Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:64/17.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/19/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:ANULAÇÃO DE VENDA
ERRO SOBRE AS QUALIDADES DO OBJECTO TRANSMITIDO
Sumário:Verifica-se o erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade com o que foi anunciado nos termos do n.º 1 do art. 257.º, n.º 1 alínea a) e art. 908.º, n.º 1 do CPC, que constitui fundamento de anulação de venda, quando é anunciada a venda de um lote de terreno quando já existe uma deliberação da Câmara Municipal a declarar a caducidade do loteamento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida pelo comprador, J..., contra o acto de indeferimento do pedido de anulação da venda do imóvel, denominado lote 141, descrito na CRP de ... sob o artigo 2488º, da freguesia de ..., concelho de ... [venda judicial nº3158.2010.97] levada a efeito no âmbito da execução fiscal nº.... que corre seus termos no Serviço de Finanças de ....

A Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferia pelo Tribunal "a quo", nos autos em que é reclamante J..., que julgou procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto no art.276° e seguintes do CPPT e anulou a decisão recorrida e a venda realizada no âmbito do processo de execução fiscal à margem identificado, por desconformidade com o que foi anunciado no edital.

B) O douto Tribunal de primeira instância considerou que dos autos não resultam provados quaisquer factos passíveis de afectar a sua douta decisão.

C) Não obstante, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende que foram incorrectamente julgados os pontos de facto que constam dos artigos 27°, 47°, 49° do libelo inicial, o que consubstancia erro de julgamento.

D) No artigo 27° da petição inicial, afirma o reclamante, ora recorrido, que: “Isto é, na data em que a Administração Tributária promoveu a venda de um lote de terreno para construção, já o mesmo não tinha aptidão construtiva!!!"

E) No artigo 47° da petição inicial, afirma-se que: "O mesmo é dizer que, por mais voltas que se pretenda dar, o imóvel sobre o qual foi efectuada a promoção de venda por parte da Administração Tributária, não tem, de facto e de direito, qualquer capacidade construtiva".

F) No artigo 49° da petição inicial, afirma-se que: "A realidade do imóvel não corresponde ao que foi anunciado para efeitos de venda num aspecto essencial: a capacidade construtiva do mesmo."

G) Ora, no decurso do processo em primeira instância, a Câmara Municipal de ... foi, por duas vezes, instada a responder a questões colocadas pelo douto Tribunal "a quo", conforme documentos que se encontram juntos aos autos, sendo que estes meios de prova impunham decisão diferente sobre os pontos de facto supra discriminados.

H) Do despacho proferido pela Divisão de Urbanismo do Plano Director Municipal do Município de ... e respectiva informação que lhe precede e lhe serve de fundamento, ambos datados de 23 de Fevereiro de 2017, consta expressamente: no ponto 8 da mesma que: "Na planta de Ordenamento do Plano Director Municipal verificamos que o lote de terreno está classificado quanto ao uso do solo como Espaços Urbanizáveis - Loteamentos aprovados (fig. 2); no ponto 9 que: "Os usos admitidos nesta classe são legislados nos artigos 28° e 29° do Regulamento do Plano Director Municipal (...); e no ponto 11 que: "A análise da Planta de Condicionantes (fig. 3) permite verificar que o local em apreço não é abrangido por restrições de utilidade pública, no entanto, nessa mesma peça gráfica surge representada uma adutora da EPAL que parece incidir sobre o lote de terreno em causa. Uma análise mais detalhada, com recurso ao traçado da referida conduta remetido a esta edilidade pela EPAL (fig. 1), permite concluir que a mesa não afeia o lote de terreno".

l) Outro meio de prova que consideramos que impunha decisão de mérito diversa é a resposta a pedido de informações emitida pela Câmara Municipal de ..., assinada pela Vereadora Arquitecta ..., datada de 04 de maio de 2017, remetida para o Tribunal "a quo" através de ofício n°2079, correspondente ao processo camarário n°2017/600.30.600/1, na qual é afirmado, no segundo parágrafo, que "O entendimento que vem sendo sufragado por este município é de que, nos termos do DL 69/90, de 2 de Março (em vigor à data da aprovação do PDM de ...) tanto o espaço urbano como o urbanizável integram o perímetro urbano, razão pela qual, a parcela de terreno de que o requerente é proprietário está dentro do perímetro urbano"; no terceiro parágrafo que: "Deste modo, é entendimento deste município que o PDM de ... não impede a construção neste espaço, antes a condiciona à existência de infraestruturas que, não têm, contudo, de ser efectuadas através de loteamento. Por essa razão, o n°2 do artigo 29° do PDM de ... prevê as regras a que devem obedecer as construções em espaço urbanizável, definindo índice de construção e altura máxima dos edifícios"; no quarto e último parágrafo que: "Assim, tem entendido o município que desde que estejam asseguradas as infraestruturas, nada impede o licenciamento de um edifício sem necessidade de loteamento prévio. Deste modo, sem embargo de não nos ser possível, com os elementos facultados, responder com precisão às perguntas formuladas - o que apenas será possível mediante a submissão de uma pretensão concreta - poderemos informar que, desde que a parcela de terreno em causa esteja servida das infraestruturas necessárias, poderá ter lugar o licenciamento de uma edificação com respeito pelos parâmetros do PDM e demais normas urbanísticas aplicáveis, sem necessidade de aprovação de novo loteamento local".

J) Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" não tem suporte razoável nos dois meios de prova supra mencionados, pelo que, no entender da Representação da Fazenda Pública, deveriam ter sido dados como não provados os pontos de factos constantes dos artigos 27°, 47°, 49° do libelo inicial.

K) Quanto à matéria de Direito, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, discordamos da solução jurídica consagrada pelo douto Tribunal "a quo" para o caso concreto, porquanto, em primeiro lugar, em nosso entender, não constam dos autos elementos probatórios que permitam concluir que o terreno que foi objecto de venda no âmbito do processo executivo supra identificado não tinha, à data da adjudicação ao ora recorrido, capacidade construtiva.

L) Ora, antes de mais é importante salientar que o reclamante, ora recorrido, formulou a sua pretensão com base em documento que juntou aos autos após a apresentação da petição inicial: a certidão emitida pela Câmara Municipal de ... n°166/2015, emitida em 13 de Abril de 2015.

M) Não obstante, no decurso do processo em primeira instância, aquela edilidade foi, por duas vezes, instada a responder a questões colocadas pelo douto Tribunal "a quo", esclarecendo-se que a questão de direito urbanístico subjacente ao pedido formulado pelo ora recorrido, vai muito mais além do conteúdo descritivo da certidão n°166/2015 emitida em 13 de Abril de 2015 pela Câmara Municipal de ....

N) É que, a certidão n°166/2015 atesta que o licenciamento aprovado para o lote 141 foi declarado caduco em 11 de Fevereiro de 2004, em data muito anterior à declaração de caducidade do loteamento em que se insere e que ao imóvel em causa são oponíveis todos os efeitos decorrentes da caducidade do loteamento, inviabilizando o licenciamento de quaisquer construções.

O) Mas na verdade, uma vez oficiada pelo Tribunal "a quo", certo é que a Câmara Municipal de ... veio admitir, através de despacho proferido pela Divisão de Urbanismo do Plano Director Municipal do Município de ... e da respectiva informação que lhe precede e lhe serve de fundamento, ambos datados de 23 de Fevereiro de 2017, que "Na Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal verificamos que o lote de terreno está classificado quanto ao uso do solo como Espaços Urbanizáveis - Loteamentos aprovados (fig.2) (...). A análise da Planta de Condicionantes (fig.3) permite verificar que o local em apreço não é abrangido por restrições de utilidade pública, no entanto, nessa mesma peça gráfica surge representada uma adutora da EPAL que parece incidir sobre o lote de terreno em causa. Uma análise mais detalhada, com recurso ao traçado da referida conduta remetido a esta edilidade pela EPAL (fig. 1), permite concluir que a mesma não afeia o lote de terreno".

P) Assim, a operação de loteamento aqui em apreço recai em área abrangida pelo Plano Municipal de ....

Q) Além disso, o terreno vendido em execução fiscal ao reclamante, ora recorrido, é classificado como espaço urbanizável, segundo o Regulamento do Plano de Director Municipal de ..., situando-se em aglomerado urbano e em local onde não é vedada a construção, não sendo abrangido por restrições de utilidade pública.

R) Novamente oficiada pelo Tribunal de primeira instância, aquela edilidade vem apresentar nos autos uma resposta (assinada pela Vereadora Arquitecta ..., datada de 04 de maio de 2017 e remetida para o Tribunal "a quo" através de ofício n°2079) que nada tem de conclusivo quanto à situação que importava esclarecer.

S) De facto, naquela resposta, consta expressamente que: "a parcela de terreno de que o requerente é proprietário está dentro do perímetro urbano. Deste modo, é entendimento deste município que o PDM de ... não impede a construção neste espaço, antes a condiciona à existência de infraestruturas, que não têm, contudo, de ser efectuadas através de loteamento (...). Deste modo, em embargo de não nos ser possível, com os elementos facultados, responder com precisão às perguntas formuladas - o que apenas será possível mediante a submissão de uma pretensão concreta - poderemos informar que, desde que a parcela de terreno em causa esteja servida das infraestrutruras necessárias, poderá ter lugar o licenciamento de uma edificação com respeito pelos parâmetros do PDM e demais normas urbanísticas aplicáveis, sem necessidade de aprovação de novo loteamento para o local".

T) Assim, e atendendo à ambiguidade do teor da resposta da Câmara Municipal de ..., edilidade que admite expressamente reservas na informação prestada aos autos, optando por o fazer de forma completamente abstracta e não concreta, impunha-se ao douto Tribunal "a quo" que solicitasse esclarecimento concreto àquela entidade sobre se o terreno em causa dispõe de infraestruturas necessárias de forma a que a edificação possa ser efectuada apenas com base no seu licenciamento, sem carecimento de aprovação de novo loteamento, o que não foi feito.

U) De facto, se o douto Tribunal de primeira instância tivesse apurado a existência de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização colectiva, bem como de infraestruturas e equipamentos de utilização colectiva, associadas a esta operação de loteamento em concreto, a conclusão da douta Sentença proferida teria, necessariamente, que ser no sentido da improcedência da reclamação apresentada.

V) Em nosso modesto entendimento, sem conhecer todos os factos necessários à boa realização da justiça, a decisão do douto Tribunal "a quo" mostra-se incorrectamente fundamentada de direito, fundando-se a conclusão de que o terreno não possui capacidade construtiva em inexistentes meios de prova que apontem, de forma expressa e clara, nesse sentido.

W) Contrariamente ao que é afirmado na douta Sentença proferida, não se veio a apurar nos autos de primeira instância se, efectivamente, o ora recorrido terá que requerer novo alvará de loteamento para ser possível construir naquele local, ou se o mesmo já dispõe das infraestruturas necessárias, o que implicará que o mesmo apenas tenha que requerer licença de edificação (o que, aliás, teria que fazer ainda que o alvará de loteamento não tivesse caducado).

X) Sem prescindir, de uma operação de loteamento resulta sempre a criação de unidades prediais que se configuram como lotes urbanos, isto é, como prédios autónomos, que se destinam, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana.

Y) De facto, a alínea i) do art.2° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante, RJUE), aprovado pelo DL n°555/99, de 16 de Dezembro, com as posteriores alterações, define a operação de loteamento como "as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento".

Z) Poderá ainda afirmar-se (com Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação -Comentado, 3ª edição, p. 58) que lote, no rigoroso sentido técnico com que operamos, é apenas o novo prédio para o qual "é definida uma concreta área de construção, área de implantação, números de pisos e número de fogos (cfr. alínea e) do n°1 do art 77° do RJUE)".

AA) Do alvará de loteamento, que serve de título à respectiva licença, constam um conjunto de prescrições que são fundamentais na determinação dos deveres e dos encargos a assumir pelo promotor do loteamento, deveres e encargos estes que visam, justamente, garantir que a edificabilidade prevista para a área tem condições para poder ser nela concretizada.

BB) De entre esses deveres constam, precisamente, aqueles que se destinam a garantir a obtenção de um adequado ordenamento do território e ambiente urbano exigidos devido ao impacto territorial que decorre da edificabilidade prevista para cada lote: a necessidade de os lotes serem servidos por áreas destinadas a espaços verdes e de utilização colectiva, infraestruturas e equipamentos de utilização colectiva.

CC) Uma operação de loteamento gera, por isso, lotes urbanos e parcelas – áreas que no loteamento se destinam a zonas verdes, a zonas de utilização colectiva, a infraestruturas e a equipamentos, quer sejam cedidas ao município, quer permaneçam propriedade privada.

DD) Ao promotor do loteamento cabe o encargo de "dotar a área de todas as características destinadas a servir as edificações a erigir, designadamente as necessárias a garantir qualidade de vida dos futuros utentes ou residentes", promovendo a operação de loteamento através da "previsão das áreas destinadas a espaços verdes e de utilização colectiva, a infraestruturas viárias e a equipamentos, de acordo com os parâmetros de dimensionamento constantes de plano municipal de ordenamento do território (n°1 do artigo 43°), áreas essas que tanto podem permanecer propriedade privada, como ser cedidas ao município (cfr. Artigo 44.°) (Fernanda Paula Oliveira, In Escritos Práticos de Direito do Urbanismo, 2017, Almedina, página 83.)

EE) "O promotor do loteamento tem ainda, por forma a permitir o cumprimento do fim a que se encontram destinados os lotes (...), de realizar as respectivas obras de urbanização (Fernanda Paula Oliveira, In Escritos Práticos de Direito do Urbanismo, 2017, Almedina, página 83.)" prestando caução, obrigatória, que garanta a sua regular execução, nos termos do disposto no art.54° do RJUE, e de pagar a taxa plena realização de infraestruturas urbanísticas (art.116° do RJUE), que corresponde à contrapartida da realização, pelo município, de infraestruturas gerais originadas pela operação do loteamento.

FF) Esta caução, não Obstante a solução normativa nesta matéria possa levar a entender de forma diferente, tem como verdadeira função garantir terceiros adquirentes de lotes perante a inércia do loteador ou da Câmara Municipal.

GG) "a caducidade do alvará de loteamento pode ser revertida, na medida em que, tendo sido prestado caução (que se traduz mim dever do promotor), existem vias alternativas para que as obras de urbanização venham a ser realizadas e, deste modo, para que se possa concretizar a edificabilidade prevista para cada lote"(Fernanda Paula Oliveira, In Escritos Práticos de Direito do Urbanismo, 2017, Almedina, página 87.)

HH) Ao abrigo da disposição legal do art.84° do RJUE, a Câmara Municipal pode realizar as obras de urbanização à conta do promotor do loteamento, utilizando, para o efeito, a caução prestada.

II) Por outro lado, no caso de a Câmara não realizar, ao abrigo do disposto no artº84° do RJUE, as obras de urbanização, o artigo 85° do mesmo diploma legal admite que o adquirente do lote possa realizá-las por conta do promotor, requerendo para o efeito autorização judicial para a utilização da caução prestada.

JJ) De facto, o RJUE estabelece quais são os efeitos que decorrem da declaração de caducidade do alvará de loteamento, mas apenas e só no pressuposto de as obras de urbanização não terem sido realizadas e, por isso os lotes não poderem ser destinados a edificação urbana, por não estarem por ela servidos.

KK) Por outras palavras, a caducidade do alvará de loteamento, tendo como efeito, em regra, o desaparecimento dos lotes, enquanto coisas jurídicas, não produz inexoravelmente essa consequência, admitindo a lei a sobrevivência de alguns desses lotes, ou mesmo todos, à declaração de caducidade.

LL) Ora, no caso concreto, e reiterando o supra alegado, dos elementos probatórios juntos aos autos não consta qualquer documento emitido pela Câmara Municipal de ... no qual se diga expressamente que não foram realizadas as necessárias infraestruturas urbanísticas, pelo promotor do loteamento ou até mesmo por aquela edilidade,

MM) sendo certo que, no caso de ter sido prestada caução pelo promotor do loteamento, o ora recorrido, terceiro adquirente, vê assegurada a sua posição jurídica perante a possibilidade de ter existido inércia do promotor do loteamento ou da Câmara Municipal de ... na realização das infraestruturas supra mencionadas.

NN) Aliás, a última resposta elaborada pela Câmara Municipal de ... ao douto Tribunal "a quo" (assinada pela Vereadora Arquitecta ..., datada de 04 de maio de 2017 e remetida para o Tribunal "a quo" através de ofício n°2079) menciona expressamente, in fine, que "desde que a parcela de terreno em causa esteja servida das infraestrutruras necessárias, poderá ter lugar o licenciamento de uma edificação com respeito pelos parâmetros do PDM e demais normas urbanísticas aplicáveis, sem necessidade de aprovação de novo loteamento para o local".

OO) Assim, é a própria entidade competente para a emanação de licença e para a emissão de alvará que afirma que, no caso de já se encontrarem realizadas as infraestruturas necessárias, não há necessidade de aprovação de novo loteamento para o terreno aqui em causa!

PP) Por outro lado, uma operação de loteamento - tradicionalmente, uma operação de divisão fundiária e agora também de reparcelamento do solo - resulta sempre a criação de unidades prediais que se configuram como lotes urbanos, isto é, como prédios autónomos, novos prédios urbanos perfeitamente individualizados (aliás, do próprio alvará de loteamento consta expressamente a concreta área de construção, a área de implantação, o número de pisos e o número de fogos dos edifícios a neles implantar, com indicação dos fogos destinados a habitação a custos controlados quando previstos).

QQ) O Instituto dos Registos e do Notariado vem defendendo uma posição, que subscrevemos na íntegra, que consta da deliberação proferida no âmbito do Processo RP 52/2013 STJ - CC, segundo a qual a caducidade do alvará de loteamento não apaga a divisão fundiária subjacente, não operando a reversão dos lotes (agora parcelas, que mantêm a mesma descrição predial) para o prédio originário nem criando situações complexas de compropriedade.

RR) «Uma vez declarada, o que esta caducidade não provoca, de acordo com o entendimento de há muito sufragado pelo órgão consultivo deste Instituto (e da antecedente Direcção-Geral dos Registos e do Notariado), é a destruição do efeito real da transformação fundiária coetâneo da eficácia do ato de aprovação do loteamento: os lotes afectados pela caducidade (cfr. n°7 do art.71° do RJUE), apesar dela, não perdem o fundamental e básico estatuto de prédio. Mas o que sim perdem, em contrapartida, é o qualificativo de lote, naquele preciso sentido visto: de prédio destinado a edificação nos termos definidos no ato de aprovação do loteamento sob cuja égide foi criado. (...) Se a caducidade do ato de aprovação do loteamento não põe em causa a básica condição de prédio dos lotes por ela atingidos - os lotes deixam de ser lotes, mas não deixam de ser prédios -, nós não vemos obstáculo a que tais prédios, não obstante a vicissitude ocorrida, ainda assim não possam ser objecto de negócios enquanto prédios urbanos compostos por terrenos que as partes destinem a construção. Quer dizer: por já não serem lotes, a destinação a edificação não é mais uma qualidade intrínseca de tais prédios, densificada nas especificações do ato de aprovação; o ius aedificandi inerente, pela caducidade, ficou suspenso. Mas se pela caducidade os lotes deixam de ser lotes mas não deixam de ser prédios, então parece lógico que o respectivo estatuto não seja diverso ("menor") do que aquele que se reconhece a qualquer outro prédio passível de ser objecto de relações jurídico-privadas (...) E depois, porque a caducidade da licença (ou ato equivalente) com frequência não representará o "capitulo final" da vida da operação de loteamento em que o surgimento do prédio se deu. Na verdade, admitindo a lei que o titular da licença ou da admissão da comunicação prévia que haja caducado possa requerer novo ato de aprovação (cfr. 72° do RJUE), e prevendo ainda a lei situações de emissão oficiosa de novo alvará (cfr. arts. 84°/4 e 85°/9 RJUE), será da ordem natural das coisas, parece-nos, que os titulares dos lotes atingidos pela caducidade não raro tenham fundadas razões para confiar na superveniência da nova aprovação do loteamento, e na consequente recuperação, pelo seu prédio, do qualidade de lote. E o que se mostra consentâneo com tal horizonte de expectativa - de harmonia como quadro legal estabelecido - é que o prédio, tanto jurídica como economicamente, pese embora a "pendência" dos efeitos da caducidade, continue a ser tratado e negociado como prédio urbano composto por terreno para construção (In Deliberação proferida pelo Instituto dos Registos e do Notariado RP 52/2013 STJ-CC, disponível em http://www.irn.mi.Dt/sections/irn/doutrina/Dareceres/predial/2013/p-rp-52-2013-stj-cc/downloadFile/file/R P52-2013 STJ -CC. pdf?nocache=1380646524.34.».

SS) O Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a pronunciar-se sobre questão semelhante à dos presentes autos, em que estava em causa a incidência a Contribuição Autárquica de prédio relativamente ao qual foi declarada a caducidade do alvará de loteamento, por não terem sido concluídas no prazo fixado as respectivas obras de urbanização, tendo-se concluído, em suma que: "Ora, sendo certo que, aquando da aquisição por parte de recorrente, já estava declarada a caducidade do loteamento, o certo é que a tal aquisição não obstou essa caducidade, e que não se noticia que o respectivo contrato haja sido declarado nulo ou anulado. Por outro lado, as parcelas adquiridas estão situadas em zona de aglomerado urbano, e foi declarado, na escritura de aquisição, o seu destino à construção urbana. Certo que para tais terrenos não se acha aprovada qualquer construção - mas também se não prova que «as entidades competentes vedam toda e qualquer licença de construção».
Acresce que, ainda que se recuse aos terrenos autonomia jurídica, a definição de prédio adoptada pelo CCA, não exige, de acordo com o artigo 2° n° 1, que se trate de fracções do território juridicamente individualizadas.
E note-se, por último, que, a considerar-se que o conjunto dos lotes regrediu, por força do cancelamento do alvará, a situação anterior, em que havia um único prédio, rústico, este prédio, admitindo que todos os lotes foram transaccionados, e que subsistem essas transacções, não teria proprietário - e, consequentemente, não haveria sujeito passivo das relações jurídicas, tributárias ou outras, que lhe respeitassem. 3.5. Afigura-se, pelo exposto, que podemos estar perante uma realidade jurídica - a existência de um único prédio rústico, pré-existente ao loteamento - francamente distinta da económica. Esta última consubstancia-se, antes, na existência de várias parcelas de terreno situadas dentro de aglomerado urbano, física e economicamente autónomas, transaccionadas como lotes resultantes de uma operação de loteamento, destinadas à construção urbana, mediante contrato que permanece válido, sendo que o recorrente é, quer por força do contrato, quer pela da presunção do artigo 8° n° 4 do Código da Contribuição Autárquica, proprietário de 29 delas. A tributação da realidade jurídica, tal qual a configurámos, constituiria um impossível, desde logo pela inexistência de sujeito passivo. E a falta de tributação dos terrenos em causa - quer enquanto unidade jurídica, quer enquanto parcelas resultantes da sua divisão - afrontaria, claramente, o CCA, cujos artigos iniciais não permitem excluir da incidência do imposto qualquer fracção de território, integrada no património de quem quer que seja, com valor económico, por controversa que se apresente a sua qualificação jurídica.
Em súmula, e como se afirmou no acórdão de 28 de Novembro de 2007, proferido no processo n°766/07, em que, por semelhante o caso e identidade de recorrente, eram de igual teor as alegações de recurso, e com cuja fundamentação concordamos, por isso que aqui a vimos seguindo de perto, «estamos perante prédios urbanos, com a categoria de terreno para construção, ou, caso assim se não entenda, com a categoria de outros, por não se encontrarem abrangidas pelo disposto no n°2 do artigo 3° CCA, e, como tal, sujeitos a contribuição autárquica, nos termos dos artigos 6°, n°s 1, als. c) e d), 3 e 4 do mesmo CCA»" (acórdão de 31-01-2008, proferido no âmbito do processo n.° 0764/07, disponível em www.dgsi.pt) - destaque nosso.

TT) Na mesma senda, veja-se o Aresto do Supremo Tribunal Administrativo proferido 28-11-2007,no âmbito do processo n°0766/07, cujo entendimento sufragamos na íntegra e que do qual transcrevemos excerto: "tratando-se de parcelas de terreno, física e juridicamente delimitadas, quer no título aquisitivo, quer no alvará de loteamento, situadas em aglomerado urbano, em local onde não é vedada a construção, com obras de urbanização já executadas, é evidente que, conforme declarado no título aquisitivo, estamos perante prédios urbanos, com a categoria de terreno para construção, ou, caso assim se não entenda, com a categoria de outros, por não se encontrarem abrangidas pelo disposto no n°2 do artigo 3° CCA, e, como tal, sujeitos a contribuição autárquica, nos termos dos artigos 6°, n.°s 1, als. c) e d), 3 e 4 do mesmo CCA".

UU) É precisamente nesse sentido que dispõe a alínea c) do n°7 do art 71° do RJUE, segundo a qual a caducidade não produz efeitos, ainda, quanto à divisão ou reparcelamento fundiário resultante da operação de loteamento, mantendo-se os lotes constituídos por esta operação, a respectiva área e localização.

VV) Ou seja, caducado o loteamento, não desaparecem as novas unidades prediais que dele haviam resultado.

WW) Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, consta expressamente do despacho proferido pela Divisão de Urbanismo Plano Director Municipal do Município de ... e da informação que lhe precede, ambos datados de 23/02/2017, documento que se encontra junto aos autos, o lote n°141 está situado em zona de aglomerado urbano, classificado como espaço urbanizável - loteamentos aprovados e situado em zona não abrangida por qualquer restrição de utilidade pública.

XX) Assim, não ficou provado que a entidade competente vedasse qualquer licença de construção na área abrangida pela operação de loteamento, muito pelo contrário.

YY) Ora, estabelece o n°1 do art.72° do RJUE que «O titular de licença ou comunicação prévia que haja caducado pode requerer nova licença ou apresentar nova comunicação prévia».

ZZ) Na verdade, se já foi concedida licença de loteamento relativamente ao imóvel supra identificado, tal facto significa que o presidente da Câmara Municipal de ... apurou não estarem verificados, no caso concreto, as situações taxativamente previstas no n°1 do art.24° do RJUE, o que significa que nada impedirá o reclamante e ora recorrido, enquanto proprietário do imóvel, de requerer novo alvará de loteamento.

AAA) O mesmo é dizer, com base nos fundamentos supra expostos, que, não obstante o prédio supra identificado ter perdido a qualidade de lote, a admitir-se a caducidade do alvará do loteamento - o que apenas se coloca por mera hipótese de raciocínio -, tal não significa que o mesmo tenha perdido a sua aptidão construtiva.

BBB) Quanto à ocorrência de erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade deste com o que foi anunciado, dispõe o artigo 251° do Código Civil, aplicável às relações jurídico tributárias por força do disposto na alínea d) do art.2° da LGT, que «O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratório ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247°».

CCC) O erro sobre as qualidades do objecto, por falta de conformidade com o que foi anunciado constitui vício da vontade, denominado, segundo as regras gerais do negócio jurídico por erro-vício, porquanto "traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio (Mota Pinto, Carlos Alberto da, In Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, 1999, Coimbra Editora, Página 505)

DDD) De facto, no contexto deste erro-vício, o declarante "se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - (...) não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. Trata-se, pois, de um erro nos motivos determinantes da vontade (...) (In Ob. Cit., página 506)".

EEE) Mais concretamente, relativamente à venda em processo executivo, considera Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 257° do CPPT, que "o erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios"(In Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado. Volume IV, 6.ª edição 2011, página 179.), entendimento que sufragamos.

FFF) No edital através do qual foi anunciada a venda em processo executivo do lote melhor identificado nos autos, consta expressamente como identificação do bem a seguinte menção: "Terreno para construção em .... Tem 180 m2 de área total; é o Lote 141 sito na ... (...)".

GGG) De acordo com o n°3 do art.6° do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, "Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos público".

HHH) Ora, certo é que, conforme consta expressamente do despacho proferido pela Divisão de Urbanismo Plano Director Municipal do Município de ... e da informação que lhe precede, ambos datados de 23/02/2017, documento que se encontra junto aos autos, o lote n°141 está situado em zona de aglomerado urbano, classificado como espaço urbanizável - loteamentos aprovados e situado em zona não abrangida por qualquer restrição de utilidade pública.

Ill) Por outro lado, não ficou provado nos autos que a entidade competente para a emanação de licença vedasse qualquer licença de construção na área abrangida pela operação de loteamento, muito pelo contrário.

JJJ) Conforme se comprova pelos documentos probatórios que integram os presentes autos, emitidos pela Câmara Municipal de ..., a caducidade do alvará de loteamento não se terá devido à desconformidade da operação de loteamento anteriormente aprovada com qualquer plano de ordenamento do território ou com outro facto impeditivo de qualquer construção ou edificação nesse espaço.

KKK) Acresce ainda que, conforme supra mencionamos, não obstante a caducidade do alvará de loteamento, o imóvel vendido não poderá deixar de ser classificado como prédio urbano composto por terreno que as partes destinem a construção,

LLL) pois que, a caducidade do alvará de loteamento não apaga a divisão fundiária subjacente, não operando a reversão dos lotes (agora parcelas, que mantêm a mesma descrição predial) para o prédio originário.

MMM) Pelo exposto, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a solução jurídica perfilhada na Sentença de primeira instância não é a correcta, pois que, considerando os fundamentos de facto e de direito supra invocados, não existe qualquer divergência entre as qualidades do objecto vendido e o teor do edital que anunciou a sua venda.

NNN) De facto, não se comprova nos autos que tenha existido erro nos motivos determinantes da vontade do recorrido, adquirente do imóvel anunciado, pois que o mesmo, de facto, adquiriu um terreno para construção, com aptidão construtiva, situado em aglomerado urbano e em zona classificada pelo Regulamento Plano Director Municipal de ... como espaço urbanizável, sem qualquer restrição de utilidade pública que o afecte e que, não obstante a caducidade do alvará de loteamento, mantém-se uma parcela de terreno, física e juridicamente delimitada, destinada a construção, e que poderá, inclusivamente, encontrar-se já servida de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização colectiva, bem como de infraestruturas e equipamentos de utilização colectiva.

OOO) Pelo exposto, e com base em tudo o que supra alegamos, dever-se-á concluir que os argumentos em que a douta Sentença recorrida se baseia para fundamentar a ocorrência de erro sobre as qualidades do objecto transmitido ("já que, quem se propõe comprar um terreno para construção é, natural, que nele pretenda construir e quando esse terreno é anunciado com número de loteamento pressupõe que se encontram ultrapassadas questões de licenciamento e de infraestruturas, situações que naturalmente pesam na decisão de compra quer por questões de formais relacionadas com procedimento de aquisição de licenciamento quer por questões relacionadas com os custos deste e o preço a pagar no final") não têm qualquer aplicação ao caso sub judice.

PPP) Destarte, e com o devido respeito, mal andou o doutro Tribunal "a quo" na Sentença proferida, pois que não se comprovou naqueles autos, em primeiro lugar e acima de tudo, que o imóvel adquirido não tenha capacidade construtiva e nem que tenha ocorrido erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade deste com o que foi anunciado.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada

JUSTIÇA!».

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O Recorrido, J..., contra-alegou, aí concluindo do modo que segue:

«I - Palmilhando o douto recurso apresentado pela recorrente - quer através da análise do corpo das suas alegações, quer mesmo das conclusões - constatamos que a recorrente não coloca em causa qualquer facto constante do rol dos factos provados - os quais se encontram indicados das alíneas A) a L) da fundamentação de facto constante da douta sentença - pelo que não pode o Tribunal a quo apreciar factos que não foram sequer tidos em conta na douta sentença e muito menos fazê-lo considerando os mesmos como não provados. A recorrente não cumpriu, assim, integralmente os ónus que lhe eram impostos pelo artigo 640° do CPC, sendo que a não satisfação da recorrente dos mesmos implica a imediata rejeição do presente recurso quanto à matéria de facto, pelo que os factos provados se deverão considerar assentes.

II - Contrariamente ao que resulta dos artigos 19° a 31° das doutas alegações resulta provado, sem quaisquer ambiguidades, a falta de capacidade construtiva do imóvel alienado, tal como se constata da análise da alínea L) do rol dos factos provados constantes da douta sentença. Não existe, assim, contrariamente ao afirmado nas doutas alegações da recorrente quaisquer reservas ou ambiguidades na informação prestada pelo Município de ..., já que lemos uma apreciação concreta - constante da certidão n°166/2015 - e duas apreciações gerais, sem se debruçarem concretamente sobre a capacidade de edificação do lote n°141, resultantes das informações de 23-02-2017 e 04-05-2017. Temos, assim, de concluir, tal como o fez a douta sentença, pela falta de capacidade de edificação do lote de terreno n°141.

III - A Administração Tributária, nas suas alegações - artigos 32° a 54° - explana, longamente, sobre o RJUE e os seus normativos, contudo, olvida, claramente, quer o que resulta dos factos provados, quer o que resulta das próprias normas que cita. De facto, a Administração Tributária tenta "tapar" o seu erro na informação que prestou no seu edital de venda, tentando culpar o Município, o loteador e até os adquirentes pelo facto de, alegadamente, não estarem feitas as obras necessárias ao loteamento, obras essas que não são da responsabilidade, nem de Município, nem cios adquirentes.

IV - Refere, ainda, estranhamente, a Administração Tributária, no artigo 48° a 51° das suas alegações, que não resulta dos autos que não tenham sido efectuadas as obras de urbanização. Ora, se as operações de loteamento têm em vista a criação de infraestruturas para os lotes de terreno abrangidos pelo loteamento como é que será defensável que tenha existido a caducidade do alvará se tais infraestruturas tivessem sido efectuadas.

V - De igual forma, relativamente o alegado pela Administração Tributária no artigo 54° das suas alegações, olvidou, novamente, a recorrente do que resulta provado da alínea L) dos factos provados, já que, como bem se entenderá, tal certidão não teria sido emitida, caso o lote em causa tivesse as infraestruturas efetuadas.

VI - No que concerne ao alegado nos artigos 55° a 61° das doutas alegações, salvo o devido e merecido respeito, tais alegações em nada ajudam a posição defendida pela Administração Tributária, porquanto o que se analisa in casu é se o imóvel na data de venda tinha ou não capacidade construtiva e não se um dia, depois de muitos procedimentos, o mesmo, a possa ter, pois, como bem se entenderá o recorrido quis adquirir um lote de terreno para construir de imediato e não para, eventualmente, um dia poder construir um edificação, se tal, por acaso, um dia vier a ser autorizado.

VII - Já relativamente ao alegado nos artigos 62° a 66° e 72° a 77° das alegações, olvidou, novamente, a Administração Tributária o que resulta provado da alínea L) dos factos provados, isto é que no lote de terreno em causa não é possível efectuar qualquer edificação, bastando para tal analisar a conclusão na parte da aludida certidão que refere "...inviabilizando o licenciamento de quaisquer construções". De facto, seria "absurdo" que se viesse a defender a posição adoptada pela Administração Tributária nos artigos 64° a 66° das suas alegações que refere que não sendo possível ao recorrido construir ele que continue a tentar e a apresentar pedidos sucessivos de alvará de loteamento até o conseguir. É que, a Administração Tributária parece até desconhecer, quer o custo de um projecto de loteamento urbano (que não é um projecto de licenciamento de uma moradia), quer as taxas que são cobradas à cabeça pelo Município de largos milhares de euros pela entrada desse mesmo pedido, quer mesmo o facto de, como é óbvio para todos e tal deveria ser também para a Administração Tributária, o recorrido não ter legitimidade para, de per se, apresentar um pedido de alvará de loteamento, tendo, para o efeito, de ter autorização de todos os proprietários dos lotes de terreno abrangidos pela operação de loteamento, os quais, como se disse supra são, apenas e só, 235 !!!

VIII - Encontram-se, igualmente, inquinadas pela análise dos factos provados - mormente do facto L - o que resulta dos artigos 74° a 77° das alegações apresentadas. De facto, atendendo ao facto L dos factos provados e confrontando o mesmo com o disposto no n°3 do artigo 6° do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis resulta, claramente, que não estamos sequer, contrariamente ao afirmado pela Administração Tributária, perante um terreno para construção, já que não estamos perante um qualquer terreno ao qual tenha sido concedida autorização ou licença, emitida comunicação prévia ou informação prévia favorável de loteamento ou de construção !!! Pelo contrário, temos uma informação certificada pelo Município da falta de capacidade edificativa no referido lote!!!

IX - O disposto no artigo 245° n°5 do CPPT estabelece as indicações que devem constar obrigatoriamente dos meios de publicação da venda, sendo que, é entendido, unanimemente, pela nossa jurisprudência e doutrina, que "da identificação sumária dos bens devem constar, não só a rua identificação, mas também as suas qualidades. E que sendo os anúncios e editais os meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. Trata-se de um exigência manifestamente imposta pelas regras da boa fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais (cfr.art°227, nº1, do C.Civil) e toda a actividade da Administração Pública (cfr.art°266, n°2, da C.R.P.). Pela mesma razão, deverão constar dos anúncios e editais todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender. E recorde-se que do citado art°257, n°1, al.a), do C.P.P.T., se deduz que as qualidades do objecto a vender, e não apenas a sua identificação, devem ser anunciados (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6". edição, 2011, pág.121 e seg.)... "(In Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no âmbito do Proc. nº 07628/14, de 26-06-2014, em que foi relator o Mmo Juiz Desembargador JOAQUIM CONDESSO, acessível in www.dgsi.pt)

X - Razão pela qual, era possível e exigível à Administração Tributária obter junto do Município de ... a informação sobre as características físicas e jurídicas do imóvel cuja venda promoveu. É que, se a Administração Tributária e o Serviço de Finanças de Lisboa 3 desconheciam as características do aludido imóvel, competia-lhe, como o fez em diversos outros casos relativamente a imóveis da mesma urbanização e outros, informar nos editais de venda da necessidade do adquirente de se informar sobre a capacidade construtiva do imóvel em causa, não dando como assente um facto, cujas características físicas e jurídicas reais, desconhecem.

XI - Por mais voltas que se pretenda dar, o imóvel sobre o qual foi efectuada a promoção de venda por parte da Administração Tributária, não tem, de facto e de direito, qualquer capacidade construtiva. Isto é, o imóvel objecto de venda não é um lote de terreno para construção, conforme foi, amplamente, promovido pela Administração Tributária em todo o procedimento de venda e em todos os editais por esta publicados. A realidade do imóvel não corresponde ao que foi anunciado para efeitos de venda num aspecto essencial: a capacidade construtiva do mesmo. Tendo, consequentemente, o recorrido adquirido "gato" por "lebre".

XII - Existe, assim, inequivocamente, uma desconformidade das qualidades do objecto transmitido com o objecto anunciado, o que é fundamento da anulação da venda requerida. É que, como bem se entenderá, um terreno para construção não é o mesmo que um terreno sem qualquer aptidão construtiva, são realidades completamente distintas para efeitos da decisão de contratar por parte do recorrido.

XIII - Pelo que, salvo melhor e mais douto entendimento, tal como doutamente foi decidido na douta sentença, in casu, existe erro do recorrido sobre as qualidades do objecto transmitido pela Administração Tributária, não estando as mesmas em conformidade com o anunciado.

XIV - Tal como foi decidido douto acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no âmbito do Proc. n°07628/14, de 26-06-2014, em que foi relator o M.mo Juiz Desembargador JOAQUIM CONDESSO, acessível in www.dgsi.pt supra citado "O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar numa divergência entre as qualidades do objecto da venda e o teor dos editais ou anúncios respectivos. Por outro lado, no caso de erro, para justificar a anulação, não será necessário que o mesmo erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não teria sido efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro, podendo esta, no entanto, relevar ao nível da indemnização prevista no art°838, do C.P.C.. Por outras palavras, o comprador não tem de alegar, nem de provar, os pressupostos gerais da relevância do erro, designadamente o requisito da essencialidade do mesmo, previsto nos art°s.247, 251 e 252, do C. Civil (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 179; Fernando Amando Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13ª. edição, 2010, pág.404 e seg.).

Acresce sublinhar que a "ratio" da anulação com base em erro sobre o objecto transmitido, por falta de conformidade com o anunciado, se coaduna com a protecção do comprador e com a segurança, certeza e boa fé que devem nortear os negócios jurídicos. Note-se que se trata de venda em processo judicial, logo com uma segurança acrescida. Compreensivelmente, à luz dos princípios da segurança, da confiança e da boa fé que hão-de reger a actuação do alienante, deposita-se uma superior confiança na identificação correcta e totalmente transparente do bem objecto da venda. Ora, não constando do anúncio todas as características do imóvel evidenciadas anteriormente, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que o recorrido foi induzido a formar uma convicção errada sobre o bem imóvel que adquiriu. Como tal, verifica-se uma situação de erro sobre o objecto, imputável à Administração Tributária, dado que é ela a responsável pela publicitação adequada da venda em execução fiscal.(Negrito e sublinhados nossos).

XV - Assim sendo, bem andou a douta sentença quando julgou procedente a reclamação apresentada.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso apresentado pela Administração Tributária ser considerado totalmente improcedente, confirmando V. Exas. a douta sentença recorrida, assim se fazendo

JUSTIÇA!!!»

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ Erro de julgamento de facto, pois os factos alegados nos artigos 27.º, 47.º, 49.º da p.i. deveriam ter sido dados como não provados [conclusões A) a J) das alegações de recurso];
_ Erro de julgamento de facto e de direito porquanto inexistem meios de prova que apontem, de forma expressa e clara de que o terreno não possui capacidade construtiva [conclusões K) a W)], e de acordo com o RJUE e a jurisprudência em matéria de loteamentos que a caducidade não produz efeitos ao bem em causa nos autos, sendo certo que não ficou provado que a entidade competente vedasse a construção [conclusões X) a AAA)], não se verificando erro no objecto do negócio [conclusões BBB) a PPP].

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A. O Serviço de Finanças de ... instaurou em 26/05/2009 o processo executivo n°..., em nome de "... -Construção Civil Unipessoal Lda.", por dívidas de Imposto de Selo (IS) no montante de € 1.264,04 - cfr. consta do respectivo PEF aqui em anexo.

B. No âmbito daquele processo executivo foi realizada a penhora do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), concelho de ... correspondente ao artigo 4822, descrito na CRPredial de ... sob o n°2488, para assegurar a divida exequenda e acrescido no montante de € 2.757,17 - cfr. consta do respectivo PEF aqui em anexo.

C. Por despacho do respectivo Chefe do Serviço de Finanças de 14/12/2009, foi determinada venda do bem penhorado por propostas em carta fechada e foi fixado o dia 04/02/2010, pelas 11 horas, para abertura das respectivas propostas apresentadas - cfr. fls. 15 do PEF aqui em anexo.

D. O prédio descrito no auto de penhora foi anunciado para venda conforme edital e anúncio publicado via electrónica e publicado no jornal "CM" de 18 e 19/12/09 como:
"(...)
Terreno para construção em .... Tem 180 m2 de área total; é o Lote 141 sito na .... Está inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... (...) sob o artigo 4822 com o valor patrimonial de 109.600.00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o nº2488 (...)"
Tudo conforme fls. 16/17 do PEF aqui em anexo

E. A venda supra ficou deserta, tendo sido anunciada, por despacho do respectivo Chefe do Serviço de Finanças de 02/03/2010 nova venda, esta por negociação particular - cfr. fls. 25 do PEF aqui em anexo

F. O aqui Reclamante, J..., tomou conhecimento, por carta registada com aviso de recepção, que foi assinado em 15/12/2011 de que foi aceite a sua proposta de compra do prédio supra identificado (ponto B. deste probatório), no âmbito da venda judicial por negociação particular n°3158.2009.97 - cfr. fls. 67 do PEF aqui em anexo.

G. O adquirente efectuou o pagamento dos valores referentes ao preço do bem e demais encargos em 08/01/2015, nos montantes que a seguir se enunciam:
- Preço: €32.190,00
- IMT: €2.092,35
- I Selo: € 247,52
- Custas do Processo: 263,28
Tudo conforme informação de fls.117 do PEF aqui em anexo

H. O imóvel foi adjudicado ao aqui Reclamante por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de ..., proferido em 09/01/2015 -cfr. fls. 119 dos autos

I. Do registo n°2488/19970403 da Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de ... - Freguesia de ... consta em AP. 3703 de 2012/02/03 2012/02/21 foi declarada a caducidade do Alvará de loteamento n°30 de 11/06/1992 pelo Alvará n°4 de 5/6/1997 por deliberação da Camará Municipal de ... de 27/10/2008 foi cancelada a autorização de loteamento - cfr. consta do respectivo PEF aqui em anexo

J. Em 07/04/2015, foi deduzida a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal e foi indeferida por despacho de 26/10/2016 -cfr. fls. 132 e seguintes dos autos e 134 dos autos.

K. Em 08/11/2016 foi deduzida a presente reclamação - cfr. fls. 2 dos autos.

L. Em 13/04/2015 foi emitida certidão pelo Chefe da Divisão Municipal do Urbanismo da Camará Municipal de ... (Certidão n°166/2015) dando conta do que abaixo parcialmente se transcreve:
“(…)
-----Vem o requerente solicitara emissão de certidão atestando, qual o tipo de construção permitida para o lote de terreno n°141, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n°3789 da união das freguesias de ... (... e Triana) e ainda se para o lote em causa existiu ou existe qualquer projecto aprovado. -------------------------------------------------
-----Foi declarada a caducidade do loteamento em que se insere o lote do requerente por deliberação da Câmara datada de 27/10/2010. Porém e uma vez que para o referido lote existiu um processo de licenciamento aprovado que correu sob o n°01/2002/313, pergunta a Divisão de Urbanismo se esse licenciamento tem alguma repercussão nos efeitos decorrentes da caducidade do loteamento.-----------------------------------------------------------------------------------------------
----- II. Do Direito;--------------------------------------------------------------------------------------------
(...)
-----Ora sendo certo que, para o referido lote existiu de facto um licenciamento aprovado, a verdade é que veio a ser declarada a caducidade de tal procedimento em reunião de câmara datada de 11 de Fevereiro de 2014, (...) --------------------------------------------------------------
----- No caso em análise, aquando da celebração da caducidade do loteamento, tinha há muito sido declarada a caducidade do licenciamento referente ao lote em análise, pelo que, não se encontra a capacidade construtiva do referido lote abrangida pela protecção dada a loteamentos anteriores à caducidade.---------------------------------------------------------------------------------
----- Assim, atenta a declarada caducidade do loteamento em que se insere o lote do requerente, entendo que não poderá ser viabilizada qualquer pretensão construtiva. ---------------------------
----- III. Conclusões;-----------------------------------------------------------------------------------------
-----Uma vez, o licenciamento aprovado para o lote 141 foi declarado caduco em 11 de Fevereiro de 2004, em data muito anterior à declaração de caducidade ao loteamento em que se insere, não está o imóvel do requerente a coberto de qualquer excepção, sendo-lhe oponíveis todos os efeitos decorrentes da caducidade do loteamento, inviabilizando o licenciamento de quaisquer construções.-----------------------------------------------------------------------------------------------
(...)”.
Tudo conforme consta do PEF aqui em anexo.

Factos não provados
Dos autos não resultam provados quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

«»
No tocante aos factos provados, a convicção no Tribunal esteou-se fundamentalmente com base na prova documental junta aos autos, em concreto no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, não contestado.
Aliás, cabe referir que o quadro factológico fixado é consensual divergindo as partes unicamente quanto à aplicação do direito.»
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Conforme resulta dos autos, o Reclamante, ora Recorrido, apresentou reclamação judicial da decisão de indeferimento do seu pedido de anulação de venda.

No despacho reclamado entendeu-se, em síntese, que aquando o procedimento de venda não se encontrava registada a caducidade da autorização de loteamento, pelo que o órgão de execução fiscal não pode publicitar tal facto por dele não ter conhecimento. Por outro lado, não existe a divergência entre as qualidades do objecto anunciado e as mesmas que ele efectivamente tem porquanto os efeitos da caducidade do loteamento não poderão atingir o bem objecto de venda face ao âmbito da deliberação da Câmara de ....

Já na sentença recorrida julgou-se procedente a reclamação judicial apresentada do despacho de indeferimento do seu pedido de anulação de venda. entendendo-se, também em síntese o seguinte: “ (…) Do que se deixou dito resulta claramente que, no caso em apreço foi anunciada a venda de um terreno para construção perfeitamente identificado com a respectiva área e número de lote (Lote 141) o que faz presumir, com alguma segurança, que o terreno faz parte de loteamento aprovado, o que na realidade não esteve fora de ser verdadeiro.
Porém o Reclamante veio posteriormente (depois da adjudicação), a saber, através de informação que lhe foi prestada pela Câmara Municipal de ... que o terreno adquirido perdeu, por decisão da edilidade, a sua capacidade construtiva.
Donde se infere que o Recorrente adquiriu através da venda judicial, realizada no processo de execução fiscal, um terreno para construção, quando, afinal, o dito terreno não tinha capacidade construtiva, situação que se verificava já à data da venda.
Ou seja, não obstante o imóvel tenha sido anunciado como “terreno para construção” com identificação de n.º de lote, a verdade é que o Reclamante se vê, à posterioiri, confrontado com a situação de não poder ali construir, por caducidade do alvará que lhe conferia essa aptidão.
Assim e apesar de a edilidade, porque inquirida, ter vindo aos autos dizer que “(…) tem entendido o Município que desde que estejam asseguradas as infraestruturas nada impede o licenciamento de um edifício sem necessidade de loteamento prévio (…)”9, a verdade é que, esta constitui uma realidade diferente daquela que o adquirente considerava que existia à data em que realizou o negócio.
Acresce referir que, apesar de anunciada a venda de um terreno para construção com a designação do respectivo lote, no momento da venda já há muito, não existia título válido que permitisse a referida construção nem que desse cabimento ao indicado loteamento.
Donde se conclui que o objeto da transmissão não tinha, à data da venda/adjudicação, as características que lhe foram anunciadas, havendo, por isso, fundamento para a anulação da venda, com base em erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade deste com o que foi anunciado, já que, quem se propõe comprar um terreno para construção é, natural, que nele pretenda construir e quando esse terreno é anunciado com número de loteamento pressupõe que se encontram ultrapassadas questões de licenciamento e de infraestruturas, situações que naturalmente pesam na decisão de compra quer por questões de formais relacionadas com procedimento de aquisição de licenciamento quer por questões relacionadas com os custos deste e o preço a pagar no final.”

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido e imputa, desde logo, erro de julgamento de facto, pois os factos alegados nos artigos 27.º, 47.º, 49.º da p.i. deveriam ter sido dados como não provados [conclusões A) a J) das alegações de recurso].

Apreciando.

Analisados os artigos da p.i. enunciados pela Recorrente, verifica-se que tais factos não têm de ser dados como não provados, pois não relevam para a decisão. Com efeito, como melhor se exporá infra, não revela para a decisão da causa averiguar se o bem ora em causa tem, ou não, capacidade construtiva, o que releva é saber se poderia ter sido publicitada a venda de um lote de terreno quando já existia a deliberação de caducidade da autorização de loteamento, aferindo se estamos perante um erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade com o que foi anunciado nos termos do n.º 1 do art. 257.º, n.º 1 alínea a) e art. 908.º, n.º 1 do CPC e que conduz à anulação da venda.

Por conseguinte, improcedem as conclusões A) a J) das conclusões de recurso.

Invoca ainda a Recorrente Fazenda Pública erro de julgamento de facto e de direito porquanto inexistem meios de prova que apontem, de forma expressa e clara de que o terreno não possui capacidade construtiva [conclusões K) a W)], e de acordo com o RJUE e a jurisprudência em matéria de loteamentos que a caducidade não produz efeitos ao bem em causa nos autos, sendo certo que não ficou provado que a entidade competente vedasse a construção [conclusões X) a AAA)], não se verificando erro no objecto do negócio [conclusões BBB) a PPP].

Mas sem qualquer razão, porque, tal como já referimos a propósito do erro de julgamento de facto, ao contrário do que parece entender Recorrente Fazenda Pública, à semelhança do entendimento vertido no despacho reclamado, a questão da capacidade construtiva do terreno, quer a que resulta do direito e da jurisprudência, quer a que resulta de informações da Câmara Municipal, não é o ponto central da questão, ou seja, não é o que importa para aferirmos do fundamento para anulação de venda nos termos do disposto no art. 257º, n.º 1, alínea a) do CPPT e art. 908.º, n.º 1 do CPC. Por outras palavras, as extensas considerações de facto e de direito que a Recorrente Fazenda Pública faz nas suas conclusões de recurso não relevam absolutamente em nada para a decisão da causa e consequentemente do presente recurso.

Com efeito, o ponto fucral é a existência de uma deliberação de caducidade da autorização de loteamento que o Reclamante desconhecia quando foi publicitada, pelo órgão de execução fiscal, a venda de um lote de terreno. Entendemos que estamos perante um erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade com o que foi anunciado nos termos do n.º 1 do art. 257.º, n.º 1 alínea a) e art. 908.º, n.º 1 do CPC.

Como se evidenciou na sentença recorrida “no caso em apreço foi anunciada a venda de um terreno para construção perfeitamente identificado com a respectiva área e número de lote (Lote 141) o que faz presumir, com alguma segurança, que o terreno faz parte de loteamento aprovado (…) apesar de anunciada a venda de um terreno para construção com a designação do respectivo lote, no momento da venda já há muito, não existia título válido que permitisse a referida construção nem que desse cabimento ao indicado loteamento.

Ou seja, sendo anunciada a venda de um lote de terreno, sem que o Reclamante tivesse conhecimento da deliberação camarária que declarou a caducidade do loteamento em que o imóvel se insere, verifica-se uma desconformidade entre o que foi anunciado e as características que assume o bem vendido o que se reconduz ao erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade com o que foi anunciado nos termos do n.º 1 do art. 257.º, n.º 1 alínea a) e art. 908.º, n.º 1 do CPC.

Ora, é irrelevante saber se o terreno tem ou não capacidade construtiva se [conclusões K) a W)] e se ficou provado ou não provado que a entidade competente vedasse a construção [conclusões X) a AAA)], porquanto, ao contrário do que entende a Recorrente verifica-se erro no objecto do negócio [conclusões BBB) a PPP] uma vez que o que releva é que o bem objecto de venda não assume a natureza de lote, tal como foi anunciado, pois como bem salientou-se na sentença recorridaquem se propõe comprar um terreno para construção é, natural, que nele pretenda construir e quando esse terreno é anunciado com número de loteamento pressupõe que se encontram ultrapassadas questões de licenciamento e de infraestruturas, situações que naturalmente pesam na decisão de compra quer por questões de formais relacionadas com procedimento de aquisição de licenciamento quer por questões relacionadas com os custos deste e o preço a pagar no final.”.

Finalmente refira-se quanto ao alegado pela recorrente de que a caducidade não produz efeitos ao bem em causa nos autos de acordo com o RJUE e a jurisprudência em matéria de loteamentos que a caducidade não produz efeitos ao bem em causa nos autos [conclusões X) a AAA)], a verdade é que a caducidade da autorização do loteamento foi declarada em momento anterior ao da publicitação da venda, e já se encontra registada, esse é o facto que importava que o Reclamante conhecesse na circunstância em que foi publicitada a venda de um lote, pois como todos nós sabemos, no direito não existem certezas, não se podendo afirmar sem margem de dúvidas se o imóvel em causa poderá ou não ficar excluído dessa declaração de caducidade, dependendo eventualmente de um procedimento junto da Câmara, o que poderá levar a disputas jurídicas que o Reclamante não poderia razoavelmente contar.

Em sentido semelhante, veja-se o acórdão do STA de 10/07/2013, proc. n.º 01252/12, no qual se sumariou: “I - O erro sobre o objecto pode ser determinado pela insuficiência e imprecisão do anúncio de venda, que deve respeitar as boas regras publicitárias, designadamente o dever de informar e publicitar com rigor. II - No caso dos autos a adquirente do bem imóvel, manifestamente, licitou de boa fé, pensando estar a adquirir um lote de terreno para construção urbana quando afinal este não tinha capacidade construtiva autónoma, qualidade omitida no anúncio de venda. III - Tal facto, conhecido da Administração tributária indicia a falta de rigor com que decorreu a apresentação pública do bem a vender. IV - Estamos perante erro essencial por à compradora interessar comprar um lote de terreno para construção, como resulta do nº 17º do probatório, e ainda que fosse um mero erro instrumental sempre terá tido influência na formação do preço oferecido. V - Face ao quadro publicitário, a compradora criou a convicção de estar a licitar um terreno para construção urbana sem limitações que no entanto existiam, facto que não foi salientado e, devia tê-lo sido, no anúncio de venda. Tanto basta para que reconheçamos a existência de limitação determinativa de erro sobre a coisa transmitida ocorrendo ainda falta de conformidade com o que foi anunciado, tudo determinando nos termos do artº 908 nº 1 do CPC a anulação da venda.”

Em suma, verifica-se erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade com o que foi anunciado nos termos do n.º 1 do art. 257.º, n.º 1 alínea a) e art. 908.º, n.º 1 do CPC, pois é anunciada a venda de um lote de terreno quando já se encontra deliberado pela Camará Municipal a caducidade do loteamento, o que constitui fundamento de anulação de venda, e deste modo, a sentença recorrida que assim também entendeu não enferma dos vícios invocados pela Recorrente, improcedendo todas as conclusões de recurso.

Sumário

Verifica-se o erro sobre as qualidades do objecto transmitido por falta de conformidade com o que foi anunciado nos termos do n.º 1 do art. 257.º, n.º 1 alínea a) e art. 908.º, n.º 1 do CPC, que constitui fundamento de anulação de venda, quando é anunciada a venda de um lote de terreno quando já existe uma deliberação da Câmara Municipal a declarar a caducidade do loteamento.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 19 de Setembro de 2017.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Anabela Russo