Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12332/03
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/18/2003
Relator:Ana Paula Portela
Descritores:ACTO PREPARATÓRIO
Sumário:1_A deliberação que autoriza a abertura de um concurso não é constitutiva de direitos , excepto quando a lei imponha a abertura de concurso num dado prazo, para os funcionários em condições de se candidatarem.
2_A revogação desta deliberação só é recorrível , quando proferida no âmbito de um poder discricionário, se o concurso tiver validamente chegado a uma fase constitutiva de direitos para algum dos candidatos, o que não é o caso de o concurso ter sido anulado até ao aviso de abertura em sede de recurso hierárquico.
3_Os actos preparatórios, quando tiverem efeitos lesivos, pode o lesado impugná-los contenciosamente, chamando-se actos destacáveis, o que não é o caso de acto revogatório de deliberação de autorização de abertura de concurso, não imposto por lei.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:M...., identificada nos autos, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC do Porto que rejeitou o recurso por si interposto do despacho de 12/11/01 do Administrador Delegado Regional do Norte do ISSS que revoga por inoportunidade a deliberação do CD do ex-CRSS de 7/6/99, que autorizou a abertura do concurso interno condicionado para um lugar de Chefe de Serviço da carreira médica hospitalar do quadro de pessoal do CRSSN.
Para tanto alega, em conclusão:
“A-(…) B- No caso dos autos, o acto recorrido não veio revogar um simples acto preparatório, que ainda “ não criara qualquer expectativa jurídica a quem quer que fosse”, pois o acto recorrido foi precedido de abundante actividade administrativa , que veio criando expectativas aos candidatos, e definindo os seus méritos relativos, explicitando as suas possibilidades de serem providos na vaga posta a concurso.
C- Face às características específicas deste procedimento_ um concurso interno condicionado, a que só podiam concorrer a Recorrente e o outro candidato_ as expectativas criadas pela simples abertura do concurso revestem uma intensidade muito maior , tendo os candidatos predefinidos a certeza de que um deles será , inevitavelmente o escolhido.
D- Sendo assim, revogar o acto de abertura de um concurso interno condicionado, só com dois candidatos possíveis , é manifestamente lesivo dos seus direitos e interesses à progressão na carreira, não estando por isso em causa um mero acto preparatório, interno à Administração Pública, mas sim um acto com eficácia externa, contenciosamente recorrível.
E-…o tribunal a quo fez , do nº1 do artigo 25º da LPTA, interpretação e aplicação contrárias à Constituição, que infringem o direito ao recurso contencioso consagrado no artigo 268º/4 e afrontam o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares perante a Administração…”

A entidade recorrida conclui as suas alegações da seguinte forma:
“ A deliberação do Ex Conselho Directivo do C…R…S…S…do Norte , que autorizou a abertura do concurso em causa, foi um acto não vinculado legalmente, dentro dos poderes discricionários daquele Conselho Directivo.
Logo, os actos administrativos são por natureza revogáveis , com as excepções legalmente previstas.
Ora o acto revogatório objecto de impugnação contenciosa, não se subsumia a nenhuma das excepções previstas nas alíneas a) a c) do nº1 do art. 140º do CPA , pelo que podia ser praticado , não estando inquinado do vício de violação de lei , por ilegalidade do seu conteúdo.
A revogação dos actos válidos , como o da autorização de abertura de concurso , quando legalmente possível, como o acto “ sub júdice” , tem de se basear na inconveniência ou na inoportunidade do acto revogado, como foi o caso.
Em face de tais fundamentos estamos, claramente, perante um acto interno emanado o exercício de um poder discricionário.”

O MP emite parecer no sentido da negação de provimento ao recurso por estar em causa um acto revogatório de um acto preparatório.

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FACTOS
Dão-se aqui por rep. os factos fixados em 1ª instância , nos termos do art. 713º nº 6 do CPC ex vi art. 749º do CPC e 1º da LPTA.

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O DIREITO
A questão aqui em causa é a de saber se o acto aqui em causa é ou não contenciosamente recorrível.
Ora, é doutrina e jurisprudência uniformes que os actos preparatórios são irrecorríveis, porque não constitutivos de direitos.
E, os actos são preparatórios quando, apesar de indispensáveis no procedimento administrativo, a Administração não fixa a sua posição autoritária lesando directamente interesses legalmente protegidos.
Como resulta do art. 1º nº1 do CPA o procedimento administrativo é a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade administrativa ou à sua execução. (artº 1º nº1 do CPA)
Um procedimento administrativo é constituído por vários actos administrativos, alguns dos quais definitvos e executórios e que se repercutem directamente na esfera jurídica dos interessados e que culmina com o acto final: a decisão referida no artº 120º do CPA.
E, muitos desses actos trâmite ou preparatórios têm apenas um efeito procedimental, isto é, projectam o procedimento um pouco mais além da fase em que se encontrava antes da sua produção; outros actos preparatórios produzem efeitos externos, constituindo eles próprios já uma decisão do procedimento quanto a algum aspecto, todavia, sem serem ainda a decisão final do procedimento, e apenas estes actos preparatórios, podem ser impugnados contenciosamente, chamando-se actos destacáveis.
Neste sentido ver Ac do STA nº 47002 , de 13/03/2001.
E, é também entendimento geral que os actos de abertura de concurso são actos preparatórios , não constitutivos de direitos, a menos que a lei imponha a abertura de concurso em dado prazo, para os funcionários em condições de se candidatarem. ( neste sentido ver Ac. de 21/2/01 do STA, recurso nº 41366).
Um concurso é constituído desde logo por um acto do qual não cabe em princípio recurso contencioso, como seja o acto de abertura de concurso.
Posteriormente, o concurso é constituído por vários actos e operações que não são directamente recorríveis mas que se repercutem quer na decisão de exclusão de algum candidato quer na decisão final de homologação de graduação de candidatos.
Pelo que, quem pretender recorrer de algum destes actos de procedimento tem de o fazer através da interposição de recurso contencioso de anulação do acto final do procedimento.
Neste sentido de que o aviso de abertura de concurso da função pública, constitui acto preparatório, irrecorrível ver Ac. do STA nº 37632 , de 18/12/1997.
Neste sentido, também no Ac. do STA 39257 , de 30/04/1997 , se decidiu que o aviso de abertura de concurso, em princípio, é um mero acto preparatório como tal, irrecorrível, por não ser definitivo, executório ou lesivo.
E que apenas será recorrível se implicar por si, a lesão de direitos e interesses protegidos por norma jurídica invocada pelo recorrente.
É certo que o aviso de abertura de concurso é um acto preparatório , quando não imposto por lei e que até um determinado momento do procedimento pode ser livremente revogado pela administração por não existir um direito constitutivo na esfera jurídica dos candidatos ao mesmo.
Contudo, o presente caso tem particularidades que exigem uma acautelada atenção.
Efectivamente, o acto aqui sindicado foi proferido na sequência de um recurso hierárquico interposto por um dos dois únicos candidatos , o que ficou em segundo lugar, para o superior hierárquico da entidade que abriu o concurso , o respectivo Ministro, do acto de homologação da lista de classificação final do concurso,
Isto é, ocorreu um acto de homologação de lista de candidatos a concurso, que apenas não foi publicada porque entretanto houve um recurso hierárquico interposto pelo classificado em segundo lugar, recurso hierárquico esse que obteve provimento e na sequência do qual foi o procedimento anulado desde o aviso de abertura de concurso, inclusive.
O que significa que o procedimento ficou resumido à deliberação do Conselho Directivo do ex-CRSS que autorizou a abertura do concurso interno condicionado para um lugar de Chefe de Serviço da carreira médica hospitalar.
Isto é, o Ministro ao dar provimento ao recurso hierárquico , por remissão para o parecer que o instruiu determinou a anulação do concurso desde o aviso de abertura de concurso, e apenas isto.
Pelo que, é neste enquadramento jurídico que há que analisar o acto aqui em causa, que não é um acto que revoga o acto de abertura de concurso, mas antes um acto que revoga uma deliberação que autorizou a abertura de um concurso.
O acto de abertura de concurso já não existia, por ter sido anulado pelo Ministro em sede de recurso hierárquico.
Assim, há que analisar que o acto aqui em causa foi proferido, sim, num procedimento administrativo, mas onde apenas passou a existir uma deliberação a autorizar a abertura de concurso.
E, esta é , desde que não imposta por lei, e não tenha constituído quaisquer direitos para os candidatos, o que não acontece se apenas ela está em vigor na ordem jurídica, e não qualquer outro acto do procedimento concursal, livremente revogável:
Em suma:
_A deliberação que autoriza a abertura de um concurso não é constitutiva de direitos , excepto quando a lei imponha a abertura de concurso num dado prazo, para os funcionários em condições de se candidatarem.
_A revogação desta deliberação só é recorrível , quando proferida no âmbito de um poder discricionário, se o concurso tiver validamente chegado a uma fase constitutiva de direitos para algum dos candidatos, o que não é o caso de o concurso ter sido anulado até ao aviso de abertura em sede de recurso hierárquico.
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Em face de todo o exposto Acordam os juízes deste TCA em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 200 euros.
R. e N.
Lisboa, 03/6/18