Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10508/13
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/05/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR, TRANSFERÊNCIA DE FARMÁCIA
Sumário:I. Verifica-se o requisito do periculum in mora, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, quando os factos concretos alegados inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

II. Dando-se por comprovado que a Requerente, tem a sua sede em Carnaxide, no concelho de Oeiras e que se localiza nas imediações do Hospital de Santa Cruz, sendo a farmácia que mais próximo se localiza desse hospital e, bem ainda, que tem de entre a sua clientela uma parte que corresponde a utentes que frequentam o Hospital de Santa Cruz, aviando na farmácia as suas receitas, que correspondem a uma parte da sua facturação, forçoso se tem de concluir que a autorização de uma outra farmácia nas imediações do Hospital de Santa Cruz, ainda mais perto desse hospital do que a farmácia detida pela Requerente, a qual deixa de ser a farmácia mais perto do hospital, constitui na sua esfera jurídica o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação.

III. Os direitos à clientela e ao lucro, embora de natureza patrimonial e privada, são direitos juridicamente tuteláveis pelo Direito, pelo que, devem ser atendidos no âmbito da reparabilidade dos danos.

IV. No juízo de ponderação de interesses, relevam os direitos da Requerente e da Contra-interessada, ambos de natureza privada e com conteúdo patrimonial: no caso da Requerente, os prejuízos decorrentes da perda clientela e de lucro, por instalação de uma nova farmácia nas suas imediações e com maior proximidade em relação ao Hospital de Santa Cruz e no caso da Contra-interessada, os prejuízos decorrentes de ficar provisoriamente impedida de transferir a sua farmácia para a sua nova localização, mantendo-se o status quo existente em momento anterior ao do acto suspendendo, sendo distintivo o interesse público prosseguido pelo Infarmed, que autorizou a respectiva transferência de localização da farmácia, emitindo Resolução Fundamentada, por a paralisação do procedimento comprometer as vantagens que decorrem da transferência de estabelecimento, decorrentes na maior oferta medicamentosa às populações no novo local, que sofre de maior carência de oferta e na possibilidade de ocorrer uma perda de oportunidade de melhoria na distribuição medicamentosa num local onde a capitação é mais elevada e, por isso, carente de mais farmácias.

V. Saber de que modo relevam as distâncias entre farmácias, por consideração aos limites exteriores, isto é, se se deve atender aos portões de entrada ou à distância mais curta e, bem ainda, se é comparável a situação entre transferências entre farmácias de um local para o outro, dentro do mesmo concelho, com a transferência de farmácias entre concelhos diferentes, são questões que não são de resposta simples, nem óbvia, pelo que, é de recusar que a pretensão da Requerente seja manifestamente improcedente, antes exigindo uma maior indagação de direito.

VI. Estando em causa uma decisão proferida num processo cautelar, o recurso interposto tem efeito meramente devolutivo, nos termos do nº 2, do artº 143º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A Farmácia ………………, Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 10/08/2013 que, no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia, movido contra o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP e a Contra-interessada, Farmácia …………………., Lda., indeferiu o pedido cautelar, não suspendendo a eficácia do acto administrativo praticado pelo Infarmed, relativo à autorização do pedido de transferência de localização da Farmácia ………….., para o Largo ……………, nº 1-B, freguesia de ………….., Oeiras.

Formula a Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 1521 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A) A sentença recorrida rejeitou a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto do Infarmed que autorizou a transferência de localização da farmácia da contra-interessada para as suas novas instalações sitas no Largo …………, nº 1-b, no Município de Oeiras.

B) Apesar de afastar os argumentos da entidade recorrida e da contra­ interessada estribados, respectivamente, na diversa relevância probatória dos documentos em que se fundou a decisão autorizativa da transferência (documento autêntico dotado de força probatória plena) e dos apresentados pela ora recorrente (documento particular cujo valor probatório é livremente fixado pelo tribunal) e, bem assim, na circunstância das regras sobre distâncias entre farmácias e estabelecimentos hospitalares não serem de aplicação quando em causa está a transferência de localização para municípios limítrofes, a verdade é que a sentença recorrida veio a rejeitar a providência cautelar requerida;

C) Na base desta decisão de rejeição esteve o argumento de que os danos invocados pela ora recorrente - perda de clientela e eventual despedimento de trabalhadores - não se podiam configurar como danos capazes de gerar uma situação de facto consumado ou, mesmo, prejuízos de difícil reparação;

D) Ora este entendimento está hoje ultrapassado, não só porque os danos susceptíveis de avaliação pecuniária podem gerar situações de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, mas também porque está actualmente solidamente enraizada nas instâncias administrativas a ideia de que a perda de clientela (e, claro está, a extinção de postos de trabalho acompanhada do despedimento dos trabalhadores que os ocupam) é passível de se constituir em prejuízo de difícil reparação, conquanto não seja viável a reconstituição ou reintegração do status quo ante no plano dos factos;

E) Assim sendo, e uma vez que a perda de clientela da recorrente para a contra-interessada é um efeito inexorável decorrente da localização da farmácia desta junto do hospital de santa cruz, fazendo, deste modo, que a recorrente perca a situação de vantagem competitiva ou de mercado de que beneficia em virtude da sua actual localização, dúvidas não restam de que se deve dar por verificado o preenchimento deste requisito positivo - periculum in mora - de que se encontra dependente o decretamento de providências cautelares;

F) O que, a juntar à circunstância de a sentença recorrida dar por preenchido o outro dos requisitos positivos a que se subordina a concessão de providências cautelares conservatórias - não ser manifesta a improcedência da pretensão formulada ou a formular na acção principal (fumus non malus iuris) -, apenas requer que não esteja verificado o requisito negativo que impede a concessão dessas mesmas providências, isto é, não serem os danos para os interesses públicos e privados titulados pelos recorridos decorrentes da concessão da providência superiores aos danos para os interesses privados da recorrente resultantes da sua rejeição.

G) Ora, danos para o interesse público não existem, uma vez que a não transferência de localização da farmácia da contra-interessada para as suas novas instalações não afecta a cobertura farmacêutica do Município de Oeiras e não põem em causa a comodidade e o acesso da população do concelho a medicamentos e, além disso, para os interesses particulares da contra-interessada, o que está em causa é que esta, preservando embora as actuais condições de exploração da sua farmácia, se venha a assenhorear de uma clientela que pertence actualmente à Recorrente em violação das distâncias entre farmácias e estabelecimentos hospitalares regulamentarmente fixada.

H) Já para a recorrente, o que está em causa é um prejuízo irremediável e tendencialmente irreparável para a clientela que consolidou ao longo destes anos, o que poderá não só levar ao despedimento de alguns dos seus trabalhadores por extinção dos respectivos postos de trabalho, como, também, colocar em causa a própria sustentabilidade económico-financeira da sua farmácia.”.

Pede a revogação da sentença recorrida, por erro de julgamento, em violação da alínea b), do nº 1, do artº 120º do CPTA e, em substituição, o decretamento da providência cautelar requerida.


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A Contra-interessada, notificada, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 1549 e segs.):

“1. O efeito a fixar ao presente recurso é meramente devolutivo, nos termos do artigo 143.º, n.º 2 do CPTA, devendo este preceito ser interpretado no sentido de que se aplica as todas as decisões proferidas em providências cautelares, tanto positivas como negativas.

2. A sentença em crise não enferma de qualquer erro na parte em que recusou a concessão da providência requerida por inexistência de fundado receio da constituição de situação de facto consumado ou produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora), conforme exige o artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.

3. Com efeito, a mera perda de clientela e receituário proveniente do Hospital de Santa Cruz nunca configuraria uma situação de periculum in mora para esses efeitos, pois os putativos danos resultantes da alegada perda de clientela e receituário sempre seriam ressarcíveis na acção principal; Ademais,

4. Todo o alegado pela Recorrente assenta em conjecturas de verificação apenas eventual e inclusive nitidamente exageradas em face dos parcos factos alegados: a circunstância de a farmácia da Recorrente deixar de ser a farmácia mais próxima do Hospital de Santa Cruz não significa que perderá toda a clientela e receituário daí provenientes; por outro lado, a Recorrente nada alegou que autorize a conclusão de que a conjecturada “perda de clientela” tenha um forte impacto na sua viabilidade económico-financeira.

5. Acresce que a providência requerida nos autos também deveria ser indeferida com base no disposto no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA, pois devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, constata-se que os danos que resultariam da concessão da providência são (bem) superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

6. Na verdade, a Recorrente limita-se a conjecturar quanto a uma eventual perda de clientela e receituário por força da transferência, nada alegando sequer que demonstre que a conjecturada perda tenha verdadeiro impacto na viabilidade da sua farmácia, sendo bem superiores e facilmente demonstráveis os danos que resultariam da concessão da providência para os demais interesses, tanto de natureza pública como privada.

7. Nesta sede, é manifesto que a transferência é não só essencial à viabilização da farmácia da Recorrida, que doutro modo terá como destino certo o encerramento (situação gravosa para os m s privados, mas também para os interesses públicos: para além do desemprego, etc., é óbvio que a população é mais beneficiada com a transferência de uma farmácia para onde estas faltam - como neste caso - do que com o seu encerramento!), como também para a melhoria da cobertura farmacêutica e para a quantidade e qualidade dos serviços farmacêuticos disponibilizados à população.

8. Ademais, é clara a falta de fundamento da posição defendida pela Recorrente quanto à suposta ilegalidade do acto suspendendo, entendendo a Recorrida que tal questão não foi devidamente analisada pelo Tribunal a quo na sentença sub judice, sendo nessa medida requerida a ampliação do objecto do recurso.

9. Na verdade, a Recorrente ampara-se numa norma legal manifestamente inaplicável no caso da transferência que aqui se discute (para concelho limítrofe), pelo que sempre deveria a providência ser rejeitada face ao fumus malus iuris da pretensão da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.

10. Note-se que a transferência de farmácia em causa nestes autos é para concelho limítrofe (do concelho de Lisboa para o concelho de Oeiras), regendo-se assim pelo disposto no artigo 2.º da Lei n.º 26/2011, de 16 de Junho, que claramente não condiciona a transferência à verificação da distância mínima invocada pela Recorrente.

11. E cotejados os n.º 2 e 3 do artigo 2.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, facilmente se constata que a transferência no município depende do cumprimento cumulativo das distâncias mínimas previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1, ao passo que à transferência para município limítrofe apenas se aplica (além dos pressupostos previstos no artigo 2.º da Lei n.º 26/2011, de 16 de Junho) a distância mínima prevista na alínea b).

12. Ademais, diga-se em abono da verdade que a transferência em crise também cumpre a distância mínima prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, como à cautela a Recorrida igualmente demonstrou através da documentação que instruiu o requerimento de transferência apresentado junto do Recorrido (vide factos 4 a 6), pois tal norma deve ser interpretada no sentido de que os limites exteriores ai referidos pelo legislador são as entradas dos estabelecimentos.”.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, deve ser atendida a ampliação do objecto do recurso e negado provimento ao recurso.


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O Recorrido, Infarmed contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões (cfr. fls. 1605 e segs.):

1ª. Ao contrário do que a Recorrente faz parecer, a abertura da Farmácia ………. na sua nova localização não acarreta um obrigatório desvio de clientela da farmácia da Recorrente, já que a clientela da Farmácia Central……………… já se encontra totalmente fidelizada, logo não é a abertura de uma nova farmácia que vai alterar esse status quo.

2ª. A atividade das farmácias está relacionada, principalmente, com a saúde das pessoas, pelo que, e por senso comum, a escolha de uma farmácia por um utente faz-se por critérios bem diferentes daqueles que são usados para a escolha para satisfazer outras necessidades, pelo que não faz sentido, para análise do comportamento de clientela de estabelecimentos de farmácia, analisar apenas critérios economicistas, conforme foi feito pela Recorrente.

3ª. Assim, não será a abertura de uma nova farmácia que determinará o desvio de clientela da Farmácia Central de Carnaxide, nomeadamente porque não há qualquer indício de que a farmácia da Recorrente não tenha a sua clientela devidamente fidelizada.

4ª. O que agora se concluiu vai ao encontro do defendido por este Tribunal Central Administrativo no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 07361/11.

5ª. Por outro lado, é totalmente desadequado que a Recorrente tenha referido jurisprudência como guia norteador para resolução dos presentes autos, quando essa mesma jurisprudência não se refere à questão de fundo dos presentes autos.

6ª. Além disso, cabe à Recorrente o ónus de alegar todos os factos que lhe causam prejuízos, se esta não o fez é porque esses factos não se verificam, pelo que também não se verificam os prejuízos alegados.

7ª. De sublinhar ainda que, mesmo que houvesse um prejuízo provocado pelo acto suspendendo, o que só por dever de patrocínio se admite, esse valor seria calculado através da multiplicação do valor correspondente a uma eventual descida da faturação diária da Farmácia da Recorrente pelo número de dias em que a Farmácia Central da Lapa estivesse em funcionamento.

8ª. Assim, resulta evidente que não se verifica o requisito do periculum in mora, pelo que não a presente providência não pode ser julgada procedente.

9ª. Por outro lado, a ponderação de interesses também determina que a providência seja julgada improcedente, já que o prejuízo que possa advir à Recorrente da execução do ato em causa é nulo, porquanto continuará a exercer a sua atividade como até aqui, sendo certo que a suspensão do ato de deferimento acarretará prejuízos bastante mais superiores para a Contrainteressada porquanto, a mesma terá de suportar todos os encargos das duas localizações das farmácias enquanto a ação principal não é decidida.

10ª. Além disso, refira-se que a manutenção da execução dos presentes autos tem grande relevância para a defesa do interesse público que se consubstancia na boa distribuição pelo território e pela população de farmácias de oficina.

11ª. Isto porque, a suspensão da execução dos atos suspendendo terá como consequência a impossibilidade de a contrainteressada efetuar a transferência da sua farmácia, pondo em causa a sustentabilidade económica da Farmácia ………….., o que acarretará mais um encerramento de uma farmácia de oficina.”.

Pede que seja negado provimento ao recurso.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento (cfr. fls. 1630).

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O processo vai, sem vistos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA, além das questões de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento quanto ao requisito do periculum in mora, em violação do disposto na alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA;

2. Efeito do recurso;

A Contra-interessada requereu a ampliação do recurso, sustentando:

3. A não verificação do pressuposto negativo, previsto na parte final da alínea b), do nº 1, do artº 120º do CPTA, quanto ao non fumus malus iuris, por ser clara e evidente a falta de fundamento da posição assumida pela Recorrente quanto à suposta ilegalidade do acto suspendendo.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1) A FARMÁCIA CENTRAL ………………, LDA, [Requerente/Autora (A)], matrícula e NIPC ……..tem sede na Avª de …….., nº 16-B, ………….., Oeiras.

2) A Contra-interessada (CI) FARMÁCIA …………………, LDA, tem sede na Rua ……………, 10-14, freguesia …………, Lisboa.

3) Em 01/03/2013, a Farmácia ………………, …………, Lda, requereu ao R. INFARMED, a transferência definitiva de instalações da Farmácia ……………., com o Alvará nº ………. sita na Lapa, concelho de Lisboa para o Largo ………………, nº 1-B, em Carnaxide, concelho de Oeiras, nos termos da Portaria 352/2012 [fls. 1, do procº administrativo (PA)].

4) Para além de outros documentos, foi junto ao requerimento a certidão nº 4363/2013, de 26/02/2013, com planta fotográfica de localização, do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Oeiras (CMO) (doc. fls 58 do PA).

5) Naquela planta fotográfica de localização de farmácia (doc 250, da PI) está assinalado o Largo …………….., nº 1-B com as coordenadas -95 801.18, -103 825.9 e o Hospital de Santa Cruz com as coordenadas -95759.04, -103 945.77, perfazendo a distância, entre os pontos medidos, de 119,87 metros.

6) Na referida certidão a CMO, certificou que: “(…) o prédio sito em Carnaxide, freguesia de Carnaxide, Largo ……………, números um-A, um, um-B, construído de acordo com o processo número centro e cinquenta e nove/mil novecentos e oitenta e três, o local pretendido para a instalação de uma farmácia (Largo ……………., número um-B) encontra-se a uma distância superior a trezentos e cinquenta metros, relativamente à farmácia mais próxima e a uma distância superior a cem metros em relação ao Hospital de Santa Cruz contados, em linha reta, dos respectivos exteriores, cumprindo-se desse modo os requisitos respeitantes à distância previstos nas alíneas b) e c) do número um do artigo segundo da Portaria número trezentos e conquenta e dois/dois mil e doze de trinta de Outubro.”.

7) A contra-interessada, então requerente, juntou uma declaração própria, na qual afirma que: “Um dos factores que ameaçam a existência da minha estrutura é o elevado número de outras farmácias que se encontram nas suas proximidades. Além de ser uma freguesia com um número pouco significativo de habitantes, para o número de farmácias que possui, na Lapa tem-se observado uma diminuição considerável de empresas e serviços ai sedeados. Pelas razões descritas, o número de atendimentos diariamente prestados na minha farmácia é muito inferior ao necessário para viabilizar economicamente a sua existência.” (fls 59, PA).

8) Pelo ofício DIL/UL/11.1.1 (035617 27AGO2012, do Infarmed, Direcção de Inspecção e de Licenciamentos) foi atestado que a Farmácia ……….., em questão, reúne condições para a sua sujeição ao regime excepcional de funcionamento com dispensa de segundo farmacêutico (fls 66, do PA) [junto pelo CI, então requerente, por ter um valor de facturação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) igual ou inferior a 60% do valor da facturação média anual por farmácia ao SNS, no ano de 2011].

9) A certidão nº 20/2013, de 20/02/2013, emitida pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Oeiras, que certificou que: “(…) Cumprido os critérios de capitação de três mil e quinhentos habitantes por farmácia, definidos na legislação em vigor, poder-se-ão instalar mais duas farmácias no Concelho de Oeiras (cento e setenta e dois mil cento e vinte habitantes (Censos de dois mil e onze/tr~es mil e quinhentos é igual a quarenta e nove farmácias)”.

10) Em 05/03/2013, o INFARMED, IP, solicitou às Câmaras Municipais de Lisboa e Oeiras, emissão de parecer sobre o pedido de transferência solicitados (fls 76 a 81, PA).

11) O referido parecer da Câmara Municipal de Lisboa, foi favorável à transferência em causa, referindo ainda que: “(…) o Município de Lisboa não se opõe à transferência definitiva da farmácia ………….. da Rua ………… nºs 10-14 em Lisboa para o Largo …………….., nº 1-B, em Oeiras, ficando o serviço farmacêutico assegurado pelas farmácias existentes.” (fls 82, do PA).

12) O referido parecer da Câmara Municipal de Oeiras foi favorável à transferência referida, referindo ainda que: “(…) comunicamos a V. Exª, em conformidade com o nº 3 do artigo 26º do Decreto Lei nº 307/2007, de 31 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 26/2011, de 16 de Junho, que esta Autarquia considera favorável a transferência solicitada, uma vez que se traduzirá num benefício para a população local.” (fls 83, do PA).

13) Por despacho de 09/04/2013, pelo Conselho Directivo do INFARMED, [publicado no sítio da internet deste Instituto em 11/04/2013] “foi considerado apto, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do Artigo 21º da Portaria nº 352/2012, de 30 de Outubro de 2012, no que se refere à proposta de nova localização da farmácia, o pedido de transferência da farmácia ………………, sita na Rua ……………, nº 10-14, freguesia da…………, concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, para o Largo ……………., nº 1-B, freguesia de ……….., concelho de Oeiras, distrito de Lisboa”.

14) O Engº Carlos ………………. emitiu, com a planta anexa, a declaração de fls 832 (doc 251, da PI) do seguinte teor: «Carlos ……………, portador do cartão do cidadão ……….., NIF ……….., na qualidade de engenheiro técnico civil, inscrito na Ordem dos Engenheiros Técnicos sob o nº …….., morador (…), vem por este meio certificar que nas cópias das plantas de localização à escala 1/2000 e à escala 1/1000, fornecidas pela Câmara Municipal de Oeiras DGPU-DAAA a 26 de Junho de 2013, a distância em linha recta entre a entrada da loja sita no Largo …………. 1B e o ponto mais próximo do limite exterior do Hospital de Santa Cruz quantifica-se em cerca de 70,5m (setenta metros e meio) e que a distância entre os limites exteriores da loja e do Hospital é de aproximadamente 50 m (cinquenta metros). …………., aos 26 de Junho de 2013. O Declarante (…)”.

15) A Farmácia da A é actualmente a Farmácia que mais próximo se encontra do Hospital de Santa Cruz, distando deste último 436,11 metros, contados, em linha recta, dos respectivos limites exteriores (6º da pi com relação às plantas referidas).

16) O procedimento de transferência da farmácia está na fase final, aguardando apenas a vistoria final do INFARMED (v artigo 23 da Portaria 352/2012), tendo sido feita já obras.

17) Em 29/07/2013, ao abrigo do artigo 128-1, do CPTA, o INFARMED, IP, proferiu a resolução de fls 1486/ss, pela qual decidiu «(…) reconhecer que o diferimento da execução do acto relativo à autorização do pedido de transferência de localização da Farmácia …………. para o largo Frederico ………….., nº 1-B, freguesia de ……., Concelho de Oeiras, supra identificado, praticado pelo Conselho Directivo do INFARMED, IP, seria gravemente prejudicial para o interesse público e determina o prosseguimento da sua execução. (…)».

18) Em Junho de 2013, foram atendidas na farmácia da A, no mínimo, 249 pessoas e aviadas 249 receitas passadas naquele Hospital de Santa Cruz (docs 1 a 249 da PI).

19) O valor total correspondente às referidas 249 receitas do Hospital de Santa Cruz, aviadas, em Junho de 2013, na Farmácia da A foi de 6.374,73 €.

20) Com base no valor do receituário do último mês de Junho acima indicado, a Autora estima que, no ano de 2013, o receituário anual da Farmácia da A proveniente daquele Hospital de Santa Cruz seja de valor superior a 77.000,00€.

21) A Farmácia Central da Lapa, na sua localização actual, lida com dificuldades económicas: as vendas caíram cerca de € 100.000,00 nos últimos 4 anos, isto é, passaram de € 513.320,05 em 2009 para € 417.276,73 em 2012, tendo os resultados antes de impostos passado de € 63.898,00 em 2009 para apenas € 1.187,29 em 2012 (docs 4 a 12 da Op).

22) A presente acção foi proposta em 05/07/2013 (fls 2 a 4).”.

DE DIREITO

A Recorrente veio a juízo impugnar a decisão de não decretamento da providência cautelar requerida, de suspensão judicial de eficácia da decisão do Infarmed, de autorização da transferência da localização da farmácia da Contra-interessada, sita na ….., em Lisboa, para ……….., em Oeiras.

Segundo a Recorrente a sentença incorre em erro de julgamento quanto ao requisito do decretamento da providência cautelar, previsto na alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, referente ao periculum in mora.

Sustenta que está ultrapassado o entendimento assumido na sentença de que os danos invocados pela Recorrente, referentes à perda de clientela e eventual despedimento de trabalhadores, não podem configurar danos capazes de gerar uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, pois está hoje solidamente enraizado o entendimento de que a perda de clientela, acompanhada do despedimento dos trabalhadores, é passível de constituir um prejuízo de difícil reparação, conquanto não seja viável a reconstituição ou reintegração do status quo anterior.

Defende que a perda de clientela da Recorrente para a Contra-interessada é um efeito inexorável decorrente da localização da farmácia desta junto ao Hospital de Santa Cruz, fazendo com que a Recorrente perca a situação de vantagem competitiva ou de mercado de que beneficia, em virtude da sua localização, pelo que, deve dar-se por demonstrado por verificado o periculum in mora.

No demais, defende que os danos para o interesse público não existem, uma vez que a não transferência de localização da farmácia da Contra-interessada para as suas novas instalações não afecta a cobertura farmacêutica do Município de Oeiras e não põe em causa a comodidade e o acesso da população do concelho a medicamentos.

No que respeita aos interesses particulares da Contra-interessada, o que está em causa é que esta preservará as suas actuais condições de mercado, não se assenhorando de uma nova clientela que actualmente pertence à Recorrente.

Para a Recorrente, está em causa um prejuízo irremediável e tendencialmente irreparável para a clientela que consolidou ao longo dos anos, que poderá levar ao despedimento de alguns dos seus trabalhadores, por extinção dos postos de trabalho e colocar em causa a própria sustentabilidade económico-financeira da sua farmácia.

Vejamos.

A questão decidenda respeita a saber se incorre a sentença recorrida em erro de julgamento no que respeita ao pressuposto de decretamento da providência cautelar previsto na alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, do periculum in mora, por no demais, a Recorrente não impugnar o decidido.

Sobre tal requisito de decretamento da providência, decidiu-se na sentença recorrida o seguinte:

Não se verifica a existência de um “fundado” receio (efectivo, real e não mera conjectura), da constituição de uma situação de facto consumado ou da reparação de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a A visa assegurar no processo principal. A situação sempre seria reversível, caso procedesse a pretensão da acção principal. A sentença da acção principal não perderia a sua utilidade. Note-se também que, embora o acto suspendendo de aptidão do local seja importante e central, ele não é ainda o acto final do procedimento.

Por situação de facto consumado entende-se a situação factual que se torna definitiva e irreversível, a tal ponto que «(…) se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade», como dizem o Prof. Mário Aroso de Almeida e do MM Juiz Conselheiro C. A. Fernandes Cadilhe.”.

Mais se extrai que “(…) a Autoridade administrativa emitiu a resolução referida no probatório, de que haverá prejuízo para o interesse público, com a suspensão, pelo que ordenou o prosseguimento.

Os montantes referidos pelas duas farmácias, a da A e a da CI, representam valores e interesses particulares. O problema das clientelas e dos valores económicos resultantes da sua variação na actividade das farmácias não pode ser aqui decisivo. Não se podem subsumir na irreversibilidade característica de um facto consumado, nem, em nosso modesto entender, se podem subsumir na ideia conceptual de prejuízos de difícil reparação. Essas situações dependem do mercado, das regras económicas, pelo que sempre se revelarão fluídas e variáveis, tanto para os lucros como para os prejuízos, com o aumento ou com a diminuição da procura. Não depende do sentido que se dê à decisão da acção principal ou da cautelar.

Os interesses públicos, segundo aquela resolução, são gravemente postergados com o deferimento da suspensão. No achar do equilíbrio, segundo o princípio da proporcionalidade entre os interesses públicos e privados, teríamos, de um lado, dois bloco de interesses privados (das farmácias: da A e da CI), e do outro o bloco do interesse público. O que para uma farmácia constitui interesse para a outra constitui um prejuízo; e vice-versa.

Não se verificando aqueles requisitos, escusado será apreciar o requisito cumulativo da não manifesta falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal.”.

Não se pode acompanhar in totum a citada fundamentação de Direito da sentença sob recurso.

Acompanhando-se o que se disse na sentença a respeito de não se verificar o requisito do fundado receito da constituição de facto consumado, já não se acompanha o entendimento expendido quanto a não se verificar o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação.

O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista o fundado receio que quando o processo principal termine, a decisão que vier a ser proferida já não venha a tempo de dar resposta às situações jurídicas carecidas de tutela, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.

Do ponto de vista do periculum in mora, a providência deve ser concedida mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, mas os factos concretos alegados inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

Os prejuízos de difícil reparação serão os que advirão do não decretamento da pretensão cautelar conservatória requerida e que, pela sua irreversibilidade, tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, sendo susceptíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica do requerente.

Quando se trata de aferir da possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação, o critério é o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, devendo o juiz ponderar as concretas circunstâncias do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos.

Como refere J. C. Vieira de Andrade o “juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica” (inA Justiça Administrativa (Lições)”, 11ª edição, pág. 305).

Considerando o enquadramento antecedente, relativo à determinação do conceito de periculum in mora importa, então revertê-lo ao caso em análise.

Dando-se por comprovado que a Requerente e ora Recorrente, Farmácia Central …………, Lda, tem a sua sede em ……, no concelho de Oeiras e que se localiza nas imediações do Hospital de Santa Cruz, sendo a farmácia que mais próximo se localiza desse hospital [cfr. pontos 1), 14) e 15) dos factos assentes] e, bem ainda, que tem de entre a sua clientela uma parte que corresponde a utentes que frequentam o Hospital de Santa Cruz, aviando na farmácia da Recorrente as suas receitas, que correspondem a uma parte da sua facturação [cfr. pontos 18), 19) e 20) dos factos assentes), forçoso se tem de concluir que a autorização de uma outra farmácia nas imediações do Hospital de Santa Cruz, ainda mais perto desse hospital do que a farmácia detida pela Recorrente, a qual deixa de ser a farmácia mais perto do hospital, constitui na esfera jurídica da Requerente e para os direitos e interesses que a mesma corporiza, o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação.

Os direitos à clientela e ao lucro, embora de natureza patrimonial e privada, são direitos juridicamente tuteláveis pelo Direito, pelo que, devem ser atendidos no âmbito da reparabilidade dos danos que se constituirão na esfera jurídica da Requerente, caso a providência não seja concedida.

Embora se concorde com a sentença na parte em que entende que a situação sempre será reversível, porque ainda que não se adopte a providência cautelar requerida e o acto suspendendo seja executado, sempre será possível reconstituir a situação que existiria caso a providência não tivesse sido decretada, não se verificando, por esse motivo, o pressuposto do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, já não se acompanha o demais expendido a respeito do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação.

Concedendo que estão em causa interesses patrimoniais conflituantes, os da Requerente e os da Contra-interessada, releva para a dimensão do disposto na primeira parte da alínea do nº 1, do artº 120º, do CPTA, quanto ao periculum in mora, os prejuízos de difícil reparação que se produzirão na esfera jurídica da Requerente, caso a providência requerida não seja decretada.

Tais prejuízos não só se verificam, como se extraem da matéria de facto assente, decorrentes da perda de clientela que a Requerente sofrerá em consequência da abertura da uma nova farmácia nas proximidades da farmácia de que é proprietária e, em consequência, na redução da sua facturação e da sua margem de lucro.

Na caracterização do “fundado receio” releva o receio que seja “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” (cfr. António S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 103).

No caso configurado em juízo, tais prejuízos não só não são hipotéticos, como de elevadíssima probabilidade de virem efectivamente a ocorrer caso a providência não seja decretada, visto a farmácia da Contra-interessada não só ser muito próxima da farmácia detida pela Requerente, como passar a ser a farmácia mais próxima do Hospital de Santa Cruz, que emite receitas carecidas de ser aviadas.

Assim, o que decorre é que a sentença recorrida transpõe indevidamente para a análise do requisito do periculum in mora, o juízo de ponderação de interesses que lhe cabe fazer, nos termos do disposto no nº 2 do artº 120º do CPTA, pois transposta para o critério a que alude a primeira parte da alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, prejuízos que possam a vir ser sofridos não pela Requerente, mas antes pela Contra-interessada.

Para efeito do requisito do periculum in mora não releva a comparação entre “Os montantes referidos pelas duas farmácias, a da A e a da CI”, não relevando saber quais os valores e interesses particulares prosseguidos pela Contra-interessada ou sequer “O problema das clientelas e dos valores económicos resultantes da sua variação na actividade das farmácias”.

Assim, em face do exposto, é possível antever a produção de prejuízos de difícil reparação para os direitos e interesses da Requerente, de molde a se poder concluir pela demonstração do requisito do periculum in mora.

Conclui-se, portanto, ao contrário do decidido na sentença recorrida, que a situação jurídica configurada em juízo permite sustentar a existência do periculum in mora, exigido pela alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA.


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Pelo exposto, concluindo-se pela verificação do periculum in mora impõe-se, em substituição do Tribunal a quo, apreciar o requisito de ponderação de interesses, previsto no nº 2, do artº 120º do CPTA.

Tal critério, embora referido na sentença, não chegou a ser apreciado e decidido na sentença recorrida, por prejudicado.

Para o caso relevam os direitos da Requerente e da Contra-interessada, ambos de natureza privada e com conteúdo patrimonial: no caso da Requerente, os prejuízos decorrentes da perda clientela e de lucro, por instalação de uma nova farmácia nas suas imediações e com maior proximidade em relação ao Hospital de Santa Cruz e no caso da Contra-interessada, os prejuízos decorrentes de ficar provisoriamente impedida de transferir a sua farmácia para a sua nova localização, em ………., mantendo-se o status quo existente em momento anterior ao do acto suspendendo.

Distintivo é o interesse público prosseguido pelo Infarmed, que autorizou a respectiva transferência de localização da farmácia da Contra-interessada, da …., em Lisboa, para …………, em Oeiras e que, em reacção à providência cautelar, emitiu a Resolução Fundamentada, a que se reporta o ponto 17) dos factos assentes, prosseguindo com o procedimento administrativo em curso.

Analisando o teor da Resolução Fundamenta, dela se extrai que “a entrada em funcionamento de uma unidade de distribuição medicamentosa (a farmácia de oficina da contrainteressada (…) poderá beneficiar o acesso à população local aos medicamentos, potenciando a capacidade de resposta às solicitações da localidade e permitindo a deslocação de uma farmácia para um local onde os seus serviços são mais necessários.”; que esse benefício poderá se esvaecer; que existe um “excesso de oferta farmacêutica no concelho de Lisboa, e mais concretamente na localidade onde a farmácia da contrainteressada está instalada (freguesia da ……..)”; que o “deferimento da entrada em funcionamento de uma nova farmácia contra o risco do respectivo encerramento, poderá comprometer a prossecução do disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 64º da Constituição da República Portuguesa.”; que a “eventual demora na tramitação do processo cautelar poderá implicar o encerramento da farmácia no lugar de origem atendendo (…) à reduzida capitação do mesmo em face da plúrima oferta de serviços farmacêuticos.”, que “poderá ocorrer uma perda de oportunidade de melhoria na distribuição medicamentosa num local onde a capitação é mais elevada e, por tal, carente de mais farmácias, ainda e para além da farmácia em referência nos autos” e que a “transferência da Farmácia Central da Lapa para (…) Carnaxide, é um natural desenvolvimento da política de melhoria da distribuição medicamentosa, permitindo-se que haja maior diversidade no mercado, gerando uma eficaz e diferenciada oferta medicamentosa às populações locais”.

Tais razões invocadas, concretizam o interesse público prosseguido pelo Infarmed com a prática do acto suspendendo.

Encontra-se suficientemente caracterizado o interesse público, que determina que existam maiores prejuízos decorrentes da concessão da providência, em relação aos prejuízos que a sua recusa pode causar.

Embora nas alegações de recurso a Recorrente alegue factualidade destinada a abalar os pressupostos em que se funda a Resolução Fundamentada, o certo é que não se mostra impugnada tal Resolução, não tendo a Requerente deduzido incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.

Assim, considerando a factualidade que foi dada por assente e que não foi impugnada em juízo e ponderando a panóplia dos interesses existentes, contrapostos entre si, prosseguidos pela Requerente, pela Contra-interessada e pelo Infarmed, releva a dimensão distintiva do interesse público prosseguido pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produto de Saúde, que determina que a providência cautelar requerida não passe no crivo do juízo de ponderação de interesses, a que respeita o disposto no nº 2, do artº 120º, do CPTA.

Não obstante os direitos e interesses prosseguidos pela Requerente, que serão afectados caso a providência cautelar não seja concedida, visto que se produzirão prejuízos de difícil reparação, relevam os prejuízos para o interesse público que se produziriam caso a providência fosse decretada, traduzidos na privação de maior oferta medicamentosa à população local de …………., que sofre de maior carência de oferta em relação à população de Lisboa e na possibilidade de ocorrer uma perda de oportunidade de melhoria na distribuição medicamentosa num local onde a capitação é mais elevada e, por isso, carente de mais farmácias.

De resto, como se disse, os prejuízos da Requerente e da Contra-interessada, são de conteúdo e natureza equivalente, anulando-se reciprocamente, relevando a dimensão distintiva do interesse público que determina a recusa da providência.

Assim, procedendo ao juízo de ponderação dos diversos interesses contrapostos, é de entender que são maiores os prejuízos resultantes da adopção da providência, em comparação com os que resultariam da sua recusa, pelo que, nos termos do disposto no nº 2, do artº 120º do CPTA, não poderá a providência requerida ser decretada.

Os interesses prosseguidos pela Requerente não conseguem abalar os pressupostos em que se funda a prática do acto suspendendo, sendo prevalecente a lesão para o interesse público que resultaria da execução do acto suspendendo.

Não só se mostram alegados os danos para o interesse público e para a Contra-interessada que resultariam da concessão da providência, como os mesmos se afiguram suficientemente concretizados no caso em presença, como uma consequência da execução do acto suspendendo.

Termos em que, perante o exposto, será de concluir serem maiores os prejuízos para o interesse público e para a Contra-interessada que resultariam da concessão da providência, em relação àqueles que resultariam para a Requerente em resultado do não decretamento da providência, pelo que, não está verificado o requisito do juízo da ponderação de interesses, a que alude o disposto no nº 2, do artº 120º, do CPTA.

Em consequência, embora se conclua pelo periculum in mora, não se verifica o requisito previsto no nº 2 do artº 120º do CPTA, pelo que, deve a providência cautelar requerida ser recusada.


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Em consequência, não obstante se concluir pelo erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao julgar não verificado o periculum in mora, por se verificar o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, a que se refere a alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, será de negar provimento ao recurso, não se decretando a providência cautelar requerida, por não se verificar o requisito a que se refere o disposto no nº 2, do artº 120º do CPTA, referente ao juízo de ponderação de interesses.

2. Efeito do recurso

Sustenta a Recorrente que deve ser atribuído o efeito suspensivo ao recurso, em face do disposto nos nºs 1 e 2, do artº 143º do CPTA.

Vejamos.

A questão suscitada pela Recorrente tem merecido resposta divergente neste Tribunal de recurso, existindo arestos no sentido defendido pela Recorrente e, simultaneamente, em sentido divergente.

No nº 1, do artº 143º do CPTA, o legislador atribuiu o efeito suspensivo regra ao recurso jurisdicional.

Contudo, no nº 2 do mesmo preceito, previu situações a que atribuiu diferente efeito, o efeito meramente devolutivo, designadamente, aos recursos interpostos de decisões proferidas no âmbito de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias e no âmbito de processos cautelares.

Quando o legislador se referiu a “decisões respeitantes à adopção de providências cautelares”, pretendeu abranger todas as decisões proferidas no âmbito de tal forma de processo e, por isso, quer quando se adopte, quer quando se rejeite, a providência cautelar concretamente requerida.

Decisões respeitantes à adopção de providências cautelares”, tanto são as que adoptem, como as que não adoptem as providências requeridas, por estar em causa a decisão tomada no âmbito da tutela cautelar.

Estas decisões são todos os tipos de decisões que podem ser adoptadas em providências cautelares, como sejam as que concedem ou deneguem providências cautelares” – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, inComentário ao CPTA”, 3ª ed. revista, 2010, pág. 941.

No mesmo sentido, vide, de entre outros, os Acórdãos deste Tribunal, de 14/4/2005, proc. nº 618/05, de 11/6/2007, proc. nº 2167/06) e de 30/11/2011, proc. 08023/11.

Porque o presente recurso é interposto de uma sentença que indeferiu a providência cautelar requerida, de suspensão de eficácia, a norma aplicável é a do nº 2, do referido artº 143º do CPTA, pelo que, o efeito do recurso é o meramente devolutivo, tal como bem fixou o Tribunal a quo.

Portanto, deve manter-se o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso.

3. Da ampliação do recurso

A Contra-interessada veio nas contra-alegações ao recurso, requerer a ampliação do objecto do recurso, sustentando que é clara e evidente a falta de fundamento da posição defendida pela Recorrente quanto à suposta ilegalidade do acto suspendendo ou por outras palavras, invocar que não se verifica o requisito negativo, previsto na segunda parte, da alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, do non fumus malus iuris.

Considera que esta questão não foi correctamente apreciada na sentença recorrida, passando depois a analisar o regime que estabelece as distâncias entre farmácias e procedendo à distinção de regime entre farmácias dentro do mesmo concelho ou localizadas em concelhos limítrofes.

Vejamos.

É manifesta a falta de razão da Contra-interessada quanto à questão que suscita, do desacerto da sentença recorrida quanto à questão do critério previsto na segunda parte da alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA.

Compulsada a decisão recorrida na mesma se extrai a seguinte fundamentação, que ora se reproduz, em súmula:

(…) não é “manifesta” a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo, pois, como vimos, tudo está em saber a partir de que pontos de referência se tira, em linha recta, a medição da distância.”.

Embora tal fundamentação não se apresente desenvolvida, porque se tendo concluído pela falta do requisito do periculum in mora, desnecessário se tornou conhecer dos demais pressupostos de decretamento da providência cautelar, afigura-se correcto o raciocínio expendido.

Quanto ao requisito do fumus non boni iuris, na sua formulação negativa, trata-se de saber se estamos perante uma situação em que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.

Como a doutrina e jurisprudência têm entendido, manifesto é aquilo que é evidente, palmar, grosseiro, que não suscita dúvidas, nem carece de estudo ou de indagação, o que de todo é de afastar no caso configurado nos autos.

A própria Contra-interessada que suscita a questão, analisa o regime jurídico que considera aplicável, procedendo a distinções que o Tribunal a quo afastou, por interpretar de outro modo o regime em causa.

Saber de que modo relevam as distâncias entre farmácias, por consideração aos limites exteriores, isto é, se se deve atender aos portões de entrada ou à distância mais curta e, bem ainda, se é comparável a situação entre transferências entre farmácias de um local para o outro, dentro do mesmo concelho, com a transferência de farmácias entre concelhos diferentes, são questões que não são de resposta simples, nem óbvia, pelo que, é de recusar que a pretensão da Requerente seja manifestamente improcedente, antes exigindo uma maior indagação de direito.

Aliás, decorre dos autos que existe uma diferença de interpretação do regime legal aplicável, não só entre as partes, como em relação ao Tribunal a quo, por segundo a sentença “não se pode aceitar, no limite do raciocínio, que uma farmácia não pudesse aproximar-se de outra, dentro de certo limite, estando ambas dentro do mesmo concelho; mas, uma farmácia de fora do concelho já podia abrir na porta ao lado da farmácia tratando-se de outro concelho; que era o mesmo que inutilizar a norma”.

Pelo exposto, carece a Contra-interessada de razão quanto ao requerido, já que se afigura correctamente decidida a questão do requisito da segunda parte da alínea b), do nº 1, do artº 120º do CPTA, reportado ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou de que inexistam circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito – fumus non malus iuris.

Donde, improceder o requerido pela Contra-interessada.


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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Verifica-se o requisito do periculum in mora, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, quando os factos concretos alegados inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

II. Dando-se por comprovado que a Requerente, tem a sua sede em …………., no concelho de Oeiras e que se localiza nas imediações do Hospital de Santa Cruz, sendo a farmácia que mais próximo se localiza desse hospital e, bem ainda, que tem de entre a sua clientela uma parte que corresponde a utentes que frequentam o Hospital de Santa Cruz, aviando na farmácia as suas receitas, que correspondem a uma parte da sua facturação, forçoso se tem de concluir que a autorização de uma outra farmácia nas imediações do Hospital de Santa Cruz, ainda mais perto desse hospital do que a farmácia detida pela Requerente, a qual deixa de ser a farmácia mais perto do hospital, constitui na sua esfera jurídica o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação.

III. Os direitos à clientela e ao lucro, embora de natureza patrimonial e privada, são direitos juridicamente tuteláveis pelo Direito, pelo que, devem ser atendidos no âmbito da reparabilidade dos danos.

IV. No juízo de ponderação de interesses, relevam os direitos da Requerente e da Contra-interessada, ambos de natureza privada e com conteúdo patrimonial: no caso da Requerente, os prejuízos decorrentes da perda clientela e de lucro, por instalação de uma nova farmácia nas suas imediações e com maior proximidade em relação ao Hospital de Santa Cruz e no caso da Contra-interessada, os prejuízos decorrentes de ficar provisoriamente impedida de transferir a sua farmácia para a sua nova localização, mantendo-se o status quo existente em momento anterior ao do acto suspendendo, sendo distintivo o interesse público prosseguido pelo Infarmed, que autorizou a respectiva transferência de localização da farmácia, emitindo Resolução Fundamentada, por a paralisação do procedimento comprometer as vantagens que decorrem da transferência de estabelecimento, decorrentes na maior oferta medicamentosa às populações no novo local, que sofre de maior carência de oferta e na possibilidade de ocorrer uma perda de oportunidade de melhoria na distribuição medicamentosa num local onde a capitação é mais elevada e, por isso, carente de mais farmácias.

V. Saber de que modo relevam as distâncias entre farmácias, por consideração aos limites exteriores, isto é, se se deve atender aos portões de entrada ou à distância mais curta e, bem ainda, se é comparável a situação entre transferências entre farmácias de um local para o outro, dentro do mesmo concelho, com a transferência de farmácias entre concelhos diferentes, são questões que não são de resposta simples, nem óbvia, pelo que, é de recusar que a pretensão da Requerente seja manifestamente improcedente, antes exigindo uma maior indagação de direito.

VI. Estando em causa uma decisão proferida num processo cautelar, o recurso interposto tem efeito meramente devolutivo, nos termos do nº 2, do artº 143º do CPTA.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Negar provimento a recurso, embora por diferente fundamentação da adoptada na sentença recorrida, indeferindo-se o pedido de decretamento da providência cautelar requerida, por falta dos seus legais pressupostos;

2. Fixar o efeito meramente devolutivo ao recurso.

Custas pela Recorrente.


(Ana Celeste Carvalho – Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(Rui Pereira)