Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2499/17.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/10/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE NORMAS
NORMAS IMEDIATAMENTE OPERATIVAS
PERICULUM IN MORA
Sumário:I – A apreciação do concreto pedido cautelar de suspensão de eficácia de normas haverá de ser feita por consideração simultânea dos critérios decisórios previstos no artigo 120º do CPTA e do particularmente previsto no artigo 130º do mesmo Código, tendo por referência, atenta a natureza instrumental dos processos cautelares, a pretensão impugnatória que lhes é dirigida em sede de ação administrativa, a que atualmente se referem os artigos 37º nº 1 alínea d) e 72º ss. do CPTA, cuja utilidade a providência cautelar se destinará a assegurar.
II – A questão de saber se na concreta situação existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência cautelar de suspensão de eficácia de normas implica, também, ter-se presente o sentido e conteúdo da norma ou conjunto de normas regulamentares relativamente às quais é pretendida a respetiva suspensão de efeitos (suspensão de eficácia) até que seja definitivamente decidida na ação principal a sua invocada ilegalidade.
III – Se as normas do Regulamento do Horário de Trabalho, cuja ilegalidade é sustentada pelo requerente, não são geradoras de danos ou prejuízos na esfera jurídica dos trabalhadores, não se pode concluir que com a sua entrada em vigor será criada uma situação de facto consumado que cumpra prevenir e acautelar à luz do disposto no artigo 120º nº 1 do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

O SINDICATO NACIONAL DO CORPO DA GUARDA PRISIONAL (devidamente identificado nos autos) requerente no presente processo cautelar, que instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, em que é requerido o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA no qual requereu a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia de normas – no caso, do Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Diretor Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, através do Despacho n.º 9389/2017, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 206, de 25/10/2017, até à decisão judicial com trânsito em julgado da ação administrativa destinada à sua impugnação – inconformado com a sentença de 29/12/2017 do Tribunal a quo que julgou improcedente a pretensão cautelar, dela interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. A douta sentença recorrida padece de nulidade por erro de julgamento, fazendo uma errada apreciação de facto e de direito e, consequentemente dos factos dados como provados vertidos na douta sentença recorrida, violando o artigo 120.º n.º 1 do CPTA, bem como os princípios da proporcionalidade e adequação consignados no n.º 2 da mesma norma jurídica;

2. O Tribunal a quo decidiu mal ao concluir pela não verificação do requisito periculum in mora e, consequentemente não deu provimento à providência cautelar requerida pelo recorrente de suspensão da eficácia de normas jurídicas (vide Ac. TCA Norte, processo 00370/15.6BECBR, 31.08.2015)

3. Errou também o tribunal a quo ao não se pronunciar sobre a verificação dos restantes requisitos necessários para a concessão da providência cautelar requerida, violando o artigo 94.º e 95.º do CPTA.

4. De igual modo errou ao admitir a resolução fundamentada deduzida pelo recorrido nos termos do artigo 128.º n.º 1 do CPTA, uma vez que as normas jurídicas não se executam, entram em vigor e, na matéria em apreço estamos perante normas jurídicas ilegais emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo e, não perante um ato administrativo.

5. A tutela cautelar não se confunde com a tutela definitiva (ação principal), estando-se no campo das probabilidades. Por isso compete ao juiz a quo fazer um juízo de prognose de uma lesão futura, pelo que por maioria de razão os prejuízos invocados pelo recorrente têm que ser hipotéticos, ademais estando- se perante uma providência cautelar conservatória, onde deve realizar-se apenas um juízo meramente indiciário sob pena de se entrar no domínio da apreciação de mérito da causa.

6. Algo que o recorrente concretizou.

7. A providência cautelar requerida tem natureza conservatória e, está devidamente demonstrado de facto e de direito nos autos cautelares a verificação do requisito periculum in mora, nomeadamente o receio da constituição de uma situação de facto consumado (entrada em vigor da publicação do Despacho n.º 9389/2017 publicado do Diário da República n.º 206, II Série, de 25 de Outubro, que regula a Organização dos Tempos de Trabalho e dos Períodos de Descanso do Corpo da Guarda prisional) e, da produção de prejuízos de difícil reparação, em que as normas jurídicas ilegais entrando em vigor, não se compadecem com a demora da decisão em sede de ação principal, permitindo que durante este seja temporal, fosse imposto aos associados do A. (porque o regulamento administrativo o permite), um horário de trabalho prolongado/indeterminado e não remunerado (trabalho suplementar imposto não remunerado), ou seja, a prestação de mais trabalho e a título gratuito, com manifesto prejuízo para a saúde e a vida familiar daqueles trabalhadores, prestando trabalho em condições sociais indignas, sem poderem a isso recusar-se em virtude do dever de disponibilidade (artigo 2.º do regulamento administrativo) e dever de obediência a que estão adstritos, deveres aos quais os chefes principais/comissários e diretores dos estabelecimentos prisionais recorrem para justificar/impor o cumprimento das suas determinações, mesmo que contrárias à lei.

8. Sendo moroso e dispendioso para os trabalhadores terem que recorrer ao procedimento e processo administrativo (contencioso) para dirimirem litígios de determinações superiores ilícitas, durante a pendência da ação principal.

9. Demonstrado também está nos autos cautelares que as normas ilegais previstas no regulamento administrativo, violam de uma forma flagrante a lei habilitante (ECGP), bem como a LTFP e o CT.

10. Bem como, que o facto se consumou através do despacho do Sr. Diretor Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais em 10.11.2017, (depois de citado pelo tribunal a quo para deduzir oposição à providência cautelar requerida, para deduzir oposição no procedimento cautelar), que determinou que o regulamento administrativo entraria em vigor em 2 de Janeiro de 2018 nos Estabelecimentos Prisionais de Castelo Branco, Coimbra, Funchal, Lisboa, Paços de Ferreira e Porto e, nos restantes estabelecimentos prisionais em Abril de 2018, omitindo o respetivo dia da entrada em vigor, padecendo o regulamento administrativo de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, aliás facto dado como provado na douta sentença recorrida, mas que o tribunal a quo não se pronuncia.

11. O recorrente foi notificado da douta sentença tendo já entrado em vigor em 2.1.2018, o regulamento administrativo nos Estabelecimentos Prisionais de Castelo Branco, Coimbra, Funchal, Lisboa, Paços de Ferreira e Porto, facto que se consumou e, tendo o tribunal a quo conhecimento deste facto, aliás versado na douta sentença recorrida como provado, na alínea d) da fundamentação de facto.

12. E, desde que entrou em vigor, começou naqueles 6 estabelecimentos prisionais a ocorrer o que o recorrente receava, onde devido à falta de efetivo, os trabalhadores estão a prestar trabalho suplementar muito para além do horário normal de trabalho, existindo profissionais associados do recorrente a realizarem um horário de trabalho de 16 horas seguidas.

13. E, outros a prestarem 10 horas de trabalho diárias, estando a ser imposto ao turno que cumpre o horário das 8H/16H, que permaneçam no desempenho das suas funções até ás 19H (hora do encerramento dos reclusos), ou até mais tarde.

14. Obviamente que este tempo de trabalho a mais diário que está a ser imposto e a ser prestado pelos associados do recorrente e demais trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, além de prejudicar o direito ao repouso, o direito à saúde e a vida familiar daqueles profissionais, ultrapassa e, muito os termos como o trabalho por turnos, está previsto na LTFP (artigo 115.º), nomeadamente quanto à duração do trabalho e tempo de descanso, bem como, não respeita os limites remuneratórios consignados no artigo 163.º do mesmo diploma legal.

15. Os trabalhadores do corpo da guarda prisional são pessoas singulares, seres humanos, detentoras dos direitos fundamentais previstos na CRP em matéria laboral, não obstante serem uma carreira especial e, são abrangidos pelas normas da LTFP e CT em matéria de organização de tempos de trabalho e descanso, normas essas que estão a ser violadas no regulamento administrativo aprovado pelo Despacho n.º 9389/2017 publicado do Diário da República n.º 206, II Série, de 25 de Outubro e, que motivou o requerimento da providência cautelar de suspensão da sua eficácia por conter normas jurídicas violadoras do direito.

16. O regulamento administrativo quando foi requerida a suspensão da eficácia de normas jurídicas ainda não estava em vigor, todavia já se encontrava em vigor quando o recorrente foi notificado da douta sentença recorrida, bem como à data da interposição do presente recurso jurisdicional em 6 estabelecimentos prisionais, passando a vigorar em todos os estabelecimentos prisionais em Abril de 2018, estando já a serem sentidos nos trabalhadores do CGP daqueles 6 EP’s, a produção dos efeitos penalizadores da sua entrada.

17. As normas jurídicas ilegais ínsitas naquele regulamento administrativo (artigo 2.º e 15.º do Despacho n.º 9389/2017 publicado do Diário da República n.º 206, II Série, de 25 de Outubro), permitem que os trabalhadores do corpo da guarda prisional, associados do recorrente, tenham um horário de trabalho indeterminado e, que os seus superiores hierárquicos justifiquem a continuação da laboração além do horário normal de trabalho, pela necessidade de serviço, atento o reduzido efetivo existente, sendo imposto a prestação de trabalho suplementar além dos limites remuneratórios legalmente previstos (artigo 163.º n.º 1 da LTFP) e, que não será remunerado, sendo trabalho prestado a título gratuito e em prejuízo da saúde, integridade física, descanso e vida familiar dos trabalhadores do CGP, associados do recorrente.

18. Situação que não poderá ser reparada/reposta/sanada com uma decisão favorável em sede de ação principal, uma vez que até esta ocorrer, os associados do recorrente terão prestado trabalho durante um longo período de tempo, sem qualquer remuneração, com total prejuízo dos seus direitos fundamentais previstos no artigo 59.º n.º 1 alínea b), alínea c) e d) da CRP, trabalho esse a mais e não remunerado que não poderá ser devolvido aos trabalhadores do CGP que o prestaram e, muito menos poderão compensar a falta de saúde, o cansaço, o desgaste e, a falta de tempo para estarem com o seu agregado familiar, em virtude do horário de trabalho prolongado prestado além do horário normal de trabalho ou tampouco irá permitir que recuperem o tempo de repouso que não tiveram direito, ao prestarem esse trabalho a mais a título gratuito.

19. É nisto que se traduz o prejuízo de difícil reparação previsto no artigo 120.º n.º 1, que se verificará durante a pendência da ação principal, bem como o justo receio da constituição de uma situação de facto consumado que é a entrada em vigor do Despacho n.º 9389/2017 publicado do Diário da República n.º 206, II Série, de 25 de Outubro (regulamento administrativo ilegal), tendo que se concluir que o tribunal a quo fez uma errada apreciação da matéria de facto e de direito do requerimento inicial e dos documentos probatórios juntos aos autos cautelares.

20. Os factos e a matéria de direito apresentados no requerimento inicial impunham que o tribunal a quo concedesse a providência cautelar requerida, sendo evidente a verificação dos requisitos cumulativos periculum in mora, fumus boni iuris e a ponderação dos interesses, para o seu decretamento, considerando que estamos no âmbito da emissão de normas jurídicas contrárias à lei e, não no âmbito da emissão de atos administrativos.

21. Concluindo-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento de facto e de direito, estando ferida de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.


O recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, terminando formulando o seguinte quadro conclusivo:
a) A motivação do Recorrente para o recurso assenta na discordância relativamente à sentença recorrida, dado que o Recorrente não pretende outro resultado que não seja aquele que peticiona;

b) A prolixidade das conclusões não permite conferir objetividade ao recurso, dificultando o contraditório, Efetivamente,

c) Foi dado como indiciariamente provado o iter procedimental atinente ao objeto dos autos;

d) A Administração observou todas as vinculações procedimentais a que estava obrigada a respeitar;

e) Sendo que o Recorrente não contraria a matéria provada;

f) O Recorrente não impugnou nenhum dos documentos juntos aos autos, mormente o processo administrativo;

g) Impendia sobre o Requerente da providência, ora Recorrente, o ónus de especificar e concretizar o fundado receio, ou seja, evidenciar o preenchimento do requisito do “periculum in mora”, bem como os demais requisitos exigidos por lei, ou seja, o da constituição de uma situação de facto consumado e / ou a produção de prejuízos de difícil reparação. O que não aconteceu;

h) Portanto, o efeito processual – pretendido pelo Requerente (ora Recorrente) - do requerimento cautelar e, agora, do requerimento e alegações de recurso não é possível obter;

i) Tanto mais porque os critérios constantes do art. 120.º do CPTA são cumulativos, tal como a sentença recorrida refere;

j) Por isso, faltando um dos requisitos, não se mostram verificados todos os pressupostos para o decretamento da providência;

k) Atenta a natureza conservatória da providência cautelar, a decisão da Administração apenas é sindicável em caso de erro grosseiro ou manifesto. O que, no caso, não se verifica;

l) Nem o ora Recorrente identificou qualquer erro grosseiro;

m) É manifesta a legalidade dos atos objeto do cautelar, bem como a observância dos critérios e princípios da proporcionalidade e da adequação;

n) A sentença recorrida encontra-se, portanto, estruturada fundamentada e não contém vícios.


Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul e neste notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos fundamentais:
«(…)
Salvo melhor opinião, entendemos que o recurso não merece provimento, posto que sendo isenta de censura, a decisão recorrida deve ser confirmada.
Em suma, ao indeferir a suspensão da eficácia do acto e ao julgar improcedente o processo cautelar por falta de um dos requisitos a que alude a 1ª parte do artigo 120°, nº l , do CPTA (periculum in mora), posto que o Recorrente não o logrou demonstrar, interpretou e aplicou correctamente os factos e o direito, não padecendo aquela decisão de qualquer vício, nulidade, inexistindo outras questões de que cumpra conhecer.
Por todo o exposto, sem mais delongas e necessidade de mais desenvolvidas considerações, somos de parecer que ao recurso deve ser negado provimento, mantendo-se o decidido em toda a sua extensão»

Sendo que, dele notificadas as partes, nenhuma se apresentou a responder.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, a qual não vem impugnada.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, as questões essenciais a decidir são as de saber: i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar não verificado o requisito do periculum in mora,; ii) se a sentença recorrida violou os artigos 94º e 95º do CPTA ao não se pronunciar quanto aos restantes requisitos necessários para a decretação da providência; iii) se se encontram preenchidos os demais requisitos atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses, necessários para a decretação da providência.
Importando explicitar que não obstante a alusão feita na conclusão 4ª das alegações de recurso, não é objeto do presente recurso qualquer decisão que tenha sido proferida quanto a qualquer incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevidos a que se referem os nºs 4 a 6 do artigo 128º do CPTA ex vi do nº 4 do artigo 130º do mesmo Código, o qual não foi deduzido.

*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal deu como provada a seguinte factualidade nos seguintes termos:
A) – Em 26.09.2017, o Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais proferiu o seguinte despacho, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:

1. Dando cumprimento ao previsto no n.º 3 do artigo 62.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro, importa estabelecer a organização dos tempos de trabalho e dos correspondentes períodos de descanso do pessoal do Corpo da Guarda Prisional.
2. Face às especificidades de funcionamento dos Estabelecimentos Prisionais e ao carácter permanente e obrigatório que caracteriza o serviço prestado pelo pessoal do Corpo da Guarda Prisional, a definição da organização dos tempos de trabalho e dos períodos de descanso destes trabalhadores é uma matéria da maior importância para o alcance das atribuições cometidas a esta Direção-Geral.
3. Considerando justamente a importância da matéria, foram solicitados e apresentados projetos de regulamento por todos os sindicatos e associações sindicais, os quais estiveram representados no grupo de trabalho para o efeito subsequentemente criado e, mais tarde, voltaram a ser ouvidos pelo Gabinete de S. Ex.ª a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça sobre o presente projeto de regulamento.
4. Finalmente o regulamento anexo foi apreciado pelo Gabinete de S. Ex.ª a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça que o considerou adequado e o remeteu ao signatário por ser deste a competência para aprovação final.
5. Assim, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 62.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, é aprovado o Regulamento de organização dos tempos de trabalho e dos períodos de descanso do Corpo da Guarda Prisional, anexo ao presente despacho.
6. Este despacho revoga todas as normas e orientações que dispuserem em contrário”.‖
Cfr. fls. não numeradas dos autos e fls. 76 e 87-88 do PA;

B) Consta, em anexo ao despacho identificado na alínea precedente, o instrumento intitulado “REGULAMENTO DE HORÁRIO DE TRABALHO DO CORPO DA GUARDA PRISIONAL”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – Cfr. fls. 77-81 do PA;

C) Em 25.10.2017, foi publicado, na 2.ª série do Diário da República, n.º 206, o Despacho n.º 9389/2017, da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:

1. Dando cumprimento ao previsto no n.º 3 do artigo 62.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro, importa estabelecer a organização dos tempos de trabalho e dos correspondentes períodos de descanso do pessoal do Corpo da Guarda Prisional.
2. Face às especificidades de funcionamento dos Estabelecimentos Prisionais e ao carácter permanente e obrigatório que caracteriza o serviço prestado pelo pessoal do Corpo da Guarda Prisional, a definição da organização dos tempos de trabalho e dos períodos de descanso destes trabalhadores é uma matéria da maior importância para o alcance das atribuições cometidas a esta Direção-Geral.
3. Considerando justamente a importância da matéria, foram solicitados e apresentados projetos de regulamento por todos os sindicatos e associações sindicais, os quais estiveram representados no grupo de trabalho para o efeito subsequentemente criado e, mais tarde, voltaram a ser ouvidos pelo Gabinete de S. Ex.ª a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça sobre o presente projeto de regulamento.
4. Finalmente o regulamento anexo foi apreciado pelo Gabinete de S. Ex.ª a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça que o considerou adequado e o remeteu ao signatário por ser deste a competência para aprovação final.
5. Assim, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 62.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, é aprovado o Regulamento de organização dos tempos de trabalho e dos períodos de descanso do Corpo da Guarda Prisional, anexo ao presente despacho.
6. Este despacho revoga todas as normas e orientações que dispuserem em contrário.
(…)


Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
O presente Regulamento estabelece o regime e a organização dos tempos de trabalho e os correspondentes períodos de descanso dos trabalhadores pertencentes às carreiras do Corpo da Guarda Prisional, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (adiante designada por DGRSP).
Artigo 2.º
Disponibilidade
1 — O serviço do Corpo da Guarda Prisional, considera-se de carácter permanente e obrigatório, sendo considerados dias de trabalho todos os dias da semana, sem prejuízo dos dias de descanso semanal obrigatório e complementar, bem como das férias, faltas e licenças, nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, e sem prejuízo do previsto no regime geral aplicável em matéria de compensação por trabalho suplementar.
2 — O pessoal do Corpo da Guarda Prisional não pode recusar-se, sem motivo justificado, a comparecer no local de trabalho ou a nele permanecer, para além do período normal de trabalho, nem a eximir-se de desempenhar qualquer missão de serviço, desde que compatível com seu conteúdo funcional.
3 — Os trabalhadores do Corpo da Guarda prisional, nas situações indicadas no número anterior, são compensados nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, nos termos legalmente previstos e que não colidam com o Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional.
Artigo 3.º
Deveres de assiduidade e pontualidade
1 — O pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve cumprir os regimes de prestação de trabalho resultantes do presente regulamento, comparecendo regular e continuadamente ao serviço, não podendo ausentar-se sem autorização do responsável de vigilância ou de quem o substitua, salvo nos casos previstos na lei ou em situações devidamente justificadas.
2 — Sem prejuízo do regime normal de trabalho, o pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve ainda apresentar-se ao serviço quando convocado, sempre que situações de necessidade urgente, nomeadamente de ordem e segurança prisional, exijam a sua presença, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado.
Artigo 4.º
Controlo e registo da assiduidade
1 — Sem prejuízo do controle de entrada e saída nas unidades orgânicas, a verificação do cumprimento dos deveres de assiduidade e pontualidade, bem como do período de trabalho, é efetuada pelo correspondente sistema de controlo e registo de assiduidade, complementado com a presença em formatura ou perante o graduado de serviço no caso do trabalho por turnos, no início de cada período de trabalho.
2 — O registo da assiduidade efetua-se no princípio e no fim de cada período de trabalho e sempre que este seja interrompido.
3 — Sem prejuízo do cumprimento dos deveres de assiduidade e pontualidade, o pessoal incumbido de serviço externo ou chamado a frequentar ações de formação fica dispensado, nos períodos de tempo correspondentes, do registo da assiduidade quando tal se mostre inexequível, devendo, neste caso, ser comunicada a ausência em impresso próprio disponibilizado para o efeito.
CAPÍTULO II
Tempo de trabalho
Artigo 5.º
Duração do trabalho
1 — A duração semanal do trabalho é de trinta e cinco horas, distribuídas por um período normal de trabalho diário de sete horas, de segunda a domingo, incluindo formação, sem prejuízo do previsto no Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional e no presente regulamento.
2 — Os trabalhadores não podem, em regra, prestar mais de cinco horas consecutivas de trabalho, sem prejuízo do previsto no n.º 3 do artigo 109.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (adiante designada LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06.
Artigo 6.º
Regimes de prestação de trabalho e modalidades de horário
São definidos, como regra, os seguintes regimes de trabalho:
a) Horário rígido;
b) Trabalho por turnos.
Artigo 7.º
Regimes de trabalho especiais
Por despacho do dirigente máximo do serviço, ou do órgão que detenha a competência delegada, podem ser fixadas outras modalidades de horário de trabalho, designadamente, horários de trabalho específicos ou com regimes de flexibilidade mais amplos, nomeadamente:
a) A pedido do trabalhador, quando exista motivo ponderoso devidamente justificado;
b) Por conveniência da entidade empregadora, mediante acordo do trabalhador.
Artigo 8.º
Regras específicas dos regimes de prestação de trabalho do pessoal do Corpo da Guarda Prisional
1 — Sempre que necessário para o regular funcionamento do serviço, a duração do período normal de trabalho diário dos elementos do Corpo da Guarda Prisional, pode ser acrescida de um período de 15 minutos destinado à passagem de serviço.
2 — O período normal de trabalho pode ser prolongado para além das sete horas, sempre que se verifiquem situações excecionais que comprometam o normal funcionamento do serviço ou a segurança prisional.
3 — Sem prejuízo da ocorrência de situações excecionais, diariamente não podem ser prestadas mais de nove horas de trabalho.
4 — O disposto nos números 2 e 3 deste artigo não é aplicável às trocas de serviço.
Artigo 9.º
Horário rígido
1 — Horário rígido é aquele que, exigindo o cumprimento da duração semanal do trabalho, se reparte por dois períodos diários, com horas de entrada e de saída fixas idênticas, separados por um intervalo de descanso de uma hora.
2 — Considerando o regime de funcionamento especial das unidades orgânicas a que estão afetos os elementos do Corpo da Guarda Prisional, o horário rígido inicia-se às 08h00 e termina às 16h00, com uma hora de almoço.
3 — O horário rígido pode implicar a prestação de trabalho ao sábado ou domingo, em regime rotativo a praticar entre os respetivos trabalhadores, nos termos de escala a apresentar pelo diretor da unidade orgânica respetiva e sujeita à aprovação da Direção
de Serviços de Segurança, que assegure a presença de pelo menos 20% dos efetivos abrangidos por este horário.
4 — Sempre que seja necessário prestar trabalho ao sábado ou domingo, será assegurado um dia de descanso a ser gozado na semana imediatamente seguinte de segunda a sexta-feira, sem prejuízo de ser gozado em data posterior, mediante acordo entre o trabalhador e o empregador.
5 — São adstritos ao horário rígido todos os trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional que não estejam afetos ao regime de turnos.
Artigo 10.º
Trabalho por turnos
1 — Considera-se trabalho por turnos qualquer modo de organização do trabalho em equipa, em que, por necessidade do regular e normal funcionamento do serviço, há lugar à prestação de trabalho em pelo menos dois períodos diários e sucessivos, sendo cada um de duração não inferior à duração média diária do trabalho.
2 — O regime de turnos é prestado em todos os dias da semana.
3 — Os turnos têm, em regra, a duração de 7 horas dia.
4 — Os turnos são rotativos e caracterizam -se pela prestação de trabalho sequencial nos horários a seguir indicados:
1.º Dia: 08H00-16H00
2.º Dia: 08H00-16H00
3.º Dia: 16H00-24H00
4.º Dia: Descanso
5.º Dia: 00h00-08h00
6.º Dia: Folga
5 — Os turnos têm um intervalo, para repouso ou refeição, no mínimo de uma hora, sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 115.º da LTFP.
6 — No horário por turnos os dias de descanso semanal, obrigatório e complementar, são os fixados nas respetivas escalas, observando-se o disposto na alínea a) do artigo 115.º da LTFP.
7 — Não podem ser prestados mais de seis dias consecutivos de trabalho.
8 — Sempre que cumulativamente se verifiquem os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 63.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional os trabalhadores em regime de turnos têm direito ao suplemento de turno.
9 — O suplemento de turno inclui o que fosse devido por trabalho noturno mas não afasta o que seja devido por prestação de trabalho suplementar.
10 — A aferição da duração do trabalho normal deve reportar-se a um mês.
Artigo 11.º
Escalas de serviço
1 — A escala de serviço, cuja responsabilidade pela elaboração se encontra atribuída ao Chefe do efetivo do Corpo da Guarda Prisional, é aprovada pelo Diretor da respetiva unidade orgânica e obrigatoriamente afixada nos locais de estilo, com, pelo menos, um dia de antecedência.
2 — Os trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional são, em regra, colocados na modalidade de horário rígido.
3 — Exceto em situações devidamente fundamentadas e autorizadas pelo Chefe do efetivo do Corpo da Guarda Prisional, ou por quem o substitua, não é permitida a troca de postos de trabalho.
4 — Os trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional a prestar serviço na modalidade de horário rígido, são ordenados e vão sendo colocados no regime de prestação de trabalho por turnos, consoante a data de apresentação ao serviço, atendendo aos critérios sucessivos abaixo indicados:
a) Regresso de férias;
b) Regresso de acidente de trabalho;
c) Licenças e faltas justificadas;
d) Transferência de unidade orgânica.
5 — Sempre que necessário, na ordenação será utilizado, como critério de desempate, a maior antiguidade na carreira.
6 — No regime de prestação de trabalho por turnos, sempre que a ausência perdurar por mais de um dia de serviço, o trabalhador é retirado de escala.
7 — O trabalhador a que se refere o ponto anterior que regresse após licença de nojo prefere a todos os outros independentemente da data de apresentação ao serviço.
8 — O trabalhador a prestar serviço em modalidade de horário rígido que regresse após licença de nojo mantém o posicionamento para entrada no regime de turnos.
9 — Todas as alterações verificadas na escala aprovada são sempre registadas.
10 — Sem prejuízo da manutenção de adequados níveis de segurança, deve ser assegurada a rotatividade entre postos de trabalho.
Artigo 12.º
Grupo de Intervenção e Segurança Prisional e Grupo Operacional Cinotécnico
O presente regulamento de horário de trabalho é aplicável aos elementos afetos ao Grupo de Intervenção e Segurança Prisional e ao Grupo Operacional Cinotécnico, com as adaptações decorrentes das especificidades de funcionamento destes grupos, em diploma próprio a aprovar por despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Artigo 13.º
Trabalho prestado em dia feriado
Nos termos do n.º 2 do artigo 165.º da LTFP, os elementos do Corpo da Guarda Prisional que prestem serviço enquadrado no seu período normal de trabalho em dia de feriado obrigatório, têm direito a um descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas.
CAPÍTULO III
Tempos de não trabalho
Artigo 14.º
Faltas
1 — Considera-se falta a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário.
2 — Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta.
3 — A falta de registo de assiduidade pelo trabalhador constitui ausência ao serviço.
4 — O estabelecido no número anterior não se aplica aos casos de avaria no funcionamento do sistema de controlo e registo de assiduidade e às situações não imputáveis ao trabalhador.
5 — As situações previstas no número anterior são supríveis pelo superior hierárquico, a pedido do trabalhador, mediante o preenchimento de impresso próprio disponibilizado para o efeito.
6 — Os pedidos de justificação de faltas, ausências temporárias e demais absentismo justificado, devem ser apresentados em impresso próprio disponibilizado para o efeito.
Artigo 15.º
Descanso compensatório
1 — Quando a prestação de trabalho suplementar ultrapassar os limites remuneratórios previstos no n.º 1 do artigo 163.º da LTFP, são concedidos períodos de descanso correspondentes ao trabalho em excesso.
2 — O descanso referido no ponto anterior deve ser gozado, preferencialmente, no trimestre subsequente.
CAPÍTULO IV
Trocas de serviço
Artigo 16.º
Trocas
São permitidas trocas de serviço, nos termos de despacho a ser emanado pelo Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Artigo 17.º
Casos omissos e remissões
1 — Em tudo o que não estiver regulado no presente regulamento, será aplicável a LTFP.
2 — Os casos omissos e as dúvidas resultantes da aplicação do presente regulamento são resolvidos por despacho do Diretor-Geral.
3 — As remissões para os diplomas legais e regulamentares feitas no presente regulamento consideram-se efetuadas para aqueles que venham a regular, no todo ou em parte, as matérias em causa.
Artigo 18.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
1 — A data de entrada em vigor e a produção de efeitos do presente regulamento, opera-se por despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a ser emanado para cada unidade orgânica desconcentrada.
2 — Os despachos a que alude o número anterior são obrigatoriamente afixados nos locais de estilo e publicitados no site da DGRSP com pelo menos trinta dias úteis de antecedência face ao início da produção de efeitos.
3 — Até à aprovação e publicação dos despachos referidos nos pontos anteriores, mantêm-se em vigor os horários de trabalho atualmente praticados.
Cfr. fls. não numeradas dos autos e fls. 87-90 do PA;

D) A 10.11.2017, o Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais proferiu o “DESPACHO”, de cujo teor, qua aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:

Pelo meu despacho datado de 26/09/2017, dando cumprimento ao previsto no n.º 3 do Art. 62 do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional aprovado pelo Decreto-Lei 3/2014 de 9 de janeiro, aprovei o Regulamento do Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional (RHTCGP).
Este despacho foi publicado com o n.º 9389/2017 no DR, 2ª SERIE – n.º 206 de 25 de Outubro de 2017
Verificando-se que,
- a primeira fase do curso de formação do Corpo da Guarda Prisional terminou no passado dia 3/11/2017,
- a segunda fase (formação em contexto real de trabalho) inicia-se no próximo dia 20/11,
- que se aproximam as Quadras Festivas do Natal e Fim do Ano, em que os trabalhadores integrados em regimes de trabalho por escala já tem uma previsibilidade dos respetivos horários a cumprir e das possibilidades de organização e planeamento da sua vida pessoal e sócio-familiar para esse período,
entendeu-se que a implementação do novo horário de trabalho deve iniciar-se apenas após os eventos supra mencionados.
Assim, nos termos e para os efeitos previstos no Art. 18º do RHTCGP, determino a aplicação do novo horário de trabalho com efeitos a 2 de janeiro de 2018, nos Estabelecimentos Prisionais de:
- CASTELO BRANCO
- COIMBRA
- FUNCHAL
- LISBOA
- PAÇOS DE FERREIRA
- PORTO
Finalmente, consigno que, relativamente aos restantes Estabelecimentos Prisionais, a entrada em vigor do novo horário de trabalho, caso não se verifiquem condições que permitam a sua antecipação, ocorrerá em abril de 2018, após a conclusão do curso de formação inicial do Corpo da Guarda Prisional e do movimento geral de transferências”.‖
Cfr. fls. 85-86 do PA.



*
B – De direito
1. Da decisão recorrida
A sentença recorrida, debruçando-se sobre o mérito do pedido cautelar, considerou não se encontrar verificado o requisito do periculum in mora tal como previsto no artigo 120º nº 1 do CPTA revisto, em face do que se absteve de apreciar e conhecer os demais, por prejudicialidade, julgando, em consequência, improcedente a pretensão cautelar.
Decisão que assentou na fundamentação que se transcreve com utilidade para o presente recurso:
«(…)
Nos termos da primeira parte, do n.º 1, do artigo 120.º do CPTA, a concessão da providência requerida depende da verificação, em concreto, de um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação” para os interesses a assegurar no processo principal, configurando-se assim o periculum in mora segundo duas vertentes não cumulativas.
Na primeira vertente, a verificação do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado sucederá quando o prejuízo do Requerente se mostre irreparável ou – nas palavras de Mário Aroso de Almeida – ¯sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
A segunda vertente traduz a situação em que os factos concretos alegados pelo Requerente inspiram o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, ¯seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Em síntese, dir-se-á – citando Fernanda Maçãs – que o critério do periculum in mora deve dar-se por verificado, “nos casos em que a não concessão da providência cautelar possa conduzir não apenas a uma situação de irreversibilidade (traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da actuação ilegal – situação de facto consumado), mas também naqueles casos em que, sendo a reconstituição natural, em abstracto, possível, esta se revele muito difícil, em especial por não ser determinável a verdadeira extensão dos prejuízos causados (produção de prejuízo de difícil reparação)”.
Como refere J. C. Vieira de Andrade, na avaliação a realizar relativamente a este pressuposto “o juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar “compreensível ou justificada” a cautela que é solicitada.”
Ao Requerente cabe o ónus de alegar e provar factos concretos e suficientes que permitam ao tribunal julgar como provável a verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação [cfr. artigo 114.º, n.º 3, alínea g), do CPTA].
No caso dos autos, o Requerente sustentou a verificação de uma situação de periculum in mora com a alegação de que a interpretação conjugada dos artigos 2.º e 15.º do Regulamento será propiciadora de manifestos abusos dos chefes principais ou comissários e directores das unidades orgânicas dos estabelecimentos prisionais que, certamente, obrigarão os subalternos a exercer funções, desrespeitando os seus direitos fundamentais consignados no artigo 59.º da CRP, sendo que quem incumprir poderá ser alvo de processos disciplinares, uma vez que a ilegalidade tem de ser reconhecida administrativa ou contenciosamente.
Alegou também que com a entrada em vigor do regulamento os trabalhadores sofrerão enormes abusos relativamente ao horário de trabalho que terão que cumprir, que ultrapassará e muito o limite das 35 horas semanais, sendo obrigados a desempenhar funções num horário indeterminado e não remunerado, com prejuízo para a sua saúde física e mental, impedindo uma conciliação da sua vida profissional com a familiar, de modo que as normas em causa causarão prejuízos de difícil reparação, nomeadamente, para a saúde, bem-estar, tranquilidade e vida familiar dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, dos seus dirigentes e dos seus associados, atendendo à carga horária desumana, escravizante e a título gratuito.
Ora, tais alegações, vertidas no requerimento inicial, são de carácter genérico e conclusivo, reportam-se a prejuízos meramente hipotéticos, razão pela qual se mostram insusceptíveis de preencher o pressuposto do periculum in mora, previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
Efectivamente, os factos alegados atêm-se no domínio das possibilidades, não se encontrando nos autos alegada qualquer circunstância concreta que permita concluir, com o mínimo de probabilidade, que as normas suspendendas serão aplicadas de molde a que os associados do Autor sejam obrigados a prestar trabalho em termos inconciliáveis com a organização da sua vida pessoal e familiar, nem que os mesmos venham a ser, em virtude de recusa legítima, alvo de processos disciplinares, sendo certo que a legalidade de qualquer pena disciplinar aplicada, sempre seria susceptível de ser sindicada com fundamento na aplicação de uma norma regulamentar contrária à lei.
Com efeito, na situação dos autos, o Requerente apenas indica meras hipóteses ou possibilidades, cuja verificação, no plano dos factos, não se mostra provável, não concretizando quaisquer circunstâncias que permitam concluir pela probabilidade de ocorrência prejuízos efectivos e iminentes e, como tal, de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
Assim, não tendo sido alegados pelo Requerente quaisquer factos concretos susceptíveis de configurar uma situação de periculum in mora, ónus que lhe competia, não se mostra fundado o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, caso não seja adoptada a providência cautelar requerida.
Nestes termos, é de julgar não verificado o requisito do periculum in mora, ínsito na primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.»
~
2. Da análise e apreciação do recurso
2.1 Cumpre começar por observar que a pretensão cautelar formulada pelo SINDICATO NACIONAL DO CORPO DA GUARDA PRISIONAL, de suspensão de eficácia de normas, providência cautelar expressamente elencada no artigo 112º nº 1 alínea a) do CPTA, se dirige ao Regulamento de Organização dos Tempos de Trabalho e dos períodos de descanso do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Diretor Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, através do Despacho n.º 9389/2017, e publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 206, de 25/10/2017. Sendo que o requerimento da providência cautelar foi apresentado em juízo em 07/11/2017, previamente à instauração da respetiva ação principal, que o requerente SINDICATO identificou tratar-se de ação administrativa de impugnação de normas, prevista nos artigos 37º nº 1 alínea d) e 72º do CPTA, e que menciona nas alegações do presente recurso ter sido entretanto instaurada em 17/11/2017, correndo sob Proc. nº 2563/17.2BELSB.
2.2 A segunda nota é a de que a apreciação do concreto pedido cautelar de suspensão de eficácia de normas haverá de ser feita por consideração simultânea dos critérios decisórios previstos no artigo 120º do CPTA e do particularmente previsto no artigo 130º do mesmo Código CPTA, tendo por referência, atenta a natureza instrumental dos processos cautelares, a pretensão impugnatória que lhes é dirigida em sede de ação administrativa, a que atualmente se referem os artigos 37º nº 1 alínea d) e 72º ss. do CPTA, cuja utilidade a providência cautelar se destinará a assegurar. A este propósito vide acórdão deste TCA Sul de 09/11/2017, Proc. 55/15.3BEPDL, em que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, assim sumariado: «I – Atenta a sua natureza e o seu caráter instrumental e provisório, a apreciação do pedido cautelar de suspensão de eficácia de normas deve, por um lado, sujeitar-se, ao particularmente previsto no artigo 130º do CPTA e simultaneamente aos critérios decisórios previstos no artigo 120º do CPTA, e por outro haverá que ter por referência o pedido impugnatório das normas a que aludiam os artigos 46º nº 1 alínea c) e 72º ss. do CPTA (na versão anterior à resultante da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015) e a que atualmente se referem os artigos 37º nº 1 alínea d) e 72º ss. do mesmo Código. II – À luz do nº 5 do artigo 286º da CRP, que assegura o direito dos cidadãos a impugnarem as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, o CPTA admite a impugnação direta de normas no contencioso administrativo com vista à declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de atos praticados no âmbito do respetivo procedimento de aprovação” (cfr. artigo 72º nº 1). III – Nesse âmbito pode ser pedida a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de norma imediatamente operativa por quem seja diretamente prejudicado pela vigência da norma ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo, independentemente da prática de ato concreto de aplicação (cfr. artigo 73º nº 1) e bem assim pode ser pedida a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso, por quem seja diretamente prejudicado ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo pela aplicação de norma imediatamente operativa que incorra em qualquer dos fundamentos de ilegalidade previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (artigo 73º nº 2). IV – Também o artigo 130º do CPTA revisto exige o caráter imediatamente operativo da norma a suspender ao estatuir que “…o interessado na declaração da ilegalidade de norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo cujos efeitos se produzam imediatamente, sem dependência de um ato administrativo ou jurisdicional de aplicação, pode requerer a suspensão da eficácia dessa norma, com efeitos circunscritos ao seu caso” (nº 1).».
2.3 Atenha-se neste conspecto que o artigo 120º do CPTA revisto (DL n.º 214-G/2015), dispõe o seguinte:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 — Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.

E que o artigo 130º do mesmo CPTA revisto (DL n.º 214-G/2015), em sede de disposições particulares (capítulo II), dispõe o seguinte:
“Artigo 130º
Suspensão da eficácia de normas
1 — O interessado na declaração da ilegalidade de norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo cujos efeitos se produzam imediatamente, sem
dependência de um ato administrativo ou jurisdicional de aplicação, pode requerer a suspensão da eficácia dessa norma, com efeitos circunscritos ao seu caso.
2 — O Ministério Público e as pessoas e entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º podem pedir a suspensão, com força obrigatória geral, dos efeitos de qualquer norma em relação à qual tenham deduzido ou se proponham deduzir pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral.
3 — [Revogado].
4 — Aos casos previstos no presente artigo aplica-se, com as adaptações que forem necessárias, o disposto no capítulo I e nos dois artigos precedentes.”

2.4 Estas notas prévias assumem utilidade e relevância para a apreciação do presente recurso precisamente por o periculum in mora enquanto requisito para a decretação de uma providência cautelar tal como previsto no nº 1 do artigo 120º do CPTA revisto, exigir que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal. Significando que a questão de saber se na situação presente existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência implica, também, ter-se presente o sentido e conteúdo da norma ou conjunto de normas regulamentares relativamente às quais é pretendida a respetiva suspensão de efeitos (suspensão de eficácia) até que seja definitivamente decidida na ação principal a sua invocada ilegalidade.
2.5 No caso dos autos o requerente SINDICATO peticionou a suspensão da eficácia do Regulamento de Organização dos Tempos de Trabalho e dos períodos de descanso do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Despacho n.º 9389/2017 do Diretor Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 206, de 25/10/2017, não tendo circunscrito o pedido de suspensão de eficácia a nenhuma concreta norma ou conjunto de normas daquele Regulamento. Todavia ali apontou como ilegais, o que reitera no recurso, as normas constantes do artigo 2º nº 2 do Regulamento (que o requerente sustenta violar o artigo 61º nº 3 do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), aprovado pelo DL. nº 3/2014, de 9 de janeiro e com ele os artigos 112º nº 5 e 59º da Constituição – vide artigos 15º a 19ª do RI) e do artigo 15º do Regulamento (que o requerente sustenta violar o artigo 61º nº 2, parte final, do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), o artigo 229º do Código de Trabalho ex vi do artigo 4º da LTFP e o artigo 163º nº 1 da LTFP – vide artigos 20º a 28º do RI).
Sendo certo, e importa, antes do mais, explicitá-lo, que o que invoca em torno da questão da data da entrada em vigor do Regulamento (vide conclusão 10ª das suas alegações de recurso) não consubstancia causa de invalidade, seja material ou formal, do Regulamento. A questão é, na verdade, atinente à eficácia do Regulamento, a qual, nos termos do disposto no artigo 139º do CPA novo (DL. nº 4/2015) depende da respetiva publicação, a fazer no Diário da República, e ao início da sua vigência, a qual nos termos do artigo 140º do mesmo Código, ocorrerá na data estabelecida no regulamento ou no quinto dia após a sua publicação. E, no caso, o Regulamento aqui em causa foi publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 206, o Despacho n.º 9389/2017 tendo nele sido estabelecido, no seu artigo 18º, que a respetiva entrada em vigor e produção de efeitos se operaria por despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a ser emanado para cada unidade orgânica desconcentrada. O que veio a suceder pelo despacho de 10/11/2017 do Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que determinou como a data de 02/01/2018 para a aplicação do novo regulamento do horário de trabalho para os Estabelecimentos Prisionais de CASTELO BRANCO, COIMBRA, FUNCHAL, LISBOA, PAÇOS DE FERREIRA e PORTO e consignou que relativamente aos restantes Estabelecimentos Prisionais, a entrada em vigor ocorreria em abril de 2018 (caso não se verificassem condições que permitissem a sua antecipação) (vide D) do probatório).
2.6 Para justificar a necessidade da decretação da providência invocou que com a entrada em vigor do Regulamento os trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional sofrerão «enormes abusos relativamente ao horário de trabalho que terão que cumprir, que ultrapassará e, muito o limite das 35 horas semanais, sem existirem balizas, obrigando a que os trabalhadores desempenhem as suas funções num horário indeterminado e não remunerado» (vide artigo 30º do RI); que o direito fundamental dos trabalhadores à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar está a ser manifestamente violado, «permitindo que os trabalhadores cumpram trabalho escravizante sem possibilidade de o poderem recusar, inexistindo qualquer limite máximo à jornada de trabalho, uma vez que está autorizado o trabalho para além do período normal de trabalho não remunerado e indeterminado» (vide artigo 31º do RI); e que o regulamento contém «normas abusivas e ilegais que causarão prejuízos de difícil reparação pela demora de uma decisão em sede de ação administrativa, nomeadamente para a saúde, o bem-estar, a tranquilidade e, a vida familiar dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, dirigentes e associados do requerente, atendendo à carga horária desumana, escravizante e a título gratuito que terão que cumprir (periculum in mora)» (vide artigo 33º do RI).
2.7 Enfrentando o assim invocado a sentença recorrida entendeu que as alegações vertidas no requerimento inicial da providência são de carácter genérico e conclusivo, e reportam-se a prejuízos meramente hipotéticos, não se mostrando suscetíveis de preencher o pressuposto do periculum in mora previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 120º do CPTA, explicitando simultaneamente que o alegado se atem no domínio das possibilidades, não se encontrando alegada «…qualquer circunstância concreta que permita concluir, com o mínimo de probabilidade, que as normas suspendendas serão aplicadas de molde a que os associados do autor sejam obrigados a prestar trabalho em termos inconciliáveis com a organização da sua vida pessoal e familiar, nem que os mesmos venham a ser, em virtude de recusa legítima, alvo de processos disciplinares»; acrescentando que «…a legalidade de qualquer pena disciplinar aplicada, sempre seria suscetível de ser sindicada com fundamento na aplicação de uma norma regulamentar contrária à lei», e que o SINDICATO requerente «…apenas indica meras hipóteses ou possibilidades, cuja verificação, no plano dos factos, não se mostra provável, não concretizando quaisquer circunstâncias que permitam concluir pela probabilidade de ocorrência prejuízos efetivos e iminentes e, como tal, de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação». Concluindo não se encontrar, assim, verificado, o requisito do periculum in mora previsto no artigo 120º nº 1 do CPTA.
2.8 E é, efetivamente, de manter o juízo de não verificação de tal requisito, ainda que não exatamente com a mesma fundamentação. Não merecendo acolhimento o recurso.
Vejamos porquê.
2.9 O recorrente começa por sustentar nas suas alegações de recurso que o Tribunal a quo ao não ter concedido a providência cautelar requerida violou o princípio da tutela judicial efetiva tal como consignado no artigo 2º nºs 1 e 2 alínea q) do CPTA e no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que o mesmo compreende o direito a obter providências cautelares conservatórias destinadas a assegurar o efeito útil da ação.
2.10 A razão da tutela cautelar é precisamente a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual legalmente se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. Ora, «…é precisamente por as providências cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal (o que tem por objeto a decisão sobre o mérito do litígio) que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA, “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”» (cfr., entre muitos outros, o acórdão deste TCA Sul de 23/11/2017, Proc. 22/17.2BELSB, in, www.dgsi.pt/jtca) e pela mesma razão a lei «…faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus boni iuris)» (cfr., entre muitos outros, o acórdão deste TCA Sul de 31/01/2018, Proc. 269/17.1BESNT, in, www.dgsi.pt/jtca).
2.11 Assim, sendo certo que o princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como acolhido constitucionalmente no artigo 268º nº 4 da CRP e explicitado no artigo 2º nºs 1 e 2 alínea q) do CPTA, compreenda “…a possibilidade (…) de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”, designadamente em termos que “…a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponda a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: (…) a adoção das providências cautelares adequadas para assegurar o efeito útil das decisões a proferir em processo declarativo”, a decretação da providências cautelares depende, obviamente, do preenchimento das condições necessárias para o efeito à luz dos critérios legais ínsitos no artigo 120º do CPTA. E bem assim, no caso, e por estar em causa uma providência cautelar de suspensão de eficácia de normas o particularmente previsto no artigo 130º do mesmo Código, como já se viu supra.
O Tribunal a quo debruçou-se, aliás, sobre o mérito da pretensão cautelar, que indeferiu, precisamente por considerar não se mostrar verificado o requisito do periculum in mora. Pelo que o que importará aferir é se o Tribunal a quo, ao indeferir a providência, com tal fundamento fez, ou não, uma correta interpretação e aplicação da lei.
2.12 O recorrente invoca efetivamente que a sentença recorrida decidiu mal ao julgar não verificado o requisito do periculum in mora.
Não obstante a sua pouca clareza, poder-se-á descortinar do argumentário vertido nas alegações de recurso do recorrente SINDICATO que este assenta o invocado erro de julgamento no que tange ao requisito do periculum in mora em na ideia de que sendo a providência cautelar requerida de natureza conservatória, e de que estando em causa um regulamento administrativo ilegal (violador, em seu entender, de normas do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014 de 9 de Janeiro, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei 35/2014 de 20 de Junho e do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro) cuja entrada em vigor viola e violará de uma forma flagrante os direitos fundamentais dos associados do recorrente, situação que não poderá ser reconstituída em sede de ação principal, com uma decisão favorável, uma vez que durante a sua pendência todas as horas de trabalho prestadas a mais, a título gratuito, em manifesta violação da organização do trabalho em condições socialmente dignificantes e, com prejuízo da saúde, da integridade física, do direito ao repouso/descanso, da conciliação da vida profissional e familiar dos trabalhadores do corpo da guarda prisional, associados do recorrente, não poderão ser devolvidas a esses trabalhadores e os seus efeitos anulados como se não tivessem ocorrido, e de tendo o Regulamento ínsito normas ilegais que permitem, pela sua redação, que os trabalhadores do corpo da guarda prisional exerçam as suas funções num horário de trabalho indefinido, atendendo à alteração do artigo 2º do Regulamento, que amplia o conceito de dever de disponibilidade relativamente à lei habilitante, e o artigo 15º do Regulamento, que permite que seja prestado trabalho suplementar além dos limites remuneratórios previstos na LTFP (artigo 163º), cimentando-se estas situações nas esferas jurídicas do recorrente e seus associados, durante a pendência da ação principal e até esta vir a ser decidida, os efeitos do regulamento administrativo ilegal em vigor não se poderão excluir das esferas jurídicas dos associados do recorrente, sendo este o prejuízo grave e irreparável face à demora da solução na ação principal, não sendo possível repor a situação que existia antes da entrada em vigor do regulamento administrativo ilegal e da declaração da sua ilegalidade em sede de ação principal, se encontra verificado o requisito do periculum in mora (vide, designadamente, artigos 9º, 12º, 13º, 14º, 16º e 17º das alegações de recurso e respetivas conclusões de recurso).
2.13 O Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aqui em causa, foi emitido na decorrência do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), aprovado pelo DL. nº 3/2014, de 9 de janeiro, em concreto ao abrigo do seu artigo 62º nº 3, que dispõe o seguinte: “A organização dos tempos de trabalho e dos correspondentes períodos de descanso consta de Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, ouvidos os representantes dos trabalhadores do CGP”.
2.14 As normas do Regulamento que o requerente SINDICATO reputa como ilegais são as constantes do artigo 2º nº 2 e do artigo 15º do Regulamento, os quais dispõem o seguinte:
Artigo 2.º
Disponibilidade
1 — O serviço do Corpo da Guarda Prisional, considera-se de carácter permanente e obrigatório, sendo considerados dias de trabalho todos os dias da semana, sem prejuízo dos dias de descanso semanal obrigatório e complementar, bem como das férias, faltas e licenças, nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, e sem prejuízo do previsto no regime geral aplicável em matéria de compensação por trabalho suplementar.
2 — O pessoal do Corpo da Guarda Prisional não pode recusar-se, sem motivo justificado, a comparecer no local de trabalho ou a nele permanecer, para além do período normal de trabalho, nem a eximir-se de desempenhar qualquer missão de serviço, desde que compatível com seu conteúdo funcional.
3 — Os trabalhadores do Corpo da Guarda prisional, nas situações indicadas no número anterior, são compensados nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, nos termos legalmente previstos e que não colidam com o Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional.
Artigo 15.º
Descanso compensatório
1 — Quando a prestação de trabalho suplementar ultrapassar os limites remuneratórios previstos no n.º 1 do artigo 163.º da LTFP, são concedidos períodos de descanso correspondentes ao trabalho em excesso.
2 — O descanso referido no ponto anterior deve ser gozado, preferencialmente, no trimestre subsequente.

2.15 Relativamente ao artigo 2º nº 2 do Regulamento o requerente SINDICATO sustenta que a mesma viola o artigo 61º nº 2, parte final, do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), o artigo 229º do Código de Trabalho ex vi do artigo 4º da LTFP e o artigo 163º nº 1 da LTFP (vide artigos 20º a 28º do RI). E no que tange ao artigo 15º do Regulamento que viola o artigo 61º nº 2, parte final, do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), o artigo 229º do Código de Trabalho ex vi do artigo 4º da LTFP e o artigo 163º nº 1 da LTFP (vide artigos 20º a 28º do RI).
2.16 Ora, a perceção do âmbito e efeitos destas normas não pode ser desemoldurada do que demais é disposto no Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, nem do quadro legal que consta do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (DL. nº 3/2014), que lhe dá enquadramento e de que é diploma habilitante (cfr. artigo 62º nº 3). Pelo que a ambas cumpre atender.
2.17 O DL. nº 3/2014, de 9 de janeiro aprovou o atual Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (doravante simplesmente referido como Estatuto), revogando o até então vigente Estatuto dos Guardas Prisionais aprovado pelo DL. nº 174/93, de 12 de maio. No seu preâmbulo é referido serem atualmente incumbidas ao Corpo de Guardas Prisionais um cada vez maior número de competências, quer no âmbito de funções securitárias quer de funções no âmbito da ressocialização, exigindo-se especiais competências e conhecimentos especializados nessas áreas, e evidenciou-se ser uma das mais importantes alterações operadas pelo novo Estatuto a criação de duas carreiras no âmbito do Corpo de Guardas Prisionais, uma integrando as funções de chefia e, outra, com uma dimensão mais operacional, explanando-se que com essa divisão e respetiva definição dos conteúdos funcionais das diferentes categorias nessas carreiras se visa uma resposta mais adequada e eficaz às exigências do atual sistema prisional. E efetivamente, nos termos do artigo 25º do Estatuto prevê-se essas duas carreiras, uma a de «chefe da guarda prisional» (integrando as categorias de «comissário prisional», de «chefe principal» e de «chefe»), outra a de guarda prisional (integrando as categorias de «guarda principal» e de «guarda»), com relação hierárquica estabelecida na respetiva carreira (cfr. artigo 24º do Estatuto), cujas funções correspondentes ao conteúdo funcional da carreira e categoria respetiva constam do anexo I ao Estatuto (cfr. artigo 26º nºs 1, 2 e 3 do Estatuto).
O Corpo da Guarda Prisional é assim, constituído pelos trabalhadores da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) com funções de segurança pública em meio institucional, estando afetos às unidades orgânicas desconcentradas da DGRSP que correspondam a estabelecimentos prisionais (e diretamente subordinados aos respetivos diretores), armados e uniformizados, integrados nas carreiras especiais de chefe da guarda prisional e de guarda prisional e que têm por missão garantir a segurança e tranquilidade da comunidade prisional, mantendo a ordem e a segurança do sistema prisional, protegendo a vida e a integridade dos cidadãos em cumprimento de penas e medidas privativas da liberdade e assegurando o respeito pelo cumprimento da lei e das decisões judiciais, bem como pelos direitos e liberdades fundamentais desses cidadãos (cfr. artigos 1º nº 1 e 24º do Estatuto).
E compete-lhe, designadamente, como deveres funcionais, entre outros, manter a vigilância e a proteção dos estabelecimentos prisionais, bem como das instalações da DGRSP; garantir as condições de segurança; observar os reclusos nos locais de trabalho, recintos ou zonas habitacionais a fim de detetar situações que atentem contra a ordem e a segurança dos serviços ou contra a integridade física e moral de todos os que se encontrem no estabelecimento; acompanhar e custodiar os reclusos; capturar e reconduzir ao estabelecimento prisional mais próximo os reclusos evadidos ou que se encontrem fora do estabelecimento sem autorização; prestar assistência e manter segurança e vigilância durante o período de visita aos reclusos, bem como revistar os visitantes, verificar e fiscalizar os produtos ou artigos pertencentes ou destinados aos mesmos; desenvolver as atividades necessárias para um primeiro acolhimento dos reclusos e visitantes;
prevenir e combater a criminalidade em meio prisional, em coordenação com as forças e serviços de segurança; garantir o controlo da entrada e saída de pessoas e bens no espaço prisional (
cfr. artigo 27º nº 1 do Estatuto).
Sendo o pessoal do Corpo da Guarda Prisional agente da autoridade quando no exercício das suas funções (cfr. artigo 1º nº 2 do Estatuto) e utilizando os meios de ordem e segurança e os meios coercivos, auxiliares e complementares, necessários ao exercício das suas funções, tendo, designadamente, competência para capturar e reconduzir ao estabelecimento prisional mais próximo os reclusos evadidos ou ausentes do estabelecimento sem autorização, sempre que possível, em articulação com as forças e serviços de segurança competentes (cfr. artigo 4º nºs 1, 2 e 3 do Estatuto) bem como livre acesso a estabelecimentos e outros locais públicos ou abertos ao público, em todo o território nacional, quando em ato ou missão de serviço, na realização da custódia de reclusos ou de diligências tendentes a evitar a fuga ou a tirada de reclusos, bem como para proceder à recaptura de reclusos evadidos (cfr. artigo 8º do Estatuto) utilizando os equipamentos, armamento e outros meios fornecidos ou autorizados pela DGRSP, necessários à execução das suas funções (cfr. artigo 20º do Estatuto).
2.18 Precisamente em face da particular natureza e especiais funções dos trabalhadores que integram o Corpo da Guarda Prisional os direitos e deveres previstos na lei geral para os demais trabalhadores que exercem funções públicas em regime de nomeação, são-lhe aplicáveis na exata medida em que não sejam afastados pelo especificamente previsto no Estatuto enquanto regime jurídico das carreiras especiais do pessoal do Corpo da Guarda Prisional (cfr. artigos 1º e 5º do Estatuto).
Ora, a respeito do regime de trabalho dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional dispõe o capítulo II do Estatuto, prevendo no seu artigo 61º, sob a epígrafe “disponibilidade”, que “…o serviço do CGP é de carácter permanente e obrigatório” (nº 1); que “…os estabelecimentos prisionais funcionam em laboração contínua, sendo considerados dias de trabalho todos os dias da semana, sem prejuízo dos dias de descanso semanal obrigatório e complementar, bem como das férias, faltas e licenças, nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, sem prejuízo do previsto no regime geral aplicável em matéria de compensação por trabalho extraordinário” (nº 2); que “…sem prejuízo do regime normal de trabalho, os trabalhadores do CGP não podem recusar-se, sem motivo justificado, a comparecer no seu posto de trabalho ou a nele permanecer para além desse período, sempre que para tal sejam convocados, para acorrer a situações de perigo para a ordem e segurança prisionais, devendo manter-se permanentemente contatáveis” (nº 3) e que “…os trabalhadores do CGP, nas situações previstas no número anterior, são compensados nos termos previstos para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação, nos termos legalmente previstos e que não colidam com o presente Estatuto” (nº 4).
E com respeito à duração do trabalho prevê o artigo 62º do Estatuto o seguinte:
Artigo 62º - Duração do trabalho
1 - Sem prejuízo do disposto do artigo anterior, a duração semanal de trabalho dos trabalhadores do CGP é a fixada para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação.
2 - O disposto no número anterior não pode prejudicar, em caso algum, o dever de disponibilidade permanente, nem o funcionamento dos estabelecimentos prisionais.
3 - A organização dos tempos de trabalho e dos correspondentes períodos de descanso consta de Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, ouvidos os representantes dos trabalhadores do CGP.

E simultaneamente prevê o Estatuto a possibilidade de prestação de trabalho em regime de turnos, caracterizado pela sujeição a uma escala de serviço, com rotatividade de horários, considerando-se trabalho por turnos qualquer modo de organização do trabalho em que, por necessidade do regular e normal funcionamento do serviço, há lugar à prestação de trabalho em pelo menos dois períodos diários e sucessivos, sendo cada um de duração não inferior à duração média diária do trabalho, não podendo a duração de trabalho de cada turno ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho (cfr. artigo 63º nºs 1, 2 e 3 do Estatuto).
2.19 O regime remuneratório dos trabalhadores que integram o Corpo da Guarda Prisional reflete também, naturalmente, as condições particulares próprias do respetivo exercício de funções, o qual, para além da remuneração-base correspondente à posição remuneratória (cfr. artigos 45º e 46º do Estatuto), compreende diversos suplementos remuneratórios, devidos quando haja exercício efetivo de funções, entre os quais, o «suplemento por serviço na guarda prisional», precisamente com fundamento no regime especial da prestação de serviço, no ónus e restrições específicas das respetivas funções, no risco, penosidade e disponibilidade permanente (cfr. artigo 48º nº 1 alínea a) e artigo 49º nº 1 do Estatuto) e o «suplemento de renda de casa», como compensação do dever de residência obrigatória junto da unidade orgânica (estabelecimento prisional) onde exercem funções (cfr. artigos 22º, 48º nº 1 alínea f) e 54º do Estatuto).
2.20 O Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Diretor Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, através do Despacho n.º 9389/2017, e publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 206, de 25/10/2017, foi emitido na decorrência do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (ECGP), aprovado pelo DL. nº 3/2014, de 9 de janeiro, em concreto ao abrigo do seu artigo 62º nº 3.
Nele refere-se que a duração semanal do trabalho é de 35 horas, distribuídas por um período normal de trabalho diário de 7 horas (cfr. artigo 5º do Estatuto). Sendo estabelecidas duas modalidades de tempos de trabalho essenciais, o «horário rígido» e o «trabalho por turnos», sendo o primeiro caracterizado por o cumprimento do período normal diário de trabalho (de 7 horas) ser das 08h00 às 16h00, com intervalo de descanso de 1 hora (cfr. artigos 5º, 6º e 7º do Regulamento), e o segundo por rotatividade da repartição do período normal de trabalho diário de 7 horas, na seguinte sequência e horários (cfr. artigos 6º e 10º do Regulamento):
1.º Dia: 08H00-16H00
2.º Dia: 08H00-16H00
3.º Dia: 16H00-24H00
4.º Dia: Descanso
5.º Dia: 00h00-08h00
6.º Dia: Folga

Estabelece o artigo 3º do Regulamento que “…o pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve cumprir os regimes de prestação de trabalho resultantes do presente regulamento, comparecendo regular e continuadamente ao serviço, não podendo ausentar-se sem autorização do responsável de vigilância ou de quem o substitua, salvo nos casos previstos na lei ou em situações devidamente justificadas” (nº 1) e que “…sem prejuízo do regime normal de trabalho, o pessoal do Corpo da Guarda Prisional deve ainda apresentar-se ao serviço quando convocado, sempre que situações de necessidade urgente, nomeadamente de ordem e segurança prisional, exijam a sua presença, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado” (nº 2).
E o artigo 8º do Regulamento dispõe ainda que “…o período normal de trabalho pode ser prolongado para além das 7 horas, sempre que se verifiquem situações excecionais que comprometam o normal funcionamento do serviço ou a segurança prisional” (nº 2).
Trata-se aqui da reiteração do que já resulta do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, designadamente do seu artigo 61º nº 3.
2.21 E é neste enquadramento que se deve compreender o disposto no artigo 2º nº 2 do Regulamento ao dispor que “…o pessoal do Corpo da Guarda Prisional não pode recusar-se, sem motivo justificado, a comparecer no local de trabalho ou a nele permanecer, para além do período normal de trabalho, nem a eximir-se de desempenhar qualquer missão de serviço, desde que compatível com seu conteúdo funcional”.
Naturalmente, se for determinado ao trabalhador do Corpo da Guarda Prisional a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho diário de 7 horas, estar-se-á perante trabalho suplementar, por se tratar de trabalho prestado fora do horário de trabalho (cfr. artigo 120º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho e artigo 226º nº 1 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n 7/2009, de 12 de fevereiro). E, por conseguinte, submetido ao seu regime jurídico-legal, que atualmente é o decorrente da LTFP.
O que significa que o trabalho suplementar, por princípio, só pode ser exigido aos trabalhadores até ao limite anual de 150 horas e ao limite diário de 2 horas (cfr. artigo 120º da LTFP), e que até esses limites o trabalhador não pode recusar a sua prestação, a não ser por motivo atendível (cfr. artigo 120º nº 1 da LTFP e artigo 227º nº 3 do Código do Trabalho). Motivo justificado ao qual também alude o artigo 2º nº 2 do Regulamento.
Ainda que, atenha-se, estes limites possam ser ultrapassados, nos termos do disposto no artigo 120º nº 3 da LTFP “…desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60% da remuneração base do trabalhador” quando se trate de “…trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável” ou ainda “…em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência”.
2.22 A exigibilidade da prestação de trabalho suplementar está ainda submetida a outra limitação, atinente ao limite máximo do valor do acréscimo salarial devido a esse título, nos termos do disposto no artigo 163º nº 1 da LTFP, de acordo com o qual “…os trabalhadores nomeados não podem, em cada mês, receber por trabalho suplementar mais do que um terço da remuneração base respetiva, pelo que não pode ser exigida a sua realização quando exceda aquele limite”.
Lembre-se, a este respeito, que a prestação de trabalho suplementar confere ao trabalhador o direito aos acréscimos remuneratórios previstos no artigo 162º da LTFP nos seguintes termos:
- 25% da remuneração na primeira hora ou fração desta, quando o trabalho suplementar seja prestado em dia normal de trabalho;
- 37,5% da remuneração, nas horas ou frações subsequentes à primeira hora, quando o trabalho suplementar seja prestado em dia normal de trabalho;
- 50% da remuneração por cada hora de trabalho quando o trabalho suplementar seja prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado.
Sendo certo que, de todo o modo, nos termos do disposto no artigo 162º nº 7 da LTFP “…por acordo entre o empregador público e o trabalhador, a remuneração por trabalho suplementar pode ser substituída por descanso compensatório”.
2.23 Feito este périplo, vejamos então, agora, em que medida não procede o recurso, por dever manter-se o julgamento de improcedência do pedido cautelar por falta de verificação do requisito do periculum in mora.
2.24 Com a entrada em vigor do Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aqui em causa, as normas regulamentares nele contidas passaram a aplicar-se aos trabalhadores por elas abrangidos, na exata medida em que o sejam.
A oposição essencial que o requerente SINDICATO manifesta relativamente àquele Regulamento, e que motiva quer a sustentação da ilegalidade das normas ínsitas nos seus artigos 2º e 15º quer a necessidade da decretação da requerida providência suspensão de suspensão da sua eficácia, nos termos apontados no requerimento inicial da providência e reiterados no presente recurso, prende-se com o entendimento de que daquelas normas resulta a sujeição dos seus trabalhadores a um horário de trabalho indefinido, através da ampliação do conceito de dever de disponibilidade, que o requerente SINDICATO considera ser operada pelo artigo 2º do Regulamento face àquela que consta da lei habilitante, permitindo simultaneamente que seja prestado trabalho suplementar além dos limites legais previstos na LTFP, mormente os limites por referência aos acréscimos remuneratórios previstos no artigo 163º da LTFP, e que que permite que seja prestado trabalho suplementar além dos limites remuneratórios previstos na LTFP (artigo 163º), cimentando-se estas situações nas esferas jurídicas do recorrente e seus associados, em violação da organização do trabalho em condições socialmente dignificantes e, com prejuízo da saúde, da integridade física, do direito ao repouso e descanso, da conciliação da vida profissional e familiar dos trabalhadores do corpo da guarda prisional.
2.24 Ora, vistas as normas do Regulamento de Horário de Trabalho do Corpo da Guarda Prisional, que percorremos supra, surge, em primeiro lugar, que nela é observada a duração semanal do trabalho de 35 horas, bem como o período normal de trabalho diário de 7 horas (cfr. artigo 5º do Estatuto), seja na modalidade de «horário rígido» seja no regime de «trabalho por turnos» (cfr. artigos 5º, 6º, 7º e 10º do Regulamento).
2.25 O regime especial de trabalho do pessoal do Corpo da Guarda Prisional consagrado no respetivo Estatuto (DL. nº 3/2014) implica, como se viu, disponibilidade permanente (cfr. artigo 61º nºs 1, 2 e 3 do Estatuto).
Mas se for determinado ao trabalhador do Corpo da Guarda Prisional a prestação de trabalho fora do horário de trabalho e para além do período normal de trabalho estar-se-á, naturalmente, perante trabalho suplementar (cfr. artigo 120º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho e artigo 226º nº 1 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n 7/2009, de 12 de fevereiro). Submetido, por conseguinte, ao respetivo regime jurídico-legal, que atualmente é o decorrente da LTFP, incluindo quanto aos seus limites.
O Regulamento do Horário de trabalho do Corpo da Guarda Prisional aqui em causa faz, aliás, alusão, aos limites legais a que se encontra sujeito a prestação de trabalho suplementar, o qual, em termos diários, não pode ultrapassar 2 horas.
Mas, naturalmente, o extravasamento daquele que seja o período normal de trabalho, com recurso a trabalho suplementar, deve conter-se a situações de necessidade de caracter excecional e ocasional, como decorre do regime geral e é também explicitado no Estatuto do Corpo da Guarda Prisional (DL. nº 3/2014) e reiterado no Regulamento do Horário de trabalho do Corpo da Guarda Prisional aqui em causa.
Ora, não decorre deste Regulamento a possibilidade (nem a inevitabilidade, tal como propugnada pelo requerente SINDICATO) de os superiores hierárquicos com competência para elaborarem e aprovarem as escalas de serviço (cfr. artigo 11º do Regulamento) fazerem uso reiterado e sucessivo, de modo injustificado, do trabalho suplementar. Na verdade, será em cada momento, e perante o caso concreto, evidenciado nas respetivas escalas de serviço e nos registos de assiduidade, que se poderá aferir se aí, então, foram ou não observados os limites e condicionalismos legais para o recurso legítimo a trabalho suplementar.
Tal significa que não é o Regulamento do Horário de trabalho do Corpo da Guarda Prisional aqui em causa, nem em concreto as normas dos seus artigos 2º e 15º, cuja ilegalidade é sustentada pelo SINDICATO requerente, que afetarão os direitos e interesses protegidos dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional.
E se assim é, não pode considerar-se que aquele Regulamento e suas normas, mormente as ínsitas nos seus indicados artigos 2º e 15º, sejam geradores de danos ou prejuízos na esfera jurídica dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, ou que com a sua entrada em vigor seja criada para eles uma situação de facto consumado que cumpra prevenir e acautelar, à luz do disposto no artigo 120º nº 1 do CPTA.
Foi pois correto o entendimento, feito na sentença recorrida, no sentido de não se encontrar verificado o requisito do periculum in mora.
E a circunstância, agora alegada pelo SINDICATO requerente em sede do presente recurso, de que desde que o Regulamento do Horário de trabalho do Corpo da Guarda Prisional, aqui em causa, entrou em vigor, os trabalhadores dos seis Estabelecimentos Prisionais imediatamente abrangidos estão a prestar trabalho suplementar muito para além do horário normal de trabalho devido à falta de efetivos, existindo uns a realizarem um horário de trabalho de 16 horas seguidas e outros a prestarem 10 horas de trabalho diárias, e estando a ser imposto aos trabalhadores do turno que cumpre o horário das 8H/16H, que permaneçam no desempenho das suas funções até às 19H, hora do encerramento dos reclusos, ou até mais tarde, não releva, neste conspecto. Aliás o que ela reflete é precisamente a ideia de não observância dos limites e condicionamentos legais do recurso ao trabalho suplementar, e dos moldes que se encontram estabelecidos no Regulamento do Horário de trabalho do Corpo da Guarda Prisional os termos a observar nas escalas de serviços quanto à organização dos tempos de trabalho e seus limites.
Aqui chegados, resta apenas explicitar que tendo o Tribunal a quo julgado inverificado o requisito do periculum in mora, não se impunha apreciar os demais requisitos previstos no artigo 120º do CPTA para o decretamento da providência, cujo conhecimento ficou prejudicado, já que em face do seu caráter cumulativo a falta da verificação de um deles implica necessariamente a improcedência da providência. É que à luz do comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do CPC novo (Lei nº 41/2013), aplicável aos processos nos tribunais administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, o juiz só tem que resolver as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação cuja decisão não tenha ficado prejudicada para a solução dada a outras. Do que, aliás, a jurisprudência tem feito reiterada e uniforme uso no âmbito dos processos cautelares, sempre que se revele infrutífera a apreciação dos demais requisitos da concessão da providência face ao não preenchimento de um deles – (vide, a título ilustrativo, os acórdãos deste TCA Sul de 10/01/2017, Proc. n.º 613/16.9BELRA; de 02/02/2017, Proc. nº 1259/16.7BELSB; de 22/06/2017, Proc. n.º 708/16.9BEBJA-B; de 05/07/2017, Proc. n.º 293/17.4BELRA; de 09/11/2017, Proc. n.º 55/15.3BEPDL).
Por outro lado o disposto nos artigos 95º e 96º do CPTA revisto, invocados pelo recorrente (vide conclusão 3ª das alegações de recurso), tem como campo de aplicação natural o das sentenças sobre o mérito das pretensões principais proferidas no âmbito das ações administrativas (ou noutras formas processuais especiais de que sejam de aplicação subsidiária nos termos legalmente previstos) – vide a este respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª Edição, 2017, pág. 760 ss.
O que decorre, desde logo, da sua inserção sistemática no Código, que respeita ao julgamento das ações administrativas (secção IV, Capítulo III, Título II), bem assim como do respetivo elemento literal, que faz apelo, precisamente, à apreciação dos pedidos a que corresponde aquela forma de processo (cfr. artigo 37º do CPTA revisto).
Não merece, pois, também neste aspeto, acolhimento o recurso.
Sendo de manter, com a fundamentação supra, o julgamento de improcedência do pedido cautelar por falta de verificação do requisito do periculum in mora. O que se decide.
Se o desfecho do pedido cautelar não pode ser outro que não o indeferimento por falta de verificação do requisito do periculum in mora isso implica, concomitantemente, ser inútil e infrutífero aferir em sede de recurso se se encontram preenchidos os demais requisitos, atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses, necessários para a decretação da providência à luz do disposto no artigo 120º nºs 1 e 2 do CPTA revisto. A que, ademais apenas cumpriria conhecer em substituição nos termos do disposto no artigo 149º nº 2 do mesmo Código, de acordo com o qual “…se o Tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida”.
Questão que, ficando prejudicada, nos abstemos de conhecer.
O que se decide.

**
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.
~
Custas pelo recorrente, sem prejuízo da isenção subjetiva de que beneficia
artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (Lei nº 41/2013), artigo 338º nº 3 da LTFP (Lei nº 35/2014) e artigo 4º nº 1 alínea f) e nº 6 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Lisboa, 10 de maio de 2018



______________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



______________________________________________________
Maria Cristina Gallego dos Santos




______________________________________________________
Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho