Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:170/14.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/22/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
DISPENSA DE PRODUÇÃO DE PROVA
VÍCIOS DA SENTENÇA
Sumário:1. Compete ao juiz ajuizar da necessidade de produção da prova requerida pelas partes.
2. Se conclui que a matéria a que vêm depor as testemunhas arroladas é meramente conclusiva ou que a prova testemunhal é inadequada à demonstração da realidade dos factos alegados, deve dispensar essa prova sob pena de incorrer na prática, processualmente censurável, de actos inúteis.
3. Não apontando o Recorrente à decisão final qualquer vício (nulidade ou erro de julgamento) e validando o tribunal ad quem o entendimento do tribunal recorrido quanto à inadequação da prova testemunhal à demonstração da realidade dos factos alegados a que vinham depor as testemunhas, o recurso está votado ao insucesso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

... – Actividades Hoteleiras, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2009, com o n.º..., no valor a pagar de 247.302,41€, e as liquidações de IVA n.º..., n.º..., estas no valor total €118.784,52, emitidas na sequência de acção de inspecção de que foi alvo.

Com o requerimento de recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes «Conclusões:

a) Entendeu-se por bem na sentença recorrida declarar improcedente a pretensão da Recorrente e para assim concluir a sentença fixa um probatório do qual consta tudo o alegado pela Recorrida e constante do Relatório de Inspecção.

b) Ou seja, tudo o constante do Relatório se considera provado e daí a conclusão decisória a que se chega.

c) A Recorrente contraditou na sua impugnação as conclusões daquele Relatório de Inspecção, designadamente alegando os factos já supra vertidos no corpo alegatório do presente recurso, e para efectuar prova de tais factos, arrolou a Recorrente diversas testemunhas, as quais possuem conhecimento directo sobre os factos invocados, sendo que vários desses factos são passíveis, pelo menos em abstracto, de prova testemunhal, pois que a lei não impõe, para os mesmos, a existência de um particular meio de prova.

d) Mas a sentença recorrida negou a realização da referida prova testemunhal, não se coibindo, no entanto, de dar como provado tudo o constante do Relatório de Inspecção.

e) Dito de outro modo, para a sentença sob escrutínio tudo o que a Recorrida diz no Relatório Inspectivo é verdade mas a Recorrente é que não pode contraditar o daquele constante.

f) O que é um manifesto absurdo porquanto representaria um claro retrocesso ao malfadado princípio da presunção da liegalidade dos actos administrativos, princípio esse que a Doutrina e a Jurisprudência já abandonou.

g) Pelo que entende a Recorrente que se impunha ao Tribunal a quo a produção de prova testemunhal sendo que a omissão da mesma faz padecer a sentença de deficit instrutório.

h) Sem a inquirição de tais testemunhas, não lhe foi possível efectuar prova bastante dos factos que alegou tendo-lhe sido denegado esse direito com guarida constitucional.

i) A prova testemunhal recusada era absolutamente relevante para a prova dos aludidos factos, cabendo exclusivamente à Recorrente ajuizar da necessidade de prova dos factos invocados e da forma de prova, desde que respeitados os limites legais à respectiva produção.

j) Assiste à Recorrente um verdadeiro direito à prova, sendo este o entendimentos da Jurisprudência e Doutrina supra citadas.

k) A sentença recorrida ao postergar a realização de prova testemunhal impediu que a decisão tomada considerasse todos os elementos factuais probatórios que seriam relevantes para o desfecho dos autos, sendo que o Direito a aplicar só o poderia ser após a fixação conscienciosa de um quadro factual que levasse em conta o aportar de meios de prova por ambas as partes para os autos e não apenas por uma.

l) Situação que se poderia colocar era a de que não tendo a Recorrente interposto recurso do despacho que recusou a inquirição de testemunhas o pode fazer agora quando reage à sentença final mas, salvo o devido respeito, sempre devido a adversa opinião, entende a Recorrente que pode suscitar agora esta questão no recurso que interpõe da decisão final.


m) Isto uma vez que o Tribunal Superior não se encontra impedido de levar em consideração, apreciando-a, a questão de saber se a matéria de facto fixada contém os factos pertinentes à decisão da causa assim como se tal não inquirição impediu o apetrechar dos autos de matéria de facto relevante conduzindo, em consequência, a um erro de julgamento.

n) E concluindo em sentido afirmativo tal deve levar à anulação da sentença.

o) A não inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente só se poderia estribar no artigo 113º, nº 1 do CPPT.

p) Ora e quanto à aplicação deste primeiro segmento do normativo é o mesmo aplicável quando se refere a questões de direito, mas a situação sub judice não era só de direito mas também atinente a matéria de facto, constatando-se, quanto a esta – segundo segmento do preceito -, que os autos não dispõem de todos os elementos para uma decisão conscienciosa.

q) Entende ainda a Recorrente que a interpretação que veio a ter acolhimento na decisão recorrida, ainda que de forma tácita, do artigo 113º, nº 1 do CPPT padece de inconstitucionalidade material por violação do artigo 20º, nº 4 da CRP uma vez que se encontra a ser-lhe vedado o direito a um processo justo e equitativo.

r) Ao decidir como decidiu violou a sentença recorrida os artigos 113º, nº 1 do CPPT e 20º, nº 4 da CRP, assim como ocorre deficit instrutório que deve levar à anulação do libelo decisório recorrido mais se ordenando a baixa dos autos para produção da prova testemunhal arrolada pela ora Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida e ordenada a produção da prova testemunhal requerida, tudo o mais com as consequências legais».


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.178).

Não foram apresentadas contra-alegações.


A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.



2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar se não tendo a Recorrente interposto recurso do despacho que dispensou a produção da prova testemunhal indicada na P.I., pode suscitar tal questão no recurso da decisão final e em que termos.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:

«a) A 17/11/2004 foi assinada a ordem de serviço n.ºOI201204084, relativa a procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, ao exercício de 2009, por representante da impugnante (cfr. cópia de fls. 101 do PAT);
b) Na ordem de serviço lê-se “Código de actividade: 12211018” (cfr. OS de fls. 101 do PAT);
c) A OS a que se refere a alínea anterior foi assinada pela chefe de divisão Ana Maria Sequeira, em regime de substituição (cfr. cópia de OS, a fls. 101 do PAT);
d) Na OS são identificados os funcionários Laurinda (…) ..., e, Cristina (…) ... (cfr. cópia de OS, de fls. 101 do PAT);
e) A 11/04/2013 foi decidida a prorrogação do prazo de inspecção, por três meses (cfr. despacho de fls. 105 do PAT);
f) A 15/07/2013 foi decidida a prorrogação do prazo de inspecção, por três meses (cfr. despacho de fls. 109 do PAT);
g) À impugnante foi dirigido o ofício n.º076849, de 31/10/2013, tendente à notificação da impugnante para exercer o seu direito de audição sobre o projecto de relatório da inspecção tributária (cfr. despacho de fls. 151 do PAT);
h) O ofício a que se refere a alínea anterior e o projecto de conclusões do relatório, foi entregue a Joana ..., na qualidade de representante da impugnante, a 1/11/2013 (cfr. certidão de notificação, de fls. 149 do PAT);
i) A 26/11/2013 foi remetido ofício tendente à notificação da impugnante, relativamente ao relatório final da inspecção tributária (cfr. despacho de fls. 148 do PAT);
j) A 27/11/2013 foi lavrada certidão de notificação, relativa à notificação do relatório final de inspecção, à aqui impugnante (cfr. certidão de notificação, de fls. 146 do PAT);
k) Da acção de inspecção resultaram, em relação ao exercício de 2009, correcções à matéria colectável de IRC, no valor de 842.159,68euros, e correcções ao IVA, no valor de 165.929,78euros (cfr. mapa resumo, constante do relatório de inspecção, de fls. 154 do PAT);
l) Lê-se do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. relatório de fls. 155 e ss. do PAT):
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1 - FACTOS E FUNDAMENTOS

A consulta aos ficheiros de "Gestão Tributária" mostra um contribuinte que apresenta sistematicamente prejuízos fiscais (2006 = €32.720,79; 2007 =
€77.600,67; 2008 = €295.380,51; 2009 = €12.287,76).

O facto de a sociedade explorar dois espaços distintos - restaurante e discoteca
- não teve qualquer tratamento contabilístico individualizado, não obstante alguns fornecedores, em particular de bebidas e de serviços externos, diferenciarem a faturação para a "..." da destinada ao "...',

Os proveitos provenientes da prestação de serviços equivalem a 89,77% do volume de negócios e traduzem uma margem bruta declarada (MBPS) de 49,01
% [=(921.966,70 - 470.116.46) / 921.966,70 x 100]. Contudo este rácio enferma de inexatidão, uma vez que o valor contabilizado como serviços prestados, inclui rendimentos provenientes de comissões auferidas pelas vendas de tabaco em máquinas automáticas (€924,26) e três verbas recebidas a título de contrapartidas de contratos de exclusividade assinados com fornecedores de café e bebidas (€93.330,00). Conclui-se que a MBPS declarada foi, na realidade, de 43,20% [= (827.712,44 - 470.116.46) / 827.712,44 x 100J, não estando consentânea com a realidade económica e a capacidade produtiva patenteada pelo contribuinte.

Verificou-se que o registo contabilístico na conta 72.1.1.2 - serviços prestados à taxa intermédia foi efetuado com base no apuramento mensal da receita, através de um somatório dos talões diários de "fechos do período" (Z's) emitidos através de terminais POS em uso no estabelecimento.

Nestes apuros diários encontraram-se registados recebimentos em numerário e por multibanco (estes, maioritariamente, de pequenas verbas). Para a folha de caixa mensal e contabilizados na respetiva conta de proveitos (72.1.1.1.2) só foi considerada a receita paga por numerário, sendo, de modo sistemático, subtraído o valor arrecadado por multibanco (cfr. anexo 2).

Na análise comparativa, efetuada entre os balancetes de contas do razão, diários de caixa e bancos, folhas de caixa mensais, extratos bancários (de três entidades: ..., ... e ...) e listagens mensais de fecho de terminais de pagamento automático (seis terminais) foi possível concluir pelo não registo contabilístico na conta de proveitos (72.1.1.1.2) de todas as prestações de serviço cujo pagamento tenha sido feito através de TPA's (cfr. anexos 2 a 5 e J:

Pela consulta comparada entre os proveitos mensais contabilizados e os respetivos extratos bancários, verificou-se que ocorreram transferências diretas para as contas bancárias do contribuinte (com relevância para a sediada no ...), relativas a pagamentos de reservas e sinais para refeições de grupo, conforme descrição aposta, quer nos extratos quer em notas de lançamento emitidas pelas respetivas entidades, que não foram contabilizadas nos proveitos (cfr. anexos 3, 5 e 9).

Os dados constantes nas listagens de fecho de TPA's/ extratos bancários confrontados com o registo em folhas / diário de caixa demonstram que: 1) Com frequência regular, existem dias sem registo de receita na folha / diário de caixa, não obstante terem ocorrido créditos nas contas bancárias relativos a recebimentos efetuados por TPA's, para esses mesmos períodos;
2) Maioritariamente, o cômputo dos valores arrecadados através de TPA's supera o montante diário inscrito em folha de caixa e contabilizado como proveitos; 3) O período compreendido entre o dia 24 e 31 de dezembro de 2009 foi inscrito na folha de caixa como período de férias, sem qualquer receita. Contudo, comprova-se através do extrato bancário que, por transferências bancárias e registos de TPA's, o sujeito passivo obteve receitas (não contabilizadas) provenientes de eventos natalícios organizados para grupos (cfr. anexos 1 a 5).

Todos os factos anteriormente expostos respeitam à atividade exercida pelo contribuinte n "...'"

No que concerne à receita gerada no segundo espaço - discoteca "..." '1 a mesma foi contabilizada com base em folhas de caixa/apuros manuais elaborados sem qualquer suporte documental, uma vez que não se encontraram arquivados quaisquer "Z's" ou duplicados de vendas a dinheiro emitidas pela discoteca.

O contribuinte subarrendou este espaço, pelo que apenas se encontrou registada em proveitos a receita gerada nos primeiros cinco meses do ano.

Identificou-se como subarrendatário, através do contrato assinado pelas partes em 2 de junho de 2009, a sociedade "... LOA. NIPC: …. A este contribuinte foi "solicitado, por ofício a que coube a saída geral n.º 36065 de 21.05.2013, provas documentais das rendas pagas a "... Actividades Hoteleiras Lda.". A referida comunicação foi devolvida pelos serviços postais com a indicação de " não existe".

Compulsados os ficheiros informáticos da A.T. verificou-se a ausência de dados relativos à situação fiscal daquela entidade.

Em 01 de fevereiro de 2009 a sociedade outorgou um contrato de arrendamento comercial sob regime de renda livre, que se encontra em vigor, referente a um estabelecimento sito na Rua ..., lote 12, r/c dt letra A em ... denominado comercialmente "de "Pastelaria ...". Na mesma data e para o mesmo espaço, foi outorgado por "... Actividades Hoteleiras Lda." e Vítor ..., NIF: ..., um contrato de subarrendamento para comércio. De igual modo, pela n/ saída geral nº 36064 de 21.05.2013, solicitaram-se esclarecimentos e documentos comprovativos das rendas pagas por este último. Não obstante a comunicação ter sido rececionada, o subarrendatário não colaborou com a Administração Tributária.

Não foram contabilisticamente relevados os proveitos originados pelos subarrendamentos e, em face do exposto, não foi possível quantificar e comprovar a arrecadação destas receitas.

Como já foi referido, a sociedade contabilizou como prestações de serviço, proveitos originados por contratos de exclusividade assinados com os seus fornecedores: "... S.A NIPC: ... e .... De salientar que as importâncias recebidas, constituíram contrapartidas financeiras para incentivo ao consumo e publicidade dos respetivos produtos nos espaços - discoteca "..." e "Pastelaria ...". Sabendo do subarrendamento do último estabelecimento, não se conseguiu clarificar o papel desempenhado pela sociedade nesta relação comercial (cfr. anexo 2).

Outros factos a salientar na análise à situação fiscal do sujeito passivo:

Através dos suportes documentais, constatou-se que em todos os meses de 2009, a sociedade efetuou compras de mercadorias, exclusivamente destinadas à discoteca "...".

Comprovam-se pelo tipo de produtos adquiridos (bebidas alcoólicas e café) e espelhados no processamento ("... - ..., pavilhão 18) de faturas emitida pelos fornecedores. Estas compras de mercadorias foram pagas e contabilizadas pela sociedade;

Existem, em todos os meses de 2009, custos documentados, contabilizados e pagos pela sociedade, referentes a: a) despesas fixas com energia, comunicações e fornecimento de água;
b) encargos com prestação de serviços especializados, nomeadamente: controlo de entradas na discoteca, no cumprimento de um contrato assinado com "...
- Segurança Privada SA "NIPC: ..., para três postos de controlo a funcionar nas sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados, das 23:00h às 04:00h; contratação de uma pessoa com funções de "relações públicas"; c) gastos mensais com publicidade, propaganda e proteção ambiental (higiene e segurança - "... Portugal - Serviços de Proteção Ambiental Lda").

Encontraram-se arquivados documentos que suportam aquisições de café, açúcar (para cumprimento do contrato de exclusividade) e livros de vendas a dinheiro emitidos em nome de "... - Pastelaria ...".

Comprovam-se, por cruzamento com as declarações modelo 3 de IRS apresentadas pelos senhorios, os custos com arrendamento dos dois espaços referidos, bem como a entrega ao Estado do imposto sobre o rendimento retido na fonte; Não se comprova nem se quantifica a receita proveniente dos subarrendamentos.

A sociedade contabilizou como custos, em vários meses do exercício de 2009, despesas com reparação e manutenção de duas viaturas (... e ...). Conforme se afirma no ponto 11.3.4.3.1 deste relatório, pela consulta aos ficheiros informáticos da A.T. não se reconhece à sociedade a propriedade de qualquer um deles, pelo que os mesmos serão desconsiderados (cfr. anexo 8)

Dados cadastrais das viaturas:

1) … - veículo ligeiro de mercadorias; Marca: Renault Trafic; registado desde 03.12.2007 em nome de MYKHALO …;

2) … - veículo ligeiro de passageiros; Marca: Mini Cooper; registado desde 03.12.2007 em nome de José ... - NIF: ....

111.2 - CRITÉRIOS DE CÁLCULO DAS CORREÇÓES TÉCNICAS
111.2.1 - PROVEITOS CORRIGIDOS

Tendo por base os extratos das várias contas bancárias e as listagens de fecho de TPA's, emitidos pelos respetivos bancos, foram recolhidos os movimentos de "VENDAS POR TPA”, traduzidos em número de operações diárias efetuadas através de cada um dos terminais e o respetivo valor. No exercício de 2009, o contribuinte utilizou os terminais a seguir identificados:

Banco ... - 429039, 459469, 459470 (até final de Março de 2009), substituídos por 485847,485850 e 485851; ...: 471107; ...: 350640 e 423240. Os valores apurados por estas operações encontram-se explanados nos quadros que constituem o anexo 1 do presente relatório.

Sabendo-se, comprovadamente, que não foram contabilizadas as receitas arrecadadas por multibanco e transferência direta em conta, aos proveitos diários registados na folha de caixa adicionaram-se os montantes apurados nas operações anteriormente referidas.

Nos quadros que a seguir se apresentam demonstram-se, individualizando por mês, os valores inscritos nas folhas de caixa elaboradas pelo sujeito passivo, os apurados através das listagens de TPA's (valores acumulados dos vários terminais), a receita acrescida por não ter sido contabilizada como proveitos (transferências bancárias) e, por último, as receitas mensais/trimestrais contabilizadas e as corrigidas pela A.T..
“Quadros no original”

(…)

m) Do anexo 2 ao relatório de inspecção, constam cópias das folhas de caixa, que se dão por reproduzidas, e onde além do mais se encontram os seguintes elementos (cfr. anexo de fls. 225 a 290 do PAT):









“Imagem no original”

(…)
n) Encontra-se anexo ao relatório de inspecção, o Anexo 3 – “Prova documental das receitas não contabilizadas”, que se dá por reproduzido (cfr. anexo de fls. 291 a 201 do PAT);
o) Encontra-se anexo ao relatório de inspecção, o Anexo 4 – “Cópia de documentos bancários – Listagem de fecho dos TPA’s”, que se dá por reproduzido (cfr. anexo de fls. 302 a 379 do PAT);
p) Encontra-se anexo ao relatório de inspecção, o Anexo 5 – “Cópia de extractos bancários – mensais”, que se dá por reproduzido (cfr. anexo de fls. 380 a 462 do PAT);
q) Encontra-se anexo ao relatório de inspecção, o Anexo 9 – “Cópia do dossier fiscal”, que se dá por reproduzido (cfr. anexo de fls. 463 a 526 do PAT);
r) A 28/11/2013 foi emitida a liquidação n.º20138310014527 (cfr. demonstração de liquidação, de fls. 530 do PAT);
s) Foi remetida à impugnante, demonstração e liquidação de IRC, onde se lê:

“imagem no original”

t) A 30/11/2013 foram emitidas as liquidações de IVA, relativas a todos os trimestres do ano de 2009, nos montantes de 19.734,02, de 24.926,03euros, de 26.009,34euros e de 31.432,46euros (cfr. documentos de fls. 551 do PAT);
u) A 10/12/2013 foram emitidas as notificações das liquidações identificadas na alínea anterior, cujo conteúdo se dá por reproduzido (cfr. documento de fls. 541 a 547 do PAT);

v) Na mesma data foram emitidas as notificações relativas às liquidações de juros compensatórios, onde se lê (cfr. documentos de fls. 532 a 539 do PAT):
“imagens no original”
*

Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.

*

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Constitui princípio elementar em matéria processual, o de que o tribunal de recurso deve conhecer de todas as questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto de decisão no tribunal recorrido, sejam submetidos à sua apreciação, isto é, constituam objecto de impugnação, a qual se encontra delimitada pelas conclusões da motivação do recurso.

Tal princípio, como a jurisprudência o tem vindo a salientar, comporta, porém, uma ampliação e uma restrição; a ampliação verifica-se perante questões de conhecimento oficioso, que a lei impõe sejam sempre conhecidas pelo tribunal de recurso independentemente de terem sido invocadas; a restrição é a que resulta dos poderes de cognição do tribunal de recurso.

Assim delimitado o âmbito do recurso, pelas conclusões da motivação constata-se que a Recorrente invoca como questão central do recurso a dispensa de produção da prova testemunhal requerida na douta P.I., o que, a seu ver, consubstancia violação do disposto no art.º113.º, n.º1, do CPPT, bem como do direito à prova acolhido no art.º20.º, n.º4 da CRP, sendo que, por outro lado, a recusa de inquirição das testemunhas arroladas na P.I. redundou num prejuízo para a sua defesa uma vez que não permitiu a demonstração de factos (que indica, vd. Conclusão c) e ponto 6 das alegações) essenciais à boa decisão da causa.
Vejamos.

Mostram os autos que por despacho de 29/08/2016 (a fls.117), foram as partes notificadas para «vir aos autos esclarecer, por referência aos respectivos articulados, a que factos concretos pretendem que sejam inquiridas as testemunhas arroladas, sendo certo que, em tal esclarecimento, deverá ter tido em conta os factos que (apenas) dependem de prova testemunhal».

A Recorrente, como consta de fls.121, respondeu nos seguintes termos: «Os factos em relação aos quais a impugnante pretende fazer prova testemunhal são os constantes de artigos 21.º, 29.º, 42.º, 43.º e 44.º da P.I.».

Foi exarado a fls.126 despacho do seguinte teor: «Analisados os articulados de cada parte e em concreto os artigos indicados pelas mesmas, verifico que os mesmos não contêm factos controvertidos carecidos de prova, mas sim meras conclusões ou matéria de Direito. Julgo assim desnecessária a prova testemunhal requerida».

Este despacho, a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas, notificado às partes, não foi objecto de impugnação por via do recurso deferido, previsto no art.º285.º do CPPT.

Como de há muito o tem vindo a entender o STA, «o juiz, ao abrigo do disposto artº114º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pode proferir despacho a dispensar, por desnecessária, a inquirição de testemunhas arroladas, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação. E de tal despacho pode ser interposto recurso, o qual, nos termos do nº1 do artigo 285º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final” - vd. Acórdão do STA, de 06/11/2008, proferido no proc.º0436/08.

Pois bem, não tendo a Recorrente interposto recurso do despacho a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas na P.I. conformou-se com os fundamentos da decisão. Tal despacho faz caso julgado formal – art.º620.º do CPC, ex vi do 2.º alínea e), do CPPT

Todavia, tal não a impede de, em sede de recurso da decisão final, vir invocar, com relação a esta, vício de nulidade ou erro de julgamento de facto e/ou de direito, a demandar a ampliação da base instrutória ou a alteração/modificação da decisão de facto – sem prejuízo dos poderes que ao tribunal de apelação estão conferidos, mesmo impostos (art.º662.º, n.1, do CPC), na modificação da matéria de facto – para que se mostre, afinal, relevante a produção da prova requerida, caso em que a decisão final deverá ser anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal recorrido para suprir o défice instrutório.

A Recorrente, sem concretizar embora qualquer erro de julgamento, indica os pontos de facto que visa demonstrar com recurso à prova testemunhal arrolada e que são, conforme n.º6 da motivação para que remete a alínea c) das conclusões:
a) Quanto ao primeiro argumento da AT o anexo 2 referido por aquela não prova nada do que esta alega e que legitimem as correcções efectuadas pois que tal anexo é composto pelas folhas de caixa e logo a fls. 64 consta um documento do qual resulta quer o registo do pagamento em numerário quer por multibanco (€ 37,80 mais concretamente);
b) E dos demais também não se retira o sustentado pela AT na certeza, também, que as folhas do diário de caixa cedem perante os outros documentos agregues, no referido anexo 2, a cada folha de caixa pois são aqueles que consituem o documento base do movimento de caixa, sendo, assim, o elemento comprovativo do pagamento de determinada quantia.
c) A Recorrente tinha registadas as operações nos referidos documentos, nada tendo omitido, e não será, certamente, qualquer lapso na folha do caixa que toldará ou afectará tal situação;
d) Do anexo 5 do Relatório Inspectivo consta que houve pagamentos efectuados através de TPA mas não consta, e logo não se demonstra, que os pagamentos assim efectuados não tivessem sido devidamente declarados pela Recorrente;
e) A AT chega a considerar como omissão de proveitos referentes a reservas e sinais um depósito efectuado de e 3.190, constante de fls. 132 – anexo 3 - do Projecto do Relatório, documento esse que nada revela em relação à origem daqueles fundos e que, por isso mesmo, não permite a abusiva conclusão a que a AT chegou;
f) Todos os valores referentes a sinal e reservas que a Impugnante recebeu foram integrados nas respectivas facturas emitidas e declaradas por esta pelo que não ocorreu qualquer omissão de proveitos;
g) Os valores constantes dos TPA tinham documento contabilístico de suporte/lançamento e não é o facto de não constarem do diário do caixa que permitem levar à conclusão a que a AT chegou pois que o relevante é o documento de suporte lançado ou não que o mesmo seja para o diário do caixa;
h) Os documentos de suporte do registo na folha do caixa existiam já anteriormente, e foram devidamente declarados, pelo que absurdo é estar a somar 2 (duas) vezes a mesma coisa;
i) Assim como os recibos emitidos pela Impugnante englobavam os pagamentos por TPA e por numerário e assim sendo, como o era, tais facturas e recibos foram integralmente englobadas nas declarações fiscais da Recorrente pelo que, aceitando-se o itinerário da AT, estar-se-ia a acrescentar aos rendimentos da Recorrente outros meramente virtuais.

Do que se apreende do elenco dos factos transcritos (expurgados os segmentos meramente conclusivos) é que a Recorrente visaria demonstrar que os recebimentos por TPA que não constavam das folhas de caixa estariam afinal lançados noutros documentos de suporte contabilístico.

Ora, não obstante ao princípio da admissibilidade dos meios gerais de prova em processo tributário, plasmado no art.º115.º do CPPT, aquela prova não se alcança através de testemunhas, mas sim, através de documentação que permitisse, por um lado, conciliar os valores lançados nesses ditos outros documentos de suporte com os valores de fecho dos terminais bancários de pagamento automático e as declarações de proveitos facturados no período considerado e, por outro, que as facturas e recibos que estão na base dos proveitos declarados (e corrigidos pela AT) já reflectem os valores recebidos através dos TPA.

Ou seja, não resulta evidência da necessidade da prova testemunhal à demonstração dos factos controvertidos.

Por outro lado, sabendo-se que os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida devem conclusões das alegações recursórias especificar os fundamentos por que se discorda da decisão recorrida (no caso, a sentença) e pelos quais se pretende se elimine da ordem jurídica o que nela ficou decidido.

Analisadas as alegações e as conclusões, logo salta à evidência que a Recorrente não ataca a sentença recorrida, já que em parte alguma se invoca com relação a ela, qualquer nulidade ou erro de julgamento, de facto ou de direito.

No fundo, o que dizemos é que não deve a Recorrente, no recurso da decisão final, limitar-se a alegar, como fez, que a prova testemunhal requerida na P.I. se mostra relevante para a boa decisão da causa, pois como se viu, este tribunal entendeu-o diferentemente.

O que a Recorrente pode e deve é atacar os fundamentos factuais ou jurídicos da sentença, especificando em que parte ou segmento da decisão se objectivou a nulidade ou o erro de julgamento que imputa à sentença.

Sem prejuízo, já o dissemos, de o próprio tribunal ad quem ordenar, mesmo oficiosamente, a produção da prova requerida e/ou, eventualmente até de outra, se ajuizar necessária e relevante para apreciação das questões (não argumentos ou razões, note-se) suscitadas no recurso ou de conhecimento oficioso.

O objecto do recurso jurisdicional é constituído pelo pedido nele deduzido e pelos fundamentos, de facto e de direito, pelos quais o recorrente pretende a alteração da decisão recorrida.

Se nem das alegações, nem das conclusões (art.º639.º do CPC), se apreende qualquer discordância com os fundamentos factuais e jurídicos da sentença a não ser a alegação de que a postergação da prova testemunhal não permitiu a demonstração de factos alegados na P.I. [mas que este tribunal entendeu inadequada à demonstração dos pontos indicados pela Recorrente] mas sem especificar em que medida tal vicia a sentença de nulidade e/ou erro de julgamento, o recurso está votado ao insucesso.

É que só no caso de se entender, em vista do alegado pela Recorrente, que a sentença recorrida não formava, no domínio dos factos, suporte suficiente à decisão de direito se imporia a este tribunal declarar a necessidade de realização da inquirição das testemunhas arroladas.

Cumpre, por fim, referir, que sendo certo que o direito à prova está constitucionalmente consagrado e decorre do próprio princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal direito exerce-se no quadro das regras processuais aplicáveis e no respeito por outros princípios processuais como o da celeridade, da economia e da proibição de actos inúteis, como seria o caso de se ordenar a produção de prova que o Mmo. juiz, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação, julgou desnecessária em vista da matéria controvertida.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018



_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Jorge Cortês




________________________________
Cristina Flora