Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06392/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/01/2010
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS
REGULAMENTO NACIONAL DE ESTÁGIO
EXAME DE ACESSO AO ESTÁGIO DE ADVOCACIA
REGIME DE BOLONHA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - O processo de intimação previsto no art. 109º, nº 1 do CPTA, é um processo principal, urgente, cuja finalidade é a obtenção, por parte do interessado de uma sentença de condenação, mediante a qual o tribunal impõe a adopção de uma conduta, que tanto pode consistir numa acção (conduta positiva ou de facere), como consistir numa abstenção (conduta negativa ou de non facere);

II - Este meio processual obedece ao preenchimento dos requisitos contidos no nº 1 do art. 109º do CPTA: situação de especial urgência carecida de tutela definitiva através da prolação de uma decisão de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia (1º); que a célere intimação se revele indispensável por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar (2º), de acordo com o disposto no artigo 131º, nº 1 do CPTA;

III - Demonstrando as ora recorridas que está aqui em causa um direito fundamental traduzido na possibilidade de acesso à profissão de advogado (cfr. art. 47º, nº 1 da CRP) e que no seu caso concreto, se verifica uma situação de especial urgência carecida de tutela definitiva, através da prolação de uma decisão de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, daquele direito; E, que a célere intimação se revela indispensável por não ser suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, de acordo com o disposto no artigo 131º, nº 1 do CPTA, estão reunidos os requisitos acima indicados;

IV - O art. 9º-A, nº 1 do RNE, ao introduzir o exame nacional de acesso ao estágio, que a lei não contempla, por via regulamentar, viola os arts. 187º e 188º do EOA;

V - Resultando, igualmente, a sua inconstitucionalidade, à luz do nº 7 do artigo 112.º da CRP, por falta de norma de habilitação constante dos artigos 184º, nº 2,187º e 188.º do EOA;

VI - Sendo os candidatos licenciados em Direito, no âmbito do regime de Bolonha, os únicos que o CG quis visar, tal como claramente se vê da alteração introduzida no preâmbulo do RNE pela Deliberação nº 3333-A/2009, tal diferenciação injustificada objectivamente, viola o princípio da igualdade, previsto no art. 13º da CRP e art. 5º, nº 1 do CPA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, intimando a aqui Recorrente a aceitar a inscrição no estágio das AA., sem dependência do exame de acesso ao estágio, a efectuar dia 30.03.2010.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1. O legislador consagrou o meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias como subsidiário dos demais, apenas podendo ser utilizado quando, mesmo no caso legalmente previsto no artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em que a decisão cautelar é mais célere, a adopção da providência cautelar se afigurar impossível — por implicar o esvaziamento da lide principal — ou insuficiente — por, nos termos legalmente definidos, a tramitação do processo principal tornar juridicamente inútil a realização da justiça do caso concreto.
2. Nos termos do artigo 190.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não está na disponibilidade das partes, apenas podendo ser utilizado nos casos em que esteja em causa o desaparecimento da pretensão jurídica, desaparecimento, esse, que não tem lugar no caso concreto.
3. No caso concreto, a posição jurídica das Recorridas teria sido salvaguardada com o decretamento de uma providência cautelar que permitisse a realização da inscrição como advogadas estagiárias independentemente do resultado que obtivessem no exame nacional de acesso ao estágio, requerida nos termos dos artigos 112.º e 131.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
4. A providência cautelar seria, então, acessória de uma acção administrativa especial com vista à declaração de ilegalidade do artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio, com efeitos circunscritos ao caso concreto, nos termos do artigo 73.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cuja não decisão nos prazos previstos para a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não implicaria a inutilidade superveniente da lide promovida pelas Recorridas.
5. Em face da tramitação legalmente definida para este processo principal, a situação jurídica das Recorridas estaria acautelada aquando da emissão de uma pronuncia judicial sobre a validade da norma em causa.
6. O preenchimento dos pressupostos de que depende a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se compadece com a eventual demora processual na emissão de uma sentença no caso concreto, sob pena de este meio processual deixar de ser subsidiário e excepcional.
7. Ao demorarem dois meses a requerer a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sem que para tanto exista qualquer fundamento de facto concreto, é às Recorridas que deve ser imputada a condição de especial urgência que constituí pressuposto deste meio processual.
8. A subsidiariedade e excepcionalidade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias exigem a prévia certeza de que o meio tido por principal não é utilizável.
9. A sentença recorrida presumiu que as Recorridas seriam aprovadas no exame final da primeira fase do estágio — o que constituí um facto incerto e insusceptível de verificação — com vista a alcançar a conclusão de que o meio processual era adequado.
10. Ao admitir a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias como meio processual próprio, a sentença recorrida violou o artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
11. A permissão deste meio processual teve como efeito que a Ordem dos Advogados apenas tivesse três dias para preparar a respectiva resposta, enquanto as Recorridas tiveram dois meses para preparar o seu requerimento, no que fica irremediavelmente violada a igualdade das partes em processo.
12. A competência regulamentar da Ordem dos Advogados em matéria de estágio e de acesso ao estágio não se limita à forma como serão assegurados os estágios ou ao modelo concreto da formação, à estrutura dos serviços, às competências, aos sistemas de avaliação, ao regime de acolhimento, à organização e à realização de exames e agregação nem, tão-pouco, à mera repetição dos enunciados legais previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados.
13. A autonomia regulamentar da Ordem dos Advogados é reconhecida no quadro dos interesses que lhe cabe salvaguardar, os quais são constituídos pelas atribuições expressamente consagradas no artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, entre as quais se inclui zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado, promovendo a formação inicial e permanente dos advogados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos.
14. A instituição de um exame nacional de acesso ao estágio ao abrigo do poder regulamentar da Ordem dos Advogados não restringe o direito de escolha e acesso à profissão consagrado na Constituição, tal como restringido pelo legislador no Estatuto da Ordem dos Advogados, antes estando em causa apenas uma matéria de colisão ou conflito entre posições jurídicas, para cuja composição a Ordem dos Advogados tem competência, ao abrigo do seu poder regulamentar, por não estar em causa matéria submetida à reserva de lei.
15. Ao considerar que o artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio não se integra na esfera de competência regulamentar da Ordem dos Advogados, do que resultaria a sua inconstitucionalidade, à luz do n.º 7 do artigo 112.º da Constituição, por falta de norma de habilitação nos artigos 184.º, n.º 2,187.º e 188.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, a sentença recorrida incorreu em erro na aplicação do Direito.
16. Por outro lado, à luz da mesma fundamentação constante da sentença recorrida, saíram violadas as normas atributivas de poder regulamentar à Ordem dos Advogados sobre a matéria em causa, designadamente o artigo 184.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados.
17. O artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio tem vocação universal, aplicando-se a todos os licenciados em Direito, os quais obtêm esse grau após a conclusão de um período de formação de oito semestres.
18. Não se antevê que no futuro venham a requerer a inscrição na Ordem dos Advogados como advogados estagiários licenciados em Direito com cinco anos de formação académica, inexistindo, deste modo, termo de comparação entre duas situações que permita concluir pela violação do princípio da igualdade.
19. Ainda que se admita que existirão no futuro licenciados em Direito anteriores à instituição do processo de Bolonha que requeiram, a sua inscrição como advogados estagiários, a instituição de um exame nacional de acesso ao estágio aos candidatos que apresentem uma formação de duração inferior a cinco anos é adequada e necessária a aferir, por um lado, e garantir, por outro, que tais candidatos possuem os conhecimentos jurídicos necessários a aceder ao estágio da Ordem dos Advogados, com vista à obtenção do titulo de advogado.
20. Ao considerar que o artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio violou o princípio da igualdade, a sentença recorrida incorreu em erro na aplicação do Direito (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e artigo 13.º da Constituição).

Em contra-alegações defende-se que a sentença recorrida é correcta e não padece de qualquer erro ou vício, devendo manter-se.

O EMMP emitiu parecer a fls. 403 a 410, no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente e a sentença confirmada.

Sem vistos, vem o processo à Conferência.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. O RNE foi aprovado através da Deliberação n.º 3333-A/2009 do CG,
publicada no Diário da República, Série II- n.º 242, de 16.12.2009 (cf. doc. de fls. 53 a 64).
2. As AA. são licenciadas em direito pela Escola de Direito da Universidade do Minho (cf. docs. de fls. 50 a 52).
3. Tendo obtido o grau de licenciadas naquela universidade pública em 14.01.2010 (cf. docs. de fls. 50 a 52).
4. Ambas ingressaram na Escola de Direito da Universidade do Minho no ano lectivo 2004/2005 (cf. docs. de fls. 50 a 52).
5. Em 09.02.2010 a CNEF proferiu a resolução constante de fls. 67.
6. Em 26.02.2010 as AA. inscreveram-se no exame nacional de acesso ao
estágio na OAP, indicando no seu requerimento que se inscreviam sob reserva por considerem ilegal o «regulamento em causa» (cf. docs. de fls. 65 e 66).
7. A presente PI foi apresentada em 12.03.2010, sexta feira, às 14.17h (cf. doc. de fls. 1 ss).
8. Em 30.032010 está agendada a data da realização do exame em Lisboa (acordo.

O Direito
A sentença recorrida julgou procedente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, intimando a aqui Recorrente a aceitar a inscrição no estágio das AA., sem dependência do exame de acesso ao estágio, a efectuar dia 30.03.2010.
Começa a Recorrente Ordem dos Advogados (OA) por alegar que, ao admitir a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias como meio processual próprio, a sentença recorrida violou o artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

1 - Da Impropriedade do Meio Processual
A sentença recorrida apreciou esta questão, uma vez que na sua contestação a aqui Recorrente havia invocado a impropriedade do meio utilizado, nos seguintes termos:
“Em causa está a defesa de um direito, liberdade e garantia - o de acesso livre à profissão de advogado (artigo 47º da CRP), cujo exercício em tempo útil não se compadece com uma providencia provisória e reclama, com urgência, uma decisão de mérito. A apreciação da feitura do exame no dia de amanhã insere-se no âmbito do pedido e cabe ainda na defesa daquele direito. Para além da circunstancia de terem de fazer o exame amanhã a situação das AA também não se compadece com uma decisão provisória e antecipatória, pois o exercício da profissão de advogado, aqui se incluindo de advogado estagiário, ficará coartado ou gravemente prejudicado com aquela provisoriedade, desde logo porque terão sido praticados actos, que caso a acção principal improceda, poderão ficar inquinados pela falta de condições das AA. Como referem as AA., poderão vir até a ser praticados actos forenses após a primeira fase de estágio (com a duração mínima de 6 meses - cf. artigo 188º, n.º 2. do EOA) - e neste caso, verificando-se posteriormente uma decisão definitiva negatória das pretensões das AA., tais actos tornar-se-ão inválidos. Nessa medida, as AA. também não teriam de lançar mão ao meio previsto no artigo 73º, n.º 2, do CPTA. associado a um pedido de suspensão de eficácia de uma norma.
Aliás, os pedidos das AA. não configuram um pedido de desaplicação de uma norma ao seu caso concreto, mas pedidos de intimação a uma conduta concreta, fundados na ilegalidade de uma conduta do R. suportada por um Regulamento e uma resolução. Ora, o novo CPTA concede às partes uma certa margem de escolha quanto ao meio processual utilizado, fazendo depender o meio utilizado da forma como configuram os pedidos e as causas de pedir. Acresce, que o uso do n.º 2, do artigo 73º do CPTA como acção principal (que nas alegações do R. poderia ter utilizado conjuntamente com um pedido de suspensão de norma), é uma faculdade dada pelo legislador aos particulares, face ao n.º 1 da mesma norma, e não uma obrigação ou a única via legal para reagir contra normas.
O uso da presente intimação é também adequado para se fazer valer um pedido de intimação do R. a admitir a inscrição no estágio das AA. como licenciadas em Direito de pleno Direito, sem se terem de submeter ao exame nacional de acesso ao estágio, a realizar a 30.03.2010. pedido que não configura o de desaplicação do Regulamento) do CG ou da Resolução da CNE. Configura antes o pedido à condenação de a uma conduta, por as AA. considerarem que o R. não poderia exigir-lhes a feitura do exame, por as normas que exigem tal exame serem ilegais.
Na perspectiva como as AA. configuram a PI não estão em causa normas que querem ver declaradas ilegais e desaplicadas ao seu caso, mas condutas da R. que querem que sejam tomadas.”

O entendimento perfilhado na sentença recorrida não merece censura.
De facto, o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias cujos pressupostos estão expressos no art 109º do CPTA, é um meio processual urgente, de natureza principal e não cautelar, consistindo numas “das novidades absolutas” do CPTA, conforme dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., 2007, pag, 629 e ss.), sendo um meio processual urgente inovador que se destina a salvaguardar o exercício de direitos, liberdades e garantias, mas cujo êxito está dependente da verificação dos pressupostos legalmente previstos.
Dispõe o art. 109º, nº 1 do CPTA, que:
“1 - A intimação para projecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável ao exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelas segundo o disposto no artigo 131º.”
Daqui se extraí que estamos perante um processo principal, processo de intimação, cuja finalidade é a obtenção, por parte do interessado de uma sentença de condenação, mediante a qual o tribunal impõe a adopção de uma conduta, que tanto pode consistir numa acção (conduta positiva ou de facere), como consistir numa abstenção (conduta negativa ou de non facere).
Retira-se igualmente daquele preceito que estamos perante um processo destinado a proteger direitos, liberdades e garantias, sejam eles pessoais ou patrimoniais, posto que se verifique o preenchimento dos requisitos (dois) contidos no nº 1 do art. 109º do CPTA: situação de especial urgência carecida de tutela definitiva através da prolação de uma decisão de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia (1º); que a célere intimação se revele indispensável por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar (2º), de acordo com o disposto no artigo 131º, nº 1 do CPTA.
Ora, se atentarmos neste 2º requisito - indispensabilidade da célere intimação vemos que a consagração legal deste processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não permite usar tal processo de intimação como uma “(...) via normal de reacção a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias.
A via normal de reacção é a da propositura de uma acção não urgente (acção administrativa comum ou acção administrativa especial), associada à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa acção. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização da via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação. (...)”- Cfr. Autores e obra citados, pag. 631 e ss.
Daí o carácter subsidiário do processo de intimação previsto no art. 109º do CPTA (cfr. sobre os requisitos deste meio processual, Acs deste TCAS de 03.05.07, Proc. 02402/07; de 27.05.07, Proc. 06235/07; de 25.10.07, Proc. 03074/07).
No caso dos autos estão reunidos os requisitos legais acima indicados.
De facto, demonstraram as ora recorridas que está aqui em causa um direito fundamental traduzido na possibilidade de acesso à profissão de advogado (cfr. art. 47º, nº 1 da CRP) e que no seu caso concreto, se verifica uma situação de especial urgência carecida de tutela definitiva, através da prolação de uma decisão de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, daquele direito. E, que a célere intimação se revela indispensável por não ser suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, de acordo com o disposto no artigo 131º, nº 1 do CPTA.
Na verdade, tal como entendeu a sentença recorrida, a situação das Recorridas não seria devidamente acautelada com uma decisão provisória e antecipatória, visto que o exercício da profissão de advogado (incluindo advogado estagiário), ficaria gravemente prejudicado com tal provisoriedade. É que, como alegam as Recorridas, passando à segunda fase do estágio, passarão a praticar actos próprios do estágio de advogado, que caso a acção principal improceda, poderão ficar inquinados pela falta de condições das Recorridas para, sequer, serem admitidas ao estágio (cfr. art. 188º, nº 2 do EOA). E, poderiam, também, completado com sucesso o estágio, ver-se na situação, caso improcedesse a acção principal a intentar na sequência de uma providência cautelar de suspensão de eficácia, de ter de voltar ao princípio, fazendo novos exames de acesso e inutilizando dois ou três anos de estágio e exames positivos que entretanto realizassem, o que seria extremamente gravoso e mesmo desprovido de sentido.
Efectivamente, dificilmente a acção principal seria definitivamente julgada em tempo compatível com o da duração do estágio, já que, tendo em conta a questão que aqui se discute, certamente se tratará de um caso que para além de decisões em 1ª e 2ª instância, terá recurso de revista para o STA e, eventualmente, recurso para o TC, por implicar, precisamente, uma questão de constitucionalidade. Ou seja, verifica-se a indispensabilidade do uso do presente meio processual.
Por outro lado, ao contrário do que pretende a Recorrente, não consideramos que possa ser imputada às Recorridas a condição de especial urgência que constituí pressuposto deste meio processual.
Efectivamente, as aqui Recorridas concluíram a sua licenciatura em 14.01.2010, tendo-se inscrito no exame de acesso em 26.02, e apresentado a petição inicial da presente acção, em juízo, em 12.03.2010. Ou seja, entre a data em que concluíram a licenciatura e a data de entrada em juízo da petição inicial decorreram cerca de dois meses, e, cerca de três semanas entre a sua inscrição no exame e a dedução da presente acção.
Ora, tratando-se, como é o caso, de duas jovens recém licenciadas (de 24 anos), certamente sem experiência de vida e que, em curto prazo tiveram que escolher a profissão de advogado (nada fácil nos tempos que correm) e, mais do que isso, optaram por deduzir a presente acção questionando o exame a que a Recorrente pretendia submetê-las, correndo os riscos inerentes, pode dizer-se que (para além de corajosas), foram céleres no exercício do direito que pretendem fazer valer em juízo, não sendo responsáveis pela situação de urgência verificada.
Quanto à alegada violação da igualdade das partes, por as Recorridas terem disposto de cerca de dois meses para a interposição da acção, e a Recorrente apenas três dias para a contestação, não se verifica, sendo certo que a lei estabelece prazos diferentes para o exercício do direito de acção e para a contestação (cfr., v.g., art. 58, nº 1, al b) ou art. 74º e art. 81º, nº 1, todos do CPTA).
E, a possibilidade de encurtamento do prazo de sete dias para a resposta, previsto no art. 110º, nº 1 do CPTA, decorre do estabelecido no art. 111º, nº 1 do CPTA, e que a Sr.ª Juíza a quo julgou verificada no despacho em que ordenou a citação (cfr. fls. 77/78), não se vendo que a Recorrente tenha sido coarctada no exercício do seu direito de defesa, até face à forma profícua e extensa como se defendeu (cfr. contestação de fls. 86 a 129).
Aliás, o art. 109º do CPTA não estabelece qualquer prazo para lançar mão deste meio processual, sendo certo que o mesmo soçobrará se não for reconhecida a urgência invocada, o que não é aqui o caso, como já se disse.
Nestes termos, entendemos que a sentença recorrida não violou o disposto no art. 109º, nº 1 do CPTA, ao considerar adequado o presente meio processual, improcedendo, consequentemente, as conclusões 1 a 11 do presente recurso.

2 - Do erro de direito
Nas suas conclusões 12 a 20 alega a Recorrente que, ao considerar que o artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio não se integra na esfera de competência regulamentar da Ordem dos Advogados e que violou o princípio da igualdade, a sentença recorrida incorreu em erro na aplicação do Direito.

O que está aqui em causa é saber se a exigência constante nos arts. 9º-A e 10º do Regulamento Nacional de Estágio (RNE), Regulamento 52-A/2005, publicado no Diário da República nº 146, publicado na II série, suplemento de 1 de Agosto de 2005, na alteração que lhe foi introduzida pela Deliberação do Conselho Geral (CG) da Ordem dos Advogados na sua sessão plenária de 28.10.2009 e de 10.12.2009 - Deliberação nº 3333-A/2009 -, de realização de exame nacional de acesso ao estágio, tendo como únicos destinatários os detentores de licenciatura com duração inferior a cinco anos viola o art. 187º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), bem como os arts. 18º, 112, nº 6, 47º, nº 1 e 13º, todos da CRP.

Vejamos.
O artigo 9º-A, introduzido em aditamento ao RNE (como acima indicado), prescreve o seguinte:
“1 - A inscrição preparatória dos candidatos que tenham obtido a sua licenciatura após o Processo de Bolonha será antecedida de um exame de acesso ao estágio, com garantia de anonimato, organizado a nível nacional pela CNA ou por quem o Conselho Geral designar.
2 - O exame nacional de acesso será constituído por uma única prova escrita e incidirá sobre alguma das seguintes disciplinas: direito constitucional, direito criminal, direito administrativo, direito comercial, direito fiscal, direito das obrigações, direito das sucessões, direitos reais, direito da família, direito do trabalho, e, ainda, direito processual penal, direito processual civil processo de trabalho, procedimento administrativo e processo tributário.
3 - Os candidatos que tenham concluído a sua licenciatura, mas que não disponham de certidão comprovativa, poderão, proceder à sua apresentação ate dez dias antes da realização do exame nacional de acesso ao estágio, sob pena de não admissão à realização do mesmo.
4 - Os candidatos aprovados no exame nacional de acesso ao estágio poderão requerer a sua inscrição preparatória nos termos do artigo seguinte.”
Por sua vez, o alterado art. 10º do RNE passou a dispor:
“1 - A inscrição preparatória dos advogados estagiários é deliberada pelo Conselho Distrital competente e importa a inscrição no primeiro curso de estágio que se iniciar posteriormente no respectivo centro de estágio, sem prejuízo de tal inscrição se tornar ineficaz se o Conselho Geral não a confirmar.
(…)
3 - Os candidatos que tenham concluído o grau de Mestre, mas que não disponham de certidão comprovativa, poderá proceder à sua apresentação até dez dias ante do início do curso de estágio sob a comunicação de não admissão ao mesmo.”
As alterações acabadas de transcrever (bem como outras operadas com aquela deliberação do CG da Recorrente), entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010, como decorre do art. 4º do referido RNE, aprovado pela deliberação nº 3333-A/2009.
Do RNE, e, designadamente da aplicação conjugada dos respectivos arts. 9º-A e 10º, resulta que a necessidade de efectivação de exame nacional de acesso ao estágio tem como destinatários os licenciados em Direito que tenham obtido esse grau académico ao abrigo do regime de Bolonha.
Por sua vez, a Comissão Nacional de Estágio e Formação, órgão da Recorrente, reunida a 9 de Fevereiro de 2010, adoptou, por unanimidade resolução no que diz respeito ao Exame Nacional de Acesso ao Estágio, ao abrigo do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 5º do Regulamento Nacional de Estágio, na versão republicada em anexo à Deliberação nº 3333-A/2009, tomou a seguinte resolução:
'“1 - Os candidatos que tenham obtido o seu grau académico ao abrigo do novo modelo de organização do ensino superior no que respeita aos ciclos de estudos, decorrente do Processo de Bolonha e regulamentado através do Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março, apenas serão dispensados da realização do exame nacional de acesso ao estágio previsto no artigo 9º-A do Regulamento Nacional de Estágio na versão republicada em anexo à Deliberação nº 3333-A/2009, publicada no Diário da República, 2ª série, nº 242, de 16 de Dezembro de 2009, se comprovarem ter obtido o grau de Mestre em Direito. Assim sendo, tais candidatos só serão inscritos nos cursos de estágio, nos termos do nº 3 do artigo 10º do citado Regulamento Nacional de Estágio, se tiverem concluído, com aprovação, a totalidade do ciclo de estudos conducente à obtenção daquele grau académico de Mestre, previsto no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março.”
Assim, estão dispensados da realização daquele exame nacional de acesso ao estágio:
a) Os licenciados em direito que tenham obtido o grau antes do processo de Bolonha (art. 9º-A, nº 1 do RNE);
b) Os detentores do grau de mestre (art. 10º, nº 3 do RNE e resolução de 09.02.2010 da CNEF).
O art. 184º do EOA, aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26 de Janeiro dispõe, no seu nº 1 que “O pleno e autónomo exercício da advocacia depende de um tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da actividade e cumpriu com os demais requisitos impostos pelo presente Estatuto e regulamento para a aquisição do título de advogado.
Dispõe, por sua vez, o art. 187º do EOA que:
“Podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados.”
E, o art. 188º, sob a epígrafe Duração do estágio, suas fases e exame final, estabelece que o estágio tem uma duração mínima de dois anos, integrando uma primeira fase com duração mínima de seis meses, após o que ocorrem provas de aferição. Sendo o candidato aprovado nessas provas é-lhe conferido o grau de advogado estagiário, sendo emitida e entregue cédula profissional (cfr. nºs 2 e 3 do preceito referido).
Finda esta segunda fase, o estágio termina com uma avaliação individualizada, “dependendo a atribuição do título de advogado de aprovação em exame nacional de avaliação e agregação.” (cfr. nº 5 do art. 188º).
Resulta, assim, dos preceitos citados, que o EOA, com a natureza que tem, de Lei da Assembleia da República, determina que os licenciados em Direito, podem candidatar-se ao estágio.
É claro que a Recorrente pode regular, através do seu Conselho Geral, o conteúdo de cada fase e exames previstos no Estatuto, mas não se nos afigura que possa criar ex novo outras fases ou novos exames, nomeadamente o exame de acesso aqui em causa (cfr. arts. 3º, nº 1, al. c), 45º, nº 1, al. g), 184º, nºs 1 e 2 e 188º, nº 6 do EOA). Ou seja, não pode estabelecer novas condições de acesso à profissão, até porque, as mesmas já estão fixadas na lei.
De facto, não se encontra no EOA qualquer norma que permita ao Conselho Geral da Recorrente (ou a qualquer outro órgão da mesma) dispor de outro modo quanto aos que se podem candidatar ao estágio nesta profissão.
O art. 45º, nº 1, al. g) do EOA dispõe que compete ao CG elaborar e aprovar os regulamentos de inscrição dos advogados portugueses, o regulamento de inscrição dos advogados estagiários, bem como entre outros, o regulamento de estágio.
No entanto essa norma estatutária que autoriza esse poder regulamentar não permite, obviamente, que os regulamentos vão além do que a lei estabelece.
Ora, o art. 187º do EOA, impõe apenas, como condição para aceder ao estágio, a titularidade, por parte do candidato a estagiário, do grau de licenciado, obtido quer numa universidade nacional, quer numa universidade estrangeira, desde que devidamente reconhecida ou equiparada.
E se o EOA mais não exige do que a titularidade da licenciatura em Direito, não pode o regulamento de estágio, substituir este critério, pelo critério da realização com aprovação de um exame nacional.
Como bem se refere na sentença recorrida:
“O EOA foi minucioso nos artigos 184º e ss. e não remeteu para o CG da OAP a possibilidade de nestas matérias aquele CG regulamentar para além do referido no n.º 2 do artigo 184º e no n.º 6 do artigo 188º do EOA. Aqui foram concedidos ao CG da OAP poderes regulamentares muito concretos, que não abrangem de forma alguma a instituição de um exame de acesso geral ao estágio de licenciados em Direito.
Nessa medida, o CG da OAP ao criar aquele exame extravasou os poderes que lhe foram concedidos pelo legislador no EOA.
Sendo o exame de acesso ao estágio um momento fulcral e essencial no processo de inscrição e de acesso à profissão, teria esse momento estar previsto no EOA, como uma fase anterior ao estágio e não está. Não constando nomeadamente no artigo 188º do EOA, não pode tal exame ser exigido por simples regulamento.”
E, assim, concluiu a sentença recorrida, e bem, que o art. 9º-A, nº 1 do RNE, ao introduzir tal exame nacional de acesso ao estágio, que a lei não contempla, por via regulamentar, viola os arts. 187º e 188º do EOA.
Resultando, igualmente, a sua inconstitucionalidade, à luz do nº 7 do artigo 112.º da CRP, por falta de norma de habilitação constante dos artigos 184º, nº 2,187º e 188.º do EOA.
Por outro lado, a imposição do dito exame, à margem de lei habilitante, e apenas para uma certa categoria de candidatos - os habilitados com licenciatura em Direito segundo o regime de Bolonha -, ou seja, com licenciatura com duração inferior a 5 anos, cria uma desigualdade que a lei não consente.
De facto, como já se disse, a Lei (o EOA), admite como candidatos à profissão de advogado os licenciados em direito e, estes, tanto são os que concluíram a licenciatura antes do regime de Bolonha, como posteriormente a este.
E, se um licenciado em Direito antes do processo de Bolonha pretender, agora, frequentar o estágio de advocacia, acederá ao mesmo sem a realização do exame previsto no art. 9º-A, nº 1 do RNE, enquanto que, qualquer licenciado pós Bolonha terá de realizar esse exame.
Existe, assim, um tratamento diferenciado entre licenciados em Direito, sem qualquer justificação objectiva para tal, sendo certo que, em rigor (e independentemente de qualquer juízo que se formule sobre a qualidade das licenciaturas), a licenciatura é única e o intérprete não pode distinguir onde a lei não distingue.
Assim, e sendo os candidatos licenciados no âmbito do regime de Bolonha, os únicos que o CG quis visar, tal como claramente se vê da alteração introduzida no preâmbulo do RNE pela Deliberação nº 3333-A/2009 (pelas razões aí invocadas), tal diferenciação injustificada objectivamente, viola o princípio da igualdade, previsto no art. 13º da CRP e art. 5º, nº 1 do CPA.
Assim, a sentença recorrida ao ter entendido neste sentido, não enferma do erro de direito que lhe vem apontado, improcedendo as conclusões 12 a 20 da Recorrente.

Pelo exposto, acordam em:
a) - negar provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida;
b) - sem custas por isenção (art. 4, nº 2, al. b) do Regulamento de Custas).

Lisboa, 1 de Julho de 2010
Teresa de Sousa
Benjamim Barbosa
Cristina dos Santos