Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1319/17.7 BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/16/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INTIMAÇÃO À PASSAGEM DE CERTIDÃO
PEDIDO DESRAZOÁVEL E DESPROPORCIONAL
ABUSO DE DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO
Sumário:I. Revelando o teor do requerimento de acesso à informação não procedimental apresentado, que a informação pretendida se apresenta configurada no âmbito do exercício do direito à informação administrativa, por a Requerente ter vindo solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse e que relevam para o exercício da atividade comercial da Requerente, encontra-se demonstrado o interesse direto e pessoal da Requerente.

II. O pedido deduzido, relativo à emissão de certidão de múltiplos testes de condução nos últimos dois anos, apresenta-se desrazoável e desproporcionado, à luz do disposto no artigo 334.º do Código Civil, relativo ao abuso do direito (de acesso) e do n.º 3 do artigo 15.º da LADA, aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22/08, assim como ao abrigo do princípio da proporcionalidade previsto no n.º 1 do artigo 2.º da LADA.

III. Nos termos das citadas normas legais, proíbe-se ou veda-se ao titular do direito, que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, apreciados segundo as conceções ético-jurídicas dominantes.

IV. Atenta a extensão e a amplitude da informação requerida, para além do período de tempo abrangido, de dois anos, estando em causa um número muito expressivo de documentos, não é de admitir a sobreposição do alegado direito de acesso pela Requerente, em face aos princípios pelos quais se rege a atuação normal da Administração.

V. A desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado constitui um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que foi deduzido pela Requerente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

O IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 18/09/2017 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, movido por P................ – Tecnologias ………………, Lda., intimou o requerido a prestar, em dez dias, as informações requeridas, sob cominação do disposto no n.º 2 do artigo 108.º do CPTA.

Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 78 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

I. A ora Recorrida, apresentou um requerimento no qual solicitava ao IMT que lhe fosse passada certidão dos documentos, relativos a testes de exame teóricos (código) e técnicos (mecânica) de candidatos a condutor; testes de exame CAM (certificado de aptidão de motoristas) relativos a veículos de mercadorias e de passageiros, testes de exame de certificação de motorista de táxi, Testes de exame ADR (Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada), e Testes de exame teóricos de candidatos à obtenção de licença de condução de tratores agrícolas, realizados nos últimos dois anos, ou seja, durante os anos de 2015 e 2016, tendo o IMT considerado que não estava obrigado a proceder ao pedido em virtude da inexistência de documentos teste e o elevado número de documentos solicitados, nos termos do disposto no n º 6 do artigo 13.º e .º 3 do artigo 15 º da LADA.

II. Apesar do IMT ter alegado, e invocado no artigo 18.º da Resposta, que o número de documentos requeridos era excessivo, bem como não tinha esses documentos disponíveis em suporte papel ou informático, dado que a estrutura do sistema multimédia, previsto e descrito nos artigos nos artigos 42 º e 43.º do RHLC, obriga a várias operações para a obtenção final do documento, o tribunal a quo considerou não provados esses factos, apesar de se encontrar na própria legislação e ser do conhecimento da Recorrida, o Tribunal a quo decidiu pela procedência da ação administrativa, intimando o IMT na passagem de certidão, em 10 dias, de todos os documentos requeridos.

III. A sufragar o nosso entendimento sobre a não obrigatoriedade do IMT em adaptar o sistema informático para constituir o documento necessário para a satisfação do pedido, conforme prescreve o n. 6 do artigo 13.0 da LADA, vide o Acórdão STA de 13.7.2016, proc. 0577/16, “o dever de colaboração não compreende a elaboração de dossiers estruturados ou sínteses da documentação existente, nem a obrigação de produzir uma nova documentação administrativa para satisfazer o pedido do requerente, por essas atividades ultrapassarem o dever legal de informação, mas a inexistência desta obrigação não pode ser cobertura para uma interpretação de tal modo minimalista que negue o direito à informação.”, – também neste sentido, o Acórdão do STA de 4.2 .2016, proc n.º 1370/15 e Acórdão STA de 17-1-2008, Proc. 0896/07.

IV. Ora, o IMT não pode concordar com a decisão judicial do tribunal a quo, dado que a matéria factual que está a ser considerada na alínea a), corresponde ao universo dos candidatos a condutores, individuas com idade a partir dos 16 anos [cfr. artigo 20.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (RHLC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de 5 julho, com alterado e republicado pelo Decreto-Lei n º 40/2016, de 29 de julho], que pretendem, assim, obter o seu título de condução e, para o efeito, podem prestar uma ou mais provas teóricas do exame de condução, o que acarreta um número elevado de provas teóricas e, consequentemente, um número excessivo de passagem de certidões de documentos. Não estamos perante um procedimento administrativo em curso, mas de centenas de registos informáticos.

V. Porém, mesmo que, por mera hipótese académica, pudesse considerar como não provado tal facto, que não é possível conceder, sucede que frequentemente tem sido divulgado pelos meios de comunicação social, nefastamente para o IMT, a notícia dos atrasos e as dificuldades que existem nos serviços prestados pelo IMT, quer quanto à avaliação quer na emissão de títulos de condução e certificação de profissionais, pelo que, sendo assim um facto público e notório que estamos perante um elevado número de provas prestadas e, consequentemente, de documentos requeridos, no entendimento da Recorrente, a meritíss1ma Juíza do tribunal a quo deveria ter considerado como preenchido o previsto no nº 3 do artigo 15.º da LADA, mas, mesmo que tal entendimento não tivesse sido acolhido, ou não venha a ser acolhido, não há dúvidas que estamos perante a previsão do n.º 4 do mesmo artigo, o que não foi considerado na douta sentença.

VI. Acresce que, como refere Raquel Carvalho, doutrina que sufragamos o “direito de acesso a documentos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, uma vez que aí, o que move os cidadãos já não é uma concreta necessidade de conhecer factos ou documentos importantes para a sua posição procedimental, mas antes uma necessidade mais fluida, muitas vezes uma curiosidade pela res publica, à qual não se agrega uma correspondente necessidade de celeridade. Pelo menos, não necessariamente, uma vez que sempre se pode configurar a hipótese da necessidade de celeridade na obtenção de um documento ou certidão, para iniciar/instruir um outro distinto procedimento administrativo E ainda que o pedido de consulta ou passagem de certidão tenha em vista o desencadear de um procedimento, não está verificado o pressuposto do interesse direto num procedimento em curso (...)”, in O Direito a Informação Administrativa Procedimental, Publicações Universidade Católica, Porto 1999, pg. 303, caso que não se verifica na presente situação, pelo que não conseguimos entender o critério que esteve subjacente ao tribunal a quo na fixação do prazo de 10 dias para todos os documentos requeridos

VII. O IMT, enquanto organismo integrado na administração indireta do Estado, compete prosseguir o interesse público, devendo para o efeito, pautar a sua realização segundo critérios de eficiência, economicidade e celeridade, previstos nos artigos 4.º e 5.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), pelo que a decisão do tribunal a quo ao determinar que o IMT emita certidão de todos os documentos elencados no ponto IV, em 10 dias, compromete o cumprimento dos princípios elencados e o desiderato de satisfazer as pretensões de todos os cidadãos em termos proporcionais e de razoabilidade, dado que terá que afetar todos os seus recursos humanos com capacidade para materializar o requerido, que são escassos, no prazo fixado, colocando em causa toda a restante atividade desenvolvida no âmbito das competências do IMT.

VIII. Por conseguinte, a douta decisão do tribunal a quo ao não considerar que o IMT não detém autonomamente um documento único, bem como não ter dado como facto provado o excesso de volume de documentos requeridos, facto alegado no articulado 20º da Resposta, e que decorre da estrutura do sistema multimédia, violou o preceituado no n º 6 do artigo 13.º e n.º 3 do artigo 15 º da LADA, e, também, ao ter fixado um prazo de 10 dias, para a emissão de certidão dos documentos elencados no ponto IV da sentença, não considerou o disposto no n.º 4 do artigo 15.º da LADA, e ainda, os princípios gerais de direito, o principio da proporcionalidade e da razoabilidade, colocando em causa a prossecução do interesse público que incumbe ao IMT realizar, podendo, no limite, paralisar uma unidade orgânica, transversal ao normal funcionamento deste organismo público, i.e. a direção de serviços de informática.”.

Conclui, pedindo a procedência do recurso.


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A ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, sem formular conclusões.

Pronunciou-se sobre o documento junto pelo Recorrente juntamente com a alegação de recurso, no sentido da sua não admissão e de o mesmo ser desentranhado e devolvido ao Recorrente e, no demais, pronunciou-se sobre os fundamentos do recurso, pugnando pela sua improcedência.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, pugnando pela inadmissibilidade da junção do documento e pela improcedência do recurso, por a sentença recorrida não enfermar de qualquer erro de direito (cfr. fls. 106).

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em decidir:

1. da admissibilidade do documento junto com a alegação de recurso;

2. se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação do n.º 6 do artigo 13.º e do n.º 3 do artigo 15.º da LADA, por desconsideração do n.º 4 do artigo 15.º da LADA e por violação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, colocando em causa a prossecução do interesse público que incumbe ao Recorrido prosseguir.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“III.1. De facto:

A) A Requerente é uma empresa cujo objecto social se destina à “Indústria, desenvolvimento, investigação, comércio e assistência de tecnologias de informação e electrónica” (cfr. Doc, n.º 1, junto com o R. I.);

B) Em 02/05/2017, a Requerente enviou carta registada com aviso de recepção à Entidade Requerida com o seguinte teor:

«Texto no original»

(cfr. Doc. n.º 2, junto com o R. I., que ora se dá por integralmente reproduzido);

C) Os testes teóricos realizados nas provas de exame de condução ou certificação profissional constituem documentos administrativos (cfr. confissão);

D) Em 10/03/2017, a Entidade Requerida enviou missiva à Ilustre Mandatária da Requerente, com o seguinte teor:

«Texto no original»

(cfr. Doc. n.º 2, junto com a Resposta, que ora se dá por integralmente reproduzido).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, não impugnada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Da admissibilidade do documento junto com a alegação de recurso

Juntamente com a alegação de recurso, procedeu a Recorrente à junção de um documento, cuja admissão é contestada em juízo pela Requerente, ora Recorrida, pedindo o seu desentranhamento e devolução à parte.

Vejamos.

A possibilidade de junção de documentos no recurso encontra-se prevista e disciplinada no disposto no artigo 651.º do CPC, no sentido de “as partes apenas poderem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Estabelece o artigo 425.º do CPC que depois do encerramento da discussão da causa, só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

No presente caso verifica-se que o Recorrente limitou-se à junção do documento, sem mais, isto é, sem que na sua alegação de recurso lhe fizesse qualquer referência ou sequer alegasse a impossibilidade de o ter apresentado mais cedo, por nada referir.

Significa que não se verificam os pressupostos legais para a junção do citado documento aos autos, por falta de previsão legal, tanto mais que o documento em causa se mostra emitido por um Diretor de serviços do ora Recorrente, nada obstando que o mesmo não tivesse sido emitido e junto aos autos em momento oportuno, ou seja, antes do encerramento da discussão da causa em primeira instância.

Nestes termos, será de concluir pela inadmissibilidade do documento junto com a alegação de recurso, a fls. 85 dos autos, o qual deve ser desentranhado e devolvido ao Recorrente, não podendo ser atendido no julgamento do presente recurso jurisdicional.

2. Do erro de julgamento de direito, por violação do n.º 6 do artigo 13.º e do n.º 3 do artigo 15.º da LADA, desconsideração do n.º 4 do artigo 15.º da LADA e violação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, colocando em causa a prossecução do interesse público que incumbe ao Recorrido prosseguir

Segundo as conclusões do presente recurso, enferma a sentença recorrida do vício de erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes do disposto no n.º 6 do artigo 13.º e do n.º 3 do artigo 15.º da LADA, assim como em desconsideração do n.º 4 do artigo 15.º da LADA e ainda na violação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Na base dos fundamentos do recurso invoca o Recorrente que o número de documentos requeridos é excessivo, que não tem esses documentos disponíveis em suporte de papel ou informático, dado que a estrutura do sistema multimédia na disponibilidade do ora Recorrido obriga a várias operações para a obtenção final do documento.

Invoca que está em causa um número elevado de provas teóricas do exame de condução que acarreta um número excessivo de passagem de certidões de documentos, estando em causa centenas de registos informáticos, não estando o ora Recorrente obrigado a proceder ao pedido, segundo o disposto nos n.ºs 6 do artigo 13.º e no n.º 3 do artigo 15.º da LADA.

Além disso, alega que é facto público os atrasos e as dificuldades que existem nos serviços prestados pelo IMT, além de ser facto público e notório que está em causa um elevado número de provas prestadas, defendendo que o Tribunal a quo devia ter dado por preenchido o disposto no n.º 3 do artigo 15.º da LADA.

Por último alega o Recorrente que não se consegue compreender o critério para a fixação do prazo de 10 dias para fornecer todos os documentos requeridos, sendo que o respeito desse prazo compromete o cumprimento dos critérios de eficiência, economicidade e celeridade da atuação do ora Recorrente e o desiderato de satisfazer as pretensões de todos os cidadãos, em termos proporcionais e de razoabilidade, em respeito da prossecução do interesse público.

Vejamos.

Vem o Recorrente a juízo insurgir-se contra a sentença recorrida que julgou procedente o pedido de intimação à passagem de certidão requerido.

Em face da factualidade demonstrada, decorre que o direito invocado pela requerente no requerimento apresentado é o direito à informação, consagrado nos n.ºs 1 e 2, do artigo 268.º da Constituição, sendo pedido a emissão de certidão de um conjunto de documentos, nos exatos termos constantes do requerimento apresentado pela Requerente.

No n.º 1 do artigo 268.º da Constituição consagra-se o direito e garantia dos administrados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, o que constitui a vertente procedimental do direito à informação; no seu n.º 2 consagra-se o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, correspondendo à vertente não procedimental do direito à informação.

O direito à informação, procedimental e não procedimental, encontra-se concretizado no Código do Procedimento Administrativo (CPA), comportando três direitos distintos: o direito à prestação de informações (artigo 82.º), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (artigo 83.º).

O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

Por isso, nos termos do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, só podendo haver restrições a esse direito de acesso quando, fundamentadamente, tal se mostrar obstaculizado pela aplicação da lei em matérias relativas, designadamente, à segurança interna e externa, à intimidade das pessoas e aos segredos comerciais e industriais.

Sobre o disposto em tal preceito constitucional, remete-se para o Acórdão do TCAS nº 4841/09, de 17/09/2009, que reproduz a doutrina, “(…) A utilização neste nº 2 do advérbio “também” denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração. Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o “segredo administrativo”, algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjetivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.”.

Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram, por isso, respeitados aquando da sua incorporação no CPA.

Todos esses artigos do CPA regulam o direito de acesso à informação contida em processos e procedimentos em curso, assim como o direito à informação que assiste a todos os cidadãos, de acordo com o sistema de arquivo aberto ou open file, isto é, independentemente de serem ou estarem interessados no procedimento administrativo em causa.

O artigo 85.º do CPA consagra o chamado princípio da administração aberta, facultando a qualquer pessoa o acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

Em face do recorte que é conferido pela Constituição, assim como resultante do CPA, a que acresce a configuração que lhe é dada pelo CPTA, ao prever um meio processual próprio para tutelar o direito à informação, que segue termos sob o processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto e regulado no artigo 104.º e segs. do CPTA, é seguro que o direito à informação se apresenta e é perspetivado na ordem jurídica como um verdadeiro direito subjetivo, constitucional e legalmente garantido (nºs. 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição, artigos 82.º a 85º do CPA e Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22/08), podendo ser feito valer em juízo, quer como meio processual autónomo, quer com uma função instrumental, destinado a obter elementos à utilização de outro meio administrativo ou processual.

Aqui chegados, importa analisar se a pretensão requerida apresentada pela Requerente se insere no direito à informação invocado.

A Requerente e ora Recorrida invocou o direito à informação para obter as informações pretendidas no requerimento que apresentou junto da Administração.

Assistindo aos interessados o direito de, mediante o pagamento das importâncias devidas, obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso, recai sobre as entidades administrativas o correspondente dever de satisfazer as pretensões requeridas, nos termos disciplinados no CPA e no artigo 268.º da Constituição, sempre que, estiverem verificados os respetivos pressupostos do exercício do respetivo direito.

Cabendo à Requerente que invoca o direito, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, incumbe à Entidade Requerida não só alegar, mas também provar que procedeu à emissão da certidão ou da informação que foi requerida ou que por algum motivo está dispensada de dar satisfação ao requerido.

Os particulares podem dirigir-se à Administração de múltiplas maneiras, mas apenas quando estiver em causa o exercício do direito à informação, constitui o presente meio judicial o meio idóneo de tutela.

O alcance e extensão da obrigação da Administração deve aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não a declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento – cfr. nesse sentido o Acórdão do STA, de 17/06/97, Rec. nº 42279, nos termos do qual, “(…) está excluída a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, seja de que natureza for, que extravasem do procedimento ou documento, o que exige a identificação ou individualização de um e do outro pela requerente, condição sine qua non para este poder ver a sua pretensão satisfeita.” – mais não sendo do que documentos que visam comprovar factos pela referência a documentos escritos preexistentes ou que atestam a inexistência desses documentos (cfr. acórdão do TCAS nº 4841/09, de 17/09/2009).

Não é finalidade do pedido de informação ou tão pouco da presente intimação decidir sobre qualquer matéria que seja apresentada à Administração ou sequer emitir juízos de valor ou de ciência, ainda que tais juízos resultem de elementos preexistentes, assim como não se destina a obter pareceres, opiniões ou qualquer outro esclarecimento, que não constem dos documentos administrativos.

Do mesmo modo, não é exigível a organização de quaisquer documentos, independentemente do suporte em que se apresentem, em suporte de papel ou informático.

Aqui chegados, é possível dizer não se poder manter a sentença recorrida.

Tendo presente a matéria assente no probatório, ao contrário do decidido na sentença recorrida, quanto a considerar que existe falta de prova dos factos alegados pelo Entidade Requerida e, consequentemente, intimou o Requerido a emitir as certidões requeridas, é possível formular um juízo de desproporcionalidade e de desrazoabilidade no pedido de acesso à informação formulado pela Requerente, ora Recorrida, que dispensa a Entidade Requerida de dar satisfação ao requerido.

Não se põe em crise que a Requerente veio exercer o direito de acesso à informação administrativa, neste caso, o acesso a informação não procedimental, por não ser titular de nenhum procedimento administrativo, mas antes que o pedido apresentado excede ou vai para além do exercício normal do direito de acesso à informação, enfermando de falta de razoabilidade e de proporcionalidade.

O pedido de acesso à informação não procedimental, traduz-se no pedido de passagem de certidão dos seguintes documentos:

a) Testes de exame teóricos (código) e técnicos (mecânica) de candidatos a condutor realizados nos últimos dois anos;

b) Testes de exame CAM (certificado de aptidão de motoristas) relativos a veículos de mercadorias e de passageiros realizados nos últimos dois anos;

c) Testes de exame de certificação de motorista de táxi realizados nos últimos dois anos;

d) Testes de exame ADR (Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada) realizados nos últimos dois anos, e;

e) Testes de exame teóricos de candidatos à obtenção de licença de condução de tractores agrícolas realizados nos últimos dois anos.”.

Não se põe em crise o interesse da Requerente ao pretender aceder à citada informação, o qual, segundo o teor do requerimento apresentado, se refere aos “testes que já foram efectivamente realizados nos últimos dois anos”, pois como alegado pela Requerente “a certidão que ora se requer se destina a permitir a actualização de aplicação informática relativa a testes utilizados na aprendizagem de candidatos a condutores dos veículos supra mencionados”.

Assim, não se põe em crise que o requerimento apresentado se apresenta configurado sobre o exercício do direito à informação, pois a Requerente veio solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse, e tem um interesse pessoal e direto no acesso à respetiva informação, por estarem em causa elementos relacionados com o exercício da atividade comercial e de negócio da Requerente.

Porém, põe-se em crise a falta da razoabilidade e de desproporcionalidade do requerido.

Para satisfazer a pretensão requerida, considerando a concreta informação que é requerida, é exigível uma tarefa de organização e manuseamento de múltiplos ficheiros informáticos, num esforço de meios desmesurado para qualquer serviço público, considerando, designadamente a dimensão e a amplitude da informação requerida e a circunstância de a mesma incidir num período temporal também vasto, relevando a emissão de certidão quanto a inúmeros documentos ao longo de dois anos.

Convoca-se a este respeito o disposto no artigo 334.º do Código Civil, relativo ao abuso do direito (de acesso).

Nos termos da citada norma legal proíbe-se ou veda-se ao titular do direito, que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, apreciados segundo as conceções ético-jurídicas dominantes.

O que o instituto da proibição do abuso do direito aponta é para o exercício equilibrado e racional dos direitos, no sentido de que veda esse exercício quando o mesmo se apresente danoso, inútil ou seja de tal modo desproporcionado entre a vantagem que concede ao interessado e o sacrifício que impõe.

Conforme José Renato Gonçalves, “estaremos perante uma destas situações [de abuso do direito de acesso] quando alguém requerer repetitivamente os mesmos documentos ou em número manifestamente “excessivo” de um ou mais serviços públicos sem que nisso se vislumbre qualquer utilidade. (…) Sem prejuízo de não ser negado o direito de acesso, a Administração dispõe de meios, que deve utilizar, para se defender de pedidos que tenham por efeito a paralisação ou o entorpecimento dos seus serviços.”, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, Almedina, pp. 45-46.

Tal instituto do abuso do direito mostra-se expressamente acolhido no disposto no n.º 3 do artigo 15.º da LADA, ao preceituar:

3 – As entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente.” (sublinhado nosso).

Pelo que, assiste razão à Entidade Requerida quando invoca a desrazoabilidade do pedido formulado, atenta a extensão e a amplitude da informação requerida, para além do período de tempo abrangido, estando em causa um número muito expressivo de documentos, nos exatos termos discriminados no requerimento apresentado pela Requerente, ora Recorrida, não sendo de admitir a sobreposição do alegado direito de acesso pela Requerente, em face aos princípios pelos quais se rege a atuação normal da Administração.

Está expressamente prevista no disposto no n.º 1 do artigo 2.º da LADA, a aplicação ao acesso à informação administrativa de um quadro vasto de princípios gerais de direito administrativo e, em especial, de princípios que regulam a atividade administrativa, ao estabelecer que “O acesso e a reutilização da informação administrativa são assegurados de acordo com os demais princípios da atividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da colaboração com os particulares.”.

No caso configurado em juízo o princípio da proporcionalidade assume um especial alcance no regime de acesso à informação administrativa, no sentido de vedar as pretensões que ultrapassem ou excedam os limites do direito de acesso.

Por outro lado, não se invoque que a Entidade Requerida não logrou demonstrar a desrazoabilidade ou a desproporcionalidade do pedido apresentado, por se afigurar estar em causa um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que foi deduzido pela Requerente.

Em relação à alegação da violação do disposto no n.º 6 do artigo 13.º da LADA, ao prescrever que “entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extratos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos”, importa dizer o seguinte.

Relembrando a informação a que a Requerente pretende aceder através do pedido de emissão de certidão, estão em causa documentos relativos aos testes de exame teóricos (código) e técnicos (mecânica) de candidatos a condutor, testes de exame CAM (certificado de aptidão de motoristas) relativos a veículos de mercadorias e de passageiros, testes de exame de certificação de motorista de táxi, testes de exame ADR (Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada) e testes de exame teóricos de candidatos à obtenção de licença de condução de tratores agrícolas, todos realizados nos últimos dois anos.

A matéria dos testes em causa encontra-se regulada no Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo D.L. n.º 138/2012, de 05/07.

A matéria da realização do exame de condução está regulada no artigo 33.º e segs. do citado Regulamento.

Como se extrai do disposto no seu artigo 42.º, no referente à prova teórica:

1 – A prova teórica consiste num teste de aplicação interativa multimédia.

2 – Para aplicação do sistema referido no número anterior, as salas de exame estão equipadas com um monitor por candidato, que transmite simultaneamente imagens, figuras e respetivas questões.”.

Significa que a prova teórica é gerada para cada candidato, de forma interativa multimédia, para que se não se possa repetir, permitindo gerar inúmeras provas diferentes.

Não foi feita prova pela Entidade Requerida, ora Recorrente, nem tal facto constitui um facto público ou notório para poder ser considerado por este Tribunal ad quem, de que não existe um documento único ou que pela Entidade Requerida tenha de ser criado um documento novo, relativamente a cada prova, que não exista no presente momento.

Embora tenha existido essa alegação, quer na resposta apresentada, quer na alegação do presente recurso, tal factualidade não se encontra demonstrada em juízo, de modo a se poder concluir pela violação do disposto no n.º 6 do artigo 13.º da LADA.

Sem prejuízo, também assiste razão ao Recorrente quando invoca que a sentença recorrida desconsiderou o disposto no n.º 4 do artigo 15.º da LADA, que prevê que “Em casos excecionais, se o volume ou a complexidade da informação o justificarem, o prazo referido no n.º 1 pode ser prorrogado até ao máximo de dois meses, devendo o requerente ser informado desse facto, com indicação dos respetivos fundamentos, no prazo de 10 dias.”, pois atenta a natureza da informação e a sua dimensão não tem sustento a fixação do prazo de 10 dias para a emissão da certidão dos documentos requeridos, em cumprimento da intimação.

Pelo que, procedem as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida quanto à violação do disposto no n.º 3 do artigo 15.º da LADA e ainda assim, quanto a não ter sido considerado o disposto no n.º 4 do artigo 15.º da LADA.


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Pelo exposto, será de julgar procedente o recurso, por provados os seus respetivos fundamentos.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Revelando o teor do requerimento de acesso à informação não procedimental apresentado, que a informação pretendida se apresenta configurada no âmbito do exercício do direito à informação administrativa, por a Requerente ter vindo solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse e que relevam para o exercício da atividade comercial da Requerente, encontra-se demonstrado o interesse direto e pessoal da Requerente.

II. O pedido deduzido, relativo à emissão de certidão de múltiplos testes de condução nos últimos dois anos, apresenta-se desrazoável e desproporcionado, à luz do disposto no artigo 334.º do Código Civil, relativo ao abuso do direito (de acesso) e do n.º 3 do artigo 15.º da LADA, aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22/08, assim como ao abrigo do princípio da proporcionalidade previsto no n.º 1 do artigo 2.º da LADA.

III. Nos termos das citadas normas legais, proíbe-se ou veda-se ao titular do direito, que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, apreciados segundo as conceções ético-jurídicas dominantes.

IV. Atenta a extensão e a amplitude da informação requerida, para além do período de tempo abrangido, de dois anos, estando em causa um número muito expressivo de documentos, não é de admitir a sobreposição do alegado direito de acesso pela Requerente, em face aos princípios pelos quais se rege a atuação normal da Administração.

V. A desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado constitui um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que foi deduzido pela Requerente.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus respetivos fundamentos, revogando a decisão proferida e, em consequência, indeferir o pedido de intimação requerido por desrazoabilidade e desproporcionalidade do pedido.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão)

(Helena Canelas)