantes das Forças Policiais presentes em cada um dos jogos – elementos da autoridade sobre quem impende a responsabilidade de operar o sistema (cfr. ponto 26 da matéria de facto alegada, não controvertida, e assim dada como assente e provada);
xiii. Não só foi garantido (de forma generalizada e sem reservas) pelos Comandantes das Forças Policiais na reunião preparatória de cada um dos jogos em apreço que o sistema de CCTV existente no Estádio estava operacional e cumpria todos os requisitos legais e regulamentares (cfr. ponto 28 da matéria de facto alegada, não controvertida, e assim dada como assente e provada);
xiv. Após o decurso dos jogos, concretamente, nas reuniões finais onde os mesmos participam – note-se, já depois de operado o sistema durante um período de tempo considerável –, não foi relatado a quem de direito (leia-se, aos Delegados) qualquer anomalia ou deficiência relevante (cfr. ponto 29 da matéria de facto alegada, não controvertida, e assim dada como assente e provada);
xv. Nenhuma nota existindo sobre esta matéria nos Relatórios de Policiamento Desportivo por aqueles elaborados (cfr. ponto 30 da matéria de facto alegada, não controvertida, e assim dada como assente e provada);
xvi. Na sequência dos esclarecimentos solicitados ao “Exmº Comandante de Policiamento dos jogos em apreço” relativamente aos jogos disputados nos dias 11/08, 01/09, 13/10/2019, veio o Superintendente-Chefe C… esclarecer sucintamente que “de referir que quanto ao som que à data dos factos e de acordo com a última vistoria efectuada, apenas era captado na zona técnica (túnel)” – fls. 104 (cfr. ponto 39 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95 – 2019/20 de fls. e fls. 104 dos autos);
xvii. No que concerne ao verificado no jogo disputado em 15/12/2019, veio novamente o Superintendente-Chefe C… explicar que “… Relativamente ao som captado, informo que só aquando da realização da FINAL FOUR da Taça da Liga em 2020, foi instalado um sistema de gravação de som na tribuna VIP (na Bancada Poente) e outro na Bancada Nascente” – fls. 180 (cfr. ponto 40 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95 – 2019/20 de fls. e fls. 180 dos autos);
xviii. Não tendo o Exmº Superintendente-Chefe, ao contrário dos identificados Delegados da Liga, qualquer conhecimento directo acerca dos factos objecto destes autos – cfr. lista das presenças constantes das Actas elaboradas nas Reuniões Preparatórias dos jogos aqui em apreço ora juntas sob os doc. 1, 2 e 3 (cfr. ponto 44 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95 – 2019/20 de fls...);
xix. No “Relatório do auto de vistoria e categorização de estádio de Sporting Clube de Braga – Futebol SAD” da época desportiva 2019-2020, elaborado pela Comissão Técnica de Vistorias da Liga Portugal na sequência daquela acção, consignou-se, para o que ora releva em matéria de sistema de videovigilância, o seguinte:

(cfr. ponto 46 da matéria de facto alegada, não controvertida, assente em suporte documental de fls. constante dos autos);
xx. No âmbito do processo administrativo sub judice, foi determinada a notificação dos delegados da LPFP, designados para os jogos em questão, para esclarecerem se:
a) No caso concreto dos jogos em referência, o sistema de videovigilância, instalado no Estádio Municipal de Braga, permitia o controlo visual de todo o recinto desportivo e se estava dotado de câmaras que permitissem a captação e gravação de imagens e som desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo; e,
b) Nos jogos em referência, o sistema de videovigilância, instalado no Estádio Municipal de Braga permitiu a captação e registo de imagem e som da Bancada Inferior Nascente, incluindo sector A8 – cfr. fls. 18-20 do processo disciplinar nº 84-2019/2020 e fls. 81-83 do processo apenso (cfr. ponto 65 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada, e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls., mais precisa e respectivamente, fls. 18-20 e fls. 81-83);
xxi. Dos depoimentos prestados pelos delegados nos autos do processo administrativo, como de resto resulta das transcrições dos mesmos efectuados pela demandante, resulta, de forma expressa, que os Delegados da LPFP não tiveram qualquer intervenção em termos de operacionalização do sistema de videovigilância e apenas reportam aquilo que lhes terá sido dito por terceiros;
xxii. Os delegados da LPFP não fizeram chegar aos autos quaisquer factos de que possuíssem conhecimento directo, factos que tivessem percepcionado de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos (cfr. ponto 67 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada);
xxiii. Foi precisamente o que sucedeu nos presentes autos, porquanto na pendência da fase de instrução, o Ilustre Instrutor do processo disciplinar promoveu e realizou tal diligência probatória, requerendo um conjunto de esclarecimentos ao Exmº Comandante do Policiamento quanto à implementação e funcionalidade do sistema de videovigilância no Estádio Municipal de Braga – cfr. fls. 18-20 do Processo Disciplinar nº 84 - 2019/2020 e 81-83 do processo apenso –, a saber:
a) No caso concreto dos jogos em referência, o sistema de videovigilância, instalado no Estádio Municipal de Braga, permitia o controlo visual de todo o recinto desportivo e se estava dotado de câmaras que permitissem a captação e gravação de imagens e som desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo; e,
b) No jogo em referência nos presentes autos, o sistema de videovigilância, instalado no Estádio Municipal de Braga permitiu a captação e registo de imagem e som da Bancada Inferior Nascente, incluindo sector A8” (cfr. ponto 85 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls., em rigor e respectivamente, fls. 18.20 e 81-83);
xxiv. No âmbito do Processo Disciplinar nº 84-19/20, cujo objecto se prendia com os jogos números 10102, 10406 e 30301, foram prestados os seguintes esclarecimentos – cfr. fls. 104 do Processo Disciplinar nº 84 - 2019/2020:
Exmª Senhora
Relativamente ao assunto em epígrafe e V/e-Mail infra, encarrega-me S. Exª o Director Nacional Adjunto (UOOS), Superintendente-Chefe C…, de remeter a V. Exª(s) a resposta aos esclarecimentos solicitados (anexos):
De referir que quanto ao som que à data dos factos e de acordo com a última vistoria efectuada, apenas era captado na zona técnica (túnel).
Com os melhores cumprimentos, (…)” (cfr. ponto 86 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls., mais concretamente, fls. 104);
xxv. No âmbito do Processo Disciplinar nº 95-19/20, apenso aos autos do PD nº 84-19/20, foram prestados os seguintes esclarecimentos, tendo por referência os jogos números 11406, 11602, 11908 e 1200 – cfr. fls. 180 do processo apenso:
Exmº Senhor
Relativamente ao assunto em epígrafe e V/e-Mail infra, encarrega-me S. Exª o Director Nacional-Adjunto (UOOS), Superintendente-Chefe C…, de remeter a V. Exª(s) a resposta aos esclarecimentos solicitados:
a) No caso concreto dos jogos em referência, o sistema de videovigilância, instalado no Estádio Municipal de Braga, permitia o controlo visual de todo o recinto desportivo e se estava dotado de câmaras que permitissem a captação e gravação de imagens e som desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo;
Neste jogo, as câmaras instaladas no Estádio Municipal de Braga, permitiam o controlo visual de todo o recinto, embora algumas não apresentem imagens com uma qualidade aceitável. Relativamente ao som captado, informo que só aquando da realização da FINAL FOUR da Taça de Liga em 2020, foi instalado um sistema de gravação de som na tribuna VIP (na Bancada Poente) e outro na Bancada Nascente. De referir que em ambas as situações não é possível discernir a proveniência do som, se da Bancada Superior ou Inferior. No túnel de acesso aos balneários sempre teve montado o sistema de som.
b) No jogo em referência nos presentes autos, o sistema de videovigilância, instalado no Estádio Municipal de Braga permitiu a captação e registo de imagem e som da Bancada Inferior Nascente.
O sistema de videovigilância permite a visualização de toda a Bancada Inferior Nascente, contudo o sistema de som não é dedicado à Bancada Inferior Nascente, sendo comum a toda a Bancada Nascente, não permitindo discernir a proveniência do som.
Com os melhores cumprimentos (…)” (cfr. ponto 87 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. mais precisamente a fls. 180);
xxvi. Foi ainda determinado que se procedesse à notificação do Exmº Sr. Comandante do Policiamento para esclarecer:
III. Se no período anterior à realização da Final Four da Taça da Liga, o sistema de videovigilância (CCTV) instalado no Estádio Municipal de Braga, apenas estava dotado, no que concerne ao som, de câmaras que permitissem a sua captação e gravação no túnel de acesso aos balneários ou se, por outro lado, existiam mais câmaras que permitissem a captação e gravação de imagens e som noutros locais do recinto desportivo; e,
IV. Se, no que se refere ao jogo disputado entre a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD e a Clube Desportivo de Tondela – Futebol, SAD, realizado no dia 12 de Janeiro de 2020, a contar para a Liga NOS – em período anterior, mas muito próximo da realização da Final Four da Taça da Liga – já tinham sido instaladas câmaras que permitissem a captação e gravação de imagem e som, para além daquelas instaladas no túnel de acesso aos balneários – cfr. fls. 133-136” (cfr. ponto 88 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 133-136 dos autos);
xxvii. No dia 17 de Dezembro de 2020, foram prestados os seguintes esclarecimentos:
(…)
3. Questão I – De acordo com a informação detida pela PSP, antes da Final Four da Taça da Liga, o sistema de videovigilância (CCTV), instalado no Estádio Municipal de Braga, apenas se encontrava dotado com sistema de gravação de som na área inerente ao túnel de acesso aos balneários.
4. Questão II – O Comandante do policiamento do jogo entre as equipas do SC de Braga e do Tondela desconhece se à data da sua realização já tinham sido instalados no Estádio novos pontos de recolha de som (…) – cfr. fls. 161-162” (cfr. ponto 89 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 161-162 dos autos);
xxviii. No Relatório de auto de vistoria em causa, junto pela própria defesa, no item Não Conformidades/Descrição, consta como não conformidades que:
A SD encontra-se a requalificar o sistema de som CCTV com as indicações transmitidas na vistoria”, “Prazo de Execução 30-5-2019”; “No Sistema de videovigilância tem que ser instaladas 2 câmaras na saída do elevador com acesso ao C. presidencial e no C. Presidencial – assim como melhorar todas as existentes”; “Prazo de Execução 30-5-2019”; “A SD tem que pedir nova vistoria para verificar os itens acima referidos com prazos” – apud p. 237” (cfr. ponto 109 da matéria de facto alegada, não controvertida, dada como assente e provada e atento o Processo Disciplinar nº 84-2019/20 e Apenso correspondente ao Processo Disciplinar nº 95–2019/20 de fls. e fls. 237 dos autos).

B – DE DIREITO
7. Atenta a matéria de facto dada como assente e provada no acórdão arbitral, concluiu o TAD que emergia do confronto do acervo probatório existente, e em particular da ausência de relato de factos que as regras de experiência ditariam como normal terem sido relatados no concreto local e momento em que ocorreram os jogos ou, não o sendo, permitiam uma determinada e lógica conclusão, que afastava, senão com certeza absoluta, pelo menos acolhida por uma razoável dúvida atestada pelo princípio “in dúbio pro reo”, a impossibilidade de condenação da SAD arguida, revogando desse modo o acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e absolvendo a recorrida da prática da infracção disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 87º-A, nº 4 e nº 5, do RD da LPFP19, que lhe tinha sido aplicada por aquele órgão no âmbito do processo disciplinar nº 84 – 2019/2020.
8. Vejamos em primeiro lugar se o acórdão arbitral padece da nulidade que lhe é assacada pela Federação Portuguesa de Futebol, ou seja, se o mesmo padece da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPCivil, porquanto ao considerar provados os pontos 86, 87, 88 e 89 entra numa grave contradição ao decidir pela impossibilidade de condenação da demandante, ora recorrida, porquanto o tipo objectivo do ilícito disciplinar pelo qual aquela foi sancionada se preenche, precisamente, com a factualidade que foi considerada provada pelo colégio de árbitros.
Vejamos.
9. Determina o artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPCivil que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, o que se verifica quando ocorre um vício lógico da decisão, como por exemplo se, na fundamentação desta, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente. Por outro lado, a ambiguidade ou a obscuridade a que se alude na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ, de 20-5-2021, exarado no 69/11.2TBPPS.C1.S1).
10. Ora, no caso dos autos, o que sucedeu foi que o acórdão arbitral, na análise jurídica a que procedeu, considerou que os factos constantes da acusação (ou seja, que a SAD arguida, nos jogos disputados antes da realização da Final Four da Taça da Liga (Allianz Cup), época desportiva 2019/2020, com excepção do jogo disputado com a Clube Desportivo de Tondela – isto é, nos jogos supra identificados em 2)5, 3)6, 4)7 e 7)8 – manteve instalado o sistema de videovigilância, no Estádio Municipal de Braga, que permitia o controlo visual de todo o recinto desportivo, pois encontrava-se dotado de câmaras de videovigilância que permitia a captação e gravação de imagens, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, todavia apenas era captado e gravado som no túnel de acesso aos balneários, não permitindo a gravação de som nas restantes zonas do Estádio, prova essa resultante da conjugação de toda a prova carreada para os autos e, em particular, das informações das autoridades policiais constantes a fls. 104, 161 e 162 (em resposta ao pedido de esclarecimentos de fls. 133 a 136) dos autos principais e de fls. 180 do processo apenso), não se mostravam ancorados de forma a que se mostre “demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar”, concluindo por isso que “fica(va) comprometida qualquer condenação do arguido/recorrida, que deve ter a seu favor a presunção de inocência”.
11. E, com base em tal argumentação, concluiu o acórdão arbitral da seguinte forma:
Não resulta dos autos inteligível o itinerário percorrido pelo julgador aqui colocado em crise, para a partir de um relatório em que se afirma – sem que tenha sido infirmado por qualquer modo ou meio – que a arguida se encontra a requalificar o sistema de som, poder extrair que quem se encontra em tal posição – requalificar – mantinha um sistema que não dava cumprimento às exigências legais. Ditam as regras de experiência comum que, se à data da vistoria o sistema de som não cumpria as exigências regulamentares, resultaria para a arguida, não a fixação de um prazo para requalificação mas sim a fixação de um prazo para adequação do mesmo às exigências legais sob cominação, e não o inverso, ou seja, a fixação de um prazo para requalificar sem qualquer cominação. Esta manifesta ilogicidade, associada a ausência de narração de factos nos relatórios de policiamento desportivo, há-de beneficiar a arguida, que não pode ser condenada pela ausência dos mesmos.
Retomando as regras de experiência comum, não é credível, que os relatórios de policiamento, bem como os demais agentes desportivos intervenientes e presentes no local “conspirassem” no esquecimento do relato de factos que consabidamente são essenciais para a demonstração dos mesmos, qual «ad pertuam rei memoriae» e bem assim para sustentar a imputação do cometimento de infracção e sequente sanção. Mais, não é crível que os senhores Delegados ao Jogo, diligentes, reportassem para os relatórios factos não percepcionados, por um lado, e por outro que, a suscitar qualquer dúvida não promovessem a respectiva verificação para conformar os mesmos com a realidade. E, igualmente, para que dúvidas não restem ou seja suscitada omissão de pronúncia, estando provado o ponto 89 da Contestação subscrita pela Demandada, tal significa apenas que o teor do esclarecimento é verdadeiro – ou seja, quem o presta, não presta falsas declarações –, mas daí não se pode inferir que o valor probatório desse esclarecimento seja bastante para infirmar a demais prova, ou melhor ausência de prova, que permita com segurança demonstrar que o sistema de gravação de som não observava as normas regulamentares e que assim havia incumprimento por parte da arguida, tanto mais que, se a informação detida pela PSP – detida como? Por quem? Relatada de que forma? Onde? Por quem em concreto? – antes da Final Four da Taça da Liga era daqueloutro sentido esclarecido em 17.12.2020 também não se encontram respostas nos autos para as antecedentes questões, tão pouco para que tal não tivesse sido reportado e reduzido a auto ex-ante. Atenta a matéria de facto dada como assente e provada, emerge do confronto do acervo probatório existente, e em particular da ausência de relato de factos que as regras de experiência ditariam como normal terem sido relatados no concreto local e momento em que ocorreu o jogo ou, não o sendo, permitirem uma determinada e lógica conclusão, que afasta senão com certeza absoluta pelo menos acolhida por uma razoável dúvida atestada pelo princípio «in dúbio pro reo» a impossibilidade de condenação da demandante, arguida, impondo-se assim a sua absolvição”.
12. Deste modo, não é possível afirmar que o acórdão arbitral incorre num vício lógico da decisão ou, sequer, que a parte decisória do mesmo seja ininteligível, porquanto o que se verificou foi que se considerou que os factos constantes da acusação não podiam ter-se por indiciariamente demonstrados apenas com fundamento nos relatórios da autoridade policial elaborados muito após a ocorrência dos jogos em causa os quais, contrapostos com os esclarecimentos prestados pelos delegados aos jogos em causa, não permitiam dar por demonstrada, para além duma dúvida razoável, a prática das infracções imputadas à arguida.
13. Consequentemente, não se verifica a apontada nulidade do acórdão arbitral, podendo no entanto ocorrer realidade diversa, consistente na contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventuais erros de julgamento, mas não já nulidade.
14. Aqui chegados, cumpre apenas apreciar se o acórdão proferido pelo TAD incorreu em erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, alínea f) e 87º-A, nºs 4 e nº 5 do RD da LPFP, e por erro na apreciação da prova produzida nos autos.
Vejamos então.
15. A Lei nº 39/2009, de 30/7, estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, resultando do respectivo artigo 18º, sob a epígrafe “Sistema de videovigilância”, o seguinte:
1 – O promotor do espectáculo desportivo em cujo recinto se realizem espectáculos desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado, sejam nacionais ou internacionais, instala e mantém em perfeitas condições um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respectivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, as quais visam a protecção de pessoas e bens, com observância do disposto na Lei da Protecção de Dados Pessoais, aprovada pela Lei nº 67/98, de 26/10.
2 – A gravação de imagem e som, aquando da ocorrência de um espectáculo desportivo, é obrigatória, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, devendo os respectivos registos ser conservados durante 90 dias, por forma a assegurar, designadamente, a utilização dos registos para efeitos de prova em processo penal ou contra-ordenacional, prazo findo o qual são destruídos em caso de não utilização.
3 – Nos lugares objecto de videovigilância é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso que verse «Para sua protecção, este local é objecto de videovigilância com captação e gravação de imagem e som».
4 – O aviso referido no número anterior deve, igualmente, ser acompanhado de simbologia adequada e estar traduzido em pelo menos uma língua estrangeira, escolhida de entre as línguas oficiais do organismo internacional que regula a modalidade.
5 – O sistema de videovigilância previsto nos números anteriores pode, nos mesmos termos, ser utilizado por elementos das forças de segurança.
6 – O organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela Lei da Protecção de Dados Pessoais, aprovada pela Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, devendo, sem prejuízo da aplicação do nº 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos”.
16. Nos termos do artigo 5º, nº 1 deste diploma legal, previu o legislador que é o organizador da competição desportiva que compete aprovar os regulamentos internos em matéria de prevenção e punição das manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espectáculos desportivos, nos termos da lei.
17. Em cumprimento do artigo 5º da Lei nº 39/2009, de 30/7, estabelece o artigo 35º do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional quais as “medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair play”, elencando a alínea t) do seu nº 1 que “em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes (….) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis”.
18. E, por seu turno, o anexo VI desse Regulamento, constituindo o “Regulamento de Prevenção da Violência” (adoptado, como acima mencionado, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 5º da Lei nº 39/2009, de 30/7), estabelece que “sem prejuízo do disposto no Regulamento de Competições e no Regulamento Disciplinar da Liga, as medidas e procedimentos de prevenção, fiscalização e punição das manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância ou qualquer outra forma de discriminação nas competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de forma a possibilitar a realização dos jogos com segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática” (artigo 1º).
19. Nos termos do seu artigo 6º, alínea u), o promotor do espectáculo deve “instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis”, sendo o incumprimento destas obrigações previsto e sancionado no Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal (aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de Junho de 2011), e de acordo com o preceituado no seu artigo 87º-A, nº 4, que dispõe que “o clube que não cumpra as obrigações relativas ao sistema de videovigilância que para si decorrem do Regulamento das Competições é punido com a sanção prevista no nº 2”, ou seja, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 e o máximo de 100 UC.
20. Ora, o que sucedeu no processo disciplinar nº 5/2021, instaurado ao “Sporting Clube de Braga – Futebol SAD” – no qual, por acórdão de 26-1-2021, proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, foi aquela SAD condenada pela prática de uma infracção disciplinar de falta de colaboração com a justiça desportiva, p. e p. pelo artigo 86º-A, nºs 1 e 3 do RDLPFP19, tendo-lhe sido aplicada uma sanção de multa no valor de € 8.568,00, bem como pela alegada falta de instalação e manutenção em perfeitas condições de um sistema de videovigilância no seu recinto desportivo, infracção p. e p. pelo artigo 87º-A, nºs 4 e 5 do RDLPFP19, tendo-lhe sido aplicada uma sanção de multa no valor de € 10.710,00 e a sanção de realização de um jogo à porta fechada – foi que os esclarecimentos prestados pelos delegados aos vários jogos em questão e pelo comandante da força policial, não permitiam concluir, para além duma dúvida razoável, sobre se efectivamente o sistema instalado no estádio do Braga permitia a recolha de imagem e a de som em todo o recinto, como determinado nos regulamentos da Liga.
21. E, perante a dúvida que resultava da prova recolhida em sede de inquérito disciplinar, entendeu o colégio arbitral que no caso se impunha a aplicação do princípio “in dúbio pro reo”, pois não era isenta de dúvidas a factualidade demonstrativa da verificação dos elementos constitutivos da infracção pela qual a SAD arguida veio a ser punida.
22. Ninguém contesta que as contradições e incongruências em matéria de prova e consequentes dúvidas daí advindas têm que ser resolvidas a favor do arguido, por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, sendo que, em processo disciplinar, o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar, o qual não se satisfaz com uma insuficiência probatória.
23. Na verdade, o que importa é que, do conjunto da prova disponível (testemunhal, ou outra) resultem suficientemente comprovados os factos constitutivos da infracção, ainda que se possam constatar discrepâncias, contradições ou incongruências, desde que estas não impeçam uma conclusão segura sobre a ocorrência desses factos (cfr., neste sentido, o acórdão do STA, de 5-5-2022, proferido no âmbito do processo nº 0110/21.0BALSB).
24. Porém, no presente caso, é possível concluir que os factos dados como provados, constitutivos da infracção disciplinar imputada à SAD arguida, não encontram sustentação bastante na prova recolhida no processo disciplinar, designadamente nos esclarecimentos prestados pelos vários delegados aos jogos e pelo comandante da força policial, os quais são de molde a por em causa uma conclusão segura sobre a ocorrência da infracção disciplinar imputada à SAD arguida.
25. E, dado que recai sobre o instrutor do processo disciplinar e sobre a entidade competente para a decisão daquele processo o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção que se imputa ao arguido, quando da análise dos elementos constantes do processo disciplinar e daqueles trazidos aos autos resulte incerteza objectiva em matéria probatória, designadamente quando os elementos existentes no processo disciplinar não fornecem prova indiciária bastante do facto em que se consubstancia ou do qual se faz depender a violação do dever violado, haverá défice de instrução que determina a anulação do acto que aplicou a pena disciplinar (cfr., neste sentido, o acórdão do STA, de 24-6-2021, proferido no âmbito do processo nº 083/20.7BALSB).
26. Improcede, desta forma, o recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol.

IV. DECISÃO
27. Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo deste TCA Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão arbitral recorrido.
28. Custas a cargo da recorrente Federação Portuguesa de Futebol.
Lisboa, 8 de Setembro de 2022
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)