Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:330/17.2BEALM
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ESTRANGEIROS
EXPULSÃO
AFASTAMENTO COERCIVO
LIMITES
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DEFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:I – De acordo com a actual letra do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, (regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, resulta que nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes).
II – Por força do disposto no art. 12.º do C. Civil, as normas em causa contidas na Lei n.º 23/2007, após a alteração operada pela referida Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, se não se aplicam aos factos e aos efeitos consumados no domínio da lei anterior, vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra (o caso de inexistir decisão final no procedimento ou a ausência de consumação da decisão de expulsão ou afastamento coercivo do território nacional).
III - Perante o deficit instrutório existente relativamente à questão de saber se o Recorrente exerce efectivamente sobre o seu filho, estrangeiro e a residir em Portugal, as responsabilidades parentais e a este assegurando o sustento e a educação, impõe-se a anulação da sentença, com vista a ser completada a instrução do processo e ampliada a matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado (art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC).
Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Fernando ..... (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Almada que julgou improcedente o pedido cautelar por si formulado contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de suspensão do acto administrativo de afastamento coercivo do território nacional.

Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

I. Sobre o despacho proferido, a 9 de outubro de 2017, pelo Tribunal recorrido aferindo a disponibilidade para antecipar o conhecimento do mérito da causa principal nos termos do artigo 121.º do CPTA, refere que a sua oposição deveu-se ao facto de a decisão final do processo principal, proferida nesses termos, teria um efeito meramente devolutivo, colocando o autor, a sua esposa e o seu filho numa situação de excessiva vulnerabilidade.

II. Errou o Tribunal recorrido ao considerar que o ato administrativo, ora em apreço não é ilegal, mesmo estando em colisão com o preceituado no artigo 98º e artigo 123.º da Lei n.º 23/2007 de 4 de Junho, com o artigo 36° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, salientando que os factos alegados como causas invalidantes da decisão da decisão de expulsão.

III. Errou também o Tribunal recorrido, ao considerar que o ato administrativo de decisão de afastamento coercivo (do recorrente) do território nacional se consolidou no tempo, não dando a devida relevância aos direitos constantes no outro prato da balança (artigo 36.º da CRP e artigo I. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e que obrigariam a uma ponderação favorável ao recorrente.

IV. O sumário do Acórdão do STJ n.º 0484/05, refere que, "A legalidade do acto administrativo afere-se, em princípio, pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação (princípio tempus regit actum) ",

V. O princípio tempus regit actum não é um princípio absoluto que veda a possibilidade de alteração de qualquer ato administrativo que se consolide no tempo, mas sim de um princípio, relativo, que limita ao mínimo a alteração dos atos administrativos consolidados no tempo, que não impossibilita a revogação de atos administrativos que por decorrência da alteração da lei se tornem contrários à mesma ou à impugnação de atos nulos.

VI. Acreditamos estar perante um ato jurídico de execução de atos administrativos (decisão de afastamento coercivo), que podem ser impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador.

VII. O Tribunal recorrido deveria ter em conta, não o prazo da impugnação da decisão de afastamento coercivo mas sim o prazo da execução desse ato que só ocorreu no dia 03-05-2017.

VIII. Estando em causa a execução de um ato administrativo por parte do órgão administrativo (execução da decisão de afastamento coercivo) que ofende o conteúdo do núcleo essencial de um direito fundamental do recorrente, da sua esposa e do seu filho (artigo 36.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), é certo que Tribunal não poderia ter ido por outro caminho que não a da nulidade do ato, considerando a não existência de prazo para a sua arguição, não sendo aqui possível, salvo melhor opinião, nesta situado a aplicação do princípio tempus regit actum", bem como o reconhecimento de uma, alegada, exceção de caducidade da ação.

IX. A Mma. Juiz do Tribunal recorrido errou ao não se pronunciar, e pesar convenientemente, o facto de o recorrente ser progenitor do menor ….., titular de Autorização de Residência, cujo desenvolvimento psicológico e físico podem ficar em causa, sobre o qual exerce efetivamente as responsabilidades parentais, contribuindo para o seu sustento e educação.

X. A última alteração da Lei de Estrangeiros (artigo 135.º) consagrou que não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que "Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação”.

XI. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 181/97, que julgou inconstitucional, por violação dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da C.R.P. a norma do Decreto-Lei n.0 15/93, de 22 de Janeiro, quando admitia a expulsão de cidadãos estrangeiros que tivessem filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes no território nacional.

XII. Também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2004 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de diversas normas legais que admitiam a expulsão de cidadãos estrangeiros que tivessem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, por violação dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da CRP.

XIII. Segundo o Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade reside no facto de as normas em causa envolverem "uma de duas consequências: ou a separação entre pais e filhos ou a expulsão - embora indirecta ou consequencial - dos filhos, a fim de poderem acompanhar o progenitor expulso".

XVI. É facto provado que as situações que configuram o limite à expulsão se verificaram após a decisão de afastamento coercivo do território nacional, no entanto antes da sua execução.

XV. Salvo melhor opinião, não decidiu bem o Tribunal recorrido ao considerar válida a decisão de afastamento coercivo, quando o recorrente que se encontra na circunstância descrita (limites à expulsão) na alínea c) do n.º 1 do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07, conduzindo esta norma a que a expulsão não deva ser executada.

XVI. A expulsão do cidadão estrangeiro, nas condições do recorrente, teria uma de duas consequências possíveis: ou o menor teria que acompanhar o progenitor para o estrangeiro, o que equivaleria a uma forma indirecta de expulsão do território, proibida pelo artigo 33.º, n.º 1, da Constituição; ou o menor continuaria a viver em Portugal, mas separado do progenitor expulso, o que contenderia com o disposto no artigo 36.º, n.º 6, do mesmo diploma.

XVII.O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 470/99, de 14 de julho de 1999, julgou inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de março, enquanto aplicável aos cidadãos estrangeiros que tivessem filhos menores de nacionalidade portuguesa, com eles residentes em território nacional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição da República.

XVIII. Com igual fundamento, pelo Acórdão n.º 232/2004, de 31 de Março de 2004, o mesmo Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º n.º 6, da Constituição, das normas do artigo 101.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e e), e 2, do artigo 125.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tivessem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional.

XIX. A atual redação do artigo 135.º da Lei de Estrangeiros, sendo genérica, comporta uma interpretação suscetível de salvaguardar, em qualquer situação, os direitos dos menores tutelados pelos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição, quer a factualidade integradora do limite legal à expulsão ocorra antes, quer após a prlação da decisão de expulsão administrativa.

XX. Deveria o Tribunal recorrido ter tido, forçosamente, em consideração que a ocorrência, posterior à decisão de afastamento coercivo, de qualquer das situações previstas nas alíneas b) e c) do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua atual redação, determina a extinção da decisão de afastamento coercivo, na medida em que ainda não tenha sido cumprida.

XXI. Embora se reconheça aos Estados a legítima preocupação em assegurar a respetiva ordem pública e o consequente direito de controlarem a entrada, a permanência e o afastamento de não-nacionais, o Tribunal Europeu considera que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar têm de ser justificadas por necessidades sociais imperiosas e, além do mais, proporcionadas aos fins legítimos prosseguidos.

XXII. As alterações introduzidas pela Lei n.º 102/2017, de 28/08, na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, artigo esse com natureza sancionatória, na medida em que eliminou pressupostos anteriormente exigidos para limitar a aplicação da decisão de afastamento coercivo (mesmo que o seja com base na permanência ilegal), e em que criou pressupostos diversos dos previstos para esse efeito na lei anterior, tem natureza despenalizadora, devendo-se aplicar a lei mais favorável (artigo 29.º, da Constituição, e 2.º do Código Penal).

XXIII. O Tribunal recorrido considerou a não existência de fumus boni iuris, apenas com a constatação de que não foi alegado e comprovado, pelo recorrente, a existência de um procedimento administrativo com a finalidade do exercício do seu direito ao Reagrupamento familiar, sendo, salvo melhor opinião, curtos os fundamentos apresentados (pelo Tribunal recorrido) que não deveria ter decidido no sentido da inexistência de fumus boni iuris.

XXIV.O recorrente tem direito ao Reagrupamento familiar por viver em união de facto com a Sra. Maria ....., titular de Autorização de Residência, dando entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada da AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL (ação principal) para impugnação de ato administrativo ao abrigo do disposto no artigo 51.º e seguintes e do n.º 1do artigo 58.º do CPTA, com os fundamentos seguintes:

a.- Violação do princípio ne bis in idem;

b.- Viver em união de facto com uma cidadã de titular de Autorização de Residência;

c.- Existência de um filho menor titular de autorização de residência, sobre a qual exerce efetivamente as responsabilidades parentais

d.- Violação do artigo 67º nº 1 da Constituição da República Portuguesa;

e.- Violação do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa;

f.- Violação do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

XXV. O simples facto de não ter feito um agendamento no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras · não podiam ter feito perigar princípios constitucionais e o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

XXVI. A permanência ilegal em Território nacional é um ilícito de mera ordenação social, sendo que os requerentes do pedido de Autorização de Residência, caso não tenham a sua permanência regularizada em Território Nacional regularizam essa situação com o pagamento de coimas, no momento da apresentação do pedido.

XXVII. O Tribunal recorrido também não estava em condições em afirmar e errou ao considerar que o recorrente não cumpria os requisitos para o decretamento da providência cautelar, contrariando o extraído do acórdão do STA, n.º 0857/11.

XXVIII. O particular caso do recorrente, salvo melhor opinião, não deveria ser analisado tendo em atenção as circunstâncias particulares da sua vida, acima referidas, salvaguardando a densificação valorativa do conceito de dignidade humana, devendo, considerar-se a situação em que se encontra como merecedora de tutela, no limite, por razões humanitárias.

XXIX. A não concessão da presente providência pode provocar danos de difícil reparação já que a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, porque a sua viagem imediata para Cabo Verde, separando-o da sua família, pode acarretar prejuízos que se produzirão ao longo do tempo e cuja reintegração da legalidade não seria capaz de reparar ou, pelo menos, de repará-lo integralmente.

XXX. Atendendo às circunstâncias acima referidas, o afastamento coercivo do Recorrente do território nacional, a sua interdição em Portugal por um período de seis anos e a sua inscrição no Sistema de Informação Schengen - SIS, configuraria também uma negação dos valores que enformam o conceito de dignidade humana - "referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais".

XXXI. Deve ser mantida provisoriamente os efeitos da providência cautelar e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ser notificado para se abster de executar a decisão de afastamento advertindo que em caso de incumprimento se aplicarão os mecanismos legais consagrados no n.º 127 do CPTA, até que seja decidido o presente recurso.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, importa apreciar e decidir.




I. 1. Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduz-se em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir, na sequência de uma deficiente apreciação que fez da situação fáctica trazida aos autos (existência de filho menor a cargo) e dos limites à expulsão previstos no actual art. 135.º da lei que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (a redacção actualmente vigente é a dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho), pela não verificação do necessário fumus boni juris e assim ter indeferido a providência requerida.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como indiciariamente assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

a) O Autor foi notificado da decisão da sua expulsão administrativa do território nacional a 28 de Setembro de 2012 (cfr. doc. Nº2 junto com o requerimento inicial).

b) Nessa data o Autor não recorreu da decisão (confissão).

c) Maria ..... em 2013 recebeu a autorização de residência temporária em Portugal (cfr. fls 78 dos autos e acordo).

d) A 19 de Julho de 2016, foi deferido o pedido de reagrupamento familiar formulado por Maria ..... relativamente a Kleiton ..... (doc. nº16 e segs juntos com o requerimento inicial).

e) Antes da data mencionada no facto provado anterior Kleiton ..... vivia em Cabo Verde (confissão e prova documental cfr. doc. nº16 e segs juntos com o requerimento inicial).

f) Kleiton ..... nasceu a 23 de Setembro de 1984 (doc. nº16 e segs juntos com o requerimento inicial).

g) Kleiton ..... é filho de Maria ..... e do Requerente (doc. nº16 e segs juntos com o requerimento inicial).

h) O presente procedimento cautelar foi instaurado a 3 de Maio de 2017 (cfr. fls 1 dos presentes autos).

i) A acção principal dos presentes autos foi instaurada a 15 de Maio de 2017. (cfr. fls 1 dos mencionados autos)

B. Dos Factos Não Provados:

a) O Autor foi notificado da decisão da sua expulsão administrativa a 28 de Dezembro de 2012.


Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, por se encontrar documentalmente comprovado e se tratar de lapso de escrita manifesto, acorda-se em alterar/corrigir o seguinte facto do probatório:

g) Kleiton ..... nasceu a 23 de Setembro de 2004 (doc.s nº 13, 16 e 18, juntos com o requerimento inicial).



II.2. De direito

Estabelecida que se encontra devidamente a matéria de facto, vejamos agora o direito.

Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no âmbito do processo cautelar intentado pelo ora Recorrente, no qual este havia peticionado a suspensão da “execução do processo de afastamento [do território nacional], até que seja decidido a providência cautelar/acção principal.” Em causa está o despacho do então Director Nacional do SEF, proferido em 7.09.2012, que determinou, designadamente, o seu afastamento coercivo do território nacional, a sua interdição de entrada neste por um período de 8 anos e a sua inscrição no sistema Schengen por um período de 3 anos.

O pedido cautelar foi indeferido pela Mma. Juiz a quo com fundamento na não verificação do necessário fumus boni juris, tendo sido considerado que ocorria a caducidade do direito de acção, sendo que relativamente à apreciação da validade do despacho determinativo do afastamento coercivo do território nacional terá que aplicar-se o princípio do tempus regitum actum (a legalidade do acto administrativo afere-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor).

É contra esta posição que o Recorrente se insurge, avançando essencialmente que o tribunal recorrido errou ao considerar válida a execução da decisão de afastamento coercivo, quando este se encontra na circunstância descrita (limites à expulsão) na alínea c) do n.º 1 do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, conduzindo esta norma a que a expulsão não deva ser executada. Vejamos se lhe assiste razão.

Apreciando, dispõe actualmente o artigo 120.º do CPTA (versão que resulta do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro), o seguinte:


Artigo 120.º

Critérios de decisão



1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a adopção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

3 - As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.

4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.”

Não estando em causa o preenchimento do requisito relativo ao periculum in mora, desde logo porque a execução do acto suspendendo que determina o afastamento do Recorrente de território nacional será geradora de uma situação de facto consumado, importa atentar no critério do fumus boni iuris que o Tribunal considerou não verificado, o que levou ao indeferimento da providência.

Do disposto neste artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:

1) “Periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, 1ª parte, do CPTA revisto);

2) “Fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto), e

3) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2, do CPTA revisto).

Como ensina Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, pp. 449 e 450:

Se não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado”. Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco da infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério não pode ser, portanto, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas tem ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar: pense-se no risco da demolição de um edifício ou da liquidação de uma empresa.

Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal: pense-se no risco da interrupção do pagamento de vencimentos ou pensões, que podem ser a principal ou mesmo a única fonte de rendimento do interessado.

Do exposto resulta que as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (cfr., i.a., o ac. de 22.09.2016 deste TCAS, proc. n.º 13468/16; idem o ac. de 20.04.2017, proc. n.º 1197/16.3BESNT, por nós relatado).

Quanto ao requisito do fumus boni juris cumpre destacar que a revisão do CPTA de 2015, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, modificou a sua relevância, quer no que se refere à sua suficiência para o decretamento da providência (situação que o anterior art. 120.º, n.º 1, al. a), previa), quer por via da uniformização do regime no que se refere à comprovação da probabilidade de procedência da acção principal (existente no regime anterior, em que se distinguia, com exigência variável, conforme estivesse em causa uma providência conservatória ou uma providência antecipatória).

Explica Mário Aroso de Almeida, a este propósito, in Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, p. 451, o seguinte: “A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.”.

Do exposto resulta que, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo sumário e perfunctório de probabilidade de procedência da acção principal.

Assim, tendo como pressuposto os limites à expulsão previstos no art. 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, na redacção actualmente vigente (dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho), importa então averiguar duas coisas distintas (ainda que num juízo de prognose e considerando a existência de probabilidade de que a acção principal seja procedente): a primeira atinente à aplicabilidade daquele regime ao caso concreto e a segunda ao preenchimento da previsão da norma invocada no sentido de impedir o afastamento coercivo do território nacional decidido pela autoridade administrativa competente.

O caso que nos trazido a juízo pode enunciar-se resumidamente do seguinte modo: i) o Recorrente foi notificado em 28.09.2012 da decisão administrativa de expulsão do território nacional; ii) na altura, em reclusão, como admite e alega, não tinha fundamento para impugnar essa decisão, uma vez que a sua companheira não era residente legal e o seu filho residia em Cabo Verde; iii) entretanto a sua companheira passou a ser titular de autorização de residência e o seu filho menor veio para Portugal em 2016, no âmbito do exercício do direito ao reagrupamento familiar; iv) no dia da sua libertação (3.05.2017) o Recorrente foi entregue aos Agentes do SEF a fim de ser executada a medida ordenada; v) execução esta que aquele pretende ver suspensa por ser contrária, nos termos da sua alegação, à lei actualmente vigente e à Constituição.

E já vimos que o tribunal a quo entendeu que a acção principal estava votada ao insucesso, uma vez que os factos alegados como causas invalidantes do acto administrativo em apreço ocorreram em data muito posterior à prolação do mesmo, pelo que este não poderia ser considerado ilegal – anulável ou nulo - com fundamento na existência de uma realidade fáctica diferente da ocorrida a quando da sua prolação. Donde, concluiu que a decisão administrativa se havia consolidado na ordem jurídica, na medida em que o dito acto não foi impugnado atempadamente no prazo de 3 meses a contar da sua notificação (art.s 136.º, n.º 2, e 141.º do CPA e arts. 58.º, n.º 2, al. b) e 59.º, n.º 1, do CPTA).

Sucede que da leitura que fazemos da p.i., o que retiramos não é a impugnação, o ataque directo, do acto administrativo prolatado pelo então Director Nacional do SEF em 7.09.2012, o qual determinou, ao que aqui releva, o afastamento coercivo do Recorrente do território nacional.

Deixe-se também já estabelecido que não se está perante caso a inscrever no art. 53.º, nº 3, do CPTA, que prevê que “os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador”, desde logo porque não foi sequer praticado ulterior acto jurídico. Estamos em presença sim de actos e operações materiais de execução, o que constitui o objecto imediato do pedido cautelar.

O que é verdadeiramente pretendido pelo requerente da providência e ora Recorrente é a abstenção da execução das operações materiais relativas ao seu afastamento do território nacional, como aliás resulta expresso do pedido por si efectuado: a suspensão da “execução do processo de afastamento [do território nacional], até que seja decidido a providência cautelar/acção principal.

Com efeito, o Recorrente defende precisamente que o tribunal recorrido deveria ter considerado forçosamente que a ocorrência, posterior à decisão de afastamento coercivo, de qualquer das situações previstas nas alíneas b) e c) do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, na sua actual redacção, determina a extinção da decisão de afastamento coercivo, na medida em que ainda em que esta não tenha sido cumprida.

Deste modo, em causa está o artigo 112.º, nº 2, al. i), do CPTA; ou seja, a intimação para a abstenção de uma conduta por parte da Administração por alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional.

Neste particular referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha que o “artigo 182.º do CPA também estabelece que os atos e operações materiais de execução podem ser objeto de reação contenciosa, em sede cautelar (cfr. artigo 112.º, n.º 2, alínea i), do CPTA) e através de meios declarativos dirigidos a prevenir a sua adoção ou a promover a remoção das suas consequências, quando tais operações sejam ilegais, por motivos que se prendam com o próprio regime de execução” (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., 2017, p. 364). E estas operações materiais, que concretizam no plano dos factos a definição da situação jurídica contida no acto executado, não sendo, por natureza, passiveis de impugnação, podem beneficiar de outras formas de tutela inibitória, reconstitutiva ou mesmo ressarcitória (idem, p. 362).

Feita a necessária correcção do prisma sob o qual o caso concreto trazido a Juízo deve ser analisado, temos então que em causa não está a impugnação do acto administrativo praticado pelo então Director Nacional do SEF – se fosse isso ou apenas isso o decidido em primeira instância estaria correcto –, mas sim a validade da sua execução, atento o quadro legal actualmente vigente.

Importa ter presente que a lei em questão sofreu alteração profunda com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho. Vejamos.

O artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto (aplicável à data da prolação do acto impugnado), dispunha que :


Artigo 135.º

Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão



Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;

b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

Estabelecendo-se no art. 134.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão”, o seguinte:

1 - Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro:

a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português;

b) Que atente contra a segurança nacional ou a ordem pública;

c) Cuja presença ou atividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais;

d) Que interfira de forma abusiva no exercício de direitos de participação política reservados aos cidadãos nacionais;

e) Que tenha praticado atos que, se fossem conhecidos pelas autoridades portuguesas, teriam obstado à sua entrada no País;

f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia;

2 – (…)

3 – (…)

Dispondo actualmente o art. 135.º, após a alteração operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, que:

1 - Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam;

b) Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;

c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.

2 - O disposto no número anterior não é aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes.

Assim, da leitura deste normativo legal resultará que apenas nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes).

Com efeito, a actual redacção do art. 135.º, já plenamente aplicável, não prevê a salvaguarda das situações previstas nas alíneas c) e f) do art. 134.º da Lei n.º 23/2007, enquanto limites à expulsão/afastamento coercivo do território nacional. Pelo que a sucessão das normas legais no tempo aponta para a impossibilidade da execução válida da medida administrativa legalmente adoptada. A “nova lei” - não existindo específicas disposições transitórias, cabe o socorro dos princípios que regem a aplicação da lei no tempo - aplica-se às situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, cujos efeitos subsistem ou estejam ainda em curso à data do início de vigência da nova lei (art. 12.º, n.º 2, do C. Civil).

E tal conclusão é a única que se alcança se olharmos para a exposição de motivos constante do Projecto de Lei n.º 240/XIII/1.ª, que versa precisamente sobre “Reposição de limites à expulsão de cidadãos estrangeiros do território nacional”, onde se pode ler (in www.parlamento.pt):

Qualquer cidadão que cometa um qualquer ilícito em território nacional deve ser punido em conformidade, com as penas previstas na lei penal portuguesa, incluído a pena acessória de expulsão. Porém, não faz sentido que um cidadão nascido em Portugal ou que tenha tido em Portugal a sua formação desde criança, ou que tenha filhos menores em Portugal e que cá permaneçam, possa ser expulso para países com que não têm qualquer ligação, que não têm qualquer responsabilidade por eventuais crimes que tenham sido cometidos, podendo deixar em Portugal filhos menores que serão assim injustamente penalizados.

Os cidadãos que têm em Portugal todas as suas raízes familiares devem ser julgados e punidos em Portugal pelos crimes que cometam. Não faz qualquer sentido que, com a invocação discricionária de razões securitárias, o Estado Português se arrogue o direito de expulsar cidadãos para países com que estes não têm qualquer outra relação que não seja um vínculo formal de nacionalidade que não corresponde à realidade da vida. Por outro lado, a expulsão de cidadãos que deixem em Portugal filhos menores faz recair sobre estes uma penalização que não tem qualquer justificação”.

Donde, por força do disposto no art. 12.º do C. Civil, as normas em causa contidas na Lei n.º 23/2007, após a alteração operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, não se aplicam a factos e efeitos consumados no domínio da lei anterior (seria o caso de a expulsão já ter efectivamente ocorrido), mas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra (o caso de ausência de consumação da expulsão ou afastamento coercivo do território nacional).

Assim, respondendo à primeira das questões anteriormente por nós formuladas, temos que o regime jurídico dos limites à expulsão e afastamento coercivo do território nacional, previstos no actual art. 135.º da Lei n.º 23/2007, é, portanto, aplicável ao caso concreto do ora Recorrente.

Posto isto, é tempo de retomar a segunda questão, esta relativa ao preenchimento da previsão da norma invocada no sentido de impedir o afastamento coercivo do território nacional decidido pela autoridade administrativa competente.

Neste ponto, importará então apurar se o Recorrente assume efectivamente responsabilidades parentais relativamente ao seu filho menor, assegurando-lhe o sustento e a educação. Isto considerando que na economia da presente acção não se mostra aplicável o disposto na alínea d) do nº 1 do citado artigo 135.º (encontrem-se em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam).

Ora, certo é que a factualidade expressa na sentença recorrida não é suficiente para alcançar uma conclusão acerca da alegação oportunamente efectuada na p.i., e reiterada no presente recurso, sobre o facto de o ora Recorrente providenciar sustento e educação ao seu filho menor (Kleiton ...., nascido a 23.09.2004. Ou seja, não permite alcançar uma conclusão segura acerca de o Recorrente exercer efectivamente sobre o seu filho, sendo estrangeiro e a residir em Portugal, as responsabilidades parentais e a este assegurando o sustento e a educação. Não é, assim, por ora, possível responder à enunciada questão.

Aliás, foi oportunamente requerida prova testemunhal e concretamente sobre este tema da prova (cfr. o req. de fls. 64). Neste ponto, a inquirição da mãe do menor em causa afigurar-se-á certamente como esclarecedora, no sentido de permitir ao ora Recorrente demonstrar ter a seu cargo o menor seu filho, exercendo relativamente a este responsabilidades parentais, sustento e educação.

Tanto basta para afirmar a existência de deficit instrutório e com este fundamento, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, terá que revogar-se a sentença recorrida para a necessária ampliação, após a devida instrução da causa, da matéria de facto e posterior decisão com o que vier a ser apurado e tendo presente o quadro normativo supra explicitado (em sentido idêntico, perante situação similar, o nosso acórdão de 21.09.2017, proc. n.º 169/16.2BEALM). Insuficiência factual a ser suprida no Tribunal recorrido, uma vez que os autos não contêm os elementos necessários para que este TCA possa conhecer de tal questão.





III. Conclusões

Sumariando:

I – De acordo com a actual letra do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, (regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, resulta que nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes).

II – Por força do disposto no art. 12.º do C. Civil, as normas em causa contidas na Lei n.º 23/2007, após a alteração operada pela referida Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, se não se aplicam aos factos e aos efeitos consumados no domínio da lei anterior, vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra (o caso de inexistir decisão final no procedimento ou a ausência de consumação da decisão de expulsão ou afastamento coercivo do território nacional).

III - Perante o deficit instrutório existente relativamente à questão de saber se o Recorrente exerce efectivamente sobre o seu filho, estrangeiro e a residir em Portugal, as responsabilidades parentais e a este assegurando o sustento e a educação, impõe-se a anulação da sentença, com vista a ser completada a instrução do processo e ampliada a matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado (art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC).





IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e anular a decisão recorrida; e

- Ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo, para que aí se complete a instrução dos autos nos termos supra apontados e se profira nova decisão em conformidade.

Sem custas.

Notifique.

Lisboa, 5 de Abril de 2018


____________________________
Pedro Marchão Marques


____________________________
Maria Helena Canelas


____________________________
Cristina dos Santos (com voto de vencido)


Voto de vencido:
Julgaria o recurso improcedente confirmando a sentença proferida, pelas razões seguintes.
Conforme declarado no artigo 6 da petição cautelar, o Recorrente, cidadão estrangeiro natural de Cabo Verde, foi notificado pessoalmente no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz em 28.09.2012 do despacho do Director Nacional Adjunto do SEF datado de 07.08.2012 de expulsão do território nacional, doc. a fls. 55 dos autos, como segue. “(..)
1. Aos 28 dias do mês de Setembro de 2012, neste Estabelecimento Prisional do Pinheiro da Cruz onde eu ….., Inspector(a) Adjunto(a), me encontrava em exercícios de funções, notifiquei o cidadão nacional de Cabo Verde, FERNANDO ….., nascido aos 16/12/1986, de que, por decisão do Exmo. Senhor Director Nacional Adjunto do SEF, exarada em 07/08/2012, foi determinada nos termos dos artigos 146.° e seguintes da Lei n.° 23/2007 de 04 de Julho, a sua EXPULSÃO de Território Nacional, pelo facto de ter entrado e permanecer ilegal em Portugal, ao abrigo do disposto na al. a), do n.° l, do art. 134°, do citado diploma legal.
2. A presente decisão de expulsão pode ser judicialmente impugnada, com efeito meramente devolutivo, mediante recurso aos tribunais administrativos nos termos e prazos legalmente fixados no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
3. E ainda notificado, nos termos do n.° l, do art. 160°, da Lei n.° 23/2007, de 04 de Julho, que será afastado de Território Nacional assim que for determinada a sua libertação;
4. Ficará após a sua expulsão interdito de entrar em Portugal por um período de 08 (OITO) anos, contados a partir da data da execução da expulsão, a violação dessa interdição constitui crime previsto e punível, nos termos do n.° l, do art. 187° da Lei 23/2007, de 04 de Julho.
5. Mais se notifica que a referida interdição de entrada será inscrita no Sistema de Informação Schengen-SIS, ficando assim também em vigor para o território das restantes partes contratantes.
6. Nesta data foi-lhe entregue cópia integral da referida decisão de expulsão, que se anexa à presente, constituindo parte integrante da mesma e que aqui se dá por reproduzida.
7. Fica ainda notificado de que o Estado Português garante a sua viagem de regresso por via aérea, bem como o transporte de um peso limitado de bagagem de porão, nomeadamente de uma mala com 30 quilos. Ao peso que ultrapasse estes valores caberá o pagamento por excesso, à Companhia Aérea, que é da exclusiva responsabilidade do passageiro.
8. Para constar se lavrou a presente notificação, da qual afirmou ficar ciente do seu conteúdo, pelo que depois de lida na língua portuguesa, vai assinar.
O Notifícante (assinatura manuscrita) A Testemunha (idem) O Notificado (idem) (..)”.
No artigo 7 da petição cautelar o Recorrente afirma como justificativo de não ter impugnado o despacho que “(..) nessa data não tinha fundamento recorrer da decisão visto que a sua companheira ainda não era residente legal e o seu filho residia em Cabo Verde. (..)”, declaração confessória relevante juridicamente nos termos dos artºs. 356º nº 1, 358º nº 2 e 376º nºs. 1 e 2 C. Civil.
O despacho de 07.08.2012 não vem assacado de invalidade por alegação de factos susceptíveis da possibilidade de o despacho ser nulo; logo, consolidou-se na ordem jurídica “(..) na medida em que não foi impugnado atempadamente no prazo de 3 meses a contar da notificação (artº 136º nº 2 e 141º do CPA e artº 58º nº 2 CPTA) (..)” - conforme sustentado na sentença sob recurso.
Dado que a acção principal impugnatória do despacho de 07.08.2012 se mostra sujeita a prazo de caducidade (3 meses contados de 28.09.2012), ocorre a extinção do processo (artº 123º/1 CPTA) por via desta acção cautelar preliminar ter sido instaurada em 03.05.2017, data da sua libertação por cumprimento da pena, aguardando expulsão no Aeroporto de Lisboa sob custódia do SEF – artigos 15 e 16 da petição.
Lisboa, 05.ABR.2018