Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03539/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/19/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
CADUCIDADE
CONTRATO DURADOURO
RETROACTIVIDADE
Sumário:1. O novo prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos, mais curto, introduzido pela LGT, não é aplicável aos prazos de caducidade em curso, a não ser que pela lei nova, com aplicação desde a sua entrada em vigor, falte menos para o mesmo se completar do que o então em curso;
2. Nos contratos duradouros em que, ao seu abrigo, existem recebimentos de importâncias durante vários anos, a sua tributação em sede de IRS é efectuada pelos concretos montantes recebidos pelo beneficiário em cada um dos períodos anuais de imposto;
3. Assim, num contrato de seguro celebrado em 1990, a favor de um grupo de trabalhadores, a tributação em IRS, em cada um deles, tem lugar no período de imposto anual posterior em que tenham recebido os concretos montantes do resgate de tal seguro, independentemente da data em que tal contrato de seguro tenha sido firmado;
4. A tributação de tais montantes em sede de IRS e pela lei vigente no momento da atribuição desses resgates, não constitui qualquer aplicação retroactiva dessa lei, por não ser a vigente ao tempo em que tais contratos de seguros foram firmados, já que o que releva para efeitos fiscais é o momento em que tais importâncias são recebidas pelo seu beneficiário e não a data em que tal contrato tenha sido firmado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1.ª O presente recurso é interposta da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial intentada pelo Recorrente.
2.ª Nos termos do disposto no artigo 45° da LGT o direito de liquidação caducou, sendo por isso ilícito exigir a respectiva liquidação ao ora Recorrente.
3.ª A decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do artº 45° da LGT.
4.ª A sentença ora recorrida é omissa na fundamentação dos fundamentos de facto de direito que suportam o sentido da decisão
5.ª A sentença, em momento algum, dá como provado o dispêndio das quantias pela entidade patronal, sendo certo que o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil, não é manifestamente entidade patronal.
6.ª O pressuposto da entidade que despendeu as quantias é fundamental e prévio a qualquer outra consideração, sendo omisso na decisão ora recorrida.
7.ª É com base, em escassa fundamentação, que se extrai a conclusão de que a sujeição a IRS categoria A do valor do resgate a que o ora Recorrente procedeu em 1996, está sujeita a tributação mais se considerando que o momento relevante para a tributação é o do resgate e não o da constituição do contrato de seguro.
8.ª É fundamental a determinação de quais foram as entregas anteriores e posteriores a 1995, sendo certo que aquelas e a respectiva valoração não poderão constituir matéria tributável em sede de IRS, por não serem tão pouco, à data das entregas da entidade empregadora, rendimento do trabalho dependente.
9.ª A sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do art. 2.3. do CIRS ao aplicar o regime introduzido por força da lei no 39-B/94 de 27/12 do Orçamento do Estado para 1995 ao contrato de seguro celebrado em 1990,
10.ª Violando as normas constitucionais consagradas nos arts 18.2, 18.3 e 103 da CRP, decorrentes de aplicação materialmente inconstitucional do preceito.

TERMOS EM QUE,
Deve o recurso interposto da douta sentença recorrida ser julgado procedente, com as legais consequências.
Só assim se decidindo
SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter feito um correcto julgamento dos factos pertinentes à decisão da causa a que depois, aplicou o direito devido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir; Se a sentença recorrida padece do vício formal de falta de fundamentação conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se ocorreu a caducidade do direito à liquidação do tributo; Se o resgate do seguro recebido pelo recorrente em 1996 se encontrava sujeito a IRS no período de imposto desse ano; E se tal sujeição a imposto nesse ano importava numa aplicação retroactiva da norma do art.º 2.º, n.º3, c), n.º3 do CIRS na redacção introduzida pela Lei n.º 39-B/94.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1°- Em 31/l2/1990 foi assinado um contrato de seguro de grupo entre a TAP - Transportes Aéreos Portugueses, S. A., e a GAN Portugal Vida - Companhia de Seguros, S. A., para cobertura do risco de perda da licença de voo e para atribuição de um benefício de reforma para funcionários da TAP - Fls. 138, 99 a 107 do PAT apenso.
2°- O tomador do seguro foi até 16/06/1994 o SPAC (Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil) e após esta data a TAP - doc. fls. 138 do PAT apenso.
3°- O seguro previa a liquidação das importâncias correspondentes às entregas feitas acrescidas da valorização, ou seja, recebimento de um complemento de reforma sob a forma de rendas ou de capital- doc. fls. 139 do PAT apenso.
4°- O impugnante era funcionário da TAP, piloto de aviação civil, e requereu a sua passagem à reforma em 31/01/1996, data em que atingiu os 60 anos de idade - doc. fls. 131 do PAT apenso.
5.º - O impugnante recebeu do seguro supra referido em 1996 a importância de esc: 19.048.612$00, que declarou na sua declaração de rendimentos relativa a 1996, mas declarando os mesmos como benefício fiscal na totalidade - doc. fls. 132 e 133 do PAT apenso.
6°- Foi emitida em consequência da declaração do contribuinte a liquidação n° 4110621066, em 20/05/1997, na qual foi apurado um imposto a pagar de € 11.829,29, que o impugnante pagou - doc. fls. 132 do PAT apenso.
7°- Em 30/08/2000 foi emitida a liquidação oficiosa relativa a 1996, com o n° 4323080562, e em 13/10/2000 foi emitida a liquidação oficiosa n° 4323487405, também relativa a 1996, por forma a corrigir o montante abrangido pelos benefícios fiscais, ficando este com o limite de € 9.975,96 nos termos do artº 20-A do EBF - docs. fls. 133 e 134 do PAT
apenso.
8°- Em 12/03/2001 foi deferida parcialmente a reclamação graciosa feita pelo impugnante, tendo em consequência sido emitida a liquidação n° 4770073472 de 03/05/2001 - doc. fls. 134 do PAT apenso.
9.º - De seguida, o contribuinte fui novamente sujeito a inspecção tributária, da qual resultou um relatório de inspecção final, em consequência do qual foi elaborada a declaração oficiosa n° 4323791732 de 30/10/2001, que levou em consideração as liquidações anteriores - doc. fls. 136 do PAT apenso.
10.º - Esta liquidação resultou num valor a pagar de € 53.925,37 - doc. fls. 23 dos autos.
11°- Esta liquidação só aceitou esc: 2.000.000$00 (€ 9.975,96) a título de benefícios fiscais nos termos do artº 20-A do EBF - doc. fls. 36 do PAT apenso.
12°- Na apreciação da presente impugnação foi dada razão parcial ao impugnante, tendo-se decidido manter os juros compensatórios a calcular não sobre € 34.990,34, mas apenas sobre € 1.479,12, o que resultou na revogação de juros compensatórios no valor de € 18.134,62, ficando a liquidação de juros compensatórios no montante de € 800,43, por despacho de 30/03/2006 - doc. fls. 155 e 157 do PAT apenso.
13°- A impugnação foi deduzida em 19/03/2002 - ­doc. fls. 1.

A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, nomeadamente os documentos referidos juntos aos autos.

Não se provaram outros factos.


4. Na matéria das suas conclusões 4.ª e 7.ª veio o ora recorrente imputar à sentença recorrida o vício formal de falta de fundamentação, de facto e de direito, a existir, conducente à declaração da sua nulidade – ainda que, a final, se tenha “esquecido” de formular o correspondente pedido, já que apenas ser abrigou na fórmula genérica de procedência do recurso, com as legais consequências, que não explicitou quais sejam - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea b), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

A apontada falta de fundamentação da sentença recorrida – cfr. matéria daquelas duas conclusões do recurso – parece o mesmo, a final, querer remetê-las para a entrega das quantias pela entidade patronal do mesmo, ao abrigo de tal contrato de seguro, que a sentença recorrida não deu como provado nem como não provado, como parece resultar da matéria das suas conclusões 5.ª e segs, bem como das datas dessas mesmas entregas, que considera relevantes para a solução do pleito – cfr. matéria da sua conclusão 8.ª - ou seja, em nada têm a ver com o propalado vício formal de falta de fundamentação da sentença recorrida, antes iriam desembocar a um vício de fundo, de errado julgamento, eventualmente, quer de facto quer de direito, desde logo por ao probatório da mesma sentença deverem ser levados os factos relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. art.º 511.º, n.º1 do CPC – e que esta, no caso, não teria cumprido, mas nunca a vício formal de falta de fundamentação, sabido que esta se reconduz à falta (absoluta) da especificação, quer em relação aos factos que a ancoram, quer em relação ao direito aplicável, donde emerge a solução encontrada.

A falta de fundamentação da sentença, causa da sua nulidade, constante nas normas dos art.ºs 668.º n.º1 b) do CPC e 125.º n.º1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apenas tem lugar quando lhe faltem os seus fundamentos de facto e de direito da concreta solução alcançada, não quando a mesma não fundamente aspectos, razões ou raciocínios expendidos pela recorrente que, no seu contexto, se apresentem irrelevantes para essa mesma solução, como eram outros aspectos trazidos à liça pelo ora recorrente.

Por outro lado, tal falta de fundamentação da sentença conducente à declaração da sua nulidade só pode ocorrer quando a mesma seja total ou absoluta; não quando a mesma seja deficiente, errada ou obscura, que pode afectar o seu valor doutrinal mas não produz nulidade, como já ensinava o Prof. José Alberto dos Reis(1) ... Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto...

E no mesmo caminho trilha a jurisprudência dos nossos tribunais superiores como se pode ver em, entre muitos outros, pelo acórdão do STJ de 22.4.2204, Proc. 04B1072 e acórdão do STA de 29.6.2005, recurso n.º 117/05.

A escassa fundamentação, como o recorrente também apelida a existente, no caso – cfr. sua conclusão 7.ª - nunca poderia conduzir pois, mesmo a existir, à existência de tal vício formal, já que só a sua falta absoluta a pode preencher, pelo que no caso jamais poderia existir tal vício formal.

Aliás, lendo e analisando a sentença recorrida, quer quanto aos factos provados, quer quanto ao direito aplicado e que na mesma foi considerado o devido e explicado porquê, no que à fundamentação formal diz respeito, não podemos deixar de convir que a mesma até apresenta alguma desenvoltura no porquê das soluções alcançadas, fundadas em premissas lógicas e coerentes que ancoram a decisão final de improcedência da impugnação, quer pelo não decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, quer porque tais importâncias percebidas pelo ora recorrente no ano de 1996, de tal seguro, tinham relevo em sede desse mesmo ano de 1996 que não em qualquer um outro, e que constituíram o rendimento tributável donde resultou a liquidação adicional ora impugnada, desta forma não podendo padecer do invocado vício de falta de fundamentação, pelo que improcede o invocado vício formal assacado à sentença recorrida.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não se verificou o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, que o resgate do capital seguro constitui rendimento sujeito a IRS no ano em que foi recebido pelo ora recorrente e que a norma do CIRS que permite tal tributação não ofende os invocados preceitos constitucionais.

Para o recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além do invocado vício formal assacado à sentença recorrida e já acima conhecido, continua a pugnar pela caducidade do direito à liquidação pretendendo a aplicação da norma do art.º 45.º da LGT, que não lhe pode ser aplicada a norma do CIRS na redacção vigente em 1996, por se tratar de um seguro que vigora desde 1990 e que, ao entender-se em contrário, estar-se-ia a violar as normas dos art.ºs 18.º, n.º2, 18.º, n.º3 e 103.º, n.º3 da CRP.

Vejamos então.
Quanto à questão da caducidade do direito à liquidação, pretende o ora recorrente que o prazo de caducidade mais curto de 4 anos, introduzido pela norma do art.º 45.º da LGT, lhe seja aplicável (retroactivamente), ou seja desde o início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário (1.1.1997), para assim perfazer o decurso de tal prazo até finais de 2001, data em que confessadamente foi notificada de tal liquidação.

Como se sabe, a LGT foi aprovada pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, entrou em vigor em 1.1.1999 – cfr. seu art.º 6.º - sendo que o novo prazo de caducidade se aplica aos factos tributários ocorridos a partir de 1.1.1998 – cfr. seu art.º 5.º, n.º5 – e no que tange à prescrição, como expressamente se dispõe no mesmo art.º 5.º, no seu n.º1 – aplicam-se as regras do art. 297º do CC, o que aliás, a sentença recorrida não deixou, igualmente, de fundamentar.

Quanto à questão da importância do resgate de tal seguro ter sido relevada na altura em que o respectivo montante foi colocado à disposição do ora recorrente – 1996 – ainda que o contrato de seguro tivesse sido firmado há anos antes, como também se fundamentou e decidiu na sentença recorrida, na verdade, o que releva para a liquidação de tal imposto, é o período de imposto em que o mesmo teve tal incremento patrimonial, sendo irrelevante tratar-se de um contrato duradouro, firmado há vários anos(2), já que tem directa subsunção na norma do art.º 2.º, n.º3, alínea c), n.º3 do CIRS, [que não na alínea b), como certamente por lapso se escreveu na sentença recorrida], na redacção introduzida pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1995), tendo cabimento na citada alínea c), todas as importâncias recebidas pelo trabalhador derivadas da prestação do trabalho dependente ou em razão da mesma, norma esta que abarca todas essas importâncias, tendo por fonte, ainda que mediata, a relação laboral, e que as visa tributar em IRS, onde de resto veio fazer uma enumeração meramente exemplicativa de todas as situações susceptíveis onde tal tributação se encontra presente, certamente por serem as mais frequentes, como os resgates, pelo que no caso, tal importância desse resgate do seguro, recebido pelo ora recorrente, não pode deixar de integrar o rendimento tributável do período de imposto desse ano de 1996.

Um dos princípios orientadores do nosso ordenamento jurídico fiscal, com ressalva nos casos das presunções ou de substituição tributária, assenta no entendimento de que a obrigação de imposto se constitui pela efectiva recepção dos rendimentos tributáveis.
Princípio que tem afloramento na norma do art.º 4.º da LGT, ao dispor que os “impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, os termos da lei, através do rendimento ou da utilização ou do património”.
O que significa que o que releva para o efeito da obrigação do imposto é o momento em que nasce o rendimento ou utilização do rendimento, uma vez que só aí existe e se manifesta a capacidade contributiva.

Esta constitui também jurisprudência corrente, quer deste TCAS, quer do STA(3), alguma dela tirada a propósito de casos similares ao presente, igualmente de resgate de seguros, que haviam sido celebrados pela respectiva entidade patronal, cuja valia reconhecemos e assim, não poderíamos deixar de seguir, tanto mais que nem o ora recorrente veio esgrimir com novos argumentos tendentes a reponderar tal questão e nem se nos afiguram existirem outros, de momento, que nos levem a requacionar este entendimento, pelo que também por este fundamento não pode o recurso deixar de improceder.

Na matéria das conclusões 9.ª e 10.ª continua o recorrente a pugnar que a aplicação da citada norma do CIRS, na redacção introduzida pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, a um contrato de seguro celebrado em 1990, viola as normas constitucionais dos art.ºs 18.º, n.ºs 2 e 3 e 103.º da CRP, o que a sentença recorrida já respondeu e fundamentou, que não se realiza qualquer aplicação retroactiva da citada Lei n.º 39-B/94, porque o que releva é o ano em que o impugnante recebeu os montantes em causa e não o ano em que o primeiro capital de seguro foi entregue e nem o ano em que o contrato de seguro foi firmado, sendo que o rendimento daí derivado é sempre aferido ao momento do percebimento das concretas importâncias, sendo o facto jurídico relevante para efeitos fiscais, não o da constituição desse seguro, no caso, mas o do recebimento do capital.

Argumentação esta que o ora recorrente nem veio colocar em causa, limitando-se a afirmar tal aplicação retroactiva da citada Lei 39-B/94, no que quedariam ofendidas as normas dos art.ºs 18.º, n.ºs 2 e 3 e 103.º da CRP, o que, da fundamentação supra explanada se verifica que não ocorreu qualquer aplicação retroactiva de tal Lei, já que foi aplicado ao ora recorrente, em sede de IRS, no ano de 1996, a lei vigente de então, introduzida pela citada Lei n.º 39-B/94, no citado art.º 2.º do CIRS, por o relevante para este efeito, ser o momento em que tal resgate foi colocado à sua disposição e não o momento em que o referido contrato de seguro foi firmado, o mesmo sendo de dizer que não pode ter ocorrido tal violação das citadas normas.

Aliás, nem se percebe o propósito da citação das normas dos n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º da CRP (redacção introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de Agosto), quando estas normas nada têm que ver com os impostos mas sim com os direitos, liberdades e garantias, e vêm inseridas na parte I da Constituição, subordinada à epígrafe, Direitos e deveres fundamentais, pelo que a proibição de retroactividade das leis que aí se contemplam não se reportam aos impostos mas sim a tais direitos, liberdades e garantias.

Por outro lado, a actual norma do art.º 103.º, n.º3 da CRP, que proíbe a existência de normas a criar impostos com natureza retroactiva, só foi introduzida pela alteração da 4.ª revisão constitucional pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, sendo que até então, a norma do art.º 106.º, sob a epígrafe Sistema fiscal, não impedia a existência de leis fiscais com efeitos retroactivos, tendo mesmo o Tribunal Constitucional, então, chegado a pronunciar-se sobre uma lei com essa natureza e que declarou não inconstitucional(4), pelo que no caso, mesmo na tese do ora recorrente, em princípio e pela fundamentação avançada, tal norma introduzida pela citada Lei n.º 39-B/94, não seria passível de ser inconstitucional, ainda que tivesse efeitos retroactivos, ou seja, fosse uma lei retroactiva e de efeitos desfavoráveis ao contribuinte.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em sete UCs.


Lisboa, 19/10/2010
EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO





1- Código de Processo Civil, anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra 1981, pág. 140, ao cimo.
2- Desta forma não podendo ter qualquer interesse para a decisão da causa, segundo as várias vertentes possíveis do direito aplicável, a matéria que o recorrente pretende que seja levado ao probatório – cfr. conclusões 5.ª e segs das alegações do seu recurso.
3- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o recente acórdão do STA de 8/9/2010, recurso n.º 339/10, bem como os demais e doutrina aí citados. Deste TCAS, cfr. o acórdão de 7/1/2003, no recurso n.º 1.176/06, no qual o ora Relator ali foi Adjunto.
4- Cfr. o seu acórdão de 8/10/1996, publicado no DR, II Série de 11/12/1996, págs. 17.140 e segs.