Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:127/22.8 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/25/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:TAD
DIFAMAÇÃO
Sumário:I - O cometimento do tipo de ilícito disciplinar de difamação p. e p. no artº 112º nº 1 RDLPFP, tal como o ilícito penal correspondente, consiste no uso de expressões idóneas a ofender a honra e consideração alheias e, do ponto de vista do elemento subjetivo exige que o agente a tenha consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, sempre tendo em linha de conta o meio social e cultural em que os factos se inserem e a “sã opinião da generalidade das pessoas de bem” ou seja, o recurso ao conceito jurídico de “ homem médio” e “bom pai de família”.
II - O tipo de ilícito difamatório exige que as palavras ou expressões usadas não tenham outro sentido que não seja o de ofender; dito de outro modo, que inequívoca e em primeira linha as palavras ou expressões usadas visem gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome do visado.
III - Considerar juridicamente difamatório o comportamento de alguém que imputa a outrem o cometimento de erros de apreciação seja em que domínio de matérias for, equivale a proibir as pessoas de falar, constranger as pessoas no sentido de se guardarem de expressar o seu pensamento e se autocensurarem, derivas que o edifício jurídico português não permite.
IV - O artº 37º nº l da CRP consagra o princípio da liberdade de expressão e informação, determinando que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar e de ser informado, sem impedimentos, nem discriminações".
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO
A Federação Portuguesa de Futebol, veio interpor recurso da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 04.03.2022, que, por unanimidade, julgou procedente o recurso apresentado pelos Recorridos Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD e M...., tendo revogado a decisão do Conselho de Disciplina da Recorrente, proferida em 11 de maio de 2021, no âmbito do processo disciplinar nº …..-2020/2021, que condenou os Demandantes nos seguintes termos:
“(i) a Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, na sanção de multa de 10.200€, por violação do disposto no artigo 67.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional “RDLPFP”) aplicável à data;
(i) M...., na sanção de suspensão de 15 dias e, acessoriamente, com a sanção de multa no valor de 3.825€, por violação do disposto no artigo 130.° do RDLPFP aplicável à data.”
Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões:
«(…) 1. . O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 4 de março de 2022 que julgou procedente o recurso apresentado pelos ora Recorridos, que correu termos sob o n…. 20/2021.
2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em anular a sanção de suspensão de 15 dias e sanção de multa de €2.550, aplicadas ao Recorrido M.... pela prática de uma infração disciplinar de "Declarações sobre arbitragem antes dos jogos e sobre a organização das competições" prevista e punida nos termos do artigo 67º, nº 1 ex vi do artigo 130º, nº 1 ambos do RDLP, e bem assim a sanção de multa de €10.200 aplicada à Recorrida Sporting, SAD, pela prática de uma infração disciplinar de "Declarações sobre arbitragem antes dos jogos" prevista e punida nos termos do artigo 67º, nºs 1, 2 e 3 RDLPFP20, sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º 29 - 2020/2021, que correu termos naquele órgão.
3. Em causa nos presentes autos estão declarações produzidas pelo Recorrido M...., Diretor de Comunicação da Recorrida Sporting, SAD, declarações manifesta e objetivamente aptas a condicionar a atuação de agente de arbitragem já nomeado para jogo oficial, naquele específico contexto, consideradas adequadas a um propósito de questionamento da sua competência e/ou de condicionamento do desempenho da equipa de arbitragem.
4. Nesse sentido, "na emissão de dia 14 de dezembro de 2020, foi exibido pela Sporting TV o programa Raio X, dedicado essencialmente à análise e comentários do futebol profissional, que contou com a participação do Demandante M...." - cfr. ponto n.9 1 dos factos dados como provados - onde este proferiu, entre outras, as seguintes declarações: O apresentador perguntou o seguinte: «(...) começando, precisamente, então, pela nomeação de T.....: é um árbitro de boa memória, para o Sporting?» M.... respondeu: «Não sei se será de boa memória. O que eu espero, sinceramente, é que o T..... tenha mais sorte no jogo de amanhã do que teve nos últimos dois jogos que teve em frente ao Sporting: um como árbitro e outro como VAR. Árbitro, se não estou em erro, foi um jogo contra o Moreirense, e foi o V..... do jogo do Futebol Clube do Porto que, lembro-me, enfim, não assinalou a entrada violenta do Z..... sobre o P..... e terá revertido, ou pedido para o L.....rever o lance do Z..... com o P....., revertendo, depois, a decisão de penalty e de expulsão. Mas acho que o importante aqui é concentrarmo-nos no jogo e não no árbitro, sinceramente.»
5. À data da emissão do referido programa televisivo/' já era conhecida a equipa de arbitragem e observador de árbitro designados pelo Conselho de Arbitragem para o jogo entre a Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, e a Clube Desportivo de Mafra - Futebol, SDUQ, a contar para os quartos-de-final da Allianz Cup, que teria lugar no dia 15 de dezembro de 2020" - cfr. ponto n.9 2 dos factos dados como provados, sendo que, "a equipa de arbitragem do referido jogo, "foi constituída por T..... (Árbitro), P.....e F.....(Assistentes); M.....(4.9 árbitro); F.....(V.....) e B.....(A.....)" - cfr. ponto n.º 3 dos factos dados como provados.
6. Entendeu o Tribunal a quo, em suma, que não deveriam ter sido punidos os Recorridos, porquanto as declarações em crise não são aptas a condicionar a atuação do árbitro nomeado, não sendo assim, aplicáveis as normas previstas nos artigos 67.º e 130.º do RDLPFP
7. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito e na subsunção dos factos ao direito aplicável, com os quais a Recorrente não se pode conformar.
8. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que nos situamos no universo das infrações qualificadas como muito graves pelo RDLPDP, sendo que, o que indica que certas declarações sobre arbitragem, pelo momento em que são proferidas e pelo respetivo conteúdo, representam um grau de ilicitude mais elevado, visando punir-se qualquer crítica ou juízo que coloque em causa a nomeação feita pelo Conselho de Arbitragem e a imparcialidade ou competência técnica do árbitro, independentemente de se tratar de declaração com consideração difamatória, injuriosa ou grosseira.
9. O bem jurídico protegido pelas normas em crise assenta na natureza e na dignidade da tarefa judicativa que está confiada aos árbitros e na inerente preservação dos poderes de autoridade em que estão investidos, sendo imposto a todos os agentes desportivos um dever de lealdade e retidão para com os árbitros, prevenindo tentativas obscuras de aqueles atentarem àquela autoridade através de práticas suscetíveis de condicionar a atuação da equipa de arbitragem na direção e a tomada de decisões de caráter técnico e disciplinar nos jogos para os quais é nomeada, e bem assim, defender o bom e regular funcionamento da competição procurando assegurar que os valores de respeito entre os adversários e entre agentes desportivos imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por afirmações, insinuações ou juízos lesivos desses valores.
10. Do que se trata é de proteger, não só, os árbitros de pressões ilegítimas, mas acima de tudo, garantir que no futebol subsista e permaneça um ambiente ético e deontológico de fair play, devendo os clubes - e aqui entenda-se, o universo dos seus agentes desportivos - conhecer estas e outras normas, assumindo que dali decorre um compromisso ético e deontológico que nenhum deles deve deixar de cumprir.
11. O regulador desportivo pretendeu foi segregar e qualificar como muito graves certas declarações sobre arbitragem em função de dois critérios: (i) o momento em que são proferidas - apenas se visa as declarações sobre arbitragem proferidas antes dos jogos e num momento em que já é conhecida a equipa de arbitragem e observadores designados para os jogos que vão ser disputados nas competições profissionais; (ii) e o conteúdo - visa apenas as declarações contendo juízos que ponham em causa a imparcialidade ou competência dos elementos da equipa de arbitragem e observadores já nomeados para um determinado jogo, e bem assim, declarações sobre a nomeação, pelo órgão responsável, desses agentes para tais jogos.
12. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc.
13. As sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem, estando contudo adstritos, a deveres que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP, tendo desde logo o dever de «manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP) e de "manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.» (artigo 51.º n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP), sob o chapéu do que determina o artigo 79.º, com a epígrafe "Cultura física e desporto" da CRP que dispõe: «1. Todos têm direito à cultura física e ao desporto. 2. Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto».
14. A efetivação do direito ao desporto requer tanto medidas especificas como medidas adequadas à efetivação de outros direitos e ao cumprimento de outras incumbências pelo Estado, tais como: a inserção da educação física nos currículos escolares (n.º 2 do artigo 74.^o combate à violência (n.º 2, in fine) e a quaisquer violações de ética desportiva como parte da educação ao serviço da compreensão mútua e da responsabilidade (artigo 73°, n.º 2), não estando isolada no ordenamento jurídico a liberdade de expressão dos Recorridos, mas, aqui igualmente se encontra, o direito à cultura física e ao desporto, na sua vertente de prevenção da violência no desporto
15. Com efeito, haverá que concluir que pratica as infrações p. e p. nos artigos 67.º e 130.º do RDLPFP, o dirigente que decide apontar alegados erros de um árbitro, na véspera do jogo para o qual está nomeado, porquanto está, inevitavelmente, a questionar a sua competência, condicionando-o na atuação no jogo para o qual se encontra nomeado.
16. Com efeito, no que alude à infração disciplinar p. e p. no artigo 67.º [Declarações sobre arbitragem antes dos jogos], os elementos típicos, objetivos e subjetivos, estarão preenchidos se (i) um clube, (ii) publicamente, através de qualquer documento ou meio de comunicação social, (si) antes dos jogos das competições profissionais, (iv) proferir declarações ou emitir juízos pondo em causa a imparcialidade ou competência dos elementos da equipa de arbitragem e observadores já nomeados para os jogos das competições profissionais; (v) ou proferir declarações ou emitir juízos sobre a nomeação desses agentes para tais jogos; (vi) com dolo ou mera culpa, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 67.º, «o clube é responsável pelos atos cometidos por qualquer dos seus dirigentes, representantes, funcionários e demais agentes desportivos a si vinculados (...)».
17. No que respeita à infração disciplinar p. e p. no artigo 130.º, n.º 1 [Declarações sobre arbitragem antes dos jogos e sobre a organização das competições) verifica-se uma remissão em bloco para os elementos típicos da infração disciplinar do artigo 67.º, exceção feita ao agente da infração, que terá de ser um dirigente, ou, por remissão do artigo 171.º, n.º 1 do RDLPFP20 para o artigo 130.º do mesmo diploma regulamentar, um funcionário ou agente desportivo.
18. As declarações do Recorrido M....foram declarações sobre arbitragem proferidas antes de um determinado jogo, concretamente, do jogo entre a Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD e o CD Mafra - Futebol, SDUQ, a contar para os quartos-de-final da Allianz Cup, que teria lugar no dia 15.12.2020, num momento em que já era conhecida a equipa de arbitragem que apitaria o referido encontro e que dessa equipa de arbitragem faria parte o árbitro T......
19. Tais declarações foram veiculadas através de meio de comunicação social, em especial num programa televisivo (Raio X), exibido pela Sporting TV, no dia 14.12.2020, dedicado principalmente à análise e comentário do futebol profissional.
20. As declarações proferidas, a saber: Não sei se será de boa memória. O que eu espero, sinceramente, é que o T..... tenha mais sorte no jogo de amanhã do que teve nos últimos dois jogos que teve em frente ao Sporting: um como árbitro e outro como V...... Árbitro, se não estou em erro, foi um jogo contra o Moreirense, e foi o V… do jogo do Futebol Clube do Porto que, lembro-me, enfim, não assinalou a entrada violenta do Z..... sobre o P.....e terá revertido, ou pedido para o L..... rever o lance do Z..... com o P....., revertendo, depois, a decisão de penalty e de expulsão", são declarações de crítica pessoal ao árbitro por se entender que não tem a imparcialidade ou a competência necessária para dirigir o jogo, quando recuperam ou põem em evidência os (eventuais) erros que esse mesmo árbitro cometeu em jogos anteriores, fazendo recair sobre esse mesmo árbitro uma consideração generalizada de que é parcial e incompetente , num momento - antes de um jogo em que a sua equipa vai ser arbitrada pelo árbitro visado - em que é necessário preservar o período de reflexão e preparação desse agente de arbitragem de qualquer declaração que possa perturbar a sua atuação - sendo esse o valor jurídico-desportivo tutelado pelo artigo em análise.
21. Tais declarações têm, como é bom de ver, o alcance de qualquer destinatário normal interpretar aquelas palavras no sentido da contestação de forma intolerável da competência do árbitro, fito que os Recorrido, conheceram, pretenderam e alcançaram.
22. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, falar de arbitragem ou de um árbitro em específico, aludindo a alegados erros do passado e desejando que este tenha mais sorte no jogo seguinte, tudo isto antes de um jogo das competições profissionais, com a ressonância mediática que se encontra demonstrada nos autos e a que supra se alude, e bem assim com a pressão e responsabilidade que esse desempenho comporta, constitui uma forma de pressão e condicionamento.
23. Neste conspecto, ao proferir as declarações em crise, o Recorrido assume objetivamente o tipo de ilícito convocado pela decisão do Conselho de Disciplina da aqui Recorrente - caindo no primeiro segmento da previsão normativa do artigo 67.º n.º 1 do RDLPFP, sendo que, tratando-se de declarações sobre a nomeação de um árbitro concreto - T..... - adequadas a um seu condicionamento futuro porquanto sublinham que os erros passados o deixam como que "em débito" - na palavras do Conselho de Disciplina da aqui Recorrente - perante aquele clube, deve considerar-se também preenchido o segundo segmento do ilícito disciplinar previsto no artigo 67.º, n.º 1 do RDLPFP20.
24. A alegada base factual mínima que sustenta as declarações não se verifica e não sustenta o salto para as declarações em crise e para o momento em que o Recorrido decidiu proferi-las, demonstrando escassa lealdade entre os agentes desportivos envolvidos, não bastando a alusão a alegados erros de arbitragem, para que se registe preenchida a exigência da base factual mínima, como aliás tem decidido a jurisprudência maioritária, acrescendo que tal alegada base factual, não legitima o Recorrido a "escolher" a véspera de um jogo para o qual o árbitro está nomeado para elencar alegados erros do referido árbitro, o que sustenta a verificação da pessoalização da crítica.
25. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação.
26. Sem prejuízo do direito à liberdade de expressão, as normas em crise, ao serem aprovadas, diga- se, pelos clubes, entre os quais, a Recorrida Sporting Clube de Portugal, Futebol, SAD, - significa que aqueles se comprometem a submeter-se à salvaguarda que é a intenção da norma, isto é, a proteção dos árbitros, não só, de pressões ilegítimas, mas, mais do que isso, pretendendo-se a promoção de um ambiente de fair play.
27. O TAD entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das declarações produzidas pelo Recorrido M...., não têm qualquer relevância disciplinar pois não são aptas a colocar em crise a competência do arbitro T..... e a condicioná-lo na sua atuação no jogo que as declarações antecederam e é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Árbitros.
28. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito ao desporto, na dimensão de prevenção da violência no desporto e proteção da ética desportiva, devendo aquele primeiro direito - liberdade de expressão - conter-se, sempre nos limites de proporcionalidade, necessidade e adequação constitucionalmente impostos - artigo 18.5 da CRP - de modo a salvaguardar o núcleo essencial do direito constitucional com que conflitua.
29. O ordenamento disciplinar desportivo-que resulta da expressão da autovinculação regulamentar, por parte dos próprios agentes desportivos, traduzida na adesão a um conjunto de deveres especiais que sobre si impendem e que comportam as necessárias restrições à sua liberdade de expressão em nome e na salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como da credibilidade da competição - pelos princípios em que se estriba, ambiciona criar e conservar um espaço comunicacional de respeito nas relações desportivas, mesmo que isso implique, para os agentes desportivos, o dever de suportar constrangimentos à liberdade de expressão que, no campo do direito penal, isto é, enquanto cidadãos, não lhes seriam exigíveis.
30. Todo este entendimento, não é colocado em crise pelo disposto no artigo 10.3 da CEDH, havendo que atentar no respetivo n.º 2, sendo que, ali se refere que certas pessoas ou grupos, pela natureza das suas funções e responsabilidades, poderão ver a sua liberdade de expressão limitada.
31. Ademais, não nos podemos olvidar que uma das funções essenciais do desporto é, precisamente, a função de arbitragem, sendo que, todos concordarão que, se não há desporto - e futebol - sem as leis de jogo -, também não haverá sem aquele agente desportivo que tem como função fazer cumprir as mesmas, em suma, não existirá futebol sem o vulgarmente designado "juiz da partida", permanecendo no âmago dessa função de arbitragem, o valor da imparcialidade, da isenção entre os competidores, aqueles que disputam o jogo, sendo que, as declarações sub judice visam condicionar a atuação do árbitro nomeado.
32. Analisadas na sua substancialidade, aquelas concretas afirmações são inegavelmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol, na medida em que, no contexto em que foram proferidas, mostram-se aptas a serem percecionadas como uma forma de condicionar a atuação dos elementos de uma concreta equipa de arbitragem, colocando, consequentemente, em causa a própria imagem e bom nome da competição, além de passar um completo atestado de incompetência ao árbitro por este ter, alegadamente, cometido erros de apreciação de lances em jogos anteriores.
33. Nestes azimutes, atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento deste tipo de comportamentos encontra fundamento na tarefa de preservação da verdade desportiva e prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva, sendo que, os Recorridos lograram alcançar o resultado que pretendiam, ao proferir e divulgar as referidas declarações e respetivo conteúdo, atingindo a integridade e probidade dos visados, concluindo-se que tais declarações são potencialmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol.
34. As declarações em crise devem ser sancionadas, pois apenas contribuem para a permanência de um clima de violência associado à prática desportiva e de condicionamento das equipas de arbitragem, impedindo o exercício pleno da sua função, enquanto figuras centrais da prática do futebol e de outras modalidades, livre de pressões provenientes daqueles cujas condutas devem servir como exemplo para os adeptos e sociedade, em nada contribuindo tais declarações para a ética, lealdade e retidão que deve vigorar no fenómeno desportivo
35. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos "atores" desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
36. A tese sufragada pelo Colégio de Árbitros e pelos Recorridos é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em quem pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés - o que é mais preocupante -, criando na comunidade um sentimento de descrédito nas competições e nas autoridades que gerem o futebol português.
37. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 67.º e 130.º, do Regulamento Disciplinar da LPFP e por errada subsunção dos factos ao direito aplicável. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,
Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.”

Os Recorridos contra-alegaram, não tendo, no entanto, apresentado conclusões.

Neste Tribunal Central Administrativo Sul, tendo o Ministério Público sido notificado em 22 de julho de 2022, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II - Questões a apreciar e decidir
Tendo presentes as alegações de recurso apresentadas e as respetivas conclusões, as questões que importa verificar e decidir no âmbito do presente recurso reconduzem-se a saber se, como invocado, “o Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito e na subsunção dos factos ao direito aplicável, com os quais a Recorrente não se pode conformar”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III. Fundamentação
A matéria de facto constante do acórdão recorrido é a seguinte:
“1. Na emissão de dia 14 de dezembro de 2020, foi exibido pela Sporting TV o programa Raio X, dedicado essencialmente à análise e comentários do futebol profissional, que contou com a participação do Demandante M....;
2. À data da emissão do sobredito programa televisivo, já era conhecida a equipa de arbitragem e observador de árbitro designados pelo Conselho de Arbitragem para o jogo entre a Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, e a Clube Desportivo de Mafra - Futebol, SDUQ, a contar para os quartos-de-final da Allianz Cup, que teria lugar no dia 15 de dezembro de 2020;
3. A equipa de arbitragem do sobredito jogo foi constituída por T..... (Árbitro), P.....e H..... (Assistentes); M.....(4.° árbitro); H.....(V….) e B.....(A.....);
4. O Demandante M....está inscrito na LPFP como “agente desportivo’’, assumindo o cargo de “Assessor Comunicação" da Demandante Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD;
5. No referido programa de televisão, o Demandante M.... proferiu as seguintes declarações:
(i) «Como não acredito que o Conselho de Arbitragens faça provocações ao Sporting, acredito que deverá ser um sinal de confiança», em resposta à seguinte questão colocada pelo apresentador«[...] T....., como vimos, é o VAR do clássico, do polémico clássico com o Futebol Clube do Porto e vai apitar o jogo de amanhã com o Mafra, portanto, no espaço de duas semanas, temos os dois árbitros principais do jogo com o Futebol Clube do Porto a serem nomeado para jogos do Sporting. Isto é aqui um, pergunto, um sinal de confiança do Conselho de Arbitragem a estes dois árbitros, ou uma provocação ao Sporting?»
(ii) «Não sei se será de boa memória. O que eu espero, sinceramente, é que o T..... tenha mais sorte no jogo de amanhã do que teve nos últimos dois jogos que teve em frente ao Sporting: um como árbitro e outro como V….. Árbitro, se não estou em erro, foi um jogo contra o Moreirense, e foi o V… do jogo do Futebol Clube do Porto que, lembro-me, enfim, não assinalou a entrada violenta do Z..... sobre o P.....e terá revertido, ou pedido para o L.....rever o lance do Z..... com o P....., revertendo, depois, a decisão de penalty e de expulsão. Mas acho que o importante aqui é concentrarmo-nos no jogo e não no árbitro, sinceramente», em resposta à seguinte questão colocada pelo apresentador:«[...] começando, precisamente, então, pela nomeação de T.....: é um árbitro de boa memória, para o Sporting?»

IV - Do direito
Para que conste, sumariou-se no Acórdão Recorrido:
“1. O juízo sobre a aplicabilidade das normas regulamentares previstas nos artigos 67.° e 130.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional ao caso em apreço compreende dois passos essenciais: (i) em primeiro lugar, suscita-se o problema da clarificação linguística de conceitos com margens de incerteza e da subsunção da ação concreta sob análise na ação-tipo prevista nas normas regulamentares proibitivas; (ii) em segundo lugar, concluindo-se pela aplicabilidade das normas ao caso, coloca-se a questão de saber se as mesmas devem ser aplicadas all things considered ou se existem razões ponderosas para permitir a expressão proibida por essas normas regulamentares;
2. In casu, conclui-se no sentido da inaplicabilidade das normas regulamentares em análise, por se considerar que as afirmações proferidas pelo Demandante M....não são aptas a colocar em causa a imparcialidade ou competência dos elementos da equipa de arbitragem e observadores designados para os jogos que vão ser disputados nas competições profissionais;
3. As referidas afirmações reportam-se muito mais a uma crítica sobre o desempenho do que propriamente visam o sujeito enquanto tal; no mais, sustentam-se em factos e, em especial, no desempenho concreto da equipa da arbitragem, não realizando um juízo genérico sobre a aptidão dos destinatários indiretamente visados para exercer a respetiva atividade profissional.
4. Por não se reportarem a um juízo sobre a competência e imparcialidade, genericamente consideradas, dos elementos da equipa de arbitragem, não podem ser consideradas aptas a colocar em causa esses valores e, por conseguinte, não são suscetíveis de condicionar futuras prestações dos visados.
5. Ademais, a aptidão para questionar a competência e imparcialidade de um elemento de arbitragem não pode ser aferida subjetivamente - i.e., não pode ter por base a perceção do próprio visado. Assim, o juízo de aptidão deve guiar-se por pautas gerais.
6. Por último, releva a tendencial espontaneidade das afirmações em análise, proferidas no contexto de uma entrevista, à qual acresce a circunstância de o Demandante M.... não ter contribuído ativamente para a discussão sobre o desempenho dos elementos de equipas de arbitragem, tendo, aliás, procurado retirar ênfase ao tópico.”

Entende recursivamente a FPF que deverá ser revogado o Acórdão Arbitral proferido pelo TAD no processo n.º 20/2021, que deu provimento ao recurso interposto que revogou a decisão condenatória do CD da FPF proferida 11 de maio de 2021, no âmbito do processo disciplinar n.º ….-2020/2021.

Efetivamente, entendeu o Acórdão do TAD aqui em reapreciação “no sentido da inaplicabilidade das normas regulamentares em análise, por se considerar que as afirmações proferidas pelo Demandante M.... não são aptas a colocar em causa a imparcialidade ou competência dos elementos da equipa de arbitragem e observadores designados para os jogos que vão ser disputados nas competições profissionais, antes “reportam-se muito mais a uma crítica sobre o desempenho do que propriamente visam o sujeito enquanto tal; no mais, sustentam-se em factos e, em especial, no desempenho concreto da equipa da arbitragem, não realizando um juizo genérico sobre a aptidão dos destinatários indiretamente visados para exercer a respetiva atividade profissional pelo que, “Por não se reportarem a um julgo sobre a competência e imparcialidade, genericamente consideradas, dos elementos da equipa de arbitragem, não podem ser consideradas aptas a colocar em causa esses valores e, por conseguinte, não são suscetíveis de condicionar futuras prestações dos visado”.

Refira-se desde logo que se mostra inaceitável e incompreensível que qualquer critica, nomeadamente à arbitragem ou aos árbitros seja desde logo sumaria e liminarmente punida.

Sublinha-se, em qualquer caso, que a condenação do Sporting SAD resulta tão-só e automaticamente da condenação do Recorrido M...., enquanto autor das controvertidas declarações, das quais, aliás, não decorre a imputação ao arbitro em questão de um comportamento parcial e incompetente.

Acresce ter sido o próprio instrutor do Processo disciplinar quem propôs o seu arquivamento, afirmando que não estão “verificados os elementos objetivos e/ou subjetivos dos ilícitos disciplinares”

Os árbitros de futebol, sem prejuízo de aos mesmos dever ser, naturalmente, salvaguarda a sua integridade, nomeadamente física e intelectual, não poderão ser tratados como “intocáveis” e detentores da verdade absoluta.

Acompanha-se, pois, o entendimento do TAD quando afirmou que “As observações se sustentam em factos e, em especial, no desempenho concreto da equipa de arbitragem, não realizando um juízo genérico sobre a aptidão dos destinatários indiretamente visados para exercer a respetiva atividade profissional. Por não se reportarem a um juízo sobre a competência e imparcialidade, genericamente consideradas, dos elementos da equipa de arbitragem, não podem ser consideradas aptas a colocar em causa esses vedores e, por conseguinte, não são suscetíveis de condicionar futuras prestações dos visado”.

Não se reconhece, pois, que as declarações em causa possam ter posto em causa o estatuído no artigo 67.° do RD.

No que concerne à factualidade pertinente, e como se afirmou no Acórdão deste TCAS proferido no Processo n.º 18/19.0BCLSB de 4 de Abril de 2019, citando a jurisprudência do TEDH: “No Ac. do TEDH Steel and Morris c. Reino Unido, P. n.° 68416/01, de 15-02-2005, pronunciando-se sobre o crime de difamação, este Tribunal defende que estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta terá de aferir-se com base no respetiva sustentação, atendendo aos factos existentes. Assim, a conduta só será desproporcional quando não haja factos que a sustentem. Ao invés, existindo tais factos, a opinião, enquanto manifestado da liberdade de expressão, tem de ser admitida.”

Como tem afirmado o mesmo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o único limite, fundado na proteção da honra, que em bom rigor é o que aqui está em causa, só relevará perante um desvalor desprimoroso da personalidade do criticado ou perante uma denúncia caluniosa, o que não foi o caso.

Reitera-se, pois, que se não vislumbra que o Recorrido M...., em concreto, tenha adotado uma conduta objetiva ou subjetivamente ilícita, e violadora do regime disciplinar aplicável, mormente do Artº 67º do RD.

Não se reconhece, pois, nas declarações em questão qualquer carga valorativa desproporcionalmente ultrajante, insultuosa e ofensiva da honra e dignidade da equipa de arbitragem em causa.

De resto, o juízo de valor censurado pela Recorrente encontra-se suportado pela factualidade invocada, pelo que as expressões utilizadas devem ser toleradas ao abrigo da Liberdade de Expressão.

Como já afirmado por este TCAS, os “árbitros desportivos, tendo em conta o meio onde desenvolvem a sua atividade, não podem deixar de ser considerados, nesse exercício, como personalidades públicas e, consequentemente, expostos a crítica de opinião pública - incluindo a crítica dos demais agentes desportivos - veiculada pelas diversas formas de expressão ao seu dispor.” (TCAS, 15.10.2020, Proc. 53/20.5BCLSB).

Por outro lado, as questões de arbitragem desportiva - no futebol - constituem um debate de interesse público. Jornais, rádios e TV’s dedicam um espaço, até excessivo, diga-se, ao tratamento deste assunto semana após semana. O próprio TEDH tem defendido que é reduzida a aplicação do art. 10.º da Convenção justamente por se tratarem de questões com interesse público (Stoll v. Switzerland [GC], § 106; Castells v. Spain, § 43; Wingrove v. the United Kingdom, § 58). É público e notório que o futebol profissional e comercial concede um palco relevante ao debate das questões de arbitragem.

Importa assim concluir que as controvertidas afirmações que determinaram a condenação disciplinar dos Recorridos, por tudo o exposto, não configuram a prática do ilícito disciplinar previsto e punido pelo Regulamento Disciplinar aplicável.

Como afirmado por SOFIA DAVID, in “Da liberdade de expressão dos agentes desportivos, à falta dela”, in e-Pública Vol. 8 N.º 1, Abril 2021, pgs. 172-203, «(…) A efetivação da liberdade de expressão dos agentes desportivos é uma imposição básica num Estado de direito democrático, assente no pluralismo de expressão e numa organização política, democrática e participativa.
Às federações desportivas foram delegados poderes regulamentares e disciplinares que visam a salvaguardada das regras de jogo ou da competição, a promoção da ética, do espírito, da verdade desportiva e o objetar de práticas que impliquem a “perversão do fenómeno desportivo”. Incumbe também às federações desportivas o objetar de atos que incitem ou consubstanciem atos de violência, racismo, xenofobia e intolerância.
As federações desportivas devem, pois, penalizar os comportamentos dos agentes desportivos que colidam com as atribuições que lhes foram cometidas, quando tal se mostre claramente essencial para a garantia do respeito que é devido entre os agentes desportivos ou para a repressão de atos ponham em causa os elementos essenciais e imprescindíveis para bom funcionamento das instituições desportivas.
Quanto aos atos e comportamentos que não colidam com os fins e atribuições que estão cometidos às federações desportivas, devem ficar fora do campo da sanção disciplinar.
A liberdade de expressão e de informação é um direito fundamental consagrado na CRP que tem de conviver com os direitos de personalidade, designadamente o direito ao bom nome e à reputação.
As normas regulamentares aprovadas pelas federações desportivas que punem a ofensa ao bom nome e à reputação são normas restritivas da liberdade de expressão e informação. Enquanto normas restritivas, impõe-se a sua interpretação restrita ao preciso fim que visam salvaguardar.
Na interpretação que se faça das normas punitivas exige-se, também, a observância do princípio da proporcionalidade na sua tripla dimensão, da necessidade, da adequação e da proibição do excesso.
Na proteção do direito ao bom nome e à reputação deve atender-se às circunstâncias concretas que envolvem o mundo desportivo e relativas à eventual notoriedade do individuo ou instituição lesada.
Neste sentido, a jurisprudência nacional, na esteira da jurisprudência do TEDH, tem recorrido ao conceito de figura pública, que pressupõe uma maior tolerância do visado às críticas e comentários que lhe são dirigidos.
Ocorrendo uma colisão entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome e à reputação, impõe-se ponderar casuisticamente todas as circunstâncias que envolvem o caso concreto por forma a encontrar a melhor harmonização entre as normas colidentes.
No raciocínio que se desenvolva, ter-se-á de cuidar que não se sacrifica o núcleo essencial de nenhum dos direitos colidentes. Igualmente, atendendo à concreta situação, há que interpretar os valores jurídicos em confronto tentando retirar a sua máxima efetivação, otimizando os comandos constitucionais relativos à liberdade de expressão e ao direito ao bom nome e à reputação – e que se protegem por via da sanção aplicada.
Na ponderação dos valores jurídicos em confronto e que se querem proteger, o interprete deve considerar não só as normas constitucionais que preveem e delimitam os respetivos direitos, como as normas de direito internacional que nos vinculam, designadamente as que decorrem da CEDH e da jurisprudência que delas retira o TEDH.»

Neste pressuposto, que secundamos, reitera-se que se não vislumbra que as declarações que determinaram a aplicação das controvertidas penas disciplinares, o pudessem justificar.

É já abundante a jurisprudência proferida a este respeito.

Alude-se ainda aos Acórdãos deste TCAS de 16.01.2020 e de 13.02.2020, P.154/19.2BCLSB e P.155/19.0BCLSB, respetivamente, aqui aplicados mutatis mutandis, onde se sumariou, o seguinte:
“1. O cometimento do tipo de ilícito disciplinar de difamação p. e p. no artº 112º nº 1 RDLPFP, tal como o ilícito penal correspondente, consiste no uso de expressões idóneas a ofender a honra e consideração alheias e, do ponto de vista do elemento subjetivo exige que o agente a tenha consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, sempre tendo em linha de conta o meio social e cultural em que os factos se inserem e a “sã opinião da generalidade das pessoas de bem” ou seja, o recurso ao conceito jurídico de “ homem médio” e “bom pai de família”.
2. O tipo de ilícito difamatório exige que as palavras ou expressões usadas não tenham outro sentido que não seja o de ofender; dito de outro modo, que inequívoca e em primeira linha as palavras ou expressões usadas visem gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome do visado.
3. Considerar juridicamente difamatório o comportamento de alguém que imputa a outrem o cometimento de erros de apreciação seja em que domínio de matérias for, no caso dos autos, de erros de arbitragem, equivale a proibir as pessoas de falar, constranger as pessoas no sentido de se guardarem de expressar o seu pensamento e se autocensurarem, derivas que o edifício jurídico português não permite.
4. O artº 37º nº l da CRP consagra o princípio da liberdade de expressão e informação, determinando que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar e de ser informado, sem impedimentos, nem discriminações".

Importa, em qualquer caso, não perder de vista que a própria jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), tem exigido que o direito à liberdade de expressão seja apreciado em equilíbrio com os direitos ao bom nome, à reputação e à imagem, visando a salvaguarda de uma sociedade democrática e considerando a envolvência de cada caso concreto, numa ótica de proporcionalidade.

O próprio TEDH esclareceu (Cfr. Teixeira da Mota, Liberdade de Expressão – A Jurisprudência do TEDH e os Tribunais Portugueses, Revista Julgar, n.° 32, 2017, pgs. 181-184.) «(…) que as opiniões não são verdadeiras nem falsas. Podem ter mais ou menos sustento factual, mas não passam de opiniões, de juízos de valor que variam de pessoa para pessoa, pelo que não faz sentido condenar uma pessoa por ter uma opinião falsa; já os factos serão verdadeiros ou falsos.(…)»

Em face de tudo quanto supra ficou expendido, entende este tribunal de recurso que as declarações em causa que determinaram a aplicação das recorridas penas disciplinares, não se mostram suficientes e adequadas para determinar a aplicação das referidas penas, o que determina que se não vislumbre que o acórdão recorrido tenha incorrido em erro, pois que as referidas afirmações consubstanciaram-se no mero e legitimo exercício opinativo de quem as proferiu, sem que constituíssem afirmações excessivas ou difamatórias, tolerado ao abrigo da Liberdade de Expressão, pois não teve nem subjetiva nem objetivamente, aptidão ofensiva da honra e consideração devida aos árbitros, nem violando os princípios da atividade desportiva (Cfr. Ac. STA de 09.09.2021, P. 050/20.0BCLSB).

Nestes termos, não se reconhecendo quaisquer erros na aplicação do Direito e na subsunção dos factos ao direito aplicável, manter-se-á o acórdão recorrido, negando-se provimento ao recurso interposto pela Recorrente Federação Portuguesa de Futebol.

IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes de turno deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 25 de agosto de 2022

Frederico de Frias Macedo Branco

Maria de Lurdes Toscano

Patrícia Manuel Pires