Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 04124/00 |
Secção: | Contencioso Tributário - 1º Juízo Liquidatário |
Data do Acordão: | 04/19/2005 |
Relator: | Francisco Rothes |
Descritores: | (IN)FIEL DEPOSITÁRIO EXECUÇÃO NOS TERMOS DO ART. 316.º, ALÍNEA A), DO CPT MEIO DE REACÇÃO CONTRA O DESPACHO QUE A ORDENOU IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL CONVOLAÇÃO |
Sumário: | I - Aquele que é nomeado fiel depositário dos bens penhorados tem, nos termos do disposto no art. 843.° do CPC, aplicável ex vi da alínea f) do art. 2.º do CPT (em vigor à data), os deveres gerais pre-vistos no art. 1187.° do CC, de guardar os bens depositados, avisar o depositante se algum perigo ameaçar a coisa ou se terceiro se arrogar direito sobre ela e restituí-los com os seus frutos, devendo ainda administrá-los com a diligência e zelo de um bom pai de família, prestar contas e apresentar os bens quando para tal lhe for ordenado (art. 854.°, n.° l, do CPC). II - Nos temos do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, o depositário que incumpra com o dever de apresentação de bens, será executado pela importância do valor dos bens, no próprio processo, sem prejuízo do procedimento criminal. III - Ordenada a execução do depositário ao abrigo do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, por despacho do chefe da repartição de finanças, o meio de reacção contra essa decisão é o previsto no art. 355.º do CPT (em vigor à data). IV - Ainda que o pedido e a causa de pedir invocadas não obstem a que se faça seguir o processo instaurado como oposição à execução fiscal sob a forma de recurso do art. 355.º do CPT, não deve ordenar-se tal "convolação", por se tratar de acto inútil (e, por isso, proibido, nos termos do art. 137.º do CPC), quando se verifica que na data em que deu entrada a petição inicial estava já esgotado o prazo para o exercício do direito de recurso ao abrigo daquele artigo. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 MANUEL...(adiante Executado, Oponente ou Recorrente) veio à execução fiscal instaurada contra a sociedade denominada “P... – Postes e Electricidade Douro, Lda.” pela 1.ª Repartição de Finanças de Gondomar (1.ª RFG) deduzir oposição à exigência que aí lhe está a ser feita, de pagamento da quantia de esc. 85.568.500$00, valor que aquela repartição considerou ser o proporcional à parte de um prédio penhorado que ele, violando os seus deveres de fiel depositário, permitiu fosse vendida, , alegando, em síntese, o seguinte: – foi citado para pagar a referida quantia «em substituição da Executada»(1-2) - e por «ter a qualidade de fiel depositário e de parte do prédio penhorado ter sido loteado, constituído e vendido»(3) ; – «aceitou ser fiel depositário, na convicção de que se tratava dum mero pró-forma e essencialmente da guarda e conservação dos bens móveis», tanto mais que «os imóveis não precisam de ser guardados nem conservados»; – «nunca foi informado das funções que lhe caberiam como fiel depositário» e «segundo julga saber, os imóveis penhorados ficam conservados e reservados, nos processos executivos, mediante o registo de penhora na Conservatória do Registo Predial»; – «sempre entendeu que, não sendo registada a penhora, a executada podia vender os bens ainda que penhorados pois que só após o registo a penhora tem eficácia perante terceiros»; – o que terá acontecido foi que a repartição de finanças não efectuou o registo da penhora, «pelo menos no sítio certo»; – a alienação de parte do prédio foi efectuada na sequência de «um processo com vista à realização de um empreendimento construtivo» há muito iniciado; – «Não se verifica, por isso, qualquer fundamento para o procedimento executivo contra o oponente» e, mesmo que assim não fosse, a execução «teria de limitar-se aos créditos em execução à data da escritura», que teve lugar há cerca de dois anos, ocasião em que a dívida exequenda era de esc. 13.920.335$00; – «face às infraestruturas já instaladas no prédio, por virtude do loteamento urbanização e construção de parte, a metade do prédio ainda disponível passa a valer tanto como valia o prédio todo antes das obras e da consequente venda de metade», motivo por que «não há qualquer prejuízo para a execução»; – aliás, «o produto da venda de metade do prédio, foi absorvido pelas despesas do projecto, obras de infraestruturas e o pagamento de metade da dívida hipotecária (só esta atingia na altura cerca de 70.000.000$00!)», pelo que «ainda que registada a penhora e se mantido o prédio no seu estado inicial, a Fazenda Pública não receberia qualquer valor da metade vendida, ou se recebesse seria insignificante». Concluiu P...indo a extinção do processo contra o Oponente. 1.2 Na sentença recorrida, o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto, depois de identificar as questões a apreciar e decidir como sendo as de saber «Se o oponente não cumpriu as suas obrigações como fiel depositário do bem penhorado» e «Se o oponente é responsável pelo pagamento da dívida exequenda», considerou, em resumo, o seguinte: Assim, o Juiz do Tribunal a quo julgou a oposição improcedente. 1.3 A Oponente recorreu da sentença para este Tribunal Central Administrativo e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue procedente a oposição: caso tal se não entenda, deve anular-se o julgamento para um apuramento mais cabal e completo dos factos». 1.4 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.5 Recebido os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, considerando que a sentença recorrida fez correcto julgamento. 1.6 Colhidos os vistos dos Juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 1.7 As questões sob recurso, delimitadas pelas alegações da Recorrente e respectivas conclusões, são as de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento de facto de direito Antes, suscita-se-nos uma outra questão, de conhecimento oficioso, e que logra prioridade sobre as que ficaram referidas: a da propriedade do meio processual utilizado pelo depositário para pôr em causa a responsabilidade que lhe foi imputada pelo Chefe da 1.ª RFG e as consequências de uma eventual utilização de meio inadequado. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos: «Dos elementos existentes nos autos apurou-se que: a) Contra P... - Postes e Electricidade Douro Lda., foi instaurada a execução fiscal supra identificada para cobrança de dívidas do CRSS no valor de esc. 56.565.888$00 - cfr. fls. 43 e 46 a 66 -. b) Naquela execução foi penhorado em 9/5/95 um prédio urbano localizado na freguesia de Jovim, com a área coberta de 1520 m2 e descoberta de 14730 m2 inscrito na matriz predial urbana sob o artº 1151 com o valor patrimonial de esc. 5.702.400$00, tendo sido nomeado fiel depositário Arménio Silvestre, tudo conforme auto de folhas 68, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. c) O prédio referido em b) foi descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 1047- cfr. fls. 70 -. d) Em 10/10/96 o fiel depositário veio requerer a sua remoção do cargo, tendo sido nomeado fiel depositário Manuel Fernando Oliveira Silva - cfr. fls. 73 -. e) Em 10/10/96 o oponente declarou que assumia a responsabilidade como fiel depositário dos bens penhorados - cfr. fls. 76 -. f) Em 18/10/96 o oponente foi notificado de que havia sido nomeado fiel depositário dos bens penhorados nos processos executivos 1783-95/101247.9, 1783-96/100003.9, 1783-94/102232.6, 1783-93/100801.3 e 1783-93/101108.1 - cfr. fls. 77 e 78 -. g) Em 4/12/98 foram apensos à execução supra, identificada, os processos executivos 94/102232.6, 96/100003.9 e 97/103267.4 e apensos, passando a execução a valer por esc. 63.509.363$00 - cfr. fls. 79 -. h) Conforme consta do despacho de folhas 80 foi designado dia para a venda por proposta em carta fechada, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. i) O prédio referido cm b) e inscrito na matriz predial urbana sob o art° 1151°, foi construído no prédio inscrito na matriz rústica sob o art° 501 - cfr. fls. 83 -. j) O prédio inscrito na matriz rústica sob o art° 501° estava descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° 13802- cfr. fls. 84 -. k) Por despacho cuja cópia se encontra a folhas 84 foi ordenada a eliminação da matriz do prédio inscrito sob o art° 501º - cfr. fls. 84 -. l) Por despacho de 7/1/99, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi ordenada a venda do bem referido em b) por negociação particular m) Para o prédio referido em b) foi aprovado em 28/7/95 o loteamento conjunto das duas fases e em 23/12/96 concedido o alvará de loteamento n° 70/96 para a 1ª fase tendo sido constituídos três lotes, nos quais foram implantados três blocos habitacionais, os quais foram vendidos à Câmara Municipal de Gondomar pelo valor de esc. 960.060.000$00 - cfr. fls. 94 à 97 -. n) A 2ª fase do loteamento do prédio identificado em b) foi aprovada em reunião de 9/5/97, sendo constituída por mais três lotes, os quais no conjunto têm o valor para venda de esc. 85.122.900$00 - cfr. fls. 95 a 97 -. o) Em 10/3/99 o oponente apresentou o requerimento de folhas 81 e 82, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. p) Por despacho de 3/2/99 o Chefe da Repartição de Finanças ordenou que se executasse no próprio processo o fiel depositário, aqui oponente, pelo valor de esc. 85.568.500$00 (valor correspondente à área - 8.030 m2 e 53% - da 1ª fase de um total de 15.140 m2 a que foi atribuído o valor para venda de esc. 161.450.000$00), tudo conforme documento a folhas 99 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. q) O oponente foi citado daquele despacho em 12/2/99 - cfr. fls. 103 -. r) Os factos referidos supra ocorreram também nos processos executivos nº 97/100118.3 e 97/103416.2 da mesma Repartição de Finanças tudo conforme documentos de folhas 104 a 226. Não se provaram outros factos para além dos enunciados. O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos indicados os quais não foram impugnados». 2.1.2 Porque o entendemos útil para a decisão a proferir, fazemos ainda consignar a seguinte factualidade, que resulta dos documentos juntos aos autos: * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR Em diversas execuções fiscais instauradas contra a sociedade denominada “P... – Postes e Electricidade, Lda.” pela 1.ª RFG, tendo o Chefe da Repartição verificado que o fiel depositário, que era também sócio-gerente da sociedade executada, não havia cumprido com os seus deveres, tendo permitido que a Executada, de que era sócio-gerente, vendesse parte de um prédio penhorado, ordenou, ao abrigo do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, que o mesmo fosse executado no próprio processo pelo valor que considerou corresponder à parte do prédio que foi vendida. O fiel depositário, citado para pagar a quantia por que o Chefe da 1.ª RFG o considerou responsável, veio deduzir oposição à execução fiscal, alegando, em síntese, que não incumpriu com os seus deveres de fiel depositário e que nunca poderia ser responsabilizado pelo valor que lhe está a ser exigido. Essa oposição foi julgada improcedente por sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto e o Executada dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo, mantendo, no essencial, a posição assumida na petição inicial. Daí que tenhamos indicado como questões a apreciar e decidir as que referimos no ponto 1.7. * Face ao exposto, o recurso não pode merecer provimento. 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões: I - Aquele que é nomeado fiel depositário dos bens penhorados tem, nos termos do disposto no art. 843.° do CPC, aplicável ex vi da alínea f) do art. 2.º do CPT (em vigor à data), os deveres gerais pre-vistos no art. 1187.° do CC, de guardar os bens depositados, avisar o depositante se algum perigo ameaçar a coisa ou se terceiro se arrogar direito sobre ela e restituí-los com os seus frutos, devendo ainda administrá-los com a diligência e zelo de um bom pai de família, prestar contas e apresentar os bens quando para tal lhe for ordenado (art. 854.°, n.° l, do CPC). II - Nos temos do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, o depositário que incumpra com o dever de apresentação de bens, será executado pela importância do valor dos bens, no próprio processo, sem prejuízo do procedimento criminal. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, com a presente fundamentação. Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UCs. (1) Salvo o devido respeito, nada permite concluir que o chamamento do ora Oponente tenha sido «em substituição da Executada», bem pelo contrário. O que consta do despacho do Chefe da 1.ª Repartição de Finanças que ordenou a execução contra o ora Recorrente é que este é chamado na qualidade de depositário infiel, ao abrigo do disposto no art. 316.º do CPT (cfr. cópia do despacho a fls. 220/221), motivo por que a responsabilidade do ora Recorrente é uma responsabilidade originária dele. (2) As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições. (3) Do despacho referido na nota 1 ressalta apenas que a execução contra o depositário resulta de este ter permitido a venda de parte do prédio penhorado. (4) Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, nota 6 ao art. 233.º, que corresponde ao art. 316.º do CPT, pág. 976. (5) Nesse sentido, ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 4.ª edição, nota 7 ao art. 355.º, pág. 795 e entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: - de 31 de Maio de 1995, proferido no processo com o n.º 19.243 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Agosto de 1997, pág. 1614; - de 14 de Junho de 1995, proferido no processo com o n.º 18.914 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Agosto de 1997, pág. 1705; - de 18 de Junho de 1997, proferido no processo com o n.º 19.218 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, pág. 1817; - de 17 de Dezembro de 1997, proferido no processo com o n.º 21.796 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001, pág. 3384; de 4 de Fevereiro de 1998, proferido no processo com o n.º 22.231, e publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001, pág. 268. (6) Hoje, e depois da redacção que lhe foi dada pelo art. 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2002), o art. 276.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), disposição que corresponde ao art. 355.º do CPT, prevê expressamente que qualquer terceiro cujos direitos ou interesses legítimos sejam afectados por uma decisão do órgão de execução fiscal, possa recorrer judicialmente (reclamar, na terminologia adoptado pelo CPPT) dessa decisão. (7) Não cumpre aqui apreciar se tal incumprimento pode ou não verificar-se relativamente a bens imóveis. (8) Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pág. 879, nota 14 ao art. 204.º, que corresponde ao art. 286.º do CPT. (9) Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., nota 2 ao art. 233.º, pág. 975. (10) Hoje, há previsão expressa nesse sentido: os arts. 98.º, n.º 4, do CPPT, e 97.º, n.º 3, da LGT. (11) Embora o art. 355.º do CPT referisse que o prazo é de oito dias, haverá que atender à adaptação de prazos ordenada pelo art. 6.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, diplomas por que se operou a reforma do CPC, e que determinou a adaptação à regra da continuidade os prazos de natureza processual estabelecidos nos diplomas a que seja subsidiariamente aplicável o disposto no art. 144.º do CPC. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do referido art. 6.º, «Passam a ser de dez dias os prazos cuja duração seja igual ou superior a 5 e inferior a 9 dias». Lisboa, 19 de Abril de 2005 |