Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10374/01
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2002
Relator:António de Almeida Coelho da Cunha
Descritores:LICENÇA SEM VENCIMENTO DE LONGA DURAÇÃO
PRETENSÃO DE REINGRESSO
DESPACHO AUTORIZATIVO
Sumário:I - A licença sem vencimento consiste numa interrupção do serviço, durante a qual ficam suspensas todas as vantagens e regalias da função.
II - Se um funcionário na situação de licença sem vencimento de longa duração pretender regressar ao serviço, a data do reingresso é determinada, para todos os efeitos, pela data do despacho que defere a sua pretensão, o qual não possui quaisquer efeitos retroactivos (artº 127º do CPA), e não pelo momento em que a pretensão é formulada no respectivo serviço.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:1. Relatório.

H...., Assessor Principal da Carreira Técnica Superior da Direcção Geral do Património do Ministério das Finanças, veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho de 6.11.00, do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, que indeferiu o requerimento apresentado pelo recorrente para efeitos de pagamento de vencimentos e contagem de tempo para efeitos de antiguidade e de aposentação.
A entidade recorrida respondeu defendendo a improcedência do recurso.
Em alegações finais, as partes sustentaram as posições respectivas.
A Digna Magistrada do Ministério Público, no douto Parecer que antecede, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, por o acto recorrido não enfermar de qualquer ilegalidade.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Matéria de Facto.
Mostra-se provada a seguinte factualidade relevante:
a) Por despacho de 29.06.95 do Sr. Director Geral do Património foi concedida ao recorrente a licença sem vencimento de longa duração, com efeitos a partir da data do aludido despacho;
b) Em requerimento datado de 3.9.99, o recorrente requereu o regresso ao Serviço na categoria e carreira a que pertencia quando solicitou a licença sem vencimento;
c) Em 4.11.99, o recorrente solicitou parecer sobre a sua situação à Direcção Geral da Administração Pública, parecer esse que foi favorável à sua pretensão de regresso no quadro da Direcção Geral do Património;
d) Por despacho de 28.01.00, do Sr. Director Geral do Património, foi autorizado ao requerente o seu regresso, no quadro e na categoria que detinha à data em que lhe foi concedida a licença sem vencimento de longa duração
e) O recorrente interpôs recurso hierárquico de tal despacho e, posteriormente, o presente recurso contencioso.
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3. Direito Aplicável
Na tese do recorrente, o acto recorrido padece de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do artº 82º nº 1 do Dec-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro e artº 78º nos. 1 e 2 do Dec. Lei nº 100/99, de 31 de Março e, ainda por errada interpretação e aplicação do art. 18º nº 2, al. a) e nos. 3 e 4 do Dec. Lei nº 323/89 e, finalmente, do artº 2º nº 1 do Dec. Lei nº 48051 de 21 de Novembro.
A entidade recorrida e o Ministério Público sustentam, por sua vez, que o despacho impugnado não contém qualquer ilegalidade.
É esta a questão a analisar.
O que o recorrente pretende é que o regresso ao quadro, após a licença sem vencimento de longa duração, produza efeitos desde a data em que efectuou o aludido pedido e a data em que efectivamente regressou isto é, desde 17 de Setembro de 1999 até 31 de Janeiro de 2000 pelo que entende que tem direito ao pagamento de vencimentos e contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade, aposentação e categoria durante o referido tempo.
A licença sem vencimento consiste na interrupção do Serviço durante a qual ficam suspensas todas as vantagens e regalias da função (cfr. Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, vol. II, p. 740, Almedina, 10ª edição).
O lugar da categoria profissional do recorrente foi criado pelo Despacho Normativo nº 5/92, de 13 de Janeiro, sendo o referido lugar criado a extinguir quando vagar.
Foi ainda no domínio de legislação anterior (Dec. Lei nº 497/88 de 30 de Dezembro), que o recorrente solicitou a sua licença sem vencimento de longa duração, a qual lhe foi concedida com efeitos a partir de 29 de Junho de 1996, ou seja, apenas a partir da data do despacho que a concedeu.
No âmbito do citado Dec. Lei 497/88, o artº 80 nº 1 prescrevia que “A concessão da licença determina abertura de vaga e a suspensão do vínculo com a Administração a partir da data do despacho referido no nº 2 do artº 78º”, enquanto o artº 82 nº 1 preceituava que “ O funcionário em gozo de licença sem vencimento de longa duração só pode requerer o regresso ao serviço ao fim de um ano nesta situação, cabendo-lhe uma das vagas existentes ou a primeira da sua categoria”.
Resultava, pois, da lei aplicável à data em que foi concedida a licença sem vencimento ao recorrente que este só podia regressar ao lugar de origem se existisse vaga ou logo que ocorresse a primeira vaga da sua categoria, circunstância que levou a jurisprudência a considerar que o regime de licença de longa duração, instituído no Dec. Lei nº 497/88, “foi mais cauteloso com o interesse público em jogo (cfr. art. 78º e ss), estabelecendo, designadamente, um prazo máximo de dez anos para a duração da licença (cfr. Ac. STA, 1ª Secção, de 18 de Janeiro de 1996, Rec. nº 38.017, in “Ac. Dout” nº 412, p. 444 e ss).
Além dos requisitos mencionados, o funcionário que pretendia regressar ao serviço estava sujeito a uma inspecção médica pela entidade competente para verificação actualizada das suas condições no serviço da função pública (artº 83º do Dec. Lei nº 497/88 de 30 de Dezembro).
No domínio da lei actual (Dec. Lei nº 100/99 de 31 de Março) a situação de regresso da licença sem vencimento é resolvida nos seguintes termos: «O funcionário em gozo de licença sem vencimento de longa duração só pode requerer o regresso ao serviço ao fim de um ano nesta situação, cabendo-lhe, cabendo-lhe uma das vagas existentes ou a primeira da sua categoria que venha a ocorrer no serviço de origem, podendo, no entanto, candidatar-se a concurso interno geral para a categoria que detém, ou para categoria superior, se preencher os requisitos legais, desde que o faça depois de ter manifestado a vontade de regressar ao serviço efectivo, e sem prejuízo do disposto o art. 83º”
Atento o cuidado com que a lei delinea o instituto em causa e as condições que impõe aos funcionários nesta matéria é impensável concluir, como faz o recorrente, que o regresso ao serviço de origem seja automático e apenas dependente da entrega do requerimento respectivo (tal não sucedia no regime anterior e não sucede no actual).
É que a pretensão do recorrente pode, razoavelmente, carecer de estudo e análise por parte da Administração, sendo certo, aliás, que no caso concreto o próprio interessado solicitou parecer sobre a sua situação jurídica à Direcção Geral da Administração Pública, o qual lhe veio a ser favorável. Por outro lado, o mesmo recorrente só em 29 de Dezembro de 1999 apresentou na Direcção Geral do Património do Ministério das Finanças a declaração da entidade de saúde competente, nos termos do artº 83º do Dec. Lei nº 100/99, em face de cujo conteúdo foi considerado fisicamente apto para o exercício de funções
Tal significa que este tipo de pretensão não pode ser deferido sem mais, havendo óbvia necessidade de cumprir o formalismo legal, o que justifica a existência de um lapso de tempo entre o pedido de reingresso e a data em que o mesmo efectivamente ocorre.
Como por força do circunstancialismo relatado só foi autorizado o regresso do recorrente ao serviço em 1.02.2000, em lugar correspondente à sua carreira e categoria, os efeitos do despacho do Sr. Director Geral do Património, que permitiu o regresso do recorrente ao serviço, só podem, naturalmente, produzir-se a partir de 1 de de 2000, data do reinício da prestação efectiva de trabalho pelo interessado.
É, pois de concluir que o acto recorrido não enferma de qualquer ilegalidade, mostrando-se, como nota a Digna Magistrada do Ministério Público, destituída de fundamento legal a pretensão do recorrente, à luz da regra da não retroactividade dos actos administrativos, contida no art. 127º nº 1 do Cod. Proc. Administrativo.
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4 - Decisão.
Em face do exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça e a procuradoria, respectivamente, em 150 Euros e 75 Euros.
Lisboa, 31.10.02
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa