Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12780/03
Secção:2ª Sub-secção de Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2003
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
MOROSIDADE JUDICIAL
REPARAÇÃO PROVISÓRIA - ARTº 403º CPC
Sumário:1. A pendência de decisão definitiva de processo-crime em autos de querela, volvidos 17 anos sobre o inquérito preliminar de 1986, não constitui prazo razoável no exercício da função jurisdicional e indicia a existência da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade extracontratual do Estado por facto ilícito, ex vi artºs. 22º CRP, 6º da CEDH e 6º nº 1 DL 48 051 de 21.11.1967.
2. Em sede de providência de reparação provisória e antecipada de dano e arbitramento de indemnização sob a forma de renda mensal, o requerente há-de alegar e fazer a prova sumária do fundamento e pressupostos específicos.
3. Constitui fundamento da providência o dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado - cfr. artº 403º nº 4 CPC.
4. São pressupostos específicos: a situação de necessidade, o nexo de causalidade entre a situação de necessidade e as lesões sofridas e a existência indiciada da obrigação de indemnizar a cargo do requerido - cfr. artº 403º nº 2 CPC.
5. Em critério de equidade, o valor ajustado à renda mensal atendível em função da situação de necessidade susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado, há-de tomar por parâmetro-base o mínimo de existência fiscal previsto no artº 70º nº 1 do CIRS, estabelecido como rendimento mínimo disponível, reportado ao salário mínimo nacional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: J...., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que indeferiu a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, em renda mensal não inferior a 1 200 €, por si requerida e intentada contra o Estado Português, dela vem recorrer para o que formula as seguintes conclusões:
1. O arbitramento provisório, como procedimento cautelar que é, destina-se (...).a prevenir o perigo de demora inevitável do processamento normal da acção, o procedimento cautelar necessita de ter uma estrutura mais simplificada e mais rápida. Por isso, na apreciação dos pressupostos da providência cautelar. o juiz não tem a mesma exigência nem quanto à prova de existência e violação do direito do requerente nem quanto à demonstração do perigo do dano que o procedimento se propõe evitar. O tribunal não emite um juízo definitivo mas provisório. Ac. Relação de Lisboa, recurso de agravo no processo n.º 4876, disponível em www.dgsi.pt.
2. Dizer que o arbitramento provisório previsto no artigo 403° do CPC implica que "(..) a obrigação, de indemnizar a cargo do requerido, esteja suficientemente indiciada e sustentada por uma alegação consistente dos factos donde resulta a citada obrigação de indemnizar.(..)" (pág. 3 e 4, sublinhado nosso)
3. E que o requerente se limitou a alegar que não existe possibilidade de justificar uma pendência superior a 17 anos, sem ter procedido à "(..) dissecação das diversas fases em que se desdobrou o aludido processo crime (..) nem tão pouco fez alusão à natureza, dificuldade e volume do processo em causa, espelhada no número de arguidos investigados e acusados, ao ainda maior número de lesados, alegando de forma tão detalhada quanto possível quais as razões por que, em seu entender, o Estado português, aqui requerido, incumpriu o seu ónus de proporcionar uma justiça célere, com decisões em tempo útil (..)" (pág. 4, sublinhado nosso)
4. É interpretar os indícios que alude o n.° 2 do artigo 403° do CPC como devendo ser indícios não apenas (pleonásticamente) suficientes como ainda sustentados por uma alegação consistente e detalhada dos factos é confundir consistência com exaustão, vestígio com evidência, aparência com demonstração, rasto com trilho ...
5. Consequentemente, com tal interpretação defensiva e restritiva do disposto no artigo 403° do CPC transporta-se para a summario cognitio da providência os requisitos de prova da acção principal, negando-se o próprio sentido dum procedimento cautelar.
6. A interpretação dada aos legalmente exigíveis indícios e consequentemente à alegação de factos - ónus do Rte. - constitutivos desses indícios, foi de tal forma que mais se identifica com prova final a produzir no âmbito da acção principal do que com a indiciaria prova a apresentar em providência cautelar, como é o caso.
7. O FACTO relevante, ALEGADO e PROVADO é que, na soma das fases e dos actos que se foram praticando na acção cuja morosidade é objecto da acção principal e da providência cautelar se contabilizam já 17 ANOS.
8. Este facto deve de per se ser entendido como indício da responsabilidade do Rdo. porquanto é IRRAZOÁVEL.
9. Demorar 17 anos para não proferir uma decisão constitui incumprimento do dever de proporcionar uma justiça célere, com decisões em tempo útil.
10. As concretas e parciais justificações para aquele decurso de tempo só poderão ser atendidas em sede de determinação do QUANTUM INDEMNIZATÓRIO pois consubstanciam meros elementos de medida, de culpa, que não podem ser determinantes para a constatação objectiva da existência dos sinais, dos indícios de responsabilidade exigíveis pela lei.
11. Provado que foi em sede indiciaria que as investigações iniciadas em 1986 não conduziram até 2003 a uma decisão final e definitiva, não pode ser esperado que o Rte. disseque, substituindo-se ao próprio Rdo., as razões de tal omissão.
12. Refulge do texto da própria decisão recorrida a admissão por parte do Mmo. Juiz, da verificação do almejado indício quando refere: "(..) De resto, um processo com a complexidade do da Caixa Económica Faialense não pode ser visto de uma forma meramente contabilística pois se num outro processo 17 anos de pendência podem não ter justificação, neste processo concreto poderá não constituir um período de tempo injustificadamente excessivo.(..)" (pág. 4 sublinhado nosso)
13. Limpidamente resulta que se o próprio Tribunal a quo confessa e admite que tal período de tempo poderá não ser injustificadamente excessivo, então é porque também e de igual modo admite que poderá ser injustificadamente excessivo.
14. É na acção principal que se esclarecerá se os 17 anos do processo concreto constituíram um período de tempo justificadamente excessivo ou um período de tempo injustificadamente excessivo.
15. Mas o que foi reconhecido é que, sem dúvida, sempre será excessivo, desmedido, demasiado, exagerado, exorbitante, para lá do vulgar, da regra, da justa medida.
16. Exigindo embora a realização do direito uma interpretação jurídica que não se reconduz
apenas ao seu sentido léxico gramatical, parece de elementar prudência concluir que esta significância jurídica, da letra e do espírito da lei, para além de não poder deixar de encontrar correspondência na letra não pode ser radicalmente contrária à denotação gramatical e linguística das palavras.
17. Donde, se excessivo, um prazo não pode ser razoável.
18. Consagrando a CRP que: Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja
objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, e a CEDH que: Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial (...),
19. Dizer que prova de 17 anos de pendência não permite, para os efeitos previstos no n.° 2 do artigo 403° do CPC, antever a obrigação do Rdo. de indemnizar o Rte é interpretar aquele preceito em sentido contrário ao que aí se estabelece e em clara oposição com o disposto nos artigos 20° e 22° da CRP, bem como do artigo 6° da CEDH.
20. Deixando de atender à sistemática, à unidade do sistema jurídico e à interpretação das normas jurídicas no seu contexto superior, enformador e global (cfr. artigo 9" do Código Civil e, claro está, a Constituição da Republica Portuguesa, Lei Fundamental).
21. O Estado é civilmente responsável por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades
e garantias ou prejuízo para outrém (artigo 22" da CRP).
22. Tendo o Rte o direito a uma decisão em prazo razoável (artigo 20° da CRP).
23. Aguardando o Rte. uma decisão há 17 anos.
24. Afirmando o Tribunal a quo que a pendência dum processo durante 17 anos, poderá não constituir um período de tempo injustificadamente excessivo e assim reconhecendo que poderá ser um período de tempo justificadamente excessivo
25. Confessando o Tribunal a quo que aquele período sempre será um período excessivo.
26. Só poderia concluir em conformidade com a letra e espírito da lei, bem como com o texto da própria decisão estar verificada a existência de indícios da obrigação de indemnizar.
27. No tocante ao segundo requisito legalmente exigido (cfr. nºs. 4 e 2 do artigo 403° do CPC) – dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado - entendeu também o Tribunal a quo concluir pela sua não verificação, embora tenha ficado demonstrada a situação de carência do Rte., a necessidade de recurso à solidariedade de terceiros para sobrevivência — "(..) teve de mendigar comida e dormida junto de amigos e familiares ... subsiste com a ajuda económica de amigos... tem permanecido no Canadá ... última vez a Portugal... a expensas do Estado Português ... não voltou ao seu país nem à sua ilha natal...(..)”
28. Aceitando a situação de necessidade que põe em causa o sustento e habitação do Rte o
Tribunal a quo refere na decisão: "(..) Com efeito, a situação de grave dificuldade económica com que o requerente se encontra teve mais como causa a ilícita e ilegítima apropriação por parte dos arguidos já condenados das poupanças que aquele depositou na filial de Toronto da Caixa Económica Faialense do que o tempo que entretanto decorreu desde o início do processo (..) " (cfr. págs. 4 e 5)
29. Ao assim se expressar o Tribunal a quo, compara causas geradoras de danos e reconhece e admite que a morosidade também deu origem à grave dificuldade económica em que o requerente se encontra.
30. Simplesmente afasta a responsabilidade de um dos lesantes, o Rdo. por entender que lhe caberá uma parcela [não determinada mas] menor na referida situação de grave dificuldade económica em que o requerente se encontra.
31. Reconduz assim o Tribunal a quo responsabilidade da necessidade a uma questão de quantidade: quem causa mais a grave dificuldade económica em que o requerente se
encontra e que obriga o Rte. a "(..) mendigar comida e dormida junto de amigos e familiares ... subsiste com a ajuda económica de amigos ... tem permanecido no Canadá ... última vez a Portugal ...a expensas do Estado Português ... não voltou ao seu país nem à sua ilha natal (..)" ? para concluir que serão mais os "outros" que o Rdo .
32. Interpretando, assim, a lei no sentido que a indiciaria prova que incumbe ao Rte. fazer - de que é vitima de um dano susceptível de pôr seriamente em causa o seu sustento ou habitação ou de que a situação de necessidade - comporta um elemento de EXCLUSIVIDADE que implicará que o requerido se afigure como... o único responsável do dano.
33. Este acrescido requisito implícito da exclusividade que resulta da leitura da decisão do
Tribunal a quo não encontra correspondência, nem na letra, nem no espírito da lei maxime nos nºs. 2 ou 4 do artigo 403° do CPC.
34. Finalmente, o facto de no momento em que a providência cautelar é requerida, já existirem danos consumados não obsta a que se requeira a providência cautelar para evitar novos danos, sob pena de se enjeitar a tutela de danos continuados o que se apresentaria contrário, entre outros, aos artigos 268° e 20° da CRP.
35. Encontram-se em suma, violados, por errada interpretação, os n.° 2 e 4 do artigo 403° do C.P.C. ex vi artigo 9° do C. C. - ficando expresso supra o sentido que aos mesmos deveria ter sido dado -, e por omissão, os artigos 20°, 22°, 44° e 268° da C. R. P.

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O Estado Português, representado pelo MP, contra-alegou formulando as seguintes conclusões:

1° O instituto de arbitramento de reparação provisória tem, os seguintes elementos constitutivos típicos e cumulativos:
o A Instauração de uma acção de indemnização,
o Tal acção fundar-se no direito de indemnizar,
o Existência de uma situação de necessidade (tendo sido alegado no caso concreto , a necessidade séria de sustento ou habitação do lesado),
o Nexo de causalidade entre a situação de necessidade e o dano sofrido,
o Indiciação ( em" fumus bonus iuris"), da existência do dever de indemnizar a cargo do requerido.
o Ser possível atribuir uma pensão e/ou renda , por via de antecipação da reparação provisória do dano.
2°- A não verificação de um dos pressupostos, leva ao não decretamento da providência.
3°- Não se encontram preenchidos os seguintes pressupostos;
- Indicio suficiente do dever de indemnizar.
- Necessidade séria de subsistência.
- Nexo de causalidade entre a necessidade séria de subsistência e o dano sofrido.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. O requerente emigrou para o Canadá na década de sessenta do século passado, tendo-se fixado na cidade de Toronto, onde conseguiu, ao longo de 20 anos, exclusivamente com o fruto do seu intenso trabalho, construir uma considerável riqueza.
2. Em Março de 1984, a Caixa Económica Faialense abriu em Toronto um escritório de representação, com a finalidade de captar as poupanças dos emigrantes residentes no Canadá e EUA, razão pela qual o requerente decidiu confiar àquela instituição de crédito as suas poupanças, depositando entre Abril de 1984 e Abril de 1986, a quantia global de CAD 1.009.611,61 e USD $11.142.
3. No Verão de 1986, o escritório de representação da Caixa Económica Faialense em Toronto suspendeu os pagamentos, por falta de fundos.
4. As irregularidades da Caixa Económica Faialense tiveram pública e notória divulgação e levaram à instauração, em 1986, de processo-crime que contemplou os factos relativos à relação estabelecida entre o requerente e aquela instituição de crédito.
5. No âmbito desse processo, que se encontra pendente há cerca de 17 anos, o requerente veio a constituir-se assistente, tendo a decisão proferida em 1ª Instância, em 16-10-2000 - e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa -, condenado um dos arguidos a pagar ao requerente uma indemnização que hoje ultrapassará os € 2.500.000,00, sem contudo ter transitado em julgado, visto se encontrar pendente recurso no ST J, cujos termos correm pela 3a Secção, sob o n° 2723/03 [Cfr. certidão junta no início da audiência, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
6. Sem as suas economias, o requerente ficou em situação económica, familiar e pessoal muito difícil, sem casa e sem dinheiro, pelo que teve de mendigar comida e dormida junto de amigos e familiares.
7. Ficou e está fisicamente debilitado.
8. O requerente subsiste com a ajuda económica de amigos e aufere uma pensão social providenciada pelo Estado canadiano, no montante de cerca de € 500,00.
9. Durante todos estes anos o requerente tem permanecido no Canadá, tendo-se deslocado pela última vez a Portugal aquando do julgamento realizado na 7a Vara Criminal de Lisboa, a fim de aí prestar depoimento, a expensas do Estado Português.
10. Desde essa altura, o requerente não voltou nem ao seu país nem à sua ilha natal.

DO DIREITO

Vem assacada a sentença de incorrer em violação primária de lei substantiva e processual por erro de julgamento nas seguintes matérias:

1. fundamentos da obrigação de indemnizar a cargo do Estado por morosidade judicial indevida (artº 403º nº 2 in fine, CPC) ............... ítens nºs. 1 a 26 das conclusões de recurso;
2. subsunção da factualidade apurada na situação de necessidade de facto (artº 403º nº 4 CPC) ................... ítens nºs. 27 a 33 das conclusões de recurso;
3. irrelevância da existência de danos consumados .................. ítem 34 das conclusões de recurso.

A – fundamento e pressupostos específicos
- artº 403º CPC

A providência de arbitramento de reparação prevista no artº 403º CPC, como dependência de acção de indemnização fundada na existência de danos susceptíveis de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado (403º nº 4), é decretada se se verificar uma situação de necessidade em consequência dos prejuízos sofridos e se estiver indiciada a existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido (artº 403º nº 2).
O valor pecuniário da reparação provisória é fixado pelo Tribunal por recurso a critérios de equidade, a subtrair ao montante indemnizatório que vier a ser apurado na acção principal (403º nº 3).
No quadro legal desta providência, embora a finalidade prosseguida seja a mesma que a da acção principal (arbitramento de uma indemnização por danos) importa sublinhar que “(..) neste caso, o objecto da providência não é a situação cuja tutela se antecipa, mas a própria antecipação da tutela para essa situação. É por isso que, mesmo nesta eventualidade, o decretamento da providência não retira o interesse processual na solicitação da tutela definitiva e não há qualquer contradição – como, aliás, é demonstrado pelo artº 383º nº 4 – entre a concessão daquela antecipação através do decretamento da providência e a recusa da tutela definitiva na acção principal (..)
(..) A diferença qualitativa entre a composição provisória e a tutela atribuída pela acção principal decorre dos seus pressupostos específicos e, nomeadamente, da suficiência da probabilidade da existência do direito acautelado ou tutelado para o decretamento da providência (cfr. artºs. .. 403º nº 2 ..). A suficiência da mera justificação como grau de prova exigido para aquele decretamento constitui um indício seguro de uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que exige uma prova stricto sensu dos seus factos relevantes. (..)” – sublinhados nossos Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, 2ª edição, págs. 228, 229..
Tratando-se de providência de reparação provisória e antecipada de dano, para atingir a finalidade de arbitramento da indemnização provisória sob a forma de renda mensal o requerente/lesado há-de fazer a prova sumária quer do fundamento da providência quer dos pressupostos específicos, a saber:
1. fundamento da providência (artº 403º nº 4 CPC):
a. dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado
2. pressupostos específicos (artº 403º nº 2 CPC):
a. situação de necessidade
b. nexo de causalidade entre a situação de necessidade e as lesões sofridas
c. existência indiciada da obrigação de indemnizar a cargo do requerido
Quanto ao fundamento e como já se disse, os elementos constitutivos do objecto da providência e da acção principal não são os mesmos.
Daí que, em sede de providência, não haja que apreciar os factos constitutivos da situação jurídica alegada mas, pelo contrário, “(..) importa averiguar os fundamentos da necessidade de composição provisória através do decretamento da garantia, da regulação transitória ou da antecipação da tutela.
A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada (..) isto é, obviar ao chamado periculum in mora. Esse dano é aquele que seria provocado quer por uma lesão iminente (..) quer pela continuação de uma lesão em curso, ou seja, uma lesão não totalmente consumada (..)”. Autor e Obra citada na nota 2, pág. 232.
Ora no tipo de providência como a requerida, esse periculum in mora traduz-se mesmo numa antecipação da decisão final, como vem sendo dito, pois que se trata, como a própria denominação indica, de arbitrar uma reparação provisória do dano sob a forma de renda mensal.
No que concerne à demonstração da situação jurídica e em consequência da summaria cognitio, “(..) para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta apenas um fumus boni juris (..)” Idem, pág. 233.
No caso trazido a recurso, a situação jurídica alegada em sede de pressupostos específicos da providência requerida é a decorrente da hipótese legal vertida no artº 403º nº 2 CPC, ou seja,
- situação de necessidade
- nexo de causalidade entre a situação de necessidade e as lesões sofridas
- existência indiciada da obrigação de indemnizar a cargo do requerido

Temos, pois, assente por força de lei que os pressupostos que dependem da prova da situação jurídica alegada se bastam com a mera justificação dos factos determinantes para sua aferição.
Que factos determinantes são esses, no caso concreto, trazidos a recurso ?
No que respeita à terceira questão trazida a recurso, relativa à irrelevância da existência de danos consumados – alegada ítem 34 das conclusões de recurso – assiste razão ao Recorrente, pelas razões de direito supra expostas.

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Resta saber dos fundamentos da obrigação de indemnizar a cargo do Estado por morosidade judicial indevida (artº 403º nº 2 in fine, CPC) - ítens nºs. 1 a 26 das conclusões de recurso – e da subsunção da factualidade apurada na situação de necessidade de facto (artº 403º nº 4 CPC) - ítens nºs. 27 a 33 das conclusões de recurso.


B – obrigação de indemnizar por morosidade judicial indevida


A reparação de prejuízos a cargo do Estado pela função jurisdicional por morosidade na resolução dos pleitos é hoje, em tese geral, um princípio absolutamente pacífico, seja em resultado da violação de direitos absolutos ou da prática de actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem, na medida em que “(..) A responsabilidade pela não prolacção de decisão judicial em tempo razoável – ou, numa perspectiva mais ampla, pelas dilações temporais indevidas – encontrou o seu rumo no subsistema da responsabilidade civil extracontratual do Estado-Juiz desde o famoso caso das garagens Pintosinhos decidido pelo STA em 7 de Março de 1989.
Direito constitucionalmente consagrado, com carácter autónomo ou como dimensão constitutiva do direito à tutela judicial efectiva que tem como destinatários passivos todos os órgãos do poder judicial [vd. J. J. Gomes Canotilho, in Anotações ao Acórdão na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 123º, nº 2799, p.300], consagrado no artº 20º da Constituição, a sua violação acarreta, nos termos do artº 22º da Constituição, a responsabilização do Estado, tendo-se a jurisprudência socorrido do disposto no Decreto-Lei nº 48 051 para efectivar o direito à indemnização.
Esta dimensão do acesso à via judiciária encontrou, após 1997, expresso acolhimento no texto constitucional (artº 20º nº 4 (..) decerto pelo impressionismo jurídico resultante das condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) – embora, como escrevemos antes, este conteúdo temporal do direito fundamental à tutela judicial efectiva se encontrasse de há muito em vigor na ordem jurídica interna (artigos 6º da CEDH e 16º e 17º da Constituição (..)” Luís Catarino, Responsabilidade por facto jurisdicional – contributo para uma reforma do sistema geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado – Responsabilidade Civil Extra-Contratual do Estado – Trabalhos Preparatórios da Reforma, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, págs. 282 e 283
De acordo com o citado acórdão do STA de 7.3.1986, recurso nº 26 801 publicado in Apêndices ao Diário da República, págs. 1816 a 1830, pode ler-se:
“(..)
4 — Passemos, por isso, à apreciação do recurso principal.
Antes, porém, de entrarmos na análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos decorrentes da função jurisdicional, vejamos se o nosso ordenamento jurídico admite, pois. se a resposta for negativa, o recurso improcede desde logo.
Não se trata, no entanto, de apurar o fundamento legal dessa mesma responsabilidade por danos resultantes de factos lícitos praticados pelo juiz no exercício das suas funções ou, por outras palavras, não se vai indagar do fundamento da responsabilidade extracontratual derivada da ilegalidade material de uma decisão judicial mas tão-só da ilegalidade funcional, o que coloca o problema no âmbito do Decreto-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967.
Em França, o artigo 11° da Lei de 5 de Julho de 1972, determina que: «O Estado é obrigado a reparar o dano causado pelo funcionamento defeituoso do serviço de justiça».V., para maiores desenvolvimentos sobre o assunto, naquele país, Jean Rivero, in Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 342 e segs. e os autores aí citados.
Entre nós, não existe uma norma de teor literal semelhante o que, no entanto, não significa que se tenha de excluir a responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente de factos ilícitos da função jurisdicional.
Com efeito, preceitua o artigo 22.° da Constituição da República, sob a epígrafe «Responsabilidade das entidades pública»: «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.»
Por sua vez, o n.° l do artigo 2° do já aludido Decreto-Lei n.° 48 051, estatui: «O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa delas.»
Ora, os normativos transcritos não impõem qualquer restrição a responsabilidade civil extracontratual do Estado, derivada da natureza das funções desempenhadas pelos titulares dos seus órgãos ou agentes. Daí que a sua existência esteja apenas dependente da verificação dos pressupostos de tal responsabilidade —facto ilícito, culpa, dano, nexo de causalidade entre este e aquele — e que os actos ou omissões sejam praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
Afloramento deste princípio — mesmo no domínio da ilegalidade material da decisão judicial, que não só da ilicitude decorrente do não cumprimento legal dos prazos ou da omissão culposa da prática de um acto durante um prazo não razoável — é a norma do n." 6 do artigo 29." da Constituição da República e do artigo 462." do Código de Processo Penal, onde se prevê que os cidadãos injustamente condenados têm direito a indemnização pelos danos sofrido.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2.' ed., vol. I.°, p. 185, em comentário ao citado artigo 22.°, sustentam que o mesmo consagra o princípio da responsabilidade patrimonial directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos, sendo «um dos princípios estruturantes do estado de direito democrático, enquanto elemento do direito geral das pessoas à reparação dos danos causados por outrem».
E mais adiante acrescentam: «O teor literal deste artigo leva a considerar a responsabilidade do Estado (...) por factos jurisdicionais, dado que a Constituição se refere, sem quaisquer restrições, a «actos ou omissões praticadas no exercício das suas funções» pelos «titulares dos seus órgãos, funcionários ou
agentes», o que permite abranger os actos dos titulares dos órgãos [...] jurisdicionais, ainda que os titulares desse órgãos não sejam civilmente responsáveis (artigos [...J 221.°, n.° 2).»
(..)
Por outro lado, e não obstante o nosso processo civil ser dominado pelo «princípio da disponibilidade» —§ l." do artigo 264.ºdo respectivo Código, segundo o qual a iniciativa incumbe às partes que deverão actuar em ordem à celeridade do processo —, o certo é que tal princípio tem-no entendido o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) como não desobrigando os juizes de assegurar a celeridade que o artigo 6." da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) postula. Cf. as sentenças de 10 de Julho de 1984 (caso Manuel Guincho), 8 de Julho de 1987 (caso Baraona) e de 26
de Outubro do mesmo ano (caso Martins Moreira), a primeira das quais publicada na Colectânea de Jurisprudência, ano IX, 1984, tomo 3, pp. 17 e segs.
De resto, e como se acentua nas referidas decisões, a legislação portuguesa determina que o juiz se mostre diligente (artigos 266." do CPC e 68.° do Código da Estrada, ao que acrescentaremos, sobre o caso vertente, o artigo 84° do CPT).
(..)
Os preceitos legais que fixam o prazo para os magistrados praticarem, no processo, os respectivos actos, sejam eles pareceres, despachos ou sentenças, contém normas disciplinadoras da actividade processual, como doutamente sustenta o ilustre representante do MP (cf., a título de exemplo, os Acórdãos deste STA de 18 de Fevereiro e de 10 de Abril de 1986, de 16 de Junho de 1987 e de 4 de Fevereiro de 1988, nos processos nºs. 22 667, 22 599, 23 103 e 23 104, respectivamente, encontrando-se o penúltimo publicado nos Acórdãos Doutrinais, n." 316, p. 450.
Consequentemente, a sua não observância pelos magistrados não constitui facto ilícito.
Mas a não prolação da sentença num prazo razoável já viola o disposto no n.° l do artigo 6 º da CEDH, ratificada pela Lei n.° 65/78, de 13 de Outubro, sendo, por isso, aplicável na nossa ordem jurídica interna.
Preceitua aquele normativo que: «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada [...] num prazo razoável por um tribunal [...], o qual decidirá [...] sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil [...]».
Ora, estatuindo o artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967, que: «Para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas
normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em consideração», imperioso se torna concluir que o juiz do TTL, que levou cinco anos a proferir uma sentença para a qual a lei determinava um prazo máximo de três dias (artigo 84.° do CPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 45 497, de 30 de Dezembro de 1963), violou o disposto no n.° I do artigo 6° da citada Convenção, porque tal prazo, face às regras da experiência comum, à simplicidade da causa e à inexistência de circunstâncias anormais — desde logo porque não foram alegadas — não é manifestamente razoável.
Neste último sentido, cf. as decisões já citadas do TEDH.
Conclui-se, assim, pela existência do facto ilícito.
7 — Culpa.
(..)
Sobre a culpa, pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, estabelece o n.° l do artigo 4º do Decreto-Lei n." 48051, de 21 de Novembro de 1967: «A culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487.° do CC
Neste último normativo estatui-se: «1. É o lesado que incumbe provar a culpa do autor de lesão, salvo havendo presunção legal da culpa. 2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso
Infere-se do exposto que a culpa deve ser apreciada em abstracto, isto é, em atenção à diligência de um bónus pater familiae e não à diligência normal do causador do dano.
Como se escreveu no Acórdão deste STA de 20 de Janeiro de 1987, processo n.° 23 987, a culpa dos titulares dos órgãos ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487." do CC. pelo que se afere em abstracto, considerando a diligência exigível a um homem médio, o que, adaptado às circunstância da responsabilidade do Estado e demais entes públicos, se traduz na diligência exigível a um funcionário ou agente típico, respeitador da lei e dos regulamentos e das leges artis aplicáveis aos actos ou operações materiais que tem o dever de praticar.
Ou, por outras palavras, como se diz no Acórdão de 17 de Maio de 1988, processo n.° 25 003, será culposa a conduta dos titulares de um órgão ou de agente de um ente público quando a conduta comissiva ou omissiva não corresponde à que é exigível e esperada de um funcionário zeloso e cumpridor.
Ora, no caso sub judice, atenta a diligência normal de um juiz médio, o prazo de cinco anos para proferir uma sentença em caução sumária para a qual a lei — artigo 84." do CPT ao tempo em vigor — determinava que fosse ditada para a acta ou lavrada no prazo máximo de três dias é, dada a simplicidade da causa e à luz da experiência comum, uma vez que não foram sequer alegadas circunstâncias justificativas dessa demora, e, portanto, excludentes da culpa, um prazo excessivo ou um prazo n3o razoável. Daí que o comportamento do titular do órgão do Estado é negligente, tanto mais quanto é certo que não podia desconhecer, face ao disposto nos nºs..1, 2 e 3 do artigo 12° do Decreto-Lei n.° 372-A/75, de 16 de Julho, que, com o seu comportamento omissivo, a entidade patronal, em caso de condenação, ficava obrigada a pagar as retribuições e indemnização vincendas até à data da prolação da sentença e que o montante devido seria tanto maior quanto mais longa fosse a demora.
A situação não difere muito, ressalvada apenas a natureza do bem jurídico violado, da que decorre do juiz, no termo do prazo da prisão, por incúria, não restituir o preso à liberdade.
Em tais circunstâncias compete então ao Estado, para efeitos de afastar a responsabilidade extracontratual, alegar e provar que a demora na prolação da sentença não é imputável ao titular do órgão nem ao defeituoso funcionamento do serviço de justiça.
No caso vertente nada alegou nesse sentido.
A decisão agravada, porém, pôs o acento tónico, não na inexistência da culpa mas na circunstância da recorrente não ter alegado nem provado factos de onde a mesma se pudesse inferir. Salvo o devido respeito não tem razão. A autora alegou que a sentença só foi proferida cinco anos depois de realizado o julgamento, embora a lei impusesse que fosse logo ditada para a acta ou, o mais tardar, no prazo de três dias. o que é verídico como resulta da matéria de facto — alíneas c) e d) — e suficientemente
demonstrativo da culpa do titular do órgão como se referiu já, tanto mais que não foi invocada pelo réu situação que a afastasse.
Por conseguinte, tem-se por verificada a culpa como requisito da responsabilidade extracontratual do Estado.
Note-se que, face à definição de ilícito contida no artigo 6ºdo citado Decreto-Lei nº 48051, é difícil, como se escreveu no Acórdão deste STA de 17 de Maio de 1988, processo n." 25003, estabelecer a linha de fronteira entre a ilicitude e a culpa, pois que a omissão negligente de deveres funcionais preenche, simultaneamente, os dois conceitos, pelo que existindo o ilícito tem que aceitar-se a culpa.
8 — Dano.
Na decisão agravada conclui-se pela existência do dano nos termos que se transcrevem:«Este — para Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, na 9ª ed., p. 1202 — terá de produzir-se na «esfera jurídica de pessoa diferente daquela a quem seja imputável a actividade que o causou».
Tal «requisito», ao menos com dano patrimonial emergente — na orientação, entre nós, de Pereira Coelho (Obrigações, 1966, p. 156) e Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, i, 4.' ed., pp. 805 e segs.) — não parece poder excluir-se, em concreto».
(..)
Demorando o juiz do Tribunal de Trabalho cinco anos para proferir a sentença é manifesto que excedeu o prazo razoável para o efeito e que na justa medida em que o excedeu a ora recorrente suportará um maior encargo monetário, face ao disposto nos nºs. 2 e 3 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, segundo o qual o trabalhador despedido sem justa causa e – como reconheceu o STJ por acórdão – tem direito às prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à sentença da 1ª instância e direito, ainda, à indemnização de antiguidade relativa a igual período
(..)
9 – Nexo de causalidade
(..)
É jurisprudência pacífica do STA que o nexo causal entre o facto ilícito e ò dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite.
Assim sendo, como de facto é, o nexo causal existe quando o facto ilícito é causa adequada do dano. Ou. por outras palavras, nos lermos do artigo 563." do CC: «A obrigação de indemnização só existe em
relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
No caso vertente, se a sentença tivesse sido proferida pelo TTL num prazo razoável nunca a recorrente seria obrigada a suportar o pagamento das retribuições e da indemnização pela antiguidade da trabalhadora despedida, relativamente à parte do prazo considerada não razoável.
A não prolação da sentença num prazo razoável foi a causa adequada dos danos que a recorrente teve que suportar relativamente à parte do prazo considerada não razoável e não o despedimento sem justa causa, o qual também é causa adequada mas de outros danos que aqui não estão em causa.
Há, aqui, dois factos ilícitos geradores de danos diferentes, sendo os seus autores também diferentes, respondendo cada um pelo dano que causou: o Estado pelos danos relativos ao prazo não razoável sendo o facto ilícito a não prolação da sentença num prazo razoável; a autora, ora recorrente, pelos danos que causou à empregada despedida consistindo o facto ilícito no despedimento sem justa causa (cf. Pereira Coelho, in O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, p. 8, nota 4).
Quer dizer: o despedimento sem justa causa é o facto ilícito causador dos danos, mas o seu autor só responde por aqueles que estão numa relação de causalidade adequada. Tendo-se, entretanto, verificado novo facto ilícito (não prolação da sentença num prazo razoável) que produziu, de forma adequada, os danos ora reclamados, por eles é responsável o Estado.
Citando um exemplo de escola: quem fere superficialmente alguém não responde pela sua morte se a caminho do hospital, onde se dirigia para receber tratamento aos ferimentos sofridos, tem um acidente
de que veio a falecer. É evidente que se não fosse a conduta do agressor o ofendido não teria falecido daquele acidente, porquanto não se deslocaria ao hospital. Mas, não sendo a conduta dó agressor causa
adequada da morte, não responde por ela, Apenas pelos ferimentos por ele produzidos.
Mutatis mutandis no caso vertente, pois se não fosse o despedimento sem justa causa não leria havido acção e o juiz não seria obrigado a proferir qualquer sentença. Nesta perspectiva — causa remota — foi a entidade empregadora quem deu causa aos danos. Mas só deve suportar os que são consequência directa e necessária da sua conduta ilícita e culposa, não os que resultaram de forma adequada do juiz não ter proferido a sentença num prazo razoável.
(..)
Daí que o recorrente não tivesse que alegar e provar tais factos por serem irrelevantes para o nexo causal entre o acto omissivo da sentença e os danos que aquele, como condiria sine qua non, produziu. Bastou-lhe alegar e provar que o juiz só cinco anos após o julgamento proferiu a sentença para se extrair daí, à luz dos preceitos combinados dos artigos 84." do CPT e 12° do Decreto-Lei n." 372-A/75, de 16 de Julho, e na ausência de factos desculpabilizantes, que o facto ilícito culposo (não prolacção da sentença no prazo razoável) é causa adequada do dano nos termos já referidos. (..)”


Consta do probatório:
“(..)
3. (..)
4. As irregularidades da Caixa Económica Faialense tiveram pública e notória divulgação e levaram à instauração, em 1986, de processo-crime que contemplou os factos relativos à relação estabelecida entre o requerente e aquela instituição de crédito.
5. No âmbito desse processo, que se encontra pendente há cerca de 17 anos, o requerente veio a constituir-se assistente, tendo a decisão proferida em 1ª Instância, em 16-10-2000 - e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa -, condenado um dos arguidos a pagar ao requerente uma indemnização que hoje ultrapassará os € 2.500.000,00, sem contudo ter transitado em julgado, visto se encontrar pendente recurso no STJ, cujos termos correm pela 3a Secção, sob o n° 2723/03 [Cfr. certidão junta no início da audiência, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
(..)”

Dada a factualidade constante do probatório, aplicando a doutrina do acórdão do STA supra transcrito e no que tange à primeira questão trazida a recurso sob os ítens 1 a 26 das conclusões, temos de concluir que se mostra indiciada, para além do exigível critério de mera justificação, a existência da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade extracontratual do Estado por facto ilícito, ex vi artº 6º nº 1 DL 48 051 de 21.11.1967, pressuposto específico da providência requerida estatuído no artº 403º nº 2 CPC.
Ainda que o processo crime, que tramita sob o regime do CPP/1929 processado em autos de querela, tenha seguido as seguintes fases de instância:
- início em 1986 como inquérito preliminar [artº 1º nºs. 1 e 3 do DL 605/75 de 3.11]
- seguido de instrução preparatória e contraditória [artºs. 12º do DL 35007 de 13.10.1945 e 327º do CPP/1929]
- seguidas de acusações do MP e assistentes
- seguidas de despacho judicial de pronúncia [artº 365º do CPP/1929 ]
- porventura com recurso da pronúncia com efeito suspensivo para o Tribunal da Relação [artºs. 371º , 373º e 658º nº 2 todos do CPP/1929]
- até, finalmente, se chegar a julgamento e acórdão em 1ª Instância em OUT.2000, ora pendente de recurso no STJ,
é manifesto que 14 anos entre o inquérito e o acórdão em 1ª Instância a que acrescem mais 3 anos a aguardar a decisão jurisdicional definitiva, pendente de recurso entre os Tribunais da Relação e Supremo, pulverizam qualquer consideração de prazo razoável exigido pelo artº 6º nº 1 da CEDH, aplicável na ordem jurídica interna por força da Lei 65/78 de 13.10 de ratificação da Convenção, estando, por isso, demonstrada a subsunção destes 14 para 17 anos de dilação temporal, indevida, no conceito de facto ilícito à luz do disposto no artº 6º do DL 48051 de 21.11.1967.
Como sabido, a esperança média de vida é de 70 anos, pelo que não se pode escamotear que estes 17 anos correspondem a um quarto da vida de uma pessoa à espera de uma decisão jurisdicional definitiva.
O que, de forma impressiva, torna esta demora manifestamente irrazoável, e, por este motivo, como afirmado, demonstrada indiciáriamente a obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade extracontratual do Estado por facto ilícito, ex vi artº 6º nº 1 DL 48 051 de 21.11.1967.

Pelo que vem dito, julga-se procedente a questão trazida a recurso sob os ítens 1 a 26 das conclusões de recurso.


C - situação de necessidade - artº 403º nº 2 CPC


Quanto à segunda questão trazida a recurso nas conclusões sob os ítens 27 a 33 e como acima referido, em sede de providência e em função da prova sumária a cargo do requerente/lesado, cabe decidir sobre a requerida antecipação da tutela, sendo que a demonstração da composição provisória do ressarcimento do dano depende da bondade dos fundamentos alegados para demonstrar essa mesma necessidade de antecipação face à decisão em sede de acção principal.
Deste modo, a situação de necessidade alegada (pressuposto específico) reconduz-se ao dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado (fundamento da providência); o mesmo é dizer que o estado de facto evidenciado pelas circunstâncias, e cujo agravamento ou continuação se pretende evitar, há-de exprimir um contexto de vida carenciado da fixação da mensalidade pedida, a fim de, pelo seu valor monetário, afrontar aquilo que se denomina por mínimo de existência – nomeadamente em sede jurídico-fiscal para efeitos de isenção do rendimento das pessoas singulares e que dada a sua função garantística de “(..) assegurar e manter intocável o mínimo necessário à manutenção com dignidade, da pessoa humana e a respectiva família [se entende que], pelo menos, o salário mínimo não deve ser tributado (..)” Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Vol. II, Rei dos Livros, 1997, págs. 200/201..
Não se duvida que o conceito legal se mostra preenchido no caso concreto do Recorrente, em face da matéria de facto levada ao probatório nos ítens 6 a 9, a saber:
“(..)
6. Sem as suas economias, o requerente ficou em situação económica, familiar e pessoal muito difícil, sem casa e sem dinheiro, pelo que teve de mendigar comida e dormida junto de amigos e familiares.
7. Ficou e está fisicamente debilitado.
8. O requerente subsiste com a ajuda económica de amigos e aufere uma pensão social providenciada pelo Estado canadiano, no montante de cerca de € 500,00.
9. Durante todos estes anos o requerente tem permanecido no Canadá, tendo-se deslocado pela última vez a Portugal aquando do julgamento realizado na 7a Vara Criminal de Lisboa, a fim de aí prestar depoimento, a expensas do Estado Português.
(..)”

Em nexo de causalidade adequada, cfr. artº 403º nº 2 CPC, tem-se também por demonstrada, pelos factos provados, a relação entre a situação de necessidade vivida pelo ora Recorrente e os danos sofridos em consequência da demora que já vai em 17 anos na prolação de decisão definitiva em sede de processo crime e consequente indemnização cível a favor do ora Recorrente ali fixada a cargo de um dos RR.

Logra assim, também, ganho de causa a questão trazida a recurso sob os ítens 27 a 33 das conclusões.



D – liquidação provisória – artº 403º nº 3 CPC


O que implica que este Tribunal, em substituição, conheça da concreta renda mensal a título de reparação provisória no domínio do direito a indemnização fundada na responsabilidade extracontratual do Estado por morosidade indevida no exercício da função jurisdicional.
Para encontrar um valor ajustado de renda mensal em função das circunstâncias de facto provadas, é necessário, antes de mais, encontrar um padrão monetário para a situação de necessidade do caso concreto.
O que implica a determinar, em abstracto, o que é que se entende por este conceito de situação de necessidade, continuando a socorrer-nos, como acima referido, por um critério de aproximação entre o conceito jurídico indeterminado da lei adjectiva cível de “dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado” com o conceito de “mínimo de existência” da lei fiscal e tomando este como parâmetro de comparação.
Neste domínio, o artº 70º nº 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) fixa como mínimo de existência, abaixo do qual não é legítimo tributar, um valor de rendimento disponível – ou seja, pós imposto, não “(..) inferior ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado acrescido de 20% (..)” Artº 70º nº 1 CIRS – “Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado acrescido de 20%, nem resultar qualquer imposto para os mesmos rendimentos, cuja matéria colectável, após a aplicação do quociente conjugal, seja igual ou inferior a € 1667,63.” .
Atendendo a que o valor mais elevado do salário mínimo nacional para o de 2003 é de 356,66 € DL 320-C/2002 de 30.12, Artº 1º. , temos que, acrescido dos 20%, o valor de rendimento mínimo disponível mensal a que a lei fiscal se reporta é de, por arredondamento, 428 € (cerca de 86 000$00 no valor monetário antigo).
Todavia, como a lei fiscal trabalha com o mínimo de existência líquido, isto é, tem em conta o rendimento líquido disponível resultante da aplicação da taxa de imposto que, no caso deste escalão de rendimento e de 12% - cfr. artº 68º CIRS – o valor líquido de 428 € corresponde, por arredondamento, a um rendimento bruto de 480 € (cerca de 96 000$00 na antiga moeda).
Portanto, contas feitas, em critério de resolução do caso concreto segundo a equidade, ex vi artº 403º nº 3 CPC, entende-se como razoável arbitrar a reparação provisória mediante uma renda mensal fixada dentro de uma escala entre o dobro e o triplo do valor bruto do limite mínimo de subsistência fiscal, ou seja, entre 960 e 1440 €, que, em termos de rendimento líquido disponível pós imposto se esteia entre 856 e 1284 € .
Do que vem dito se conclui que tem toda a pertinência a renda peticionada de 1200 € e que, por isso, se arbitra.

***

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo em:
A – conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;
B – decretar a providência requerida de arbitramento de reparação provisória sob a forma de renda mensal (artº 403º nº 4 CPC), no domínio do direito a indemnização fundada na responsabilidade extracontratual do Estado por morosidade indevida no exercício da função jurisdicional;
C – arbitrar a favor do Recorrente a cargo do Requerido a renda mensal no montante peticionado de 1 200,00 €.

Sem tributação.


Lisboa, 30.Outubro.2003,

(Cristina Santos) ..................................................................................................

(Carlos Araújo) ....................................................................................................

(Beato de Sousa) .................................................................................................