Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01682/07
Secção:
Data do Acordão:05/29/2007
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL-IRS-TRANSPARÊNCIA FISCAL-CATEGORIA B
Sumário:1. No regime de transparência fiscal os rendimentos gerados pela sociedade transparente são imputados aos rendimentos pessoais dos seus sócios ou membros não sendo aquela tributada em IRC;
2. Assim as quantias inscritas na sua contabilidade a favor de sócio de sociedade profissional de advogados, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros;
3. E a tributação destas quantias aos sócios faz-se pela categoria B do IRS que não pela sua categoria E, por força da norma do art.º 19.º do CIRS, que o impõe a título especial;
4. A tributação destas quantias pela categoria E aos seus sócios, tem lugar para os sócios das restantes sociedades comerciais, ou civis sob a forma comercial, em geral.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. J...e outra, identificados nos autos, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa - 2.º Juízo - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por despacho do Relator de 7.2.2007, transitado em julgado, se declarou incompetente em razão da hierarquia para do mesmo conhecer, por a competência para o efeito se radicar neste Tribunal, para onde os autos vieram a ser remetidos, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1° A douta sentença, considerou improcedente, a impugnação judicial, feita pelos ora recorrentes.
2° Considerou ainda a douta sentença que não assistia razão aos ora recorrentes, uma vez que da análise da contabilidade, os valores creditados respeitam a honorários do sócio J....
3° Os fluxos financeiros em causa não tinham por contrapartida fluxos reais, para efeitos de tributação serão considerados adiantamentos por conta de lucros.
4° O montante de Esc. 20.000.000$00 recebido no ano de 1996, é objecto de tributação na pessoa do Drº J....
5° Conclui ainda a douta sentença que tratando-se de importâncias auferidas pelo ora recorrente, em proveito próprio, não se verifica a alegada errónea qualificação e quantificação da matéria colectável.
6° Os ora recorrentes não aceitaram como válida a alteração realizada relativamente ao rendimento líquido declarado, relativamente aos seus rendimentos de trabalho-independente categoria B para o ano de 1996.
7° A Alteração á tributação deve ser considerada ilegal, por se basear uma errónea qualificação dos factos tributados.
8° A liquidação adicional resulta exclusivamente de movimentos financeiros resultantes de levantamentos efectuados pelo ora recorrente, que não estão sujeitos a qualquer tributação, por força do clausulado na parte final da alínea h) do n° 1 do artigo 6 do CIRS.
9° O n° 4 do artigo 7° do CIRS estatui que "os lançamentos em quaisquer contas-correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou de exercício de cargos sociais, se presumem feitos a título de lucros ou adiantamentos de lucros".
10° Os adiantamentos por conta de lucros não são limitados na sua temporalidade os quais não podem por isso ser limitados ao montante dos lucros que vierem a ser apurados no exercício em que aqueles adiantamentos ocorrem.
11° Feita a análise pela negativa, não haveria lugar a qualquer tributação na esfera pessoal dos sócios, quando não ocorressem levantamentos, o que iria em contrário ao artigo 5° do CIRS.
12° Não se vislumbra sustentação legal para a correcção da matéria tributável que conduziu à liquidação adicional, da qual ora se recorre.

TERMOS EM QUE, INVOCANDO-SE O DOUTO SUPRIMENTO DO VENERANDO TRIBUNAL, DEVERÁ SER ACEITE O PRESENTE RECURSO E EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO A ALTERAÇÃO DOS RENDIMENTOS DE TRABALHO INDEPENDENTE -CATEGORIA B DE IRS DO RECORRENTE DRº J...E AZEVEDO.
PORÉM
Vª EXª DECIDIRÃO COMO FOR DE
JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, dizendo subscrever o parecer do EPGA, junto do STA de fls 600 verso.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se as quantias registadas na contabilidade a favor de um seu sócio, em sociedade de profissionais sujeita ao regime da transparência fiscal, se presumem lucros ou adiantamentos por conta de lucros e são tributadas pela categoria B do IRS.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1) Através das Ordens de Serviço n.º 89241 a 89244, de 23/11/1998, foi realizada, entre 2/2/1999 e 22/6/1999, uma acção de fiscalização, aos anos de 1994 a 1997, à firma “Vale e Associados - Sociedade de Advogados", sociedade sujeita ao regime da transparência fiscal referido no art. 5.º do CIRC, tendo sido efectuadas as correcções constantes no relatório de fls. 54 e ss. dos presentes autos.
2) Em consequência das referidas correcções, foi acrescido ao lucro tributável declarado do ano em causa a importância de 502.234$00, relativa a despesas de representação e refeições.
3) Segundo a percentagem de comparticipação na sociedade a imputar ao sócio ora impugnante, resultou uma correcção de 352.551$00 para o ano de 1996, valor que o ora impugnante aceita.
4) No entanto, durante o ano de 1996, para além dos montantes relativos aos lucros a que o impugnante tem direito, verifica-se que o mesmo levantou da sociedade, para seu proveito próprio, importâncias no valor de 24.082.255$00, que não foram objecto de registo contabilístico na conta do destinatário (vd. fls. 79 e ss. dos presentes autos).
5) Considerando que os fluxos financeiros registados na contabilidade da referida sociedade, creditados na Conta 12 - Bancos, não têm por contrapartida a entrada de fluxos reais, e considerando que não foram contabilizados na Conta 255201 ­J..., estes recebimentos configuram rendimentos de Categoria B, de acordo com o disposto no art. 19.º do CIRS.
6) O impugnante procedeu ao pagamento da liquidação ora impugnada no prazo de cobrança voluntária. Não foi deduzida reclamação graciosa da liquidação.
7) Os impugnantes deduziram a presente impugnação em 6/2/2001.

Factos não provados:
Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" ­art. 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil -, nenhum.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida, considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a verba total de Esc. 24.082.255$ levantada pelo ora recorrente da sociedade em causa, para seu proveito próprio, não tinha por contrapartida qualquer fluxo real, tinha a mesma de ser considerada adiantamento por conta de lucros, e como tal tributada na categoria B do IRS por os impugnantes serem sócios de uma sociedade profissional de advogados.

Para os recorrentes, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do seu recurso, e que delimitam o seu objecto, vêm insurgir-se com a sentença recorrida por a liquidação adicional resultar exclusivamente de movimentos financeiros resultantes de levantamentos efectuados pelo ora recorrente, que não estão sujeitos a qualquer tributação por força do disposto no art.º 6.º n.º1 alínea h) do CIRS.

Vejamos então.
Como consta da matéria do ponto 1) do probatório firmado na sentença recorrida, o ora recorrente é sócio de uma sociedade profissional de advogados, sujeita ao regime da transparência fiscal, nos termos do disposto na norma do art.º 5.º n.º1 do CIRC, sob a epígrafe Transparência fiscal, se dispõe que é imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos do IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a)Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b)Sociedades profissionais;
c)...
...
3 – A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
4 -
...

No mesmo sentido se dispõe na norma do art.º 78.º do CIRC, quanto às liquidações adicionais, sob a epígrafe Liquidações correctivas no regime de transparência fiscal, ao se enunciar:
Sempre que, relativamente às entidades a que se aplique o regime de transparência fiscal definido no artigo 5.º, haja lugar a correcções que determinem alteração dos montantes imputados aos respectivos sócios ou membros, os serviços referidos no artigo 70.º promoverão as correspondentes modificações na liquidação efectuada àqueles, cobrando-se ou anulando-se em consequência as diferenças apuradas.

Pode ver-se do preâmbulo do Código do IRC, quanto a esta questão da transferência fiscal, o seguinte afloramento:
Importa ainda sublinhar que, com objectivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios, se adopta em relação a certas sociedades um regime de transparência fiscal. O mesmo caracteriza-se pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição.
Este regime é igualmente aplicável aos agrupamentos complementares de empresas e aos agrupamentos europeus de interesse económico.

No mesmo sentido se dispõe no Código do IRC, Comentado e Anotado, de 1990, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, págs. 94 e 95, em anotação a este mesmo art.º 5.º:
Institui-se nesta disposição, com carácter inovador, o regime da transferência fiscal, caracterizado pela imputação aos sócios ou membros das entidades por ele abrangidas dos resultados por estas obtidos independentemente da distribuição de lucros; o produto dessa imputação será integrado no rendimento tributável dos referidos sócios para efeitos de IRS ou IRC consoante se trate, respectivamente, de pessoas singulares ou colectivas.
Tais resultados (a matéria colectável no caso das sociedades previstas nas diversas alíneas deste n.º1 ou o lucro ou prejuízo do exercício tratando-se de um agrupamento complementar de empresas ou de um agrupamento europeu de interesse económico), são determinados nos termos do CIRC, embora a própria entidade transparente não seja tributada neste imposto (v. art.º 12.º).
Com efeito, a lei como que “vê” através desta entidade – e daí a designação de transparência – atingindo directamente, através de um sistema de tributação integrada, a pessoa dos respectivos sócios ou membros.
...
Face ao regime assim explanado, as sociedades e outras entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, muito embora permaneçam sujeitos passivos deste imposto.
...
Acresce ainda que as sociedades, bem como as outras entidades transparentes, estão adstritas ao cumprimento das obrigações acessórias, quer contabilísticas, quer declarativas.
Devem, pois, essas entidades, apresentar quer as declarações de inscrição e de alterações no registo, quer a declaração periódica de rendimentos como resulta expressamente da explicitação feita no n.º6 do art.º 94.º.
Os objectivos propugnados pelo legislador com a adopção deste regime de transparência fiscal são os de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da designada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios.
...

Em suma, das normas e doutrina enunciadas supra, não pode deixar de concluir-se como se conclui, claramente, que neste tipo de sociedades em que vigora o princípio da transparência fiscal, como no caso acontece e nem os recorrentes o colocam em causa, os rendimentos nelas gerados, são atribuídos, directamente, aos seus sócios, integrando o seu rendimento colectável na respectiva categoria em que forem tributados, que não às sociedades transparentes, que assim não são tributadas em IRC, ainda que permaneçam sujeitos passivos deste imposto e adstritas ao cumprimento de várias obrigações acessórias no âmbito do mesmo, não havendo, em consequência, lugar a nenhuma liquidação final da matéria colectável às próprias sociedades transparentes.

Neste mesmo sentido trilha a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como constituem exemplos os acórdãos do STA de 3.10.2001 e de 13.3.2002, recursos n.ºs 26.353 e 26.823, respectivamente.

Como decorre do relatório da inspecção tributária, cuja factualidade aliás, não é colocada em causa pelos ora recorrentes, o impugnante, no exercício de 1996, além de outros montantes aqui não em causa nestes autos, resultam dos registos contabilísticos da referida sociedade e das declarações do próprio, que o mesmo dela levantou em proveito próprio a quantia de Esc. 24.082.255$ (41.941.311$ - 17.859.056$), e que não declarou como seu rendimento a título da sua cédula de IRS, montante que se presume feito a título de lucros ou de adiantamento por conta de lucros, nos termos do disposto no art.º 7.º n.º4 do CIRS, na redacção de então:
Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
E como os ora recorrentes não vieram fazer a prova para ilidir tal presunção legal, por nenhum dos meios previstos no n.º5 do mesmo art.º 7.º, escusa a parte contrária de provar o facto a que ela conduz, nos termos do disposto no art.º 350.º n.º1 do Código Civil, encontrando-se por isso demonstrado, que tal quantia levantada em seu proveito (saldo), constitui um seu lucro ou adiantamento por conta de lucros.

E nos termos do disposto no art.º 3.º n.º1, alínea a) e n.º2, conjugada com a norma do art.º 19.º, ambos do mesmo CIRS, tal quantia é tributada como rendimento da categoria B, que não da categoria E, tratando-se de um caso de imputação especial, como se refere neste mesmo artigo, aplicada aos sócios ou membros das sociedades sujeitas ao regime da transferência fiscal, como bem tratou e liquidou a AT no acto impugnado e confirmado pela sentença recorrida, que assim não merece qualquer censura.

E nem a norma do art.º 6.º alínea h) do CIRS, exclui tal montante de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros, da tributação tout court, como erradamente invocam os recorrentes, mas sim da tributação de rendimentos da categoria E, expressamente remetendo para os casos subumíveis à norma do seu art.º 19.º, ou seja da categoria B, como é o caso, sendo a única diferença de tributação entre a categoria E e a categoria B, como neste caso, quando o seu sócio é sócio de uma sociedade profissional sujeita ao regime da transparência fiscal, como bem se pode ver explicitado no acórdão do STA de 4.12.2002, recurso n.º 26.369.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em doze UCs.


Lisboa, 29/05/2007

EUGÉNIO SEQUEIRA
VALENTE TORRÃO
LUCAS MARTINS