Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2582/09.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INDEMNIZAÇÃO POR NÃO EXECUÇÃO INTEGRAL E ESPONTÂNEA DE SENTENÇA ANULATÓRIA;
CRITÉRIOS DA INDEMNIZAÇÃO;
HONORÁRIOS DE ADVOGADO DEVIDOS PELA INTERPOSIÇÃO DA PRÓPRIA ACÇÃO EXECUTIVA.
Sumário:I– A Administração é civilmente responsável pelos danos patrimoniais que tenha causado com a inexecução ilícita de uma sentença declarativa, ou pela sua execução tardia;
II-Os critérios desta indemnização são os fixados para a responsabilidade civil do Estado por acto ilícito;
III-As despesas com honorários de Advogado, resultantes do próprio processo de execução, podem ser peticionadas no processo executivo, a título de responsabilidade civil da Administração por acto ilícito, decorrente da inexecução ilícita, ou da não execução espontânea e integral pela Administração no prazo legal;
IV-Ao nível da jurisprudência do STA é pacífico, que sendo o mandato judicial obrigatório, as correspondentes despesas com os honorários do Advogado constituem um dano indemnizável, ainda que limitadas ao valor adequado e necessário para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
A Caixa Geral de Aposentações (CGA) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, na parte em que julgou procedente o pedido de pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos pelo Exequente e relativos ao pagamento de honorários de Advogado, decorrentes da interposição da presente acção executiva.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1ª Só em casos especiais previstos na lei (como os do artº 457º e 666º, nº3 do CPC), pode atribuir-se indemnização autónoma à parte vencedora, a título de honorários.
2ª Fora destas situações excepcionais, aplica-se o regime comum de custas de parte (artigos 447º e 447ºD do CPC), como único meio de ressarcimento das despesas com mandatário judicial e reembolso das demais despesas que as partes são forçadas a fazer com vista a implementarem a marcha do processo.
3ª A condenação da Caixa Geral de Aposentações, tal como decidiu o tribunal de primeira instância, no pagamento pelos danos patrimoniais sofridos com o patrocínio da presente acção, no montante indicado pelo Autor (750,00 €) viola, por isso, os artigos 447º e 447ºD do Código de Processo Civil.”

O Recorrido não contra-alegou.
A DMMP apresentou pronúncia no sentido da procedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO

A questão a decidir neste processo, tal como vem delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs. 447.º e 447.º-D do CPC, porque a decisão recorrida condenou a CGA no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos pelo Exequente e relativos ao pagamento de honorários de Advogado, decorrentes da interposição da presente acção executiva, quando, na óptica da CGA, tais danos hão-de ficar ressarcidos por via da procuradoria que é fixada pelo Regulamento de Custas Judiciais (RCJ).

Diga-se, desde já, que a decisão recorrida é para manter, porque correcta.
Na presente acção de execução, o Exequente, ora Recorrido, veio invocar o incumprimento da sentença anulatória e veio peticionar para que fossem praticados pela CGA diversos actos de execução. Pede, também, para a CGA, a entidade executada, ser condenada no pagamento do valor dos danos provocados pela inexecução ilícita, entre os quais se incluem os valores relativos ao pagamento de honorários de Advogado, pela instauração e acompanhamento da própria acção executiva.
A decisão recorrida após ter dado por provado que o Exequente contratou os serviços de advocacia cujos honorários reclamava e que pagou o correspondente valor (cf. facto I), entendeu que aquelas despesas decorriam “da necessidade de recurso à presente acção executiva”, sendo “danos patrimoniais indemnizáveis”.
Acompanhamos tal julgamento que, aliás, aplica aquela que é a jurisprudência do STA.
Na PI, o Exequente, ora Recorrido, pediu (i) a declaração de nulidade da junta média de recurso realizada em 18-11-2009; (ii) para a CGA ser condenada à realização de junta médica de recurso com médicos diferentes, a marcar no prazo de 30 dias e a realizar em prazo não superior a 60 dias; (iii) para o Presidente do Conselho Directivo da CGA ser condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória; (iv) e para a CGA ser condenada no pagamento dos danos provocados pela inexecução ilícita e relativos às despesas havidas com a realização da junta médica, designadamente com os honorários do médico designado pelo Exequente e com os ora discutidos honorários de advogado.
Na decisão recorrida entendeu-se executada a sentença exequenda, no que concerne aos pedidos relacionados com as juntas médicas, julgando-se pela inutilidade superveniente da lide nessa parte, não obstante se indicar nos factos provados em C) e F) que resultava que a CGA, após o trânsito da sentença declarativa, demorou cerca de 5 meses para realizar a primeira junta e nove meses para a segunda. Aquela decisão considerou, também, procedente o pedido para pagamento dos honorários do médico designado pelo Exequente, determinando-se o seu pagamento, assim como, entendeu procedente o pedido para pagamentos dos honorários de Advogado.
Determina o art.º 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que as “decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas”. Nos termos do n.º 3 desse mesmo preceito, a lei deve regular “os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução”.
Nesse seguimento, o art.º 158.º do CPTA (todos os indicados artigos do CPTA referem-se à anterior versão, aqui aplicável) vem reafirmar aquela imposição constitucional e nos art.ºs 157.º. e ss. do citado Código regula-se o regime da execução das sentenças nos tribunais administrativos.
Ali determina-se, relativamente às sentenças anulatórias, o dever de execução por banda da Administração, que inclui o dever de reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado e, ainda, uma obrigação de a Administração respeitar o julgado anulatório, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as eventuais limitações que daí possam derivar – cf. especialmente o art.º 173.º do CPTA.
Por seu turno, o art.º 175.º do CPTA impõe o cumprimento integral do dever de executar no prazo de 3 meses.
Assim, nos termos dos art.ºs 158.º, n.º 1, 160.º, n.º1, 173.º, n.ºs 1 e 2, 175.º do CPTA, após o trânsito da sentença declarativa, a CGA tinha o prazo de 3 meses para a executar.
Conforme factos provados, a CGA não executou integralmente a decisão exequenda no indicado prazo de 3 meses, sendo que relativamente à obrigação de pagamento dos honorários do médico indicado pelo sinistrado - que resultava do preceituado no art.º 21.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11 e correspondia a uma obrigação de integral execução da sentença declarativa – tal cumprimento integral só terá ocorrido na sequência do presente processo executivo.
Assim, não há dúvida que a CGA não executou integralmente a decisão proferida no processo declarativo no prazo de 3 meses que decorria dos art.ºs 160.º, n.º 1, 173.º, n.ºs 1 e 2, 175.º do CPTA.
Verificou-se, portanto, quer uma inexecução ilícita, quer uma não execução integral e espontânea pela CGA – da realização das juntas médicas - no prazo legalmente determinado.
Enquanto corolário do art.º 22.º da CRP, estipulam os art.ºs. 158.º, n.º 2 e 159.º, n.º 1, al. a), do CPTA, que a inexecução ilícita, ou a não execução espontânea no prazo legal, das decisões judiciais, dá lugar à responsabilidade civil da Administração.
Logo, a CGA é civilmente responsável pelos danos patrimoniais que tenha causado ao Exequente, ora Recorrido, pela inexecução ilícita da sentença declarativa ou pela sua execução tardia – e portanto em mora.
Os critérios desta indemnização são os fixados para a responsabilidade civil do Estado por acto ilícito.
São pressupostos cumulativos para a efectivação desta responsabilidade, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados – cf. art.ºs 7.º, 10.º, n.º 1, 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12 e 563.º do CC.
Tendo-se verificado uma inexecução ilícita da sentença declarativa, estão preenchidos, no caso, aqueles dois primeiros pressupostos.
Porque os honorários de Advogado que ora são reclamados são os do presente processo executivo, também estão preenchidos os pressupostos dano e nexo de causalidade.
Com aquele pagamento o Exequente teve uma lesão, ou um prejuízo de ordem patrimonial, que só ocorreu porque a CGA não executou espontânea e prontamente a decisão declarativa, assim obrigando à interposição do presente processo executivo.
Porque o mandato era aqui obrigatório, o Exequente teria necessariamente que recorrer a um Advogado, pagando-lhe os respectivos honorários, para poder reagir judicialmente contra aquela inexecução ilícita.
Em suma, a CGA é responsável pelo pagamento das despesas de honorários de Advogado, que foram feitas pelo Exequente para poder apresentar a presente acção executiva em juízo e assim ver integralmente cumpridas as obrigações que decorriam da sentença declarativa.
Mais se note, que ao nível da jurisprudência do STA também é pacífico, que sendo o mandato judicial obrigatório, as correspondentes despesas com os honorários do Advogado constituem um dano indemnizável, ainda que limitadas ao valor adequado e necessário para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar - cf., entre muitos, os Acs. do STA n.º 266/11, de 20-06-2012 e n.º 0314/13, de 19-05-2016.
Quanto à possibilidade de se requereram estes danos em sede do próprio processo executivo, parte significativa da doutrina aponta nesse sentido - cf. ANDRADE, José Carlos de Vieira de – A Justiça Administrativa, (Lições). 15.ª Ed.. Coimbra: Almedina, 2016, p. 388; CORREIA, Cecília Anacoreta - A tutela executiva dos particulares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Coimbra: Almedina, 2013, pp. 333-338; OLIVEIRA; Rodrigo Esteves de - “Processo Executivo: Algumas questões”, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 86, Coimbra Editora, 2005, p. 252; ou ALMEIDA, Mário de Aroso de – Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Procedimento Administrativo. 3.º ed. Coimbra: Almedina, 2015, pp.1042-1044.
Igualmente, o STA já se pronunciou neste sentido, no Ac. do STA n.º 039934A, de 08-03-2005, ali se aduzindo nomeadamente o seguinte: “A Administração, sem causa legítima para tal, não deu espontânea execução ao julgado, como devia, violando, assim, culposamente, o direito dos requerentes que, para verem removida a ilegalidade e a inércia daquela se viram forçados a desencadear a fase judicial do processo especial de execução de sentença regulado nos arts. 96º da LPTA e 7º e segs do DL nº 256-A/77, de 17 de Junho.
(…) no caso em apreço, é inequívoco que a sentença anulatória que não era auto - executável, investiu os recorrentes contenciosos numa posição jurídica qualificada que se configura como um verdadeiro direito subjectivo à execução (vide, neste sentido, os acórdãos do Pleno de 1995.07.13 – recº nº 31 129 e de 1996.07.11- recº nº 38 292 e, na doutrina, Freitas do Amaral, in “A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos”, pp. 34-35 e Mário Aroso de Almeida, in “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, p. 44), portanto, numa situação jurídico – subjectiva indemnizatoriamente relevante (cfr. Gomes Canotilho, in “O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos”, p. 285 e segs). As normas que fixam o prazo para a Administração cumprir espontaneamente o seu dever de executar a sentença destinam-se a proteger aquele direito dos recorrentes à execução e o seu desrespeito configura uma ilegalidade que preenche a noção ampla de ilicitude constante do art. 6º do DL nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967 (cf. acórdãos STA de 1996.04.24 – recº nº 28 189-A, de 2001.03.14 – recº nº 46 175, de 2003.02.13 – recº nº 1961/02 e de 2003.06.25 – recº nº 47 940).
Em face desta conexão e da natureza da posição jurídica ofendida, não há razão para que a ilegalidade em causa não suporte a indemnização dos danos que tenha directamente provocado e que, por isso, não sejam de imputar ao acto anulado. Ora, como resulta da matéria de facto provada, a inércia da Administração compeliu os exequentes a virem a juízo, com o patrocínio obrigatório do seu advogado, para tutelarem o seu direito à execução, forçando-os a despesas judiciais que decorrem do processo causal autónomo iniciado por este novo comportamento ilegal e não são de imputar directa, imediata e causalmente ao acto anulado.
Neste quadro, não se vê obstáculo a indemnizar os exequentes, nesta sede, pelas despesas que tiveram que fazer com o seu mandatário, em razão do retardamento da execução do acórdão anulatório” .
Parecendo perfilhar igual entendimento, por considerar que eventuais despesas com honorários de Advogado relativas ao processo de execução, desde que provadas nos autos de execução, seriam devidas a título de responsabilidade civil por facto ilícito, decorrente da demora na execução ou da não execução espontânea, remete-se, ainda, para o Ac. do TCAS n.º 06762/10, de 08-09-2011.
Em sentido semelhante, também já decidiu o TCAN nos Acs. 01168-A/2002, de 05-02-2009 e n.º 00260/05.0BEPRT-A, de 15-09-2017, não obstante aqui entender-se que em sede de processo de execução se pode requerer não só as despesas por honorários de Advogado decorrentes do próprio processo de execução, como também do processo declarativo em que se funda a execução (em sentido contrário, refiram-se, porém, os Acs. do TCAN n.º 02410/05.8BEPRT-A, de 06-03-2015 e n.º 00994/07.5BECBR-A, de 19-12-2014).
No caso, estão em questão as despesas com honorários de Advogado, resultantes do próprio processo de execução. Quanto as estas não temos dúvidas: as mesmas podem ser peticionadas no processo executivo, a título de responsabilidade civil da Administração por acto ilícito, decorrente da inexecução ilícita, ou da não execução espontânea e integral pela Administração no prazo legal.
Há, portanto, que confirmar a decisão recorrida e negar provimento ao presente recurso.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).
Lisboa, 11 de Julho de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)