Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:576/17.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/19/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ELIMINAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRÁTICA DE ACTO INÚTIL
SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS DA QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:I. Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que a apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação, não sendo possível, com base em prova – produzida em Tribunal - a que a Administração Tributária não teve acesso, considerar que aquela decisão padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto;
II. Assim sendo, constitui prática de acto inútil proibido por lei (art. 130.º do CPC), até porque poderá implicar instrução dos autos, conhecer-se em sede de recurso da procedência ou improcedência da impugnação de matéria de facto dado como provada pela 1.ª instância que contraria aquela jurisprudência pacífica, devendo-se antes, eliminar a matéria de facto irrelevante para a decisão da causa por ser manifestamente desconforme jurisprudência pacífica que é adoptada no caso sub judice;
III. Não constitui matéria de facto que deva ser seleccionada segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (conforme estatuía o anterior art. 511.º do CPC) os factos que não condicionaram a prolação do acto de indeferimento de dispensa de prestação de garantia, uma vez que não é solução plausível de direito aquela que contraria jurisprudência pacífica dos tribunais superiores.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A... vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a reclamação judicial por si apresentada, ao abrigo do disposto nos artº 276 º e ss do CPPT, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação garantia bancária efectuado no âmbito da execução fiscal nº ... e apensos, contra si revertida depois de originariamente instaurada contra a sociedade “...- Consultoria e Desporto, Lda”, com vista à cobrança coerciva de dívidas de IVA, no valor de €21.684,62.

O Recorrente, A..., apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«1. Entendeu o douto tribunal a quo não considerar provado que a única fonte do rendimento do agregado familiar é a remuneração paga pela sociedade ... -Empreendimentos Turísticos, Lda, vide facto nº2 dos fatos não provados.

2. Contudo, é entendimento do Recorrente que tal fato se encontra provado, desde logo pelos documentos juntos aos autos pelo executado - vide Doc.11 da Oposição à Execução.

3. Ademais, o próprio tribunal a quo, no Ponto O) da factualidade provada, considerou especificamente provado que "O Reclamante aufere por trabalho prestado à sociedade “... - Empreendimentos Turísticos, Lda” NIPC ..., a remuneração ilíquida mensal de €1.000,00- por acordo", sem considerar provada, ou sequer indiciar ou pressupor, a existência de qualquer outro rendimento.

4. Assim, e no encalço do Art.640º, nº1, alíneas a) e b) do C.P.C, ex vi art. Art.2 Alínea e) do C.P.P.T., entende o Reclamante que o ponto 2 da factualidade não provada foi incorrectamente julgado, porquanto os documentos de prova supra referidos impunham decisão diversa da recorrida,

5. Pelo que, ao abrigo do Art.640º, nº1, alínea c) do C.P.C, e em virtude da factualidade supra descrita, deve ser considerado provado que o agregado familiar do executado não dispõe de mais nenhum rendimento além da remuneração que o executado aufere por parte da Sociedade ... - Empreendimentos Turísticos, Lda.

6. Sem prejuízo do supra exposto, por cautela e dever de patrocínio,
Não se vislumbrando a razão de ciência pela qual determina o douto tribunal o indeferimento, com base na insuficiência da prova produzida, deve a mesma ser considerada provada uma vez que o Recorrente respeitou o ónus da prova que sobre si recaia, não tendo antes sido cumprido tal ónus pela Autoridade Tributária (AT).

7. Com efeito,
Exara-se na aludida sentença que não se considera provado que o cônjuge do Reclamante se encontre em situação de desemprego de longa duração, e que a única fonte de rendimento do agregado familiar seja a remuneração paga ao Reclamante pela sociedade ... - Empreendimentos Turísticos, Lda., NIPC ..., no valor ilíquido mensal de € 1.000,00.

8. Ora, antes de mais, cumpre referir que tendo o executado oferecido toda a necessária prova aquando do requerimento inicial, foi o próprio douto tribunal o quo que dispensou a produção de prova testemunhal em sede audiência de julgamento por despacho de fls..., supostamente por já considerar reunida a suficiente prova para ajusta composição do litígio.

9. Contudo, tal omissão afectou, de modo incomensurável, o direito à produção de prova da recorrente, bem como o princípio da descoberta da verdade material, precludindo, à finale, o seu direito à dispensa de prestação de garantia, o que de forma alguma se coaduna com uma composição justa do dissídio.

10. Atendendo à inoportuna dispensa de audiência supra mencionada, não pode manter-se a decisão que ora se reclama, porque ilegal ante as formalidades legais de produção de prova.

11. Neste sentido, acompanha-nos o Acórdão do STA de 19.02.2014, no Processo 096/14, segundo o qual "Tendo sido oferecida prova testemunhal para demonstração da factualidade invocada no pedido de dispensa de prestação de garantia, com vista à comprovação dos requisitos de que depende essa dispensa, e tendo o órgão da execução fiscal indeferido o pedido por falta de prova desses requisitos sem, contudo, proceder à produção da prova testemunhal oferecida e sem explicar a razão por que entendia não ser necessário produzi-la, verifica-se a preterição de uma formalidade essencial à descoberta da verdade, que determina a anulação da decisão reclamada.",
in http://www.dgsi.pt/ista.nsf/35fbbbf22elbble680256f8e003ea931/9c5c2dlfc3915fb680257c8b003ef871?OpenDocument&ExpandSection=1

12. Face ao exposto, pugna-se pela revogação da decisão recorrida, devendo ser o ora recorrente dispensado da prestação de garantia e suspensos os autos de execução fiscal sub judice.

Ademais,

13. No caso em apreço, em que o fim último era a dispensa de garantia para a suspensão dos autos de execução fiscal, cumpria provar, por preenchidos, os requisitos previstos no Art.52º nº4 da L.G.T., designadamente:
a) situação de Inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da divida exequenda e do acrescido
b) que a prestação da garantia cause ao executado prejuízo irreparável ou seja manifesta a falta de meios económicos
c) que a inexistência ou insuficiência de bens não seja imputável ao executado

14. Ora, o certo é que, face ao preceituado nos arts.342º do Cód. Civil e 74º, n°1 da L.G.T., o ónus da prova dos fatos constitutivos do direito invocado incumbe a quem os invoca,

15. Pelo que bem andou o Recorrente ao demonstrar que o único património que dispõe é constituído pela moradia que ofereceu em garantia, auferindo um salário bruto no valor de 1000€ mensais, proveniente da sociedade ... - Empreendimentos Turísticos, Lda. NIF 501 896 015.

16. Mais demonstrou o Recorrente, as despesas mensais fixas a que o seu rendimento tem de fazer face, nomeadamente a prestação mensal do crédito à habitação no valor de €1.557,96 e prestação mensal de 730,40€ a que está adstrito no âmbito do Processo Nº 3611/2015-01226592.

17. Tais factos- também eles especificamente demonstrados - provam inevitavelmente a verificação de situação de Inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da divida exequenda e do acrescido, por parte do executado, ora Recorrente.

18. Ora, uma vez feita a prova supra referida, é de fácil acepção que, a prestação de qualquer garantia será absolutamente impossível de realizar, sendo que o indeferimento da dispensa de prestação de garantia acarretará forte prejuízo para o Recorrente e a sua família, pois verão aumentados as penhoras e diminuído o parco património que dispõem e que actualmente é imprescindível para a subsistência familiar e cumprimento de obrigações legais e contratuais.

19. No que concerne ao terceiro pressuposto - a inexistência ou insuficiência de bens não seja imputável ao executado - o certo é que nos deparamos com a prova de um facto negativo, cuja prova é manifestamente mais difícil de produzir.

20. Desta forma, entende o Recorrente que neste ponto deve verificar-se uma inversão do ónus da prova ao abrigo do Art.344º C.C., passando o mesmo a recair sobre a Autoridade Tributária.

21. Com efeito, considera-se que apenas a AT poderá colocar em causa a alegação e a prova produzida sobre o terceiro requisito, pois bem sabe a AT, de conhecimento oficioso, todas as aquisições, alienações de património perpetradas pelo Recorrente, bem como os rendimentos que aufere ou deixa de auferir.

22. Tinha a AT todos os meios para infirmar que inexistia culpa do executado na insuficiência do património, e ainda assim não demonstrou, ou sequer alegou, que desde o momento a que respeitam as dívidas, o executado tenha alienado ou de alguma forma disposto do seu património, com ou sem a intenção de o dissipar e assim obviar à cobrança coerciva das quantias exequendas.

23. Não alegou nem provou porque efectivamente tal facto não ocorreu, pois, em abono da verdade, desde o período a que respeitam as dívidas até à data, o património do executado sempre foi constituído unicamente pela moradia que ofereceu em garantia, não possuindo nenhum outro património que não esse.

24. Contudo, recaindo, segundo o entendimento que perfilamos, sobre a AT o ónus da prova de tais factos, e não tendo tal prova sido produzida, não podem os mesmos deixar de se considerar provados.

Sem conceder,

25. Ainda que se pugnasse pela não inversão do ónus da prova do referido facto negativo, e bem assim, continuasse a recair tal ónus sobre o executado, sempre se diria que a respectiva prova teria de ser flexibilizada ante a dificuldade acrescida inerente à demonstração dos factos negativos.

26. Neste sentido, acompanha-nos o Acórdão do STA, de 19.12.2012, no Proc. 01320/12, segundo o qual "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»",
In
http://www.dgsi.pt/ista.nsf/35fbbbf22elbble680256f8e003ea931/b8d5d09e799e38ec802S7aed005b4cOd?OpenDocument&ExpandSection=1

27. Nestes termos, estamos em crer que a sentença ora reclamada violou o exposto nos Arts.342º, 344º do Código Civil, 52º,nº4 e 74º da L.G.T., uma vez que, incumbia à AT infirmar que a insuficiência de bens adveio de facto imputável ao executado o que não sucedeu, pelo que, se entende como provado que a situação de insuficiência económica em que se encontra o Recorrente não adveio de culpa sua.

28. Sem conceder, ainda que se entenda que o ónus da prova de tal facto negativo continua a recair sobre o Recorrente, deve flexibilizar-se a análise da prova por este produzida, dado que nada mais lhe pode ser exigido que não seja a demonstração de que não praticou qualquer ato de disposição do seu património, com ou sem a intenção de obviará cobrança coerciva da quantia exequenda.

29. Assim, conforme demandado na al. b) do nº2 do art.639º do C.P.C., e face a tudo quanto exposto, entende-se que deverá ser antes este o sentido propugnado no que respeita à demonstração da inimputabilidade ao executado da insuficiência do património, pelo se impõe que seja revogada a douta sentença e dado provimento o presente recurso, dispensando-se o ora Recorrente da prestação de garantia e alcançando-se a suspensão dos autos de execução fiscal.

30. Tratando-se os presentes autos da dispensa de garantia para efeitos de suspensão dos mesmos, há que referir que a exigência da garantia não é absoluta: a lei permite que, verificadas que estejam determinadas condições, o executado seja dispensado da prestação de garantia em razão da sua situação económica ou das graves consequências que lhe adviriam dessa prestação, conforme previsto nos arts.52°, nº4, da LGT e 170º do CPPT.

31. Ora, analisando a factualidade considerada provada na sentença recorrida, entendemos que a mesma tem subsunção plena na norma do art.52º, nº4, da LGT.

32. Neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.07.2015 no Proc. 08813/15, entendeu que "o nº4 do artº52º da LGT estabelece os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia, sendo duas as situações contempladas nesta norma para a dispensa da prestação de garantia: que a sua prestação cause prejuízo irreparável ao contribuinte ou haja manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em ambos os casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado",
in
http://www.dgsi.pt/itca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/36812989fc6f9d3480257e8800437062?OpenDocument

33. Ora, atentando na factualidade considerada provada pelo tribunal a quo, verificamos que foram especificamente considerados provados os seguintes pontos:
- "H) Sobre o imóvel identificado em B), encontram-se registadas hipotecas voluntárias para garantia no valor € 602. 658,85 - por acordo",
- "I) O imóvel identificado em B) tem o valor patrimonial tributário de € 333.447,48 -cfr. fls. 36 do PEF apenso"
- "J) A título de crédito concedido pelo ..., o reclamante suporta a prestação mensal de € 1.187,45, encontrando-se em dívida, à data de 31.10.2016, a quantia de € 283.072,60 - cfr. fls. 18 dos autos. "
- "K) A título de "outros créditos garantidos por hipoteca", também concedido pelo ..., o reclamante suporta a prestação mensal de €370,51, encontrando-se em dívida, à data de 31.10.2016, a quantia de € 79.731,52 - cfr. fIs. 17 dos autos"
- "L) As prestações relativas aos mútuos identificados em J) e K) têm sido cumpridas mensalmente pelo ora reclamante - por confissão: cfr. art.17º da p. i. "
- "M) O Reclamante é executado por reversão noutros processos de execução fiscal instaurados contra a sociedade "... CONSULTADORIA E DESPORTO, LDA.", designadamente o que corre termos sob o proc. n.s 3611-2015/01226592, no âmbito do qual requereu, e foi deferido, o pagamento em 24 prestações mensais no valor de € 730,40 cada - por acordo"
- "O) O Reclamante aufere por trabalho prestado à sociedade “... -Empreendimentos Turísticos, Lda” NIPC ..., a remuneração líquida mensal de € 1.000 - por acordo"
- "P)Sobre o rendimento identificado em O) incide uma penhora da AT para pagamento de dívidas em execução fiscal, incluindo a que respeita ao PEF em causa nos presentes autos - por acordo".

34. Dos referidos factos provados, resulta claro e inequívoco que o Recorrente se encontra em débil situação económica em que ele e a sua família se encontram, consubstanciada na manifesta inexistência de bens para pagamento da quantia exequenda e acrescido, e muito menos de prestar garantia que acautele a quantia exequenda.

35. Dos factos considerados provados é possível ainda retirar, com toda a segurança, que uma eventual prestação de garantia por parte do Recorrente, traria prejuízos nefastos e irreparáveis para este agregado familiar, encontrando-se por isso preenchidos os dois primeiros pressupostos de aplicação do art.52º nº4 da L.G.T..

36. Acresce que, deve igualmente ter-se por preenchido o terceiro pressuposto - que a inexistência ou insuficiência de bens não seja imputável ao executado - uma vez que o executado nunca dissipou ou de alguma forma dispôs do seu património com a intenção de obviar à cobrança coerciva de dívidas fiscais.

37. Na verdade o património do executado sempre foi constituído unicamente pela moradia que ofereceu em garantia, não possuindo nenhum outro bem que não esse.

38. Além do mais, em momento algum foi alegado ou sequer provado, que o executado actuou no sentido da dissipação de património ou sequer que a perda de rendimentos salariais do Recorrente nos últimos anos se devesse a culpa sua.

39. Face ao exposto, deve considerar-se provado que a inexistência ou insuficiência de bens não é imputável ao executado, e bem assim preenchidos todos os requisitos do Art.52º nº4 da L.G.T., bem como reunidas todas as condições para a dispensa de garantia requerida pelo aqui Recorrente.

40. Portanto entendemos, ao contrário do versado pelo tribunal a quo, que a factualidade demonstrada nestes autos se subsume de pleno nos requisitos exigidos pelo nº4 do art.52º da LGT, devendo assim deferir-se dispensa da prestação de garantia, sendo antes este o sentido aqui propugnado, tal como disposto na al. b) do nº2 do art.639º do C.P.C., pelo se impõe revogação da douta sentença.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente Recurso ser recebido porque legal e tempestivo e na sequência obter-se provimento nos seguintes termos, certamente, melhor supridos por V. Exas.:

- Revogar-se o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo quanto ao facto n°2 da factualidade não provada, e considerar-se que o único rendimento do Recorrente é a remuneração paga pela sociedade ... - Empreendimentos Turísticos, Lda, devendo nessa medida, ante a prova documental junta aos autos e o conhecimento que a AT tem do activo e rendimentos do executado, julgar-se por demonstrado e provado tal facto;

- Revogar-se a douta sentença recorrida no sentido de ser o executado dispensado da prestação de garantia, com direito a suspensão dos autos de execução fiscal nº..., em virtude de ser encontrarem, de pleno demonstrados todos os requisitos constantes no número 4 do art.52º da LGT, quer porque se impõe de pleno a subsunção jurídica da factualidade já julgada provada pelo tribunal a quo ao normativo em apreço, quer ainda porque o ónus da prova da inimputabilidade ao executado no que respeita à insuficiência ou inexistência de património não foi infirmada pela AT, mas antes comprovada, dentro da prova exigível no que respeita a fatos negativos, pelo executado;

Porque só assim se fará a tão costumada JUSTIÇA

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto quanto ao ponto 2 da factualidade dada como não provada (conclusões 1 a 4 das alegações de recurso) e ao se ter dispensado a prova testemunhal, pois se havia factos a provar deveria ter se ter realizado a diligência requerida (conclusões 5 a 12 das alegações de recurso), e nessa medida se encontram demonstrados todos os pressupostos para o deferimento do seu pedido de prestação de garantia (conclusões 13 a 40 das alegações de recurso).


II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 02.09.2016 o Reclamante foi citado, na sequência de reversão, para o processo de execução instaurado contra a sociedade "... CONSULTADORIA E DESPORTO, LDA." no Serviço de Finanças da ... sob n°..., para cobrança coerciva de dívida no valor de €21.684,92 - cfr. fls. 24 a 27 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso.

B) Em 21.10.2016, com vista à suspensão da execução, requereu ao órgão de execução fiscal a constituição de garantia sob a modalidade de penhora sobre o imóvel inscrito na matriz da freguesia e concelho de ... sob o artigo 15232, fracção "D" correspondente ao Lote 2 sito no ..., em ... - cfr. fls. 85 a 89 do PEF apenso.

C) Por ofício de 16.11.2016 foi notificado do indeferimento do requerimento que antecede por ter sido constatado pelo órgão de execução fiscal que "se encontram registadas hipotecas voluntárias sobre o referido bem num total de €602.658,85", quando o respectivo VPT é de € 333.447,48 - cfr. fls.98/99 do PEF apenso.

D) Em 04.01.2017 o ora Reclamante apresentou requerimento de suspensão do processo de execução fiscal com dispensa de prestação de garantia, nos termos constantes de fls. 106 a 109 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, ao qual juntou comprovativos das prestações mensais de crédito à habitação e outro e respectivos valores em dívida e, ainda, cópia da declaração mod.3 de IRS do ano de 2015, onde alega, no essencial, que:
- Possuiu um crédito à habitação que vem a pagar regularmente desde a celebração do respectivo contrato de mútuo;
- Que não se encontra em dívida o valor de € 602.658,85, mas apenas €362.804,12, sendo a prestação mensal no valor de € 1.557,96;
- É impossível a constituição de nova garantia face aos seus atuais rendimentos, €890 mensais de trabalho prestado à sociedade "...-Empreendimentos Turísticos";
- É executado noutro processo de execução onde requereu, e foi deferido, o pagamento da dívida (€17.529,52) em prestações em 24 prestações, no valor de €730,40 cada;
- A esposa encontra-se desempregada e o seu rendimento é a única fonte de subsistência da família;
- Pelas razões descritas revela manifesta falta de meios económicos e de bens penhoráveis que possa oferecer em garantia;
- Tal falta de meios económicos não advém de culpa sua mas de factores externos relacionados coma crise económica;
- Qualquer penhora dos bens por si detidos colocará em causa a sua sobrevivência do seu agregado familiar.
- cfr. fls.106 a 109 do PEF apenso.

E) Despacho reclamado: O requerimento que antecede foi indeferido por despacho de 20.02.2017 da Chefe do Serviço de Finanças, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de cuja fundamentação resulta, além do mais, e com maior relevo para a o mérito da causa, o seguinte:
«[...] importa analisar a alegada falta de meios económicos revelados pela insuficiência de bens penhoráveis. O SP dispõe de um o imóvel cujo VPT é €333.447,48, sobre o qual impedem hipotecas a favor da entidade bancária cifrando-se, de acordo com os recibos dos empréstimos emitidos pela entidade bancária e que juntou, o valor em divida em cerca de € 360 000,00. No entanto, dado que se admite sempre a penhora do vencimento, nos termos do art°738° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo executivo por remissão do art°2° do CPPT, não se pode afirmar que o executado não dispõe de bens para garantir os processos ora em análise.
Face ao explanado, não se encontrando verificados os pressupostos do n°4 do art°52° da LGT, indefiro o pedido de dispensa da prestação de garantia. [...]» - cfr. doc.7 junto com a reclamação.

F) Por ofício de 30.03.2017 o ora Reclamante foi notificado da decisão que antecede - cfr. doc.7 junto com a reclamação.

G) Em relação ao ano de 2015 o ora Reclamante declarou para efeitos de tributação em sede de IRS rendimento global de trabalho dependente no valor de € 35.103,76, pagos por quatro entidades diferentes, sendo uma delas a devedora originária, da qual auferiu € 3.900,00 - cfr. fls. 112 a 114 do PEF apenso.

H) Sobre o imóvel identificado em B) encontram-se registadas hipotecas voluntárias para garantia do valor total de € 602.658,85 – por acordo.

I) O imóvel identificado em B) tem o valor patrimonial tributário de € 333.447,48 - cfr. fls. 36 do PEF apenso.

J) A título de crédito à habitação concedido pelo ..., o Reclamante suporta a prestação mensal de €1.187,45, encontrando-se em dívida, à data de 31.10.2016, a quantia de €283.072,60 - cfr. fls. 18 dos autos.

K) A título de "outros créditos garantidos por hipoteca", também concedido pelo ..., o Reclamante suporta a prestação mensal de €370,51, encontrando-se em dívida, à data de 31.10.2016, a quantia de € 79.731,52 - cfr. fls. 17 dos autos.

L) As prestações relativas aos mútuos identificados em J) e K) têm sido cumpridas mensalmente pelo ora Reclamante - por confissão: cfr. art°17° da p.i.

M) O Reclamante é executado por reversão noutros processos de execução fiscal instaurados contra a sociedade "... CONSULTADORIA E DESPORTO, LDA.", designadamente o que corre termos sob proc.n°3611-2015/01226592, no âmbito do qual requereu, e foi deferido, o pagamento em 24 prestações mensais no valor de €730,40 cada - por acordo.

N) O Reclamante tem domicílio fiscal na Av. ..., n°16B, cave, na ... - por confissão no intróito da petição inicial.

O) O Reclamante aufere por trabalho prestado à sociedade "... -Empreendimentos Turísticos, Lda.", NIPC ..., a remuneração ilíquida mensal de € 1.000,00- por acordo.

P) Sobre o rendimento identificado em O) incide uma penhora da AT para pagamento de dívidas em execução fiscal, incluindo a que respeita ao PEF em causa nos presentes autos- por acordo.

Q) A presente reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças da ... em 10.04.2017 - cfr. fls. 5 dos autos.

Factos não provados:
Não se provaram, com relevo para a decisão do mérito da causa, os seguintes factos:
1) Que o cônjuge do Reclamante se encontre em situação de desemprego de longa duração (art°19° da reclamação).
2) Que a única fonte de rendimento do agregado familiar seja a remuneração paga ao Reclamante pela sociedade “... - Empreendimentos Turísticos, Lda.", NIPC ..., no valor ilíquido mensal de € 1.000,00 (art.°s 11 ° e 20.° da reclamação).

Motivação de facto:
A decisão da matéria de facto provada efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e bem assim com base na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados no que respeita à factualidade considerada provada por acordo ou por confissão.
Quanto aos factos julgados não provados, o indicado em 1) resulta, de sobre o mesmo não ter sido apresentado qualquer elemento probatório, sendo certo que era susceptível de prova por documento. O indicado em 2) resulta de presunção porquanto, tendo resultado provado, e tendo o ora Reclamante afirmado convictamente na petição inicial, ter encargos mensais com prestações (crédito à habitação e cumprimento de plano de pagamento de dívida fiscal em prestações) no valor de € 2.288,36 [cfr. als. J), K) e M) dos factos provados], não é concebível que o agregado familiar subsista apenas com o rendimento mensal auferido pelo Reclamante pelo trabalho prestado para a sociedade "... - Empreendimentos Turísticos, Lda.", que não chegaria sequer para cumprir as obrigações mensais relativas aos mútuos contratados com o ..., que afirmou, e ficou provado, que tem vindo a cumprir.»

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Conforme resulta dos autos o Recorrente, executado por reversão, requereu ao órgão de execução fiscal a dispensa de prestação de garantia para a suspensão do Processo de Execução Fiscal (PEF).
Sucede que tal pedido foi indeferido com o fundamento, em síntese, de que não se verificam os pressupostos do n.º 4 do art. 52.º da LGT (cfr. ponto E) da matéria de facto), designadamente, “não se pode afirmar que o executado não dispõe de bens para garantir os processos”, pois o seu vencimento pode ser objecto de penhora. Por outras palavras, resulta do despacho reclamado que o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia assentou na não verificação de “falta de meios económicos revelados pela insuficiência de bens penhoráveis”, constatando-se que o imóvel de que dispõe encontra-se onerado com hipoteca, sendo o valor em dívida cerca de 360.000,00€ e o VPT é de 333.447,48€, mais se apurou ser de 1.000,00€ ilíquido é penhorável, e nessa medida, este último constitui bem para garantir os processos de execução fiscal.
Este é o fundamento do indeferimento do requerimento de dispensa de prestação de garantia, e portanto, compete ao tribunal, no âmbito da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, apreciar a legalidade do acto do órgão de execução fiscal, partindo da sua fundamentação, e atendendo às causas de pedir constantes da petição inicial que devem colocar em causa a legalidade desse acto.
Analisada a p.i. constata-se que o Reclamante apresenta como causa de pedir a ilegalidade do acto reclamado por se verificarem os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia, designadamente por o seu vencimento de 1.000,00€ ser insuficiente para fazer face à subsistência da sua família, considerando as despesas que tem de suportar.
A Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou improcedente a reclamação entendendo, em síntese, que o despacho reclamado não enferma das ilegalidades invocadas pela Reclamante.
A primeira questão que cumpre decidir no âmbito deste recurso consiste em conhecer da impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto no art. 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, entendendo o Recorrente que o ponto 2 da factualidade não prova se encontra incorrectamente julgado, face quer ao documento 11 da oposição impunha decisão diversa, quer face ao ponto O) da factualidade dada como provada (conclusões 1 a 4 das alegações de recurso).
Sucede que, antes julgar procedente ou improcedente a impugnação da matéria de facto, cumpre aferir se o facto alegado pelo Recorrente na sua p.i. é relevante para a decisão da causa, sendo certo que não foi acolhido no Novo Código de Processo Civil a redacção do art. 511.º do CPC que determinava que a matéria de facto deveria ser seleccionada, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Assim sendo, se um juiz da 1.ª instância seleccionou um facto para dar como provado ou não provado que considerou relevante para a solução de direito que deu à causa, nada impede que neste TCA se entenda que tal facto não releva para a decisão da causa face ao diferente enquadramento jurídico adoptado.
Por outras palavras, não faz sentido se conhecer da impugnação de um determinado facto que foi dado como provado ou não provado na sentença recorrida, para depois concluirmos, em sede do presente recurso, que esse facto é irrelevante para a decisão da causa. Assim sendo, importa, desde logo, declarar a irrelevância do facto alegado na p.i. para a decisão da causa, face à solução de direito adoptada por este tribunal conforme infra exposto, e com esse fundamento, elimina-lo da matéria assente.
Com efeito, entendemos que o facto dado como não provado no ponto 2 é irrelevante para a decisão da causa, na medida em que no despacho reclamado não se coloca em causa que o único rendimento do Reclamante seja o seu vencimento ilíquido de 1.000,00€, aliás, o fundamento para o indeferimento da dispensa de garantia assentou unicamente na existência deste vencimento, e portanto, não pode o tribunal averiguar de outros factos e utiliza-los enquanto fundamento para legitimar a actuação do órgão de execução fiscal.
Por outras palavras, no despacho reclamado não se coloca em causa que a única fonte de rendimento do agregado familiar seja a remuneração paga ao Reclamante pela sociedade “... - Empreendimentos Turísticos, Lda.", e por essa razão não pode o tribunal extravasar a fundamentação do acto reclamado.
Na verdade, como a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem reiterado, a apreciação da legalidade do acto reclamado pelo tribunal deve ter em consideração a prova que foi feita perante o órgão de execução fiscal e com base na qual foi proferida decisão. Deve reexaminar a prova produzida para poder aferir da legalidade da decisão reclamada, não relevando para esse efeito, a prova que tenha sido produzida pelo executado após a prática do acto, que não tenha a virtualidade de ter influenciado o seu conteúdo.
Conforme se sumariou no acórdão do STA de 15/10/2014, proc. 0918/14 o seguinte: “[a] apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação, não sendo possível, com base em prova – produzida em Tribunal - a que a Administração Tributária não teve acesso, considerar que aquela decisão padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto. (…)”. Em sentido idêntico, vide ainda, Acórdão do TCAN de 12/12/2014, processo 276/14.6BEVIS acórdão do TCAS de 22/10/2015, proc. n.º 09035/15, e acórdão do TCAS de 10/07/2015, proc. n.º 08813/15, e acórdão do TCAS de 17/03/2016, proc. n.º 09405/16).
Portanto, não releva para a apreciação do acto reclamado ora em causa os factos que não tiveram qualquer influência naquela decisão, e portanto, não releva para o caso dos autos o facto dado como não provado pela Meritíssima Juíza do TAF que nem sequer foram considerados para a prolação do despacho reclamado, e nessa medida, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC elimina-se o ponto 2 da matéria de facto dada como não provada, ficando prejudicado o conhecimento do mérito da impugnação da matéria de facto.
Invoca ainda o Reclamante que o tribunal errou ao ter dispensado a prova testemunhal, pois se havia factos a provar deveria ter se ter realizado a diligência requerida (conclusões 5 a 12 das alegações de recurso).
Porém, pelas mesmas razões de direito supra enunciadas, importa concluir que, nesta parte, não merece provimento o recurso, pois in casu a produção de prova testemunhal não se mostra relevante e necessária face à fundamentação do acto reclamado e às regras do ónus da prova, e como melhor resultará evidenciado, a seguir, ao conhecermos do último fundamento do recurso.
Com efeito, invoca o Reclamante que, ao contrário do que se entendeu no acto reclamado, se encontram demonstrados todos os pressupostos para o deferimento do seu pedido de prestação de garantia, e deste modo, a sentença deve ser revogada, bem como a decisão reclamada (conclusões 13 a 40 das alegações de recurso).
Vejamos, antes de mais, o regime jurídico aplicável ao caso dos autos.
O regime jurídico da dispensa da prestação de garantia foi recentemente alterado com a entrada em vigor (a 1 de Janeiro de 2017) da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2017), alteração que há muito se impunha face à prova diabólica que sobre o contribuinte recaía relativamente ao facto negativo de que a “insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”.
Actualmente dispõe o n.º 4 do art. 52.º da LGT: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.”

Portanto, a dispensa de prestação de garantia deve ser requerida pelo executado, nos termos do art. 170.º do CPPT, a quem cabe o ónus da prova de que a prestação da garantia lhe causar prejuízo irreparável ou que é manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Trata-se de um pressuposto alternativo, bastando ao executado a prova de um deles.
Com a alteração legislativa cabe ao órgão de execução fiscal demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, desonerando-se o executado do ónus da prova que sobre ele impendia.
Portanto, no regime vigente, ao executado caberá apenas o ónus da prova do pressuposto alternativo.
É a partir deste quadro jurídico vigente que devemos analisar a legalidade do acto reclamado, nunca perdendo de vista que é a sua fundamentação que está sob escrutínio.
Deste modo, analisando a fundamentação do acto reclamado constatamos que para o indeferimento do pedido de dispensa de garantia em momento algum foram colocados em causa as despesas alegadas no requerimento do Reclamante, nem que a sua esposa se encontra desempregada. Com efeito, no despacho reclamado, pese embora se faça referência às despesas, e outros factos alegados pelo Reclamante, a verdade que sobre eles não é feito qualquer juízo pelo órgão de execução fiscal que se limitou a descrevê-los. Prosseguindo na análise do despacho reclamado constata-se que os únicos factos que efectivamente concorreram para a decisão de não verificação do pressuposto alternativo “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido” foram os seguintes:
_o executado é proprietário de um bem imóvel que não pode constituir garantia face ao ónus que sobre o mesmo incide (hipoteca de valor superior ao VPT;
_ o executado aufere o vencimento de 1.000,00€ ilíquidos susceptível de penhora.
Ou seja, o órgão de execução fiscal, considerando aqueles dois factos, entendeu que, pese embora o imóvel do executado não pudesse constituir garantia (repare-se que este imóvel não foi aceite pelo OEF como garantia– cfr. alíneas B) e C) dos factos provados), seria possível a penhora do seu vencimento e por essa razão conclui que “não se pode afirmar que o executado não dispõe de bens para garanti os processos ora em análise”, indeferindo o pedido de dispensa de prestação de garantia por não verificação dos pressupostos do n.º 4 do art. 52.º da LGT.
Desde logo, cumpre sublinhar que não nos parece correcta a interpretação que a sentença recorrida faz do despacho “Conclui-se, deste modo, que a alegação do Reclamante perante o órgão de execução permitiu a este constatar a existência de bens que, no âmbito da sua margem de livre apreciação, considerou serem viáveis para garantia do crédito tributário, nomeadamente por recurso ao mecanismo da penhora, quer do vencimento, quer do imóvel, cujo ónus decorrente de hipotecas se veio a verificar incidir sobre capital inferior ao constante do registo predial, por efeito do pagamento das respetivas prestações mensais ao longo do tempo.”.
Com efeito, no despacho reclamado expressamente se diz a respeito desse imóvel que “(…) das diligências prévias constatou-se a inexistência de valor disponível, depois de abatido ao valor patrimonial (€333.447,48) os ónus registados na Conservatória do Registo Predial (hipotecas voluntárias no valor de €602.658,85€ (…)” e mais, conclui-se mesmo que “o executado é proprietário de um bem imóvel que se encontra penhorado a favor dos presentes autos, mas não pode constituir garante da dívida face ao ónus que pendem sobre o mesmo”.
Ou seja, ao contrário do que parece se ter entendido na sentença recorrida, no despacho reclamado considera-se expressamente que o bem imóvel não poderá constituir garantia idónea, e tanto assim é que, quando o Reclamante pretendeu dar esse imóvel como garantia, a penhora não foi aceite, e no despacho reitera-se esse entendimento ao dizer-se que “não pode constituir garante da dívida face ao ónus que pendem sobre o mesmo”.
Portanto, e por outras palavras, o indeferimento do pedido de dispensa da prestação da garantia assentou exclusivamente no facto de o executado auferir um vencimento de 1.000,00€ (ilíquido), esse seria o único bem susceptível de penhora, e que portanto, fundamentou o indeferimento do pedido.
Sucede que, esse vencimento já se encontra penhorado no âmbito de outros processos de execução fiscal, com expressamente se exarou no despacho reclamado, sendo certo que o Reclamante, ora Recorrente, pugna pela verificação dos pressupostos do n.º 4 do art. 52.º do CPPT para a dispensa da prestação de garantia, aliás, cumpre sublinhar que já havia alegado no requerimento de dispensa de prestação da garantia que qualquer penhora colocaria em causa a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar.
Neste contexto, não se vislumbra, e o despacho reclamado não evidencia, de que forma é que o facto de existir um vencimento que já se encontra penhorado no âmbito de vários processos de execução fiscal, e como se sabe, deverá respeitar os limites previsto no art. 738.º do CPC, constitui fundamento bastante para se entender não preenchido o pressuposto legal “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”.
É que, entendendo o órgão de execução fiscal que o bem imóvel que o executado dispõe não pode constituir garantia, e que apenas resta o vencimento do executado que é de apenas de 1.000,00€ (ilíquido) que já se encontra penhorado ao abrigo de vários processos de execução fiscal, não se compreende como não concluir pela manifesta insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda, ou seja, pela verificação do pressuposto legal “manifesta falta de meios económicos”.
Na verdade, considerando o apurado pelo órgão de execução fiscal para a prolação do despacho reclamado, a conclusão é de que os bens existentes no património do executado são insuficientes para garantir a dívida, pois o bem imóvel encontra-se onerado com hipoteca que garante crédito superior ao VPT do imóvel, e por outro lado o salário líquido, para além de ser de valor baixo, já se encontra penhorado ao abrigo de outros processos de execução fiscal (penhoras que aqui não estão em causa), tendo ainda em consideração que a penhora do vencimento nunca poderia exceder 2/3 da parte líquida do vencimento (n.º 1 do art. 738.º do CPC).
Em suma, o critério previsto na lei para aferir da “manifesta falta de meios económicos” é o da insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ou seja, ainda que existam bens penhoráveis como o vencimento, se este for insuficiente para o pagamento da dívida exequenda, fica preenchido o pressuposto legal.
In casu aquela insuficiência verifica-se porquanto no despacho reclamado não se coloca em causa as despesas que foram alegadas pelo executado no seu requerimento, por outro lado o vencimento líquido do executado é baixo e já se encontra penhorado no âmbito de outros processos de execução, e por fim, a penhora do vencimento nunca poderia exceder 2/3 da parte líquida do vencimento (n.º 1 do art. 738.º do CPC).
Ou seja, entendemos que, face às circunstâncias concretas do caso dos autos e que se encontram vertidas no despacho reclamado (que são as que importam apreciar), verifica-se a manifesta falta de meios económicos do executado para garantir a dívida exequenda revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, pressuposto legal que o despacho reclamado, indevidamente, julgou não verificado nos termos do n.º 4 do art. 52.º da LGT.
Deste modo, a sentença recorrida que assim não decidiu deve ser revogada, e consequentemente anulado o acto reclamado, e nessa medida o recurso merece provimento.


III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e consequentemente anulando-se o acto reclamado.
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Custas pela Recorrida.
D.n.
Lisboa, 19 de Setembro de 2017.




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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Anabela Russo

(com declaração de voto)



DECLARAÇÃO DE VOTO
- No presente recurso jurisdicional vinham colocadas duas questões a este Tribunal Central Administrativo Sul: o erro de julgamento de facto e o erro de julgamento de direito;
- O primeiro dos enunciados erros encerrava a questão de saber se o Tribunal a quo errara ao dar como “não provado” «Que a única fonte de rendimento do agregado familiar seja a remuneração paga ao Reclamante pela sociedade “Rio Laranja – Empreendimentos Turisticos, Lda.” No valor ilíquido mensal de € 1.000,00 (art.ºs 11.º a 20.º da reclamação).», tendo, para tal, aduzido a recorrente a impugnação realizada na sua peça processual e documentos constantes dos autos e concluindo pela sua integração como “facto provado”;
- No acórdão, a posição que obteve vencimento entendeu que antes de aferir se esse facto estava ou não provado, importava apreciar se era relevante, “sendo certo que não foi acolhido no Novo Código de Processo Civil a redacção do artigo 511.º do CPC que determinava que a matéria de facto deveria ser seleccionada, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Assim sendo, se um juiz da 1ª instância seleccionou um facto para dar como provado ou não provado que considerou relevante para a solução de direito que deu à causa, nada impede que neste TCA se entenda que tal facto não releva para a decisão da causa face ao diferente enquadramento jurídico adoptado.» (…) Assim sendo, importa, desde logo, declarar a irrelevância do facto alegado na p.i. para a decisão da causa, face à solução de direito adoptada por este tribunal, conforme infra exposto, e com esse fundamento elimina-lo da matéria assente.»;
- Em nosso entender a impugnação da matéria de facto, porque observado o condicionalismo previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil é, em regra, de apreciação obrigatória pelo Tribunal de recurso;
- E ainda que se admita que a utilidade da apreciada dessa questão colocada em recurso possa ser configurada como inútil ou prejudicada porque o Tribunal de recurso entende que independentemente da sua prova ou não prova o resultado sempre seria o mesmo, então, caber-lhe à assumir essa posição e não extrair desse facto qualquer ilação para efeitos do julgado. Porém, já lhe não é lícito, sem apreciar do mérito da impugnação, determinar a sua “eliminação” com fundamento em que não será relevante para a decisão que posteriormente irá adoptar.
- Acresce que esse facto foi invocado pelo recorrente perante a Administração Fiscal aquando da formulação do seu pedido de dispensa de garantia, foi de novo invocado perante o Tribunal de 1ª instância como fundamento da sua pretensão, foi contestado pela Fazenda Pública e sobre o mesmo foi produzida prova, estando, ainda, relacionado com o teor da decisão objecto de reclamação.
- Entendemos, pois, que bem andou a Meritíssima Juíza ao integra-lo no probatório (e não estamos aqui a emitir juízo se fez bem ao declará-lo como “não provado” ou se o devia ter declarado como “provado”) considerando as várias soluções plausíveis de direito, uma vez que da não consagração expressa no Novo Código de Processo Civil do critério “segundo as várias soluções plausíveis de direito” não pode extrair-se a conclusão de que esse critério não deva estar presente no julgamento de facto, sob pena, como alguma doutrina tem defendido, de se comprometer a justiça material e o próprio recurso da decisão, especialmente no processo tributário onde não há lugar à identificação e delimitação do objecto do litigio através da enunciação dos temas da prova.
- Neste contexto, não procederia à eliminação do facto “não provado”, ainda que dele não extraísse as mesmas ilações que foram extraídas em 1ª instância, quer pelas razões adiantadas no acórdão na parte em que define com precisão o objecto do despacho reclamado, quer porque essas ilações são inadmissíveis à luz de uma “não prova do facto” que, como é sabido apenas permite que o Tribunal conclua que não sabe se existem ou não outros rendimentos para além do vencimento e não, como fez, que os terá e que por isso não deveria beneficiar da dispensa de garantia.