Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:926/17.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA CÓPIA DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL, NOTIFICAÇÃO DO PARECER DO MP,
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA FP
Sumário:1. O acto tácito de indeferimento não impugnado, não obsta à impugnação do acto expresso que seja proferido posteriormente no procedimento;
2. No âmbito da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT a cópia do processo de execução fiscal que acompanha a subida imediata da reclamação não tem de ser notificada ao Reclamante;
3. O parecer do Ministério Público apenas tem de ser notificado às partes, caso suscite questão que obste ao conhecimento do pedido nos termos do disposto no n.º 2 do art. 121.º do CPPT.
4. A administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má-fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas (n.º 1 do art. 104.º da LGT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO Nº 926/17.2BELRS

I. RELATÓRIO

H. M. A. DE M. R., apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa reclamação contra o despacho da Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva, proferido em 05.02.2016, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3082201201…., de aceitação, como garantia, de uma penhora efectuada num imóvel sua propriedade.

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa foi a reclamação julgada improcedente.

Inconformada com o assim decidido, a Reclamante recorreu para este Tribunal Central, através da alegação de fls. 135 e ss. dos autos, tendo, após convite visando a reformulação das conclusões inicialmente formuladas, apresentado as seguintes conclusões que ora se numera oficiosamente:
«

I
1) Depois do recurso ter sido admitido por despacho de 02.11.2017; o processo foi ainda objecto de mais dois despachos, de 24.11.2017 e 21.12.2017 que, na presente instância, importa considerar, uma vez que, os factos dados como provados sob alíneas, estas foram ali alteradas.

II
2) Não obstante, a sentença continua eivada de ilegalidades e erros que, a não serem colmatados, a inquinam de NULIDADE.
3) A sentença enferma de erro na conjugação das al. D) e C) da matéria dada como provada, na versão inicial.
4) Por outro lado, padece de omissão de pronúncia por não ter apreciado as questões colocadas pela Reclamante, ora Recorrente, incorrendo no vício de "petitionem brevis" a que alude o artº. 615 nº 1 al. d) do CPC, designadamente quanto ao grave incumprimento dos prazos pela Reclamada quer no que se refere ao despacho de aceitação da penhora quer na remessa do processo de Reclamação a Juízo; o que se traduziu numa actuação/omissão ilegal, violadora do Principio da Igualdade das partes, lesiva dos direitos e interesses da Reclamante; e, ainda, da Garantia da Tutela Jurisdicional efectiva, bem como das regras processuais ao caso aplicáveis, que se têm por urgentes, e imediatamente aplicáveis. Porquanto:
5) O despacho de que se reclamou foi irrazoávelmente proferido quase (03) três anos depois do acto ter sido requerido, sob pressão ilegítima da AT; e quando precisamente devia estar suspenso porque no âmbito do PEF decorria a apreciação de um pedido de isenção de garantia antes ali apresentado pela Recorrente.
6) E porque já havia ocorrido o indeferimento tácito desse requerimento.
7) Sendo, pois, forçado ou desvirtuado o que da sentença resulta quando ali se afirma que a AT estava em tempo para decidir ao abrigo do Principio da decisão porque, por um lado, isso colide com o Principio da celeridade processual, que não foi observado; e, por outro lado, de modo complementar, com os Princípios da Certeza e da Segurança Jurídica devido ao facto de o PEF estar suspenso para apreciação de um pedido de isenção de garantia no âmbito da mesma alegada execução, e que ainda aguardava decisão.
8) Mas mais: durante esse período, tal como consta do facto dado como provado, resultante da al. H) da sentença aqui questionada, foi proferido Acórdão por esse TCA a impor que se repetisse o procedimento, não observado, pela AT, no que se refere ao pedido de dispensa de garantia. Aliás, nesta data, isso mesmo, ainda nem sequer foi cumprido pela AT. Daí se podendo aferir, e concluir, que nem a actuação da AT foi a mais adequada, nem a posição do M: Juíz "á quo" foi a mais acertada.
9) Cabendo, aqui, talvez, de modo colateral, chamar á colação o douto Acórdão do STA de 09.10.2013, que se transcreve: "a prática do acto omitido após o prazo de indeferimento tácito... constituirá... fundamento de anulabilidade". Sucede que o PEF estava suspenso e o TCA, (al. H) da matéria provada), havia determinado a repetição do procedimento não observado; Pelo que o acto de aceitação de penhora, bem como a penhora, são NULOS e, como tal, assim devem ser declarados.
10) Acresce que a sentença entra em contradição nos seus precisos termos ao admitir que, (04) anos depois, abrigue a decisão da AT sob o manto do Principio da Decisão e, logo de seguida, se esqueça de aplicar o mesmo Principio ao facto dado como provado da sentença em questão. Ou seja: a inobservância da deliberação do TCA pela AT já não só não mereceu o mesmo tratamento, como até foi diminuída pelo M. Juiz "á quo" na apreciação desta, em relação àquela outra questão.
11) Sucede que o próprio PEF, enferma "ab initio", de NULIDADE, devido à inobservância das regras da sua instrução e tramitação, ambas suscitadas judicialmente em tempo, e a aguardar decisão.
12) E nunca foi, no âmbito dos presentes autos, notificada à Recorrente, pelo que tal omissão, sendo condicionadora do contraditório, também não pode deixar de conduzir à declaração de nulidade da decisão aqui posta em crise, e colocada à V/, Senhores Desembargadores, excelsa apreciação.
13) Acresce, face ao que precede, que se impunha, a Juízo, no mínimo, prudencialmente, a inquirição das testemunhas arroladas sobre os factos articulados pela A, e inerentes á sua normal tramitação.
14) Pelo que a sua recusa terá, no mínimo, prejudicado a clarificação do "tema decídendi”; e daí viciado a eventual convicção do julgador; e que conduziu á viciada decisão aqui em questão.
15) Levando, ao que se crê, o M. Juiz "á quo" a trilhar caminhos e escolhos eivados de ilegalidades e irregularidades, ao arredar matérias e formalidades com tendências ou propensões notórias, não de busca de Justiça, mas unicamente de proteger a Administração tributária, como dos autos parece decorrer e resultar.
16) Tanto mais que o marido da A nem sequer havia sido notificado de NADA (de qualquer acto relacionado com o PEF). E ainda o não foi!
17) A sentença enferma, por isso, de vícios e erros notórios que a cominam de NULIDADE. Nulidade que deve ser declarada, e a sentença Revogada, se não baixar para ser reapreciada; considerando-se, em qualquer caso, que a penhora deve ser imediatamente levantada, e o seu registo cancelado.
18) Porque lhe subsiste a ilegalidade do PEF, bem como o pedido de garantia e a não observância do Acórdão do TCA sobre a mesma, o decurso dos prazos e a aceitação do indeferimento tácito da AT; e, ainda, a não notificação de qualquer acto ao marido da A e a não notificação do PEF e do Parecer do Digª. M.P. tendo em vista o exercício do contraditório que, assim, ficou cerceado e prejudicado e, finalmente, a não admissão do depoimento das testemunhas pela A arroladas, uma vez que a Reclamação integrava factualidade relevante para a decisão da causa, que assim ficou prejudicada.
19) Aliás, no que á omissão do Parecer do Sr. M.P. se refere, não se pode deixar de mencionar o disposto no nº2 do art°. 121 do CPPT. Entende-se, por isso, que o processo enferma, também, de nulidade por insuficiência de apreciação de matéria de facto devido a falta de inquirição das testemunhas arroladas pela Reclamante/Recorrente, designadamente sobre o desespero em que se encontrava quando deu entrada do requerimento a que alude o Facto E). Que idade tinha e tem a Reclamante, de que doenças padece, se foi injustamente trucidada, pela AT, com penhoras tais que lhe paralisou a sua actividade, quais as condicionantes da apresentação do requerimento da penhora, se tinha aceite ou não o indeferimento tácito, se foi deduzida Impugnação Judicial da eventual divida, e Oposição ao Processo de Execução Fiscal... - Factos esses alegados e que careciam de ser apreciados (Ver nomeadamente o art°. 7° da reclamação), e que a terem sido considerados provados, e em conjugação com a factualidade provada Facto B) H) e L) da sentença, esta só podia concluir que a execução estava legalmente suspensa, ao abrigo, nomeadamente, dos artºs. 52 LGT, 169 nº10 e 212 do CPPT (Veja-se Doutrina e Jurisprudência invocada e transcrita na Reclamação) e, logo, não ser possível a aceitação da garantia.
20) Nem se compreende porque é que a sentença não considerou não só o indeferimento tácito; nem, também, o facto da Reclamante/Recorrente não ter impugnado esse indeferimento, quando isso implicava uma desistência desse pedido de garantia.
21) OU SEJA, apesar do Mª. Juiz ter o poder discricionário de ajuizar da necessidade, ou não, da produção das provas oferecidas, decorre dos autos que os mesmos não forneciam, em si, todos os elementos de prova necessários para se produzir uma sentença sensata, equilibrada e, consequentemente, JUSTA. Assim, não devia o Mº. Juiz ter dispensado a produção da prova se quisesse produzir uma sentença justa.
22) Acresce ainda que se verificou a violação do artº. 278 n°5 CPPT uma vez que: "A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação ..." não foi notificada á parte, bem como a violação dos art°s.4, 415 nº1 e 423 do CPC, por alguma prova documental ter sido junto de forma extemporânea e sem notificação à Recorrente
23) E, tendo sido, eventualmente, junto aos autos o PEF; este NUNCA FOI NOTIFICADO à Recorrente; desconhecendo-se mesmo se o Processo de Execução, alegadamente entregue, foi/está completo ou não, se os documentos juntos são o PEF ou não... se o mesmo se encontra numerado, rubricado ou se só tem peças cuidadosamente escolhidas .... Tendo em vista o fim pela AT visado
24) Sendo que a quase TOTALIDADE da matéria de facto fundamento da sentença em causa. (VEJA-SE na versão inicial da Fundamentação de facto, nomeadamente al. A) B) C) D) F) G) I) J) K) L) M)). O Tribunal "a quo" concluiu, de forma determinante, senão mesmo único, o sentido da sua decisão desfavorável aos interesses da Recorrente, sem que previamente tivesse assegurado o exercício do Principio do contraditório, e sem possibilidade de, sobre ela, a Recorrente se poder pronunciar ou impugnar
25) Tendo-se, dessa forma, violado o Princípio do contraditório, mas também o Principio da igualdade das partes e da igualdade das faculdades e meios defesa, uma vez que não foi assegurado à Recorrente um tratamento processual justo e equitativo.
26) FINALMENTE, não se compreende que a sentença afirme que "não constitui objecto da presente reclamação judicial a penhora a que a Reclamante se refere, não podendo ser discutida a sua ilegalidade ...não sendo possível obter a anulação da penhora através da anulação do despacho que a aceita como garantia...", quando consta dos factos provados da mesma al. F): Em 30.08.2013,a ora Reclamante apresentou reclamação judicial do despacho referido em C)", Sendo que o referido em "C" é o acto de penhora efectuado pelo Serviço de Finanças (Veja-se: C) Em 05.06.2013 foi penhorado pelo serviço de Finanças de Lisboa 3...”).
27) ASSIM, se a penhora não constitui objecto da presente reclamação judicial, não se compreende porque é que o Mº. se refere, alude e invoca que a mesma foi reclamada em sede de matéria provada. SERÀ que se esqueceu de apreciar que a Reclamante/Recorrente pede na reclamação que "se proceda ao levantamento da eventual penhora (se ela ainda existir)" (aliás isso denota que não teve (ou tem) conhecimento se ela foi ou não efectuada, e de modo legal.
III
Litigância de má fé

28) Pugna-se, ainda, pela condenação de litigância de Má-fé da Reclamada, não só pelo atrás já exposto, como também pelo facto de o Processo de Execução Fiscal se encontrar suspenso, a existência de um Acórdão judicial datado de 13.11.2014, não cumprido, e por violação de Circular da AT.A adopção quer no procedimento quer no processo, espelha má fé.
29) E não admitir que a AT adaptou, no presente procedimento, um comportamento/atitude/decisão diverso do que, de boa fé, é habitual assumir em circunstâncias idênticas, e/ou que o seu comportamento não revelou a censurabilidade necessária, é acolher, de modo inadmissível, a violação de vários Princípios estruturantes do Direito, tais como o Principio da prevalência das decisões dos tribunais, e violador dos Direitos da Reclamante.
30) Aceitar a inércia da AT, durante 4 anos, que após um Acórdão que tende para a posição defendida pela aqui Recorrente, e valer-se de um requerimento entregue, em desespero de causa, depois de um indeferimento tácito é, no mínimo, reconhecer que a Recorrente não sofreu qualquer lesão, que o Reclamado não provocou qualquer lesão aos interesses da Reclamante; que a garantia constitucional do direito à tutela judicial efectiva de nada vale; que não cumprir a Lei, ou não cumprir decisões judiciais não se incorre em punição ou sanção alguma! (OU SEJA; premiar esta actuação é imerecido, injustificável)
31) É aceitar que a AT não estava obrigada a actuar norteada pela prossecução do interesse público; da Legalidade, da Justiça e Imparcialidade. Acolher esta actuação da AT, em clara desobediência à Lei e ao Direito é inqualificável.

TERMOS EM QUE,

E SEMPRE COM O SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS,
DEVE JULGAR-SE PROCEDENTE o presente recurso, declarando-se a sentença NULA, ou revogando a decisão recorrida interposta, anulando-se ou declarando-se NULO o despacho da Chefe de Divisão da DGDE, proferido em 05.02.2016, de aceitação de garantia de penhora por, nomeadamente, vicio de violação de lei e de incompetência, por se fundamentar em facto do acto cujo objeto ou conteúdo jurídico é impossível ou ininteligível e violação dos Princípios da Boa-Fé, da Segurança Jurídica, da Confiança, da Legalidade, da Justiça, da Verdade Material, da Boa Administração, da Protecção Jurídica e do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, ao abrigo dos artigos melhor identificados na peça.
Anulando-se o actos executórios por feridos de nulidade e ilegalidade e se proceda ao levantamento da eventual penhora (se ela ainda existir).
Ou
Ordenar-se que os autos regressem ao Tribunal a quo, para ai prosseguirem os seus termos com vista à apreciação da matéria suscitada pela Recorrente por, nomeadamente, insuficiência de matéria de facto para a cabal e justa apreciação do mérito da decisão, não notificação do Parecer do MP (ao abrigo do art.20.º da C.R.P., dos Princípios do contraditório e da igualdade das partes, estabelecidos nos arts. 3.º e 4.º do C.P.C., inquirição das testemunhas arroladas pela Reclamante, ora Recorrente, notificação de toda a documentação junta (PEF) junta pela AT
E
A AT seja condenada por litigância de má-fé no pagamento EXEMPLAR de uma multa, cujo montante V. Exª. considere adequado, bem como no pagamento de uma Indemnização à reclamante de igual valor.
Assim, Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA!»

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Não foram produzidas contra-alegações.

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A Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC) vêm os autos à conferência para decisão.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:


_ Nulidade da sentença por omissão de pronúncia e erro de julgamento [conclusões 2 a 27];
_ Litigância de má-fé (conclusões 28 a 31).

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida efectuou o seguinte julgamento de facto:
«
Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:
A) Em 04.10.2012, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 3085201201….. para cobrança coerciva de quantias devidas ao IFAP, I.P., a título de reposição de ajudas indevidamente recebidas no âmbito do Programa Operacional POAGRO, no montante de 83.301,48 EUR (cfr. capa do processo e certidão de dívida, a fls. 1 e 8 do processo de execução apenso, respectivamente);
B) Em 17.12.2012, a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3 pedido de dispensa de prestação de garantia (cfr. requerimento a fls. 40 a 48 do processo de execução apenso);

C) Em 05.06.2013, foi penhorado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, no âmbito do processo de execução identificado em A), o bem imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…, sito na R. Dr. E., n.ºs .. e .., freguesia de O., tendo a penhora sido objecto de registo em 02.07.2013 (cfr. certidão de fls. 142 do processos de execução apenso);
D) Por despacho do Director de Finanças Adjunto, datado de 09.08.2013, foi o pedido referido na alínea B) objecto de indeferimento (cfr. despacho a fls. 167 do processo de execução apenso);
E) Em 29.08.2013, a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3 requerimento com o seguinte teor:

“(…)

(Texto no original)



(cfr. requerimento de fls. 357 e 357v do processo de execução apenso);

F) Em 30.08.2013, a ora Reclamante apresentou reclamação judicial do despacho referido em D) (cfr. registo a fls. 127v do processo de execução apenso);
G) Por sentença datada de 18.07.2014, proferida no processo n.º 117/14.4BELRS, que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa, a reclamação referida na alínea anterior foi julgada improcedente (cfr. sentença a fls. 299 a 309v do processo de execução apenso);
H) Tendo a Reclamante apresentado recurso da sentença mencionada em G), por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.11.2014, proferido no âmbito do processo n.º 8021/14, foi a referida sentença revogada e, consequentemente, anulado o despacho identificado em D), no essencial, com o seguinte fundamento:
(…) na informação de suporte da decisão de indeferimento consta a asserção nuclear para a rejeição do pedido da executada/recorrente de que a mesma é proprietária de bens imóveis e de bens móveis, os quais podem servir de garantia à dívida exequenda (…). Questão sobre a qual a executada/recorrente nunca foi ouvida no procedimento tributário em apreço.
Do exposto, flui, como consequência, que a preterição da audição prévia da executada/recorrente não tem fundamento no preceito do artigo 103º/1/a), do CPA, corporizando violação do disposto no artigo 60º/1/b), da LGT.

(cfr. acórdão de fls. 311 a 321v do processo de execução apenso) ;

I) Em 03.02.2016, pronunciando-se sobre o pedido mencionado em E) supra, foi elaborada pela Direcção de Finanças de Lisboa a seguinte informação:

“(…)

A) Do pedido

Entrou nesta DF/DGDE (n/referência 2015E00357…. no n/Sistema de Gestão de Processos e Serviços, e-mail proveniente do Serviço de Finanças de Lisboa 3, referente à executada H. M. A. de M. R., com o NIF 1…, e relativo ao processo executivo nº 3085201201…. que corre termos nesse mesmo Serviço.
De acordo com o teor do referido e-mail e documentação anexa a executada veio aos autos oferecer em 30.08.2013 como garantia a penhora efectuada sobre o bem imóvel infra identificado, em ordem à suspensão do processo executivo em crise, uma vez que deduziu oposição à execução.

(…)
D) – Da análise

De acordo com o disposto nos arts. 52º da LGT e 212º do CPPT o processo de execução fiscal pode ser suspenso se existir oposição à execução desde que seja apresentada garantia.
Assim, para que se verifique a suspensão da execução fiscal torna-se indispensável que seja constituída ou prestada garantia, nos termos dos arts. 195º e 199º do CPPT. Deste modo, de acordo com o consagrado no art. 199º nº 4 do CPPT “vale como garantia a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e o acrescido…”
Ora, no caso sub judice, após análise da documentação junta aos autos relativamente à penhora registada em 02.07.2013 no prédio urbano da freguesia de Olhão, inscrita no artigo matricial 1543 e cujo valor patrimonial tributário ascende a €11.050,24, cumpre referir que:
Visto que o escopo do processo judicial tributário de execução é sempre se assegurar a efectiva cobrança da dívida, designadamente no que respeita às garantias a prestar para a suspensão a que a sua tramitação respeita, e atento o valor da garantia a prestar, conforme informação do Serviço de Finanças de Lisboa 3, que ascendia a €134.991,10 à data de 30.08.2013, teremos de verificar, pese embora o bem imóvel se encontre livre de ónus e/ou encargos anteriores ao registo da penhora a favor da Fazenda Pública, e que o valor patrimonial tributário do mesmo se cifra na data de hoje em €11.050,24, da insuficiência da dita garantia, devendo, pois, ser reforçada pelo valor remanescente.

E) – Conclusão

Deste modo, face ao supra exposto, da análise efectuada à garantia prestada – penhora sobre bem imóvel – verifica-se que a mesma é inidónea pela sua insuficiência.
Para os efeitos tidos por convenientes nos termos dos arts. 198º e 199º, ambos do CPPT, propõe-se a remessa da presente informação ao Serviço de Finanças de Lisboa 3.

(cfr. informação de fls. 392 e 395 do processo de execução apenso);

J) Sobre a informação reproduzida na alínea que antecede, foi proferido, em 05.02.2016, pela Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, o seguinte despacho:
Concordo. Face à informação e parecer prestado e com os fundamentos neles aduzidos, aceito como garantia a penhora efectuada, mas porque esta se mostra insuficiente para garantir o processo deverá o contribuinte ser notificado para o seu reforço.
Ao serviço local para efeitos.

Por subdelegação de competências, conforme Despacho nº publicado no DR, 2ª Série nº 253, 29 Dezembro

(cfr. despacho a fls. 392v do processo de execução apenso) ;

K) Através de ofício de 17.02.2016, foi a Reclamante notificada do despacho mencionado em J) (cfr. ofício a fls. 396v do processo de execução apenso);
L) Até à presente data não ocorreu a execução da decisão judicial identificada em H) supra (cfr. informação do órgão de execução fiscal junta a fls. 127 a 132 dos autos);
M) No âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos apenas se encontra activa a penhora identificada em C) supra (cfr. informação do órgão de execução fiscal junta a fls. 127 a 132 dos autos);

FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.»


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Nas suas conclusões de recurso a Recorrente assaca à sentença, desde logo, o vício de nulidade por omissão de pronúncia. Por despacho de fls. 166 e 167 o Meritíssimo Juiz a quo sustentou o decidido, não obstante a Recorrente considera que a sentença “continua eivada de ilegalidades e erros que (…) a inquinam de nulidade” (conclusão 2).

Vejamos.

Nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT constitui nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.

Ou seja, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14).

In casu, pese embora a prolixidade das conclusões de recurso (mesmo após de terem sido “aperfeiçoadas” na sequência do convite formulado pela Relatora) e de alguma complexidade na exposição dos argumentos Recorrente, ainda assim, cum grano salis consegue-se compreender as questões suscitadas pela Recorrente de modo a garantir-lhe uma tutela jurisdicional efectiva. Avançando, uma das questões colocadas prende-se com a alegada omissão de pronúncia da sentença, mas adiantemos, desde já que não lhe assiste razão.

Com efeito, como bem salientou o Meritíssimo Juiz a quo no seu despacho de sustentação da nulidade “a questão da subida apenas assume relevância para a determinação do momento da apreciação da reclamação pelo tribunal, consubstanciando, assim, questão prévia que pode obstar ao conhecimento do mérito, mas no presente caso, não se mostrou sequer controvertida a subida imediata”.

Na verdade, o Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se devidamente na sentença recorrida sobre todas às questões suscitadas pela Recorrente, e desde logo, sobre a questão de “o despacho de que se reclamou foi irrazoavelmente proferido quase 3 anos depois” (conclusão 5 do recurso), como expressamente se retira de fls. 13 a 15 da sentença.

Por outro lado, a sentença pronunciou-se no sentido de que não é o acto de penhora que vem reclamado nos presentes autos, mas acto de aprovação de garantia, e nessa estrita delimitação do objecto da reclamação expressamente referiu que “não cabe no âmbito desta reclamação a apreciação da legalidade de actos de penhora que tenham sido realizados no processo de execução fiscal”. Para além da nulidade, refira-se, desde já, que é de validar o decidido neste particular, não se verificando o erro de julgamento assacado na conclusão 26 e 27, na medida em que o acto reclamado que se encontra identificado na p.i. é o acto de aprovação de garantia e não qualquer penhora.

Portanto, relativamente às ilegalidades atinentes à penhora e que são assacadas pela Reclamante emitiu-se pronúncia, não tendo o tribunal a quo de se pronunciar sobre cada um dos argumentos invocados, não se verificando qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Pelo exposto, não se verificam as nulidades invocadas nas conclusões de recurso.

Quanto ao erro de julgamento de facto invocado, designadamente, o de que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto na conjugação das alíneas D) e C) da matéria de facto dada como provada, tal erro não se verifica, sendo de confirmar, relativamente ao invocado, o juízo de facto do tribunal de 1.ª instância. Por outro lado, da análise dos documentos juntos aos autos, não se vislumbra qualquer erro no julgamento da matéria de facto, sendo de confirmar in totum a valoração da prova e dos juízos de facto do Meritíssimo Juiz a quo, sendo acertada a conclusão alcançada na sentença de que que o despacho reclamado não está ferido das ilegalidades/nulidades invocadas.

Com efeito, nenhum reparo importa fazer à sentença recorrida, que aqui confirmamos na íntegra, e que se fundamentou da seguinte forma:

“Alega a Reclamante a ilegalidade do despacho proferido pela Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, em 05.02.2016, do qual resulta a aceitação como garantia da penhora realizada em 05.06.2013 sobre o bem imóvel da Reclamante sito na freguesia de O., com vista à suspensão do processo de execução fiscal e, por outro lado, a necessidade de reforço, em face da sua insuficiência para assegurar o total pagamento da dívida exequenda e acrescido.
No seu entendimento, tal acto padece dos vícios de violação de lei e de incompetência, consubstanciando, ainda, uma violação dos princípios da boa-fé, da segurança jurídica, da confiança, da legalidade, da justiça, da verdade material, da boa administração, da protecção jurídica e do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.
Vejamos.
Retira-se da argumentação vertida na petição, que, no essencial, a Reclamante fundamenta a ilegalidade do acto reclamado, por um lado, no facto de consubstanciar um acto cujo objecto se tornou impossível ou ininteligível em virtude da ocorrência de uma causa superveniente, in casu, a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 13.11.2014, que, de acordo com o entendimento da Reclamante, determinou a dispensa de prestação de garantia e, por outro lado, na circunstância de a penhora na qual se fundamenta a aceitação da garantia ter ocorrido em 2013 e, nessa medida, enquanto o processo se encontrava suspenso, a aguardar decisão definitiva sobre a dispensa, razão pela qual o órgão da execução fiscal estava impedido de realizar quaisquer penhoras.
Quanto à invocada nulidade do despacho decorrente da impossibilidade ou ininteligibilidade do seu objecto, desde já se adianta, não assiste razão à reclamante.
Nos termos do artigo 161.º, n.º 2, al. c), do CPA, são nulos os actos cujo objecto ou conteúdo seja impossível ou ininteligível, sendo que impossível é o objecto sobre o qual não pode incidir um acto administrativo e ininteligível é o acto cujo objecto ou conteúdo não é susceptível de dilucidação (neste sentido, cfr. Luiz Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo anotado, Coimbra Editora, 2015, p. 572).
In casu, não se verifica qualquer uma destas circunstâncias, na medida em que o conteúdo do acto reclamado é perfeitamente inteligível, não havendo, igualmente, impossibilidade do seu objecto por ocorrência de uma causa superveniente.
Como bem observa o Representante da Fazenda Pública na sua resposta, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul não considerou, ao contrário do que alega a Reclamante, que estavam reunidos os pressupostos para a concessão da dispensa de prestação de garantia.
Com efeito, retira-se da leitura do aresto em causa, que nele apenas se conclui pela necessidade de observância do direito de audição prévia antes da decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia (cfr. ponto H) do probatório), tendo o acto de indeferimento sido anulado com fundamento na preterição de uma formalidade que, no entendimento daquele Tribunal Superior, havia sido indevidamente omitida.
Ora, tal decisão apenas implica a repetição do procedimento, com o dever de observância da formalidade preterida, nada estabelecendo quanto ao conteúdo da decisão que venha a ser novamente proferida, designadamente, quanto à verificação dos pressupostos para a dispensa de prestação de garantia.
Decorre do exposto que o despacho reclamado, proferido na sequência do requerimento da Reclamante, nos termos do qual solicita a prestação de garantia através da penhora do seu prédio urbano sito em O. (cfr. alínea E) da factualidade assente), não está ferido de nulidade por ocorrência de uma causa posterior que determinaria a impossibilidade do seu objecto. Na verdade, como resulta demonstrado nos autos, não só a invocada causa superveniente não se verificou, não estando a Reclamante, à data da prolação do despacho de aceitação da penhora como garantia, legalmente dispensada da sua prestação, como se afigura possível a produção dos efeitos jurídicos do acto, que consistem na prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal.
Visando a prestação de garantia e a dispensa dessa prestação a produção do mesmo efeito jurídico – a suspensão da execução – o que seria impossível era a obtenção desse mesmo efeito, simultaneamente, através da concessão da dispensa e da aceitação de uma garantia. Mas tal, reitere-se, não se verificou no presente caso.
Alega também a Reclamante a ilegalidade do acto reclamado de aceitação da penhora como garantia decorrente da inadmissibilidade da própria penhora, por consubstanciar um acto de execução praticado durante o período em que o processo de execução fiscal se encontrava suspenso.
Ora, como se referiu supra, não constitui objecto da presente reclamação judicial a penhora a que a Reclamante se refere, não podendo aqui ser discutida a sua (i)legalidade. Se o que a Reclamante pretendia reagir contra o acto de penhora deveria tê-lo feito através de uma reclamação autónoma, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, não sendo possível obter a anulação da penhora através da anulação do despacho que a aceita como garantia, por nem sequer se estar perante um acto consequente de um acto que venha a ser anulado (e que constitui objecto da presente reclamação).
Assim, em relação ao argumento exposto, conclui-se que o mesmo não contende com a legalidade do despacho aqui posto em crise mas, antes, com a legalidade da própria penhora que foi realizada no processo de execução fiscal. A executada, ora reclamante, se entendia que a penhora era ilegal por ser realizada na pendência de decisão judicial sobre a legalidade do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, então, deveria, oportunamente, ter apresentado reclamação judicial desse acto lesivo.
Ao invés, conformou-se com a prática desse acto e dirigiu um requerimento ao órgão da execução fiscal solicitando a suspensão do processo por se encontrar prestada garantia idónea com a realização da penhora.
Nessa medida, e atendendo ao conteúdo da decisão que mereceu o referido requerimento, que se revela parcialmente favorável, porquanto aceita a penhora como garantia mas exige um reforço, o que poderia estar a ser discutido nos presentes autos era a legalidade do despacho, designadamente, no que à invocada insuficiência da garantia concerne e não, como pretende a Reclamante, a legalidade da penhora oferecida como garantia.
Resulta de todo o exposto que não assiste razão à Reclamante quanto à invocada nulidade do despacho por vício de violação de lei, por se fundamentar em acto com objecto impossível ou ininteligível e, bem assim, por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança, da legalidade, da justiça, da verdade material, da boa administração e do princípio da protecção jurídica, não merecendo o acto reclamado qualquer censura, neste ponto.”

De igual modo, não se verifica qualquer erro de julgamento quanto à questão invocada pela Recorrente de que a decisão do órgão de execução fiscal foi proferida quase 3 anos depois do acto ter sido requerido (conclusões 5 e seguintes).

Com efeito, também aqui acompanhamos o discurso da sentença recorrida:

“Mais alega a Reclamante que a Administração Tributária decidiu o requerimento volvidos quase 3 anos da data da sua apresentação, o que constitui uma violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável. Ora, é certo que, por força do princípio da decisão, consagrado no artigo 56.º da LGT, “a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo”, estabelecendo a lei prazos para a pronúncia da administração.
No entanto, a inobservância de tais prazos, em regra, não determina a ilegalidade das decisões que entretanto venham a ser proferidas, para além do limite temporal previsto para a conclusão do procedimento administrativo. Na verdade, a LGT prevê no seu artigo 57.º, a consequência da inobservância dos prazos estabelecidos para a conclusão do procedimento, determinando que o incumprimento desses prazos faz presumir o indeferimento da pretensão do interessado para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial (cfr. n.º 5 do citado preceito).
Resulta do exposto que a falta de decisão no prazo legal apenas tem como consequência a formação da presunção indeferimento tácito, conferindo ao interessado a possibilidade de reagir contra esse acto negativo. Mas tal possibilidade, não sendo obrigatória mas constituindo apenas uma faculdade de acesso à via judicial, não desonera a administração do dever de decidir, nem impede o interessado de lançar de meios tendentes a obter essa decisão, designadamente, a intimação para um comportamento.
Os prazos para a conclusão do procedimento assumem, assim, uma natureza meramente ordenadora, pelo que a sua inobservância não gera um vício susceptível de inquinar a decisão que venha a ser proferida, sem prejuízo de o atraso na conclusão do procedimento poder ser fundamento para uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado, quando se revele gerador de danos na esfera jurídica do interessado, o que não cabe apreciar aqui. Seguindo o entendimento perfilhado, veja-se Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2014, p. 19 e 20 e, ainda, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13.03.2004 e de 03.09.2014, proferidos nos processos n.ºs 0434/02 e 0719/14, respectivamente.
Assim, não enferma o acto reclamado de qualquer ilegalidade decorrente da violação do direito de obtenção de uma decisão em prazo razoável.”

Ora, ao contrário do entende a Recorrente (conclusões 5 a 7) o facto de se ter formado acto tácito de indeferimento pelo decurso do prazo legal, não obsta a que, posteriormente, seja proferida uma decisão expressa pelo órgão de execução fiscal, não se vislumbrando, (e a Recorrente também não convence) como poderá ficar sequer beliscado o princípio da celeridade processual, nem como poderá colidir com os princípios da certeza e segurança jurídica, e assim sendo, improcedem as conclusões de recurso 1 a 7. De igual modo, improcede a conclusão de recurso 20, na medida em que, ao contrário do que alega, o facto de a Impugnante não ter impugnado o acto tácito de indeferimento, tal não significa qualquer desistência de pedido de garantia. A impugnação de acto tácito de indeferimento não é obrigatória, nem excludente do direito de impugnar o acto expresso que venha a ser proferido posteriormente.

Por outro lado, também não obsta àquela conclusão o referido acórdão do TCA, não havendo qualquer contradição da sentença (conclusões 8 a 10), antes pelo contrário, como bem se referiu na sentença supra transcrita o acórdão em questão não considerou que estavam reunidos os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia e a “decisão apenas implica a repetição do procedimento, com o dever de observância da formalidade preterida, nada estabelecendo quanto ao conteúdo da decisão que venha a ser novamente proferida, designadamente, quanto à verificação dos pressupostos para a dispensa de prestação de garantia.”

Também improcedem as conclusões 11) e 12) e 16) porque as nulidades do processo de execução fiscal (art. 165.º do CPPT) devem ser invocadas no próprio processo de execução fiscal junto do órgão de execução fiscal, e só depois de proferida decisão administrativa sobre a nulidade arguida é que caberá, então, reclamação desse acto para o tribunal nos termos gerais do art. 276.º do CPPT.

No que diz respeito ao invocado quanto a não audição das testemunhas arroladas [conclusões 13) a 21)] importa referir que não se verifica qualquer défice instrutório no caso dos autos, pois, desde logo, para a resolução das questões suscitadas pela Reclamante que se relacionam com a legalidade do acto reclamado, a prova testemunhal era manifestamente desnecessária e inútil.

Como se decidiu no Acórdão do STA de 14/09/2011, proc. n.º 0215/11, “embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias. O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal. Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.”.

Na verdade, o juiz deve dispensar a realização de diligências desnecessárias, face ao disposto no art. 137.º do CPC que proíbe a prática de actos inúteis, mas tratando-se de diligências requeridas, como sucede no caso dos autos, então, a dispensa deve ocorrer apenas quando for inequívoca a sua inutilidade. Nos casos em que haja dúvidas sobre a utilidade das diligências, deve o juiz proceder à sua realização (nesse sentido, vide Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 254).

Por outro lado, como a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem reiteradamente decidido, a apreciação da legalidade do acto reclamado pelo tribunal deve ter em consideração a prova que foi feita perante o órgão de execução fiscal e com base na qual foi proferida decisão. Deve reexaminar a prova produzida para poder aferir da legalidade da decisão reclamada, não relevando para esse efeito, a prova que tenha sido produzida pelo executado após a prática do acto, que não tenha a virtualidade de ter influenciado o seu conteúdo.

Conforme se sumariou no acórdão do STA de 15/10/2014, proc. 0918/14 o seguinte: “[a] apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação, não sendo possível, com base em prova – produzida em Tribunal - a que a Administração Tributária não teve acesso, considerar que aquela decisão padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto. (…)”. Em sentido idêntico, vide ainda, Acórdão do TCAN de 12/12/2014, processo 276/14.6BEVIS acórdão do TCAS de 22/10/2015, proc. n.º 09035/15, e acórdão do TCAS de 10/07/2015, proc. n.º 08813/15, e acórdão do TCAS de 17/03/2016, proc. n.º 09405/16).

Portanto, e em suma, in casu, a prova testemunhal não se mostra necessária, é inequívoca a sua inutilidade, e portanto, não se verifica o invocado défice instrutório. Improcede, então, o invocado nas conclusões 8 a 19, não se verificando qualquer nulidade ou erro de julgamento relativamente ao invocado.

Também não se verifica a invocada violação do disposto no n.º 5 do art. 278.º do CPPT porquanto este preceito legal, ao contrário do que parece entender a Recorrente, apenas estabelece que “A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária.”.

Ou seja, não se estabelece na lei qualquer obrigatoriedade de notificação do processo de execução fiscal à Reclamante, no caso de subida imediata da reclamação a tribunal, e desde logo porque, se existe uma reclamação de um acto do praticado no processo de execução fiscal, a apresentação da própria reclamação implica que a Reclamante tenha cumprido o seu dever de diligência e consultado o processo de modo a exercer o seu direito de reclamação adequadamente, pelo que estamos perante um caso de manifesta desnecessidade de contraditório. Ora, após a apresentação de uma reclamação do acto de execução fiscal o processo de execução fiscal tem a tramitação prevista na lei, não carecendo, em regra, de ser notificada, sendo que no caso em apreço não existe qualquer tramitação inovatória que contenda com os direitos e legítimos interesses do reclamante e que impusesse a notificação do seu teor.

Entendemos, que cumpria à Reclamante a consulta do processo de execução fiscal no órgão de execução fiscal, antes da apresentação da reclamação, ou então, sabendo que decorre da lei a remessa de cópia ao tribunal, tinha ainda a faculdade de, querendo, consulta-lo no tribunal.

Não existe violação do princípio do contraditório porquanto a reclamante tinha ou devia ter conhecimento do processo de execução fiscal, pelo improcedem as conclusões 22 a 25, não se verificando qualquer violação do princípio do contraditório ou da igualdade das partes e dos meios de defesa, nem o direito a um processo justo e equitativo.

Refira-se ainda, que também não procede o alegado nas conclusões 19) e 30) porquanto o parecer do Ministério Público apenas tem de ser notificado às partes, caso suscite questão que obste ao conhecimento do pedido, o que in casu, analisado o referido parecer, verifica-se não ter sucedido, pelo não se encontra violado o disposto no n.º 2 do art. 121.º do CPPT, nem o princípio do contraditório.

Finalmente, no que diz respeito à litigância de má-fé (conclusões 28 a 31) também improcedem as conclusões da Recorrente, sendo de confirmar na íntegra o decido na 1.ª instância:

“Vem a Reclamante alegar que se vislumbra dos autos um comportamento doloso, intencional, consciente, tendente a prejudicar a sua defesa, pelo que se encontram verificados os fundamentos para a condenação da Administração Tributária em litigância de má-fé, nos termos do artigo 542.º do CPC e do artigo 104.º da LGT. Peticiona, nessa conformidade, a condenação daquela entidade no pagamento de uma multa e de uma indemnização, em montante a fixar pelo tribunal.
Vejamos.
Sob a epígrafe “Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé”, dispõe o artigo 542.º do CPC, nos seguintes termos:
“1. Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave :

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”.

No caso especifico do processo judicial tributário, a Lei Geral Tributária (LGT) regulamenta a possibilidade de condenação como litigante de má-fé no seu artigo 104.º dispondo que:

“1 - Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.
2 - O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral.”.

Assim, como salienta o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (ob. cit., pág. 313), neste artigo 104.° da LGT “estabelece-se um regime de condenação por litigância de má fé distinto para a administração tributária e para o sujeito passivo, pois enquanto este pode ser condenado em multa por litigância de má fé nos termos da lei geral (n° 2 daquele artigo), a administração tributária apenas pode ser condenada numa sanção pecuniária, a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé, caso actue em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas (n° 1 do mesmo artigo)”.
Temos, pois, um regime mais restritivo que o previsto na lei processual civil, o que nas palavras de António Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária Anotada, Editora Reis dos Livros, pág. 425), resulta da circunstância de se ter tido em conta “o quadro jurídico peculiar da actuação do Estado no processo judicial tributário, que é substancialmente diferente do das partes no processo comum”.
Verificamos que o legislador “fez depender a possível sanção por litigância de má fé de uma violação dolosa ou gravemente negligente (por aplicação do artigo 456º, nº 2 do CPC, a que actualmente corresponde o artigo 542º, 2 do CPC), quer do princípio da boa fé - actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados – quer do princípio da igualdade - o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.” (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.02.2014, processo n.º 07361/14).
Estamos assim perante um normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas, que consubstanciam situações de patente violação, por banda da Fazenda Pública, dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, 2012, pág. 893).
Ora, revertendo para o presente caso, não vislumbra este Tribunal que se verifiquem os necessários pressupostos legais para a peticionada condenação em litigância de má-fé, que se encontram, expressa e taxativamente, elencados no citado artigo 104.º, n.º 1, da LGT, não constituindo o comportamento da Autoridade Tributária uma actuação contrária ao teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados, nem tão-pouco uma actuação no processo que se possa dizer divergente da habitualmente adoptada em situações idênticas. Nem a Reclamante sequer alega a ocorrência destes pressupostos da condenação em litigância de má-fé previstos no citado normativo legal.
Não se podendo olvidar, por outro lado, que o comportamento sancionado no preceito em causa é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo, não tendo, por isso, aplicação neste domínio a previsão da norma em apreciação (cfr. Diogo Leite Campos e outros, ob. cit., p. 892).
Por todo o exposto, improcede o pedido de condenação da Autoridade Tributária em litigância de má-fé.”

Portanto, também é de confirmar o decidido nesta parte, e por conseguinte, o recurso improcede in totum.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e portanto, vencida no recurso a Recorrente Reclamante, esta é responsável pelas custas nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 3 de Maio de 2018.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Jorge Cortês