Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2243/17.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/17/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ESTABELECIMENTO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRL).
PENHORA DE PATRIMÓNIO DO EIRL
Sumário:1) A titular do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL) detém legitimidade processual activa para intentar acções relativas ao património ou aos interesses do EIRL, dado que o legislador quis estabelecer a separação patrimonial, e regulou-a directamente, sem que seja necessário fazer intervir uma nova subjectividade.
2) Por dívidas que não foram contraídas no desenvolvimento da actividade do EIRL, respondem os demais bens da titular do EIRL e, apenas, quando estes foram insuficientes, o património do EIRL.
3) Estando em causa penhora de conta bancária do EIRL e havendo na esfera jurídica da titular do EIRL créditos, direitos sobre património, direitos societários e estatutários, cujo valor monetário e cuja apreensão à ordem do presente processo de execução fiscal não foram objecto de quaisquer diligências por parte do órgão de execução fiscal, impõe-se concluir que o regime de subsidiariedade da responsabilidade do património do EIRL pelas dívidas próprias da sua titular não foi observado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório.
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida nos autos que julgou procedente a reclamação deduzida por J. M. M. da S. contra o acto de penhora de saldo da conta bancária com o NIB 00…...., aberta junto da C. E. M. G., de que é titular “J. S. – G. de E. N. – E.I.R.L.”, efectuada por auto de penhora de 11.10.2017, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 326320110109…., a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 5.
Nas alegações de recurso, a recorrente formula as conclusões seguintes:
I - Ressalvada a devida vénia e contrariamente ao entendimento firmado na douta sentença a quo, entende esta RFP, com sustentáculo na jurisprudência e doutrina supra referidas e ainda no douto parecer do MP junto aos autos, que o estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL), embora destituído de personalidade jurídica dispõe, porque património autónomo, e por força do artigo 12º do CPC, de personalidade judiciária.
II - Sendo que, no caso vertente, mostrando-se ofendido o património do EIRL e, outrossim, possuindo este, nos termos jurisprudenciais expressos, personalidade judiciária, a legitimidade para a presente demanda só a este cabia e não à Reclamante, na medida em que só àquele assiste o interesse directo em demandar, como resulta do disposto no art.º 30º do NCPC.
III - Assim e contrariamente ao decidido pela douta sentença a quo deve a Reclamante ser reconhecida como parte ilegítima neste processo e, em consequência, ser a Fazenda Pública absolvida da instância, como decorre do disposto nos artigos 577º, alínea e), 576º, nº 1, 578º, do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT.
IV - Para além disso e ainda que assim não se entenda não ocorre qualquer ilegalidade na penhora da conta bancária na titularidade do E.I.R.L, mormente por se considerar como suficientemente demonstrado nos autos que foi cumprido o disposto no artigo 22º do DL 248/86 de 25.08, no sentido do qual, para que o E.I.R.L. responda pelas dívidas do respectivo titular, torna-se necessário demonstrar a inexistência de bens suficientes no restante património deste.
V - Com efeito, resulta dos autos que foram, por parte do órgão de execução fiscal, efectuadas diversas tentativas de penhora de saldos de conta bancária na titularidade da Reclamante, cujos saldos se revelaram negativos, bem como de um crédito detido sobre a sociedade J., a qual também se revelou infrutífera por inexistência de saldo devedor.
VI - Para além disso, também constam dos autos de execução fiscal diversas notas de diligência comprovativas de outras tantas tentativas de penhora em bens da Reclamante, datadas de 10.03.2017; 15.02.2017; 08.09.2017; 23.10.2017 e 23.10.2017 as quais também se revelaram infrutíferas.
VII - Deste modo, contrariamente ao assentido na douta sentença a quo, encontra-se devida e cabalmente demonstrada nos autos uma situação de insuficiência patrimonial por parte da Reclamante, pelo que se mostra preenchido o requisito previsto no artigo 22º do DL 248/86 de 25.08 atinente à subsidiariedade do património do estabelecimento para responder pelas dívidas do respectivo titular.
VIII - Assim, encontrando-se demonstrada nos autos uma situação de insuficiência patrimonial por parte da Reclamante, ficou, por tal facto, a AT habilitada à penhora em bens do EIRL, pelo que não se mostra violada a regra da subsidiariedade prevista no artigo 22º do DL 248/86 de 25.08.
IX - Tanto mais que, como resulta evidenciado por esta RFP em sede de contestação, para além de não haver in casu bens passíveis de penhora na esfera patrimonial da reclamante - o que de per si preencheria o requisito previsto no artigo 22º do DL 248/86 de 25.08 - acresce que a conta era por aquela usada em termos pessoais, por a utilizar para receber os respectivos honorários.
X - Deste modo, não se mostrando respeitado o princípio da separação patrimonial, faz todo o sentido que todo o património da Reclamante responda pelas respectivas dívidas, incluindo o património afecto ao EIRL.
XI - Por último é também de refutar o fundamento de impenhorabilidade, de acordo com o qual, ainda que se pudesse executar o património do EIRL, esta mesma penhora deveria incidir sobre a universalidade que o mesmo constitui e não apenas sobre elementos determinados e constitutivos do mesmo, porquanto, operando-se a penhora do estabelecimento, tal seria impeditivo da manutenção da respectiva actividade.
XII - Em face do exposto, nenhuma censura merece a penhora ordenada pelo Srº Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 5, em bens do EIRL, a qual foi efectivada na estrita observância das normas legais aplicáveis, motivo pelo qual se deve manter na ordem jurídica.
XIII - Decidindo em sentido contrário, a douta sentença a quo violou, entre outros, o disposto no artigo 22º do DL 248/86 de 25.08 e nos artigos 11º e 12º do CPC.
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A recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Formula as conclusões seguintes:
I - Está em causa a penhora, efectuada pela Autoridade Tributária, de uma conta bancária de que é titular “J. S. – G. de E. N. – EIRL”, à qual foi deduzida oposição nos termos previstos no art.º 276 do CPPT.
II - A tramitação dessa penhora fere inequivocamente toda a norma ínsita no Decreto- -Lei n.º 248/86 de 25 de Agosto, que regula os EIRL.
III - Contrariamente ao alegado pela RFP no seu Recurso, a Reclamante e aqui Recorrida considera que está bem fundamentada a improcedência da excepção por ilegitimidade deduzida pela RFP na sua Contestação.
IV - Da douta Sentença do Tribunal a quo se retira a inexistência de personalidade jurídica e judiciária do EIRL e consequentemente que é, sempre e só, o titular do EIRL a parte legítima em juízo, não fazendo sentido nem existindo necessidade de se agir em representação do EIRL, actuando o titular sempre em nome próprio.
V - Não se vislumbra pois qualquer falta de fundamento nesta douta decisão, até mesmo porque se estriba na norma reguladora dos EIRL, a saber o Decreto-Lei n.º 248/86 de 25 de Agosto, que se mostra inequívoca nesta matéria, pugnando-se pela manutenção da improcedência de excepção de ilegitimidade invocada pela RFP.
VI - A RPF, nas suas alegações, quer fazer vencer que a Autoridade Tributária desenvolveu todas as diligências no sentido de fazer prova da inexistência de bens da devedora J. M. M. S. e assim lançar mão da possibilidade de legitimar a penhora objecto da Reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT.
VII - Por força da conjugação do n.º 2 do art.º 10.º com o art.º 20.º do mesmo Decreto - Lei, 248/786 de 25-08, poderão os bens afectos ao EIRL responder por dívidas do seu titular contraídas anteriormente à constituição deste, o que só opera caso o titular do EIRL não possua, no seu património pessoal, bens suficientes para satisfazer os credores quanto às dívidas contraídas antes da formalização do EIRL.
VIII - A Autoridade Tributária, através da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos da Direcção de Finanças de Lisboa, elaborou em 05-06-2012 uma informação sobre o Devedor Estratégico, J. M. M. da S., face à qual foram desenvolvidas diligências para penhora de duas contas bancárias em nome da executada e uma em nome de J. S. – G. de E. N.-EIRL.
IX - Para além destas diligências de penhora, apenas se conhece uma outra que visou a penhora de um crédito detido sobe a empresa J. - S.G.P.S., S.A., e nenhuma outra diligência ficou evidenciada ou sequer alegada, tanto nos presentes autos, como no processo de execução em referência, como consta da douta Sentença do Tribunal a quo.
X - O que leva a que a Recorrida, com a devida vénia, a aderir a todo o teor da douta Sentença do Tribunal a quo sobre esta matéria, na certeza de que nela bem está reflectida toda a falta de diligências necessárias para que a Autoridade Tributária pudesse lançar mão do regime do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 248/86 de 25 de Agosto para legitimar a penhora que levou a efeito.
XI - Não estando demonstrada pela RFP a insuficiência de bens de J. M. M. da S., a penhora enferma de ilegitimidade por violação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 248/86 de 25 de Agosto, concretamente no seu art.º 22.º.
XII - A Autoridade Tributária não respeitou os princípios que norteiam e regulam a constituição do EIRL, no que respeita à separação de patrimónios, autonomia dos mesmos e à responsabilidade do EIRL, como um todo, pelas dívidas do seu titular constituídas anteriormente à criação daquele Estabelecimento, vide art.º 6.º, 10.º, 11.º, e 22.º do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25-08.
XIII - Não corresponde á verdade o alegado pela RFP quanto ao facto da executada Júlia Maia Mateus da Silva utilizar a conta penhorada e titulada por J. S. – G. de E. N. -EIRL, para depósito dos seus honorários e bem assim que seria essa a única conta utilizada pela executada, existindo assim uma confusão de patrimónios.
XIV - Na verdade a conta referida servia para os recebimentos e pagamentos de toda a actividade gerida pelo EIRL, e coisa diferente não poderia acontecer, já que, possuindo como possui o regime da contabilidade organizada, tem que nela evidenciar os custos mas também os proveitos, até mesmo por imposição das leis fiscais.
XV - Toda a actividade do EIRL está espelhada perante a Autoridade Tributária através das obrigações declarativas a que está sujeito, sendo pois fácil à esta verificar quais os proveitos e sua proveniência e se os mesmos são ou não resultado do exercício da actividade do EIRL, o que não foi feito.
XVI - Também não corresponde à verdade o alegado pela RFP quando afirma que não existe, relativamente à conta bancária, uma distinção entre a titularidade nominal e efectiva, o que poderia facilmente ter sido verificado pela Autoridade Tributária através da consulta à conta bancária por levantamento do sigilo bancário, o que não fez.
XVII - Na verdade os montantes movimentados naquela conta não são mais do que o produto da própria actividade/objecto do EIRL, proveitos estritamente relacionados com a actividade do estabelecimento e que são um bem concreto do património do EIRL, como bem vem mencionado na douta Sentença recorrida, e que a RFP não logrou provar ou sequer demonstrou o contrário.
XVIII - No que concerne à obrigatoriedade de penhora da universalidade do EIRL, contrariamente as alegações da RFP, ex vi pontos 38.º, 39.º e 40.º das alegações, cabe aqui contra alegar:
XIX - Do plasmado no do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 248/86 não restam dúvidas de que o objecto de penhora é o estabelecimento como um todo, já que o que o legislador pretendeu com esta norma foi apenas permitir a penhora do EIRL como um todo e não a execução individualizada dos seus diversos componentes ou pertences.
XX - As penhoras parciais nos componentes individualizados do EIRL, levarão à imediata entrada em liquidação do EIRL como determinado na alínea d) do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 248/86, no entanto foi este o procedimento da Autoridade Tributária quando promoveu a penhora de uma conta bancária, que mais não é do que um instrumento necessário e indispensável para o exercício da actividade do Estabelecimento e que nunca se poderá considerar o seu todo.
XXI - A invocação do princípio da proporcionalidade não colhe no caso vertido, já que existe lei especial que impõe a penhora da universalidade, ademais que, dado o montante da dívida em causa, mesmo que a Autoridade Tributária penhorasse a universalidade do EIRL, não cairia na figura do excesso de penhora.
XXII - Face ao exposto não restam dúvidas de que a penhora reclamada fere todos os princípios consignados no Decreto-Lei n.º 248/86 de 25 de Agosto, não devendo ser mantida por ilegal.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer, no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida deu como provada seguinte matéria de facto:
A) Em 04.07.2011, foi instaurado contra a Reclamante, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 5, o processo de execução fiscal n.º 32620110109…., para cobrança coerciva de dívidas de IRS e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2007, no montante total de 101 481,50 EUR, com data limite de pagamento voluntário em 25.05.2011 (acordo; cfr. documentos a fls. l e 2 do PEF).
B) Por carta registada com aviso de recepção, enviada em 06.07.2011, a Reclamante foi citada como executada no processo de execução fiscal referido em A) que antecede (cfr. documento a fls. 3 do PEF).
C) Em 23.08.2011, a Reclamante apresentou impugnação judicial da liquidação subjacente à dívida exequenda do processo de execução fiscal referido em A), que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 1631/11.9BELRS, no âmbito da qual não prestou garantia (acordo; consulta do processo n.º 1631/11.9BELRS, no SITAF).
D) Em 16.07.2015, a Reclamante constituiu, por escritura pública, um estabelecimento individual de responsabilidade limitada, com a firma "J. S. – G. de E. N., E. I. de R. L.", tendo como objecto a gestão de espaços notariais, com início de actividade em 20.08.2015 (cfr. documentos l e 2 junto com a petição de reclamação, a fls. 26 a 30 dos autos).
E) Em 05.06.2012, foi elaborada informação pela Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos da Direcção de Finanças de Lisboa, sancionada por despacho do Director de Finanças Adjunto, de 06.06.2012, na qual se analisa, designadamente, a situação patrimonial da Reclamante, nos seguintes termos:
2. Identificação do Cluster:
Nome NIF Tipo de Relação Data de Início
TFC T. F. C. – P. e C. da F., Lda. 5…… É Gerente 2010-08-24
AJMS E. A. e P., S. A. 5…… É Vogal 2008-12-17
J. M. M S E. P., S.A. 5…… É Presidente 2004-10-22
Soc. P. S., Lda. 5…… É Socia-Gerente 2002-01-17
4. Situação Patrimonial da DE
a) É titular do direito de usufruto do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 2…., freguesia de C. da C., Concelho de A..
b) Consultada a declaração Mod. 10, Anexo J, referente ao ano de 2011, verifica-se ser a DE credora, no âmbito do exercício da sua actividade, de avultados montantes, conforme anexo que se junta.
II. PLANO DE ACÇÃO
Atendendo ao exposto, proponho o seguinte:
a) No Serviço de Finanças - 60 dias
- No que respeita aos processos com contencioso associado, e que ainda não se encontram com a sua tramitação suspensa, proceder à penhora de créditos para garantir a quantia exequenda e determinar a suspensão dos processos até à decisão das impugnações;
- Quanto aos demais processos proceder à penhora de créditos de valor suficiente para assegurar o pagamento das respectivas quantias exequendas e acrescidos (...)" (cfr. documento de fls. 5 a 9 do PEF).
F) Em 13.01.2017, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 5, foi emitido mandado de penhora dos bens pertencentes à Reclamante, para satisfação da dívida em cobrança coerciva no PEF referido em A) supra (cfr. documento a fls. 10 do PEF).
G) Durante o ano de 2017, para cumprimento do mandado de penhora referido em F), foram efectuadas diligências junto da C. E. M. G. tendo em vista a penhora de contas bancárias, daí resultando a penhora de duas contas bancárias abertas naquela instituição, cujo titular é a Reclamante, que apresentavam saldo de 0,00 EUR, bem como diligências para penhora de créditos, tendo penhorado o crédito que a Reclamante detinha sobre a sociedade J. - S.G.P.S, S.A. (cfr. documentos l a 7 junto com a resposta da Fazenda Pública, a fls. 101 a 107 dos autos).
H) Em 11.10.2017, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea A) supra, foi efectuada a penhora do saldo da conta bancária com o NIB 00…., aberta junto da C. E. M. G., no montante de 7.791,92 EUR, que tem como titular "J. S. –G. de E. N. - E.I.R.L" (cfr. documento a fls. 11 do PEF).
I) A Reclamante exerce a actividade de notária (facto não controvertido).
J) A Reclamante recebia na conta bancária referida em H) todas as quantias resultantes da facturação emitida pela Reclamante no exercício da actividade de notária (acordo - facto alegado no artigo 87° da petição de reclamação e artigo 23° da resposta da Fazenda Pública; cfr. documentos 8 a 14 junto com a resposta da Fazenda Pública, a fls. 108 a 114 dos autos).
K) A petição inicial da presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 5, em 07.11.2017 (cfr. documento a fls. l e informação a fls. 35 dos autos).
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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«Factos não provados: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e das informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução fiscal, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma dessas alíneas do probatório».
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2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida nos autos que julgou procedente a reclamação deduzida por J. M. M. da S. contra o acto de penhora de saldo da conta bancária com o NIB 00….., aberta junto da C. E. M. G., de que é titular “J. S. – G. de E. N. – E.I.R.L., efectuada por auto de penhora de 11.10.2017, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 326320110109…., a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 5.
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento no que respeita às questões seguintes:
1) Ilegitimidade processual activa da reclamante para deduzir a presente reclamação, dado que a penhora questionada nos autos não recaiu sobre o seu património mas antes sobre conta bancária pertencente ao estabelecimento individual de responsabilidade limitada “J. S. – G. de E. N. – E.I.R.L”.
2) Alegada inexistência de violação do princípio da subsidiariedade do regime da penhora do património do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada [EIRL], seja porque não existem outros bens penhoráveis na esfera da reclamante, seja porque a conta bancária em causa era usada para recebimento dos honorários da reclamante, seja porque foi observado o princípio da proporcionalidade na determinação da penhora em apreço.
2.2.3. No que respeita à questão da alegada falta de legitimidade processual activa da reclamante, a sentença considerou improcedente a excepção dilatória em apreço, porquanto, «é sempre e só o titular do EIRL a parte legítima em juízo, independentemente de estarem em causa questões relativas aos seus bens próprios ou a bens afectos ao património do EIRL que mais não é, como se viu, que um património autónomo dentro do património geral do seu titular».
A recorrente censura o presente entendimento, invocando que «mostrando-se ofendido o património do EIRL e, outrossim, possuindo este, nos termos jurisprudenciais expressos, personalidade judiciária, a legitimidade para a presente demanda só a este cabia e não à reclamante, na medida em que só àquela assiste o interesse directo em demandar».
Vejamos.
Estatui o artigo 30.º, n.º 1, do CPC, o seguinte que «[o] autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[o] interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha».
O regime do estabelecimento individual de responsabilidade limitada decorre do disposto no Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de Agosto [RJEIRL]. De acordo com este, «[q]ualquer pessoa singular que exerça ou pretenda exercer uma actividade comercial pode constituir para o efeito um estabelecimento individual de responsabilidade limitada, ao qual afectará uma parte do seu património (artigo 1.º, n.os 1 e 2, do RJEIRL).
A separação patrimonial corporizada pelo instituto em presença é comprovada no regime da responsabilidade pelas dívidas contraídas no exercício da actividade do estabelecimento ou fora desse exercício.
«Pelas dívidas resultantes de actividades compreendidas no objecto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada respondem apenas os bens a este afectados» (1)

O princípio da responsabilidade pelas dívidas contraídas no exercício da actividade do estabelecimento cede, todavia, no caso de não ter sido observada a separação de patrimónios; neste caso, o património do estabelecimento individual de responsabilidade limitada responde pelas dívidas comuns do titular (2) A mesma ideia da subsidiariedade da responsabilidade do património do EIRL pelas dívidas comuns resulta do disposto no artigo 22.º do RJEIRL, nos termos do qual, «[n]a execução movida contra o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada por dívidas alheias à respectiva exploração, os credores só poderão penhorar o estabelecimento provando a insuficiência dos restantes bens do devedor».

«Quer os objectivos do instituto, quer o seu regime positivo, são perfeitamente atingidos através da categoria do património autónomo. O legislador quis estabelecer a separação patrimonial, e regulou-a directamente. Para nada é necessário fazer intervir uma nova subjectividade» (3)

Existe um património autónomo, sem subjectividade, cuja representação em juízo, é assegurada pelo seu titular, que é a quem compete exercer a administração do mesmo (4)

Mais se refere que [no] EIRL, o titular está bem determinado – é o comerciante em nome individual; no n.º 1 do art.º 1º do DL n.º 248/86, de 25 de Agosto, estipula-se claramente que “(qualquer) pessoa singular que exerça ou pretenda exercer uma actividade comercial pode constituir para o efeito um estabelecimento individual de responsabilidade limitada” e, no n.º 3 do mesmo normativo, que “(uma) pessoa só pode ser titular de um único estabelecimento de responsabilidade limitada”. // O objectivo que se pretende alcançar com esta situação jurídica (estabelecimento individual de responsabilidade limitada é o enunciado no comando normativo citado em primeiro lugar (n.º 1 do art.º 11º do DL n.º 248/86), a saber: limitar os riscos decorrentes da álea inerente a uma concreta actividade comercial ao exacto e concreto património afectado a essa actividade ou estabelecimento» (5)

«E para alcançar esse desiderato não se torna necessário (isto é, não se justifica eticamente à luz da boa fé, dos bons costumes e dos fins social e económico do direito em causa – art.º 334º do Código Civil) atribuir personalidade judiciária a estes inequívocos patrimónios autónomos» (6)

Ou seja, o titular do interesse a defender através da impugnação de acto que afecta o património integrado no património autónomo em causa é o titular do mesmo.
De onde decorre que estando em causa a impugnação de acto de penhora incidente sobre conta bancária pertença do EIRL, cabe ao seu titular, enquanto administrador e titular do mesmo, a actuação em juízo, enquanto titular do interesse directo em demandar.
A titular do património autónomo em causa nos autos é a própria reclamante/recorrida, pelo que lhe assiste legitimidade processual activa para deduzir reclamação judicial contra o acto de penhora em apreço.
Por conseguinte, inexiste a apontada falta de legitimidade processual da reclamante/recorrida para intentar a presente reclamação judicial.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita à alegada inexistência de violação do princípio da subsidiariedade do regime da penhora do património do EIRL, da sentença recorrida resulta que «tal leque de diligências efectuadas não são suficientes para se concluir que estamos perante uma situação de inexistência de bens suficientes no restante (ou seja, excluindo o E.I.R.L.) património da Reclamante».
A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância.
Está em causa dívida de IRS da reclamante do exercício de 2007.
Por dívidas, como a que está em causa nos autos, que não foram contraídas no desenvolvimento da actividade do EIRL, respondem os demais bens da reclamante e, apenas, quando estes foram insuficientes, o património do EIRL. (7)

Não existe no caso, violação da separação de patrimónios, dado que o recebimento dos honorários devidos pelo exercício da actividade de notária, através da conta bancária em causa corresponde aos proveitos obtidos no exercício da actividade objecto do EIRL. (8)

Por outro lado, na esfera jurídica da reclamante existem créditos, direitos sobre património, direitos societários e estatutários, cujo valor monetário e cuja apreensão à ordem do presente processo de execução fiscal não foram objecto de quaisquer diligências por parte do órgão de execução fiscal. (9) De onde resulta que o regime de subsidiariedade da responsabilidade do património do EIRL pelas dívidas próprias da sua titular não foi observado. (10)

Mais se refere que a penhora em caso de dívidas alheias à exploração apenas é consentida em relação ao estabelecimento comercial detido pelo EIRL, (11) preceito que também não foi observado no caso em exame.

Em face do exposto, a penhora contestada nos autos enferma do vício de violação de lei, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. Como se decidiu na instância.
A sentença recorrida não enferma dos erros julgamentos que lhe são apontados, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)



(1ª. Adjunta – Cristina Flora)



(2ª. Adjunta – Ana Pinhol)

1) Artigo 11.º/1, do RJEIRL.
2) Artigo 11.º/2, do RJEIRL
3) José Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Vol. I, Parte Geral, Lisboa 1986/87, p. 319
4) Artigo 8.º do RJEIRL
5) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.12.2007, P. 8281/2007-1
6) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.12.2007, P. 8281/2007-1
7) Artigo 10.º do RJEIRL.
8) Alíneas d) e j), do probatório
9) Alínea e), do probatório.
10) Artigo 22.º do RJEIRL
11) Artigo 22.º do RJEIRL