Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04124/00
Secção:Contencioso Tributário - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:04/19/2005
Relator:Francisco Rothes
Descritores:(IN)FIEL DEPOSITÁRIO
EXECUÇÃO NOS TERMOS DO ART. 316.º, ALÍNEA A), DO CPT
MEIO DE REACÇÃO CONTRA O DESPACHO QUE A ORDENOU
IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Aquele que é nomeado fiel depositário dos bens penhorados tem, nos termos do disposto no art. 843.° do CPC, aplicável ex vi da alínea f) do art. 2.º do CPT (em vigor à data), os deveres gerais pre-vistos no art. 1187.° do CC, de guardar os bens depositados, avisar o depositante se algum perigo ameaçar a coisa ou se terceiro se arrogar direito sobre ela e restituí-los com os seus frutos, devendo ainda administrá-los com a diligência e zelo de um bom pai de família, prestar contas e apresentar os bens quando para tal lhe for ordenado (art. 854.°, n.° l, do CPC).
II - Nos temos do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, o depositário que incumpra com o dever de apresentação de bens, será executado pela importância do valor dos bens, no
próprio processo, sem prejuízo do procedimento criminal.
III - Ordenada a execução do depositário ao abrigo do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, por despacho do chefe da repartição de finanças, o meio de reacção contra essa decisão é o previsto no art. 355.º do CPT (em vigor à data).
IV - Ainda que o pedido e a causa de pedir invocadas não obstem a que se faça seguir o processo instaurado como oposição à execução fiscal sob a forma de recurso do art. 355.º do CPT, não deve ordenar-se tal "convolação", por se tratar de acto inútil (e, por isso, proibido, nos termos do art. 137.º do CPC), quando se verifica que na data em que deu entrada a petição inicial estava já esgotado o prazo para o exercício do direito de recurso ao abrigo daquele artigo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 MANUEL...(adiante Executado, Oponente ou Recorrente) veio à execução fiscal instaurada contra a sociedade denominada “P... – Postes e Electricidade Douro, Lda.” pela 1.ª Repartição de Finanças de Gondomar (1.ª RFG) deduzir oposição à exigência que aí lhe está a ser feita, de pagamento da quantia de esc. 85.568.500$00, valor que aquela repartição considerou ser o proporcional à parte de um prédio penhorado que ele, violando os seus deveres de fiel depositário, permitiu fosse vendida, , alegando, em síntese, o seguinte:
foi citado para pagar a referida quantia «em substituição da Executada»(1-2) - e por «ter a qualidade de fiel depositário e de parte do prédio penhorado ter sido loteado, constituído e vendido»(3) ;
«aceitou ser fiel depositário, na convicção de que se tratava dum mero pró-forma e essencialmente da guarda e conservação dos bens móveis», tanto mais que «os imóveis não precisam de ser guardados nem conservados»;
«nunca foi informado das funções que lhe caberiam como fiel depositário» e «segundo julga saber, os imóveis penhorados ficam conservados e reservados, nos processos executivos, mediante o registo de penhora na Conservatória do Registo Predial»;
«sempre entendeu que, não sendo registada a penhora, a executada podia vender os bens ainda que penhorados pois que só após o registo a penhora tem eficácia perante terceiros»;
o que terá acontecido foi que a repartição de finanças não efectuou o registo da penhora, «pelo menos no sítio certo»;
a alienação de parte do prédio foi efectuada na sequência de «um processo com vista à realização de um empreendimento construtivo» há muito iniciado;
«Não se verifica, por isso, qualquer fundamento para o procedimento executivo contra o oponente» e, mesmo que assim não fosse, a execução «teria de limitar-se aos créditos em execução à data da escritura», que teve lugar há cerca de dois anos, ocasião em que a dívida exequenda era de esc. 13.920.335$00;
«face às infraestruturas já instaladas no prédio, por virtude do loteamento urbanização e construção de parte, a metade do prédio ainda disponível passa a valer tanto como valia o prédio todo antes das obras e da consequente venda de metade», motivo por que «não há qualquer prejuízo para a execução»;
aliás, «o produto da venda de metade do prédio, foi absorvido pelas despesas do projecto, obras de infraestruturas e o pagamento de metade da dívida hipotecária (só esta atingia na altura cerca de 70.000.000$00!)», pelo que «ainda que registada a penhora e se mantido o prédio no seu estado inicial, a Fazenda Pública não receberia qualquer valor da metade vendida, ou se recebesse seria insignificante».

Concluiu P...indo a extinção do processo contra o Oponente.

1.2 Na sentença recorrida, o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto, depois de identificar as questões a apreciar e decidir como sendo as de saber «Se o oponente não cumpriu as suas obrigações como fiel depositário do bem penhorado» e «Se o oponente é responsável pelo pagamento da dívida exequenda», considerou, em resumo, o seguinte:
que dos autos resulta demonstrado que o Oponente «ofereceu-se na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada para exercer as funções de fiel depositário», «sabia que o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Jovim sob o artº 1151º estava penhorado em execução fiscal movida pela Fazenda Pública», «sabia que os lotes vendidos à Câmara Municipal de Gondomar faziam parte daquele prédio», «sabia que estava obrigado à guarda dos bens» e, apesar de tudo isso, «permitiu que parte do prédio penhorado fosse vendido», motivo por que não cumpriu com o dever de guarda a que estava obrigado, justificando-se, nos termos do disposto nos arts. 316.º do Código de Processo Tributário (CPT) e 854.º do Código de Processo Civil (CPC), a sua execução no próprio processo pelo valor dos bens penhorados;
como resulta do teor dos referidos preceitos legais, o valor por que deve ser responsabilizado o depositário infiel é o dos bens penhorados e não o da dívida exequenda.

Assim, o Juiz do Tribunal a quo julgou a oposição improcedente.

1.3 A Oponente recorreu da sentença para este Tribunal Central Administrativo e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Apresentou alegações de recurso, que resumiu nas seguintes conclusões:
«
a) Se o Opoente guardasse o bem penhorado, tal como lhe foi confiado, a Repartição de Finanças teria apurado oito ou dez mil contos ou, na melhor das hipóteses, trinta ou quarenta mil contos.
Com a actuação ou omissão do Opoente, o apuramento foi (ESTÃO VENDIDOS OS TRÊS LOTES) DE 75.881.500$00.
Não se mostra prejudicado o crédito de execução.
b) O objectivo dos artigos 316º. do CPT e 854, nº. 2 do CPC é obrigar o depositário a garantir pessoalmente o valor dos bens que lhe foram confiados e no estado em que lhe foram entregues; a violação do dever de guarda dos bens penhorados implica a obrigação de responder pelo valor que eles tinham.
A violação de tal dever com beneficio claro para a Fazenda Nacional, por aumentar o valor do bem penhorado e conservando apenas parte dele, mas mais valiosa que o todo, não conduz à aplicação das citadas disponibilidades legais.
c) A decisão recorrida, ao sufragar a tese do Chefe da Repartição, de obter melhor garantia de actos e omissões do depositário, que valorizaram o prédio e disponibilizou três lotes com mais valor que o prédio originário todo, viola os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade e constitui a cobertura duma situação de evidente locupletamente [sic] sem motivo.
d) A sentença recorrida não tentou [sic] na globalidade da questão, adoptando um raciocínio fechado dentro do ninho da lei e da teia do discurso lógico, desfasando-se da realidade dos factos constantes dos autos.
Perante a situação concreta, punha-se uma alternativa exclusiva: ou se aceitava os três lotes disponíveis, no valor de 75.881.500$00, beneficiando da valorização com as obras de urbanização e não havia que P...ir contas ao Opoente; ou a exigir-lhe responsabilidade pela parte predial vendida, ele teria de limitar-se ao valor originário do prédio que seria de cerca de 4.000.000$00 (valor patrimonial fiscal.
e) Não foi relevante o facto de a dívida exequenda ter o valor de 63.509.363$00 e os três lotes disponíveis serem suficientes para a cobrir, pois valem 75.881.500$00 e JÁ FORAM VENDIDOS PELA REPARTIÇÃO por esse preço. Mas, pese embora o textual legal referiu [sic] concretamente a obrigação de responder pelo valor dos bens e não pelo da dívida exequenda, a verdade é que, no caso, se tratar apenas de transformação e valorização do bem penhorado, e não do seu extravio, sonegação ou destruição.

NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue procedente a oposição: caso tal se não entenda, deve anular-se o julgamento para um apuramento mais cabal e completo dos factos».

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 Recebido os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, considerando que a sentença recorrida fez correcto julgamento.

1.6 Colhidos os vistos dos Juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

1.7 As questões sob recurso, delimitadas pelas alegações da Recorrente e respectivas conclusões, são as de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento

de facto
1.ª - ao não dar como provada a data em que foi fixado em esc. 161.450.000$00 o valor do prédio penhorado;

de direito
2.ª - ao não levar em conta que o depositário, com a sua actuação, agiu em benefício da Fazenda Pública, motivo por que não ser responsabilizado e, mesmo que o pudesse ser, nunca seria pelo valor que lhe está a ser exigido.

Antes, suscita-se-nos uma outra questão, de conhecimento oficioso, e que logra prioridade sobre as que ficaram referidas: a da propriedade do meio processual utilizado pelo depositário para pôr em causa a responsabilidade que lhe foi imputada pelo Chefe da 1.ª RFG e as consequências de uma eventual utilização de meio inadequado.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos:

«Dos elementos existentes nos autos apurou-se que:
a) Contra P... - Postes e Electricidade Douro Lda., foi instaurada a execução fiscal supra identificada para cobrança de dívidas do CRSS no valor de esc. 56.565.888$00 - cfr. fls. 43 e 46 a 66 -.
b) Naquela execução foi penhorado em 9/5/95 um prédio urbano localizado na freguesia de Jovim, com a área coberta de 1520 m2 e descoberta de 14730 m2 inscrito na matriz predial urbana sob o artº 1151 com o valor patrimonial de esc. 5.702.400$00, tendo sido nomeado fiel depositário Arménio Silvestre, tudo conforme auto de folhas 68, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
c) O prédio referido em b) foi descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 1047- cfr. fls. 70 -.
d) Em 10/10/96 o fiel depositário veio requerer a sua remoção do cargo, tendo sido nomeado fiel depositário Manuel Fernando Oliveira Silva - cfr. fls. 73 -.
e) Em 10/10/96 o oponente declarou que assumia a responsabilidade como fiel depositário dos bens penhorados - cfr. fls. 76 -.
f) Em 18/10/96 o oponente foi notificado de que havia sido nomeado fiel depositário dos bens penhorados nos processos executivos 1783-95/101247.9, 1783-96/100003.9, 1783-94/102232.6, 1783-93/100801.3 e 1783-93/101108.1 - cfr. fls. 77 e 78 -.
g) Em 4/12/98 foram apensos à execução supra, identificada, os processos executivos 94/102232.6, 96/100003.9 e 97/103267.4 e apensos, passando a execução a valer por esc. 63.509.363$00 - cfr. fls. 79 -.
h) Conforme consta do despacho de folhas 80 foi designado dia para a venda por proposta em carta fechada, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
i) O prédio referido cm b) e inscrito na matriz predial urbana sob o art° 1151°, foi construído no prédio inscrito na matriz rústica sob o art° 501 - cfr. fls. 83 -.
j) O prédio inscrito na matriz rústica sob o art° 501° estava descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° 13802- cfr. fls. 84 -.
k) Por despacho cuja cópia se encontra a folhas 84 foi ordenada a eliminação da matriz do prédio inscrito sob o art° 501º - cfr. fls. 84 -.
l) Por despacho de 7/1/99, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi ordenada a venda do bem referido em b) por negociação particular
m) Para o prédio referido em b) foi aprovado em 28/7/95 o loteamento conjunto das duas fases e em 23/12/96 concedido o alvará de loteamento n° 70/96 para a 1ª fase tendo sido constituídos três lotes, nos quais foram implantados três blocos habitacionais, os quais foram vendidos à Câmara Municipal de Gondomar pelo valor de esc. 960.060.000$00 - cfr. fls. 94 à 97 -.
n) A 2ª fase do loteamento do prédio identificado em b) foi aprovada em reunião de 9/5/97, sendo constituída por mais três lotes, os quais no conjunto têm o valor para venda de esc. 85.122.900$00 - cfr. fls. 95 a 97 -.
o) Em 10/3/99 o oponente apresentou o requerimento de folhas 81 e 82, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
p) Por despacho de 3/2/99 o Chefe da Repartição de Finanças ordenou que se executasse no próprio processo o fiel depositário, aqui oponente, pelo valor de esc. 85.568.500$00 (valor correspondente à área - 8.030 m2 e 53% - da 1ª fase de um total de 15.140 m2 a que foi atribuído o valor para venda de esc. 161.450.000$00), tudo conforme documento a folhas 99 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
q) O oponente foi citado daquele despacho em 12/2/99 - cfr. fls. 103 -.
r) Os factos referidos supra ocorreram também nos processos executivos nº 97/100118.3 e 97/103416.2 da mesma Repartição de Finanças tudo conforme documentos de folhas 104 a 226.

Não se provaram outros factos para além dos enunciados.

O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos indicados os quais não foram impugnados».

2.1.2 Porque o entendemos útil para a decisão a proferir, fazemos ainda consignar a seguinte factualidade, que resulta dos documentos juntos aos autos:
s) a citação dita em q) foi efectuada nos termos do mandado com cópia a fls. 101 (cfr. cópia da certidão de notificação, da respectiva nota e do mandado, a fls. 103, 102 e 101, respectivamente);
t) por sua vez, esse mandado foi emitido nos termos do despacho com cópia a fls. 98/99 (cfr. cópias do despacho, a fls. 98/99, e do mandado, a fls. 101);
u) a petição inicial que deu origem ao presente processo deu entrada na 1.ª RFG em 1 de Março de 1999 (cfr. a petição inicial, de fls. 2 a 6, bem como o carimbo de entrada que lhe foi aposto).

*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR

Em diversas execuções fiscais instauradas contra a sociedade denominada “P... – Postes e Electricidade, Lda.” pela 1.ª RFG, tendo o Chefe da Repartição verificado que o fiel depositário, que era também sócio-gerente da sociedade executada, não havia cumprido com os seus deveres, tendo permitido que a Executada, de que era sócio-gerente, vendesse parte de um prédio penhorado, ordenou, ao abrigo do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, que o mesmo fosse executado no próprio processo pelo valor que considerou corresponder à parte do prédio que foi vendida.
O fiel depositário, citado para pagar a quantia por que o Chefe da 1.ª RFG o considerou responsável, veio deduzir oposição à execução fiscal, alegando, em síntese, que não incumpriu com os seus deveres de fiel depositário e que nunca poderia ser responsabilizado pelo valor que lhe está a ser exigido.
Essa oposição foi julgada improcedente por sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto e o Executada dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo, mantendo, no essencial, a posição assumida na petição inicial.

Daí que tenhamos indicado como questões a apreciar e decidir as que referimos no ponto 1.7.
No entanto, como também aí deixámos dito, impõe-se, previamente, a apreciação de uma outra questão de conhecimento oficioso, que é a da propriedade do meio processual de que o Executado lançou mão e das consequências do eventual uso de uma forma processual inadequada.

2.2.2 DA (IM)PROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO

A nosso ver, o meio processual adequado para o fiel depositário reagir contra o despacho do Chefe da Repartição de Finanças, que ordenou que fosse executado nos autos é o recurso previsto, à data, no art. 355.º do CPT(4). Na verdade, é aquele meio processual o adequado a sindicar as decisões proferidos no processo de execução fiscal pelo chefe da repartição (ou por outra autoridade da AT) e que afectem os direitos e interesses legítimos de todos os interessados, que não apenas do executado. Na verdade, embora nesse preceito legal se aludisse apenas ao executado, a doutrina e a jurisprudência desde há muito vinham entendendo que o recurso dos actos praticados pelo chefe da repartição de finanças no processo de execução fiscal que afectem os direitos e interesses legítimos de todos os interessados, e não apenas do executado, estava previsto no art. 355.º do CPT, constituindo uma concretização dos direitos consagrados nos arts. 19.º, alínea c), e 23.º, alínea f), do mesmo código(5-6) - -.
Ora, não há qualquer dúvida que a decisão do Chefe da 1.ª RFG, ao ordenar que o fiel depositário fosse executado no processo ao abrigo do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, constitui decisão que afecta os direitos e interesses legítimos do fiel depositário, pois contende com o património deste.
Por outro lado, afigura-se-nos que a oposição à execução fiscal é um meio de defesa previsto especificamente para o processo de execução fiscal, como resulta do elenco taxativo dos fundamentos que a lei admite como possíveis e que se ajustam à finalidade típica e ao âmbito da execução fiscal (cfr. arts. 233.º e 286.º, n.º 1, do CPT). A execução contra o depositário infiel, permitida excepcionalmente naquele processo (como na execução comum), tem uma natureza e âmbito diversos, assentando tão-só numa decisão do chefe da repartição de finanças que considere que o depositário não cumpriu com a obrigação de apresentação dos bens (7).
Assim, não pode pretender-se subsumir a qualquer das alíneas do art. 286.º, n.º 1, do CPT, os motivos por que o fiel depositário entenda não poder ser responsabilizado nos termos do art. 316.º, alínea a), do CPT. Recordemos aqui que a falta responsabilidade prevista como fundamento de oposição à execução fiscal na alínea b) do art. 286.º, n.º 1, do CPT, se reporta exclusivamente aos casos de responsabilidade subsidiária ou solidária(8), hipótese que não se pode configurar no caso sub judice, em que a responsabilidade do depositário infiel é de natureza completamente distinta(9) .
Note-se, aliás, que a AT nunca notificou o fiel depositário para deduzir oposição, o que, se não é argumento decisivo no sentido da tese que defendemos, pelo menos afasta a possibilidade de se conferir algum efeito a um eventual erro na indicação dos meios de reacção (cfr. art. 64.º, n.º 2, do CPT).

2.2.3 DAS CONSEQUÊNCIAS DA IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL

Importa, agora, averiguar da possibilidade de “convolação” da petição de oposição à execução fiscal em petição de recurso do art. 355.º do CPT, pois o CPT não incluiu o erro na forma do processo entre as nulidades que os arts. 119.°, n.°s l e 2 e 251.°, n.°s l e 4, consideram insanáveis.
Nesse sentido, dispõe o art. 199.°, n.° l, do CPC (aqui supletivamente aplicável ex vi do art. 2.°, alínea f), do CPT)(10) , que o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida na lei.
Admitindo-se que o P...ido possa ser interpretado como de anulação do despacho que ordenou a execução do fiel depositário e que as causas de P...ir invocadas sejam adequadas àquela pretensão, subsiste um obstáculo inultrapassável à “convolação”. É que, ao tempo em que a petição inicial deu entrada na 1.ª RFG, em 1 de Março de 1999, o fiel depositário já não estava em tempo para recorrer do despacho que ordenou a sua execução no processo pelo valor da parte do bem penhorado que a Repartição considerou que ele permitiu fosse vendido. Na verdade, o prazo para interpor tal recurso era de dez dias após a sua notificação, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 355.º do CPT(11), sendo a contagem do mesmo a efectuar nos termos do disposto no CPC, por força do disposto no n.º 3 do art. 49.º do mesmo CPT.
Ora, sendo de considerar que foi dado conhecimento ao fiel depositário do despacho que ordenou a sua execução em 12 de Fevereiro de 1999, verifica-se que o prazo para recorrer judicialmente desse despacho estava já findo quando a petição inicial deu entrada, em 1 de Março de 1996.
A convolação seria, assim, um acto inútil e, por conseguinte, proibido por lei - artigo 137.° do Código de Processo Civil.

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Face ao exposto, o recurso não pode merecer provimento.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:
I - Aquele que é nomeado fiel depositário dos bens penhorados tem, nos termos do disposto no art. 843.° do CPC, aplicável ex vi da alínea f) do art. 2.º do CPT (em vigor à data), os deveres gerais pre-vistos no art. 1187.° do CC, de guardar os bens depositados, avisar o depositante se algum perigo ameaçar a coisa ou se terceiro se arrogar direito sobre ela e restituí-los com os seus frutos, devendo ainda administrá-los com a diligência e zelo de um bom pai de família, prestar contas e apresentar os bens quando para tal lhe for ordenado (art. 854.°, n.° l, do CPC).
II - Nos temos do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, o depositário que incumpra com o dever de apresentação de bens, será executado pela importância do valor dos bens, no

próprio processo, sem prejuízo do procedimento criminal.
III - Ordenada a execução do depositário ao abrigo do disposto no art. 316.º, alínea a), do CPT, por despacho do chefe da repartição de finanças, o meio de reacção contra essa decisão é o previsto no art. 355.º do CPT (em vigor à data).
IV - Ainda que o P...ido e a causa de P...ir invocadas não obstem a que se faça seguir o processo instaurado como oposição à execução fiscal sob a forma de recurso do art. 355.º do CPT, não deve ordenar-se tal “convolação”, por se tratar de acto inútil (e, por isso, proibido, nos termos do art. 137.º do CPC), quando se verifica que na data em que deu entrada a petição inicial estava já esgotado o prazo para o exercício do direito de recurso ao abrigo daquele artigo.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UCs.




(1) Salvo o devido respeito, nada permite concluir que o chamamento do ora Oponente tenha sido «em substituição da Executada», bem pelo contrário. O que consta do despacho do Chefe da 1.ª Repartição de Finanças que ordenou a execução contra o ora Recorrente é que este é chamado na qualidade de depositário infiel, ao abrigo do disposto no art. 316.º do CPT (cfr. cópia do despacho a fls. 220/221), motivo por que a responsabilidade do ora Recorrente é uma responsabilidade originária dele.
(2) As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.
(3) Do despacho referido na nota 1 ressalta apenas que a execução contra o depositário resulta de este ter permitido a venda de parte do prédio penhorado.
(4) Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, nota 6 ao art. 233.º, que corresponde ao art. 316.º do CPT, pág. 976.
(5) Nesse sentido, ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 4.ª edição, nota 7 ao art. 355.º, pág. 795 e entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 31 de Maio de 1995, proferido no processo com o n.º 19.243 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Agosto de 1997, pág. 1614;
- de 14 de Junho de 1995, proferido no processo com o n.º 18.914 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Agosto de 1997, pág. 1705;
- de 18 de Junho de 1997, proferido no processo com o n.º 19.218 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, pág. 1817;
- de 17 de Dezembro de 1997, proferido no processo com o n.º 21.796 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001, pág. 3384;
de 4 de Fevereiro de 1998, proferido no processo com o n.º 22.231, e publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001, pág. 268.
(6) Hoje, e depois da redacção que lhe foi dada pelo art. 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2002), o art. 276.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), disposição que corresponde ao art. 355.º do CPT, prevê expressamente que qualquer terceiro cujos direitos ou interesses legítimos sejam afectados por uma decisão do órgão de execução fiscal, possa recorrer judicialmente (reclamar, na terminologia adoptado pelo CPPT) dessa decisão.
(7) Não cumpre aqui apreciar se tal incumprimento pode ou não verificar-se relativamente a bens imóveis.
(8) Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pág. 879, nota 14 ao art. 204.º, que corresponde ao art. 286.º do CPT.
(9) Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., nota 2 ao art. 233.º, pág. 975.
(10) Hoje, há previsão expressa nesse sentido: os arts. 98.º, n.º 4, do CPPT, e 97.º, n.º 3, da LGT.
(11) Embora o art. 355.º do CPT referisse que o prazo é de oito dias, haverá que atender à adaptação de prazos ordenada pelo art. 6.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, diplomas por que se operou a reforma do CPC, e que determinou a adaptação à regra da continuidade os prazos de natureza processual estabelecidos nos diplomas a que seja subsidiariamente aplicável o disposto no art. 144.º do CPC. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do referido art. 6.º, «Passam a ser de dez dias os prazos cuja duração seja igual ou superior a 5 e inferior a 9 dias».

Lisboa, 19 de Abril de 2005