Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 07829/11 |
Secção: | CA-2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 03/22/2012 |
Relator: | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
Descritores: | ÓNUS DA PROVA, AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE, LIGAÇÃO EFETIVA |
Sumário: | 1.Cada litigante tem, em regra, o ónus de provar a existência dos pressupostos positivos e negativos das normas substantivas favoráveis à sua pretensão/excepção. 2. O art. 343º-1 CC necessita de ser interpretado à luz do art. 342º-2 CC, acabando por ser de aplicar in toto a regra do cit art. 342º-2 CC.. 3. E, por isso, cabe aqui ao MP alegar e provar factualidade que demonstre que o réu não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas (art. 9º-a da LN), assim impedindo que o autor prossiga no exercício do direito que invoca (previsto no art. 2º da LN). 4. Está adquirido que o requerente, menor brasileiro nascido em 1994, residente sempre no Brasil, onde estuda, quer ser português e é filho de uma pessoa brasileira que adquiriu em 2008 a nacionalidade portuguesa. Tal conjunto factual prova claramente que o réu não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:
I.RELATÓRIO I.1. Processo pedindo o arquivamento do processo conducente ao registo da nacionalidade portuguesa. Por sentença de 28-2-11, o referido tribunal decidiu julgar o pedido procedente. I.2. Alegações de recurso Inconformado, o réu recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando nas alegações as seguintes conclusões: I. A inexistência de factos e a não alegação de factos de que tenha sido dado conhecimento ao Conservador dos Registos Centrais, obrigando-o, nos termos do artº 57º, nº 7 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (1) a adotar os procedimentos aí previstos, constitui exceção material inominada, que inviabiliza a instância, por dela ser impeditiva. II. Os factos dados como provados que decorrem dos documentos registrais, provam apenas o que nos registos se contém, não podendo dos mesmos extrair-se nenhuma outra conclusão, para além da que o próprio registo permite. III. Os factos constantes de declarações apresentadas pelos representantes legais do recorrente não são constitutivos de inexistência de uma ligação à comunidade nacional. IV. Os factos provados não são, de modo e nenhum, indiciários de uma falta de ligação à comunidade nacional, podendo coexistir em existir em indivíduos que tenham um profunda ligação a essa comunidade. V. Tais factos não são impeditivos de uma forte ligação à comunidade nacional. VI. Tais factos não permitem, por si só, fundamentar um juízo de indesejabilidade de receção dos indivíduos por eles marcados na comunidade portuguesa. VII. A lei não exige que o candidato à aquisição da nacionalidade pelo casamento demonstre perante o conservador ou o tribunal que se encontra inserido na comunidade nacional. VIII. Ao pressupor essa exigência, a douta sentença recorrida ofende o disposto no artº 57º,3 do Regulamento da Nacionalidade, em que tal exigência não se encontra prevista. IX. A partir da reforma da Lei da Nacionalidade introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, complementada pelo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Fevereiro, deixou de ser exigível ao requerente da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade a demonstração de que se encontra inserido na comunidade nacional. X. Em consonância com as obrigações assumidas no quadro da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, a Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, veio estabelecer a presunção de que os filhos menores dos que adquirem a nacionalidade portuguesa têm uma ligação efetiva à comunidade nacional, porém ilidível mediante a alegação e prova de factos que comprovem a inexistência de tal ligação. XI. A ligação efetiva à comunidade nacional tem que ser aferida à luz dos princípios da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, não podendo ser discriminatória em razão de raça ou origem nacional ou étnica, em conformidade com o artº 5ª da referida Convenção (2). XII. A obrigação de o requerente se pronunciar sobre a efetiva ligação à comunidade nacional resume-se, por força do modelo aprovado, à escolha de um SIM ou de um NÃO no formulário pré-estabelecido. XIII. A douta decisão recorrida, ao pressupor que o requerente tinha que apresentar provas adicionais ou fazer de declarações não contidas no formulário, ofende, também, o disposto no artº 32º,2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (3). XIV. No quadro da versão da Lei da Nacionalidade aprovada pela Lei Orgânica nº 2/2006, cit. e do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa passou a depender de participação do Conservador dos Registos Centrais, vinculada às regras do artº 57º,7 do Regulamento da Nacionalidade. XV. A Conservatória dos Registos Centrais não participou ao Ministério Público quaisquer factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade. XVI. O processo está ferido, desde a sua origem, por violação do artº 57º,7 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. XVII. A inexistência de ligação efetiva á comunidade portuguesa não pode provar-se por documentos registrais ou por declarações dos interessados que não a indiciem. XVIII. Para que possa ser promovida a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento na falta de ligação à comunidade nacional, é indispensável que o conservador dos Registos Centrais apresente factos concretos e provas concretas que permitam ilidir tal presunção e que permitam fundar um juízo de indesejabilidade do indivíduo na comunidade portuguesa. XIX. A oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa só pode ser deduzida em circunstâncias que indiciem de forma inequívoca a indesejabilidade de quem pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa. XX. A aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de cônjuge de cidadão português é um direito fundamental, a que o Ministério Público não pode oferecer oposição sem que, para tanto, tenha a certeza e tenha provas da indesejabilidade da integração do indivíduo em causa na comunidade nacional. XXI. A oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de filho menor de quem adquire a nacionalidade constitui uma manifestação de censura à constituição da própria família concreta, implicando a rejeição de um elemento da mesma, pelo que só deve se deduzida quando, por razões de ordem pública, se conclua pela necessidade de um «divórcio» politico, relativamente ao filho menor, que declare inaceitável a integração de tal filho na comunidade portuguesa. XXII. O direito à aquisição da nacionalidade por parte de filho menor de quem adquire a nacionalidade portuguesa constitui um direito fundamental, a que se aplica o regime do artº 18º da Constituição. XXIII. A douta decisão recorrida, tal como foi formulada, não encontra na lei nenhum suporte concreto, ofendendo o disposto no artº 9º, 1 e 2 do Código Civil, o artº 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade (4), o artº 57º,7 do Regulamento da Nacionalidade, e os artºs 18º, 26º e 36º,6 da Constituição. * Nas contra-alegações, o recorrido diz: A) O Ministério Público instaurou acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra Paulo Augusto ……………., nascido a 6 de Setembro de 1994, de nacionalidade brasileira, natural de São Paulo, Brasil, e aí residente. B) O Réu contestou, alegando, em suma, que, relativamente aos menores cujo pai ou mãe adquire ou tenha adquirido a nacionalidade portuguesa, a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, no seu artigo 6.°, n. 4, estabelece a obrigatoriedade de o Estado lhes permitir a aquisição da nacionalidade portuguesa. Alegou ainda, por um lado, que o Réu não apresentou, nem tinha que apresentar quaisquer provas de ligação à comunidade portuguesa, porque tal não lhe é exigível por lei e, por outro, que a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de filhos menores de cidadãos que adquiriram a nacionalidade portuguesa é problema de direitos fundamentais, pelo que deve ser enquadrado no regime do artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa. C) Foi proferida sentença, julgando procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa. Fundamentação de facto e de Direito O Mmo. Juiz a quo considerou provada a matéria de facto, com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos, nos termos da douta sentença que aqui se dá por reproduzida. Aderindo, no essencial, à fundamentação constante da sentença, salientamos o seguinte: 1 - O artigo 4.° da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade (5) consagra que o direito interno de cada Estado permitirá a aquisição da sua nacionalidade, entre outros, dos filhos menores de um dos seus nacionais, aos quais seja aplicável a excepção prevista 6.°, n. 1, alínea a). (6) O Estado Português, na sua legislação, consagra a faculdade de qualquer estrangeiro menor obter a nacionalidade portuguesa, desde que preenchidos os requisitos para essa concessão de nacionalidade. Ora, sendo entendimento do Réu que não tinha que apresentar quaisquer provas de ligação à comunidade portuguesa, por tal não ser legalmente exigível, não resultou demonstrado e com o grau de intensidade exigido, que detenha já uma ligação efectiva à comunidade portuguesa, ou sequer que se encontra num processo estruturado e revelador de uma caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa. 2 - Sendo este um problema de direitos fundamentais - como tal enquadrável no regime do artigo 18.oda Constituição da República Portuguesa -, não significa que se esteja perante um direito absoluto. Porém, desde que fique salvaguardado o núcleo essencial do direito fundamental em causa, a lei pode introduzir limitações aos exercícios dos direitos, liberdades e garantias e direitos análogos - como a lei da nacionalidade o faz. 3 - O actual artigo 37.°, n. 1, do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei n. 237-A/2006, de 14 de Dezembro (7), continua a consignar como ónus do interessado a instrução dos requerimentos com os documentos necessários para a prova das circunstâncias de que depende a atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade. 4 - A oposição a aquisição da nacionalidade - no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional - continua a derivar da existência de um requerimento feito por alguém que pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste um direito e devendo pronunciar-se sobre a existência dessa ligação. 5 - A acção destinada à declaração de inexistência de ligação à comunidade portuguesa continua a configurar-se como uma acção de simples apreciação negativa. 6 - De acordo com o disposto no artigo 343.°, n. 1, do Código Civil, nas acções de simples apreciação negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. * Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora decidir em conferência. I.3. Objecto do recurso O objecto do recurso jurisdicional está na decisão recorrida e seus fundamentos. O âmbito do recurso é delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (conclusões necessariamente sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas) e apenas pode incidir sobre questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor (8)) que tenham sido apreciadas ou devessem ser anteriormente apreciadas, não se podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (9) ou cobertas por caso julgado (logicamente, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso). * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS O tribunal recorrido fixou assim a factualidade relevante provada: 1. O Requerido, PAULO …………………, nasceu a 6.09.1994, em São Paulo, Brasil (doc.s de fls. 9-10 e 14-15). 2. A sua mãe, Cristina …………… e depois do casamento Cristina ………….., veio a adquirir a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 6.°, n. 4, da Lei n. 37/81, de 3 de Outubro, conforme averbamento de 17.11.2008 - decisão do Conservador-Auxiliar dos Registos Centrais de 14.11.2008 (cfr. doc. a fls. 11-12). 3. Pelo requerimento entrado nos serviços da CRC em 16.09.2009, o Requerido, através dos seus pais, requereu a nacionalidade portuguesa ao abrigo do artigo 2.° da Lei da Nacionalidade, por ser filho menor de indivíduo que adquiriu a mesma nacionalidade (cfr. requerimento de fls. 4-5, o qual se dá por integralmente reproduzido). 4. Com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o proc. n. 36911 de 2009, no qual não foi lavrado o registo em questão. 5. O Requerido sempre residiu no Brasil, onde estuda (cfr. doe. de fls. 12 e por confissão). 6. O Requerido fala português (acordo). 7. Dou por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls 7-8 (carta dirigida à CRC). 8. Como resulta dos doc.s de fls, 20, 22-23, 28, 32, a mãe do interessado interveio por diversas vezes no procedimento administrativo de referência, pedindo esclarecimentos e efectuando solicitações. 9. E nessa sequência foi remetido aos pais do Requerido o ofício cuja cópia consta a fls 35, donde consta: "Se quiser poderá V. Exa., com a maior brevidade (até 16 de Julho de 2010), juntar provas de ligação à comunidade nacional portuguesa, as quais serão devidamente ponderadas na decisão de efectuar ou não a referida participação [participação ao MP para eventual dedução de oposição]". 10. Os pais do Requerido nada mais vieram requerer ou juntar ao processo administrativo (confissão). 11. Com o Requerimento inicial, foi junto "Poup Jovem Cx Geral Depósitos", "Declaração da Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil" e "Print da Newsletter Portal do Cidadão" (acordo e doc. de fls. 9-10). 12. Dou por integralmente reproduzido o teor do despacho proferido no processo n. 36911/09, da CRC, constante de fls. 36-38. * II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO A) A fundamentação jurídica do tribunal a quo é a seguinte: «A oposição à aquisição de nacionalidade, no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional (que é o que está em causa no presente processo) continua a derivar da existência de um requerimento feito por alguém que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito e devendo pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. A constatação, face às explicações dadas, de que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir pela ligação à comunidade nacional, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição. Como no caso sucedeu. A acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa continua, pois e salvo melhor opinião, a configurar-se, como uma acção de simples apreciação negativa. Neste sentido concluiu o acórdão da Relação de Lisboa de 15-02-2007, proc. n. 7772/06, cujo sumário parcialmente se transcreve: … A acção de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 4,°, n. 2, al. a), do CPC). … Donde, considera-se, no que aqui interessa, que a lei não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas. Ora, de acordo com o disposto no art. 343.°, n. 1 do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (v. supra). Ao exposto acresce que recentemente o TCA Sul no Acórdão de 2.10.2008, proc. n. 4125/08, veio a concluir no sentido supra proposto, decidindo que as acções de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa devem ser classificadas como acções de simples apreciação negativa, pelo que, atento o disposto no art 343.°, n. 1, do C. Civil, compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Muito sugestivamente, em consideração que aqui se sufraga na íntegra, conclui igualmente o TCA Sul no acórdão referido que: "De qualquer modo, pelo facto de estarmos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, também lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão." Ou como refere o recente acórdão de 19.11.2009 do TCA Sul no processo n. 05367/09: "a prova dos factos constitutivos de tal direito incumbe ao interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa”. ii) Apreciação do caso concreto Nos termos do art 2.° da Lei da Nacionalidade - o pedido foi formulado ao abrigo dessa disposição legal - os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração. A lei passou a referir-se, como se disse anteriormente, apenas à inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional. A jurisprudência tem vindo, ao longo dos anos, a defender que a ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida por todo um conjunto de factores, como o domicílio, a língua, as relações familiares, um conhecimento mínimo da História e da Geografia do País, ou seja, de tudo aquilo em que se possa radicar um sentimento de pertença. No Ac. da Rel. de Lisboa, de 26.09.2001 (in www.dgsi.pt) alinhou-se por esse diapasão, ao referir-se que a ligação efectiva à Comunidade Nacional há-de compreender-se "em função de factos relacionados com diversos factores, a saber, e inter alia, o domicílio, a língua, a família, a cultura, as relações de amizade, a integração social e económico-profissional. E tal em ordem a expressar um sentimento de pertença perene à Comunidade Portuguesa." Noutros arestos (acedidos também na citada base de dados) fala-se da demonstração de "um espírito e sentimento forte de portuguesismo e patriotismo próximos dos nacionais originários" (Ac. Rel. Lisb. de 17.12.98); ou de que já, "no todo ou em parte, se é, psicológica e sociologicamente, português" (Ac. R.L., também de 17.12.98); ou de que "deverá ter por base o domicílio, a língua, os aspectos culturais, sociais, familiares, económico-profissionais, de amizade e outros que traduzam a ideia de um sentimento de pertença à comunidade nacional" (Ac. Rel. Lisb de 30.04.98), não podendo a comunidade portuguesa ser "entendida como o círculo restrito dos familiares e amigos do requerente estrangeiro e sua esposa" (Ac. Rel. L., de 27.05.97), exigindo-se "a verificação de elos consistentes de natureza económica, profissional, social e cultural, de modo a corporizarem um sentimento de pertença efectiva à comunidade portuguesa, manifestados de forma mais ou menos prolongada e não através de actos isolados ou escassos" (Ac. Rel. Lisb., de 11.03.99). Com especial aplicação no caso em apreço, especificou já o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 14.12.2006, proc. n.o 06B4329, que: "Não resulta da lei, para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação de algumas das suas exigências. Apesar do interesse da família nuclear da unidade de nacionalidade de pais e filhos, a lei não o arvorou em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da nacionalidade por estrangeiros filhos de quem tenha adquirido a cidadania portuguesa. Não define a lei o que deve entender-se por ligarão efectiva à comunidade nacional. Mas ela tem a ver com a identificação, por parte do interessado, com a comunidade nacional, como realidade complexa em que se incluem factores objetivos de coesão social." Donde, a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve, naturalmente, factores vários, designadamente o domicílio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro. Necessário é pois que se possa concluir que se encontra estruturada e arreigada no âmago do candidato a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa. Ora, face aos elementos constantes dos autos e na ausência de outros, entende-se que se pode concluir pela inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional. Com efeito, e com relevo para a apreciação da presente acção, do Requerido apenas se sabe que é filho de nacional que adquiriu a nacionalidade portuguesa e que fala português (a língua oficial do Brasil). Mas nada se sabe no que se refere a contactos com a comunidade nacional portuguesa, aos conhecimentos que tem dos costumes portugueses, da sua história, das instituições portuguesas, etc. Temos pois que não vem minimamente demonstrada, por ora, qualquer afinidade com os usos, costumes, tradição e história do povo português, sendo que a circunstância de ser filho de cidadã que adquiriu a nacionalidade portuguesa não representa, por si só - qual conditio sine qua non - o preenchimento do requisito da ligação efectiva à comunidade portuguesa. Como se acabou de dizer, a circunstância de ser filho de progenitora a quem foi atribuída a nacionalidade portuguesa não pode ser arvorado em elemento bastante de ligação à comunidade portuguesa. Caso contrário, bastaria invocar esse singelo fundamento para que a nacionalidade fosse automaticamente concedida, fundamento esse não acolhido pelo legislador. Impor-se-ia, portanto, que o Requerido trouxesse ao processo outros elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, na sequência do requerido junto da Conservatória dos Registos Centrais. O que não fez. Aliás, o actual art. 37.°, n. 1, do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei n. 237-A/2006, de 14 de Dezembro, continua a consignar como ónus do interessado a instrução dos requerimentos com os documentos necessários para a prova das circunstâncias de que depende a atribuição, aquisição ou perda de nacionalidade portuguesa. Por outro lado, também o invocado art. 6.°, n. 4, da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade não impede a conclusão alcançada. … Donde, consagrando o Estado português na sua legislação a faculdade a qualquer estrangeiro menor, cujo pai ou mãe adquira ou tenha adquirido a nacionalidade portuguesa, de obterem a nacionalidade portuguesa, não se alcança a alegada violação/preterição deste princípio. Coisa distinta é a necessidade de preenchimento dos requisitos para essa concessão da nacionalidade. E no seu caso concreto, não vem demonstrado pelo Requerido, com o grau de intensidade exigido, que detenha já uma ligação efectiva à comunidade portuguesa ou sequer que se encontra num processo estruturado e revelador de uma caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa. Aliás, como olimpicamente decorre da contestação apresentada, é entendimento do Requerido que não tinha que apresentar quaisquer provas de ligação à comunidade portuguesa, porque tal não lhe é exigível por lei. Por outro lado ainda, cumpre referir que é verdade que o problema da aquisição da nacionalidade por parte dos filhos menores dos cidadãos que adquiriram a nacionalidade portuguesa é problema de direitos fundamentais, devendo ser enquadrado no regime do art, 18.0 da CRP. Efectivamente assim é. Porém, tal não significa que se esteja perante um direito absoluto. Com efeito, a lei pode introduzir limitações ao exercício dos direitos, liberdades e garantias e direitos análogos - como a lei da nacionalidade o faz - desde que fique salvaguardado o chamado núcleo essencial do direito fundamental em causa. Ora, na presente situação, aplicando a lei ao caso concreto, não se vê em que medida possa ter ocorrido uma aplicação da lei susceptível de afectar o assinalado direito fundamental. Mais uma vez, a questão é a do preenchimento dos requisitos de que depende a concessão da nacionalidade - e não se pode conceber que a mesma seja susceptível de atribuir por mera declaração, sem mais -, devendo, portanto, o interessado instruir o processo com elementos demonstrativos da declarada ligação efectiva à comunidade nacional. Mais, como a experiência deste tribunal neste domínio permite atestar, inúmeros são os casos de atribuição da nacionalidade (quer na fase administrativa, quer na fase contenciosa), significando isto que o dito núcleo essencial do direito fundamental permanece intacto e operativo. Tudo visto, entende-se, repetindo o já afirmado, que por ora não vem minimamente demonstrado o preenchimento do requisito da ligação efectiva à comunidade portuguesa.» B) A decisão recorrida, tal como foi formulada, não encontra na lei nenhum suporte concreto, ofendendo o disposto no artº 9º do Código Civil, o artº 9º-a) da Lei da Nacionalidade (10), o artº 57º-7 do Regulamento da Nacionalidade (11), e os artºs 18º (12), 26º (13) e 36º-6 (14) da Constituição? Constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a inexistência de ligação efectiva do interessado à comunidade nacional. Esta ligação efectiva/material/real à nação/sociedade portuguesa há-de resultar, naturalmente, de indícios de vária ordem, caso a caso. No caso presente, está apenas provado que o requerente, menor brasileiro nascido em 1994, residente sempre no Brasil, onde estuda, quer ser português e que é filho de uma pessoa brasileira que adquiriu em 2008 a nacionalidade portuguesa. Nada mais se alegou e provou, além de ser óbvio que o menor fala a língua de Camões. O tribunal a quo considerou que não se preencheu, assim, o requisito (para a aquisição da nacionalidade) da ligação efectiva à comunidade portuguesa. Ora, o recorrente considera, além do mais, que: - A partir da reforma da Lei da Nacionalidade introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, complementada pelo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Fevereiro, deixou de ser exigível ao requerente da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade a demonstração de que se encontra inserido na comunidade nacional; a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa só pode ser deduzida em circunstâncias que indiciem de forma inequívoca a indesejabilidade de quem pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa; -A oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de filho menor de quem adquire a nacionalidade constitui uma manifestação de censura à constituição da própria família concreta. Das normas portuguesas que transcrevemos, resulta claro que a Convenção cit. (arts. 4º a 6º) não foi desrespeitada de todo: a lei nacional não faz nenhuma das discriminações ali proibidas e permite a “nacionalização portuguesa” de menores estrangeiros filhos de portugueses dentro das regras da Convenção. Aliás, no caso presente, releva o facto de o menor ter nascido brasileiro em 1994, filho de brasileiros, e depois (em 2008) se ter tornado filho de uma cidadã brasileira que se tornou portuguesa. O art. 6º da Convenção não é minimamente beliscado pela nossa lei nesta sede concreta. O essencial aqui tem a ver com as regras do ónus da prova aplicáveis (v. arts. 341º ss CC), ou melhor, com a disciplina dos efeitos da falta de prova de certos factos ou da dúvida sobre certos factos (A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., p. 447ss), pois dela resulta a sorte da acção. A nossa Lei da Nacionalidade, respeitando perfeitamente o art. 6º da Convenção, prevê como obstáculo à aquisição da nacionalidade a inexistência de uma ligação efectiva, material ou real à nação ou sociedade portuguesas. Também prevê que: - «O adoptado plenamente por nacional português adquire a nacionalidade portuguesa». - «Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração». É a aquisição da nacionalidade por efeito da vontade. Portanto, tais menores têm o (logicamente raro) direito (legal) de adquirirem a nacionalidade portuguesa. Neste quadro específico, a (in)existência de uma ligação efectiva, material ou real à nação ou sociedade portuguesas tem de ser provada por quem (v. arts. 342º e 343º-1 CC)? (15) Àquele que invocar (em juízo) um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342º-1 CC). Ora, note-se que aqui o menor não é o autor desta acção. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado (em juízo e fora dele) compete àquele contra quem a invocação é feita (art. 342º-2 CC). Cada litigante tem, portanto e em regra, o ónus de provar a existência dos pressupostos positivos e negativos das normas substantivas favoráveis à sua pretensão/excepção (assim: arts. 342º CC e 516º CPC; e A. VARELA et al., ob. cit., p. 455, 460 e 461; e ALBERTO DOS REIS, CPCA, III, p. 278). No entanto, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa (ou provocationes ad agendum: ANSELMO DE CASTRO, DPCD, I, 1981, p. 116 e 122), como a presente, pretendendo-se obter a declaração judicial da inexistência de um direito (A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., p. 20-21) a que outrem se arroga, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arrogou e arroga – art. 343º-1 CC. Mas, se assim fosse sem mais, teríamos um ciclo vicioso, que redundaria em estas normas (arts. 342º e 343º-1 CC) serem inúteis ou tautológicas. É por isto que o cit. art. 343º-1 CC necessita de ser interpretado à luz do cit art. 342º-2 CC, acabando por ser de aplicar in toto a regra cit. do art. 342º-2 CC (assim: J. P. REMEDIO MARQUES, A Acção Declarat…, 3ª ed., p. 130): a prova dos factos impeditivos (…) do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita, mesmo que este seja o autor da acção. E, por isso, cabe aqui ao MP alegar e provar factualidade que demonstre que o réu não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas (art. 9º-a da LN), assim impedindo que o autor prossiga no exercício do direito que invoca (previsto no art. 2º da LN). Isto quer dizer que, se os factos apurados ou adquiridos em juízo nada ou pouco esclarecerem sobre tal assunto nuclear, o autor obviamente perderá a acção. Ora, no caso presente, está adquirido que o requerente, menor brasileiro nascido em 1994, residente sempre no Brasil, onde estuda, quer ser português e é filho de uma pessoa brasileira que adquiriu em 2008 a nacionalidade portuguesa. Nada mais se provou, além de ser óbvio que o menor fala a língua de Camões, comum aos 2 países. Dali resulta que o que distingue o menor de qualquer outro menor brasileiro com a mesma idade é apenas a sua vontade e o facto de a sua mãe ter adquirido a nacionalidade portuguesa quando ele tinha 14 anos. É isso uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas? Não. Tal conjunto factual prova claramente que o réu não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas. Dir-se-ia que, neste caso, o MP não teve de se esforçar muito para demonstrar que o réu não tem a ligação real à sociedade portuguesa. C) Não colhem aqui os argumentos do recorrente a favor do direito a constituir ou a ter família (direito da mãe do réu), que esta acção não põe em causa. De todo. O previsto no artº 57º-7 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (16) não condiciona absolutamente a actividade do MP; trata-se de um dever legal de um órgão da Administração. Apenas. O processo não está portanto ferido, desde a sua origem, por violação do artº 57º-7 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. Para que possa ser promovida a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento na falta de ligação à comunidade nacional, não é indispensável que o conservador dos Registos Centrais apresente factos concretos e provas concretas que permitam ilidir uma presunção inexistente e que permitam fundar um juízo de indesejabilidade do indivíduo na comunidade portuguesa. Não existe aqui qualquer ofensa do artº 57º-3 do Regulamento da Nacionalidade. É verdade que a partir da reforma da Lei da Nacionalidade introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, complementada pelo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Fevereiro, deixou de ser exigível ao requerente da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade a demonstração de que se encontra inserido na comunidade nacional. Mas não desapareceu a possibilidade de se provar em juízo o oposto de tal inserção, mesmo com factos apresentados pelo réu. É que a lei continua a exigir, legitimamente, uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas. O direito à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de filho menor de quem adquire a nacionalidade portuguesa não constitui um direito fundamental (direito imposto pela dignidade do ser humano) e não é obviamente um direito absoluto e incondicionado. Motivos por que o recurso não merece provimento. * III- DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso improcedente. Custas a cargo do recorrente. Lisboa, 22-3-2012 (Paulo Pereira Gouveia; relator) _____________________________________________ (António C. da Cunha) _____________________________________________________ (J. Fonseca da Paz) _______________________________________________________
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