Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 09353/12 |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 01/24/2013 |
Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
Descritores: | ARTIGO 6º, NºS 3 E 4 DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS, REDUÇÃO DA TAXA DE JUSTIÇA INICIAL, MEIOS ELETRÓNICOS. |
Sumário: | I. Prevê-se no nº 3 do artº 6º do RCP que, nos processos em que o recurso aos meios eletrónicos não seja obrigatório, como no caso em presença, a taxa de justiça é reduzida a 90% do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios eletrónicos disponíveis. II. Determina o nº 4 do artº 6º do RCP que a parte que liquidou inicialmente 90% da taxa de justiça, perde o direito à redução, ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça. III. Não configura o âmbito da factie species do nº 4 do artº 6º do RCP a parte que apresentou a sua contestação através do SITAF, embora tenha posteriormente apresentado o mesmo articulado, através de correio postal. IV. No caso dos autos está em causa a apresentação não de articulado diferente, mas do mesmo articulado, pelo que, não se subsume o caso em presença ao disposto na lei, no nº 4 do artº 6º do RCP, pois não se vislumbram existir razões ponderosas que determinem que não se mantenham as finalidades prescritas na lei, ao pretender incentivar o uso dos meios eletrónicos. V. Caso diferente seria o caso de a parte apresentar certo articulado através de meios eletrónicos e depois apresentar outro articulado através de outro meio, caso em que a parte estaria a repudiar à utilização dos meios eletrónicos, deixando de existir razões para poder beneficiar da redução da taxa de justiça. VI. Por o caso em presença configurar uma irregularidade, deveria ter sido mandada desentranhar a contestação apresentada através de correio postal, ao invés da aplicação do regime previsto no disposto no nº 4 do artº 6º do RCP. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO O Município de P..........., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datado de 23/01/2012 que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada por Águas ............, SA, considerou que tendo o réu apresentado contestação via SITAF e posteriormente enviado os respetivos originais por correio registado, não tendo dado cumprimento ao previsto no artº 6º, nº 4 do RCP, na redação dada pelo D.L. nº 52/2011, de 13/04, considera-se em falta no que se refere ao pagamento da taxa de justiça inicial, determinando a aplicação do regime previsto no artº 486º-A nº 3, do CPC, ex vi artº 23º do CPTA. Formula o recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem (cfr. fls. 1 e segs. do processo físico): “a) A contestação foi enviada pelo SITAF, dando cumprimento ao disposto do nº 4 do artº 6º do RCP, pelo que o pagamento da taxa de justiça foi integralmente pago. b) A norma prevista no nº 4 do artº 6º do RCP refere-se, apenas, à situação de um ato ser praticado no processo por meio distinto do eletrónico e não, como acontece nos presentes autos, a repetição de um ato praticado por dois meios distintos, sendo que o primeiro deu cumprimento a exigência legal por via eletrónica. c) O segundo ato praticado por correio postal considera-se ser desnecessário e até inútil pelo que a consequência não pode ser aquela que foi prestada pelo Tribunal a quo, de não ter sido praticado por via eletrónica e consequentemente existir falta do pagamento da taxa de justiça inicial, mas, apenas, deveria ter como consequência o desentranhamento do articulado enviado pelo correio. d) A douta decisão viola o disposto no nº 4 do artº 6º da RCP”. Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida. * Não foram apresentadas contra-alegações. * O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e que a decisão impugnada deve ser revogada (cfr. fls. 29-30). Sustenta que tendo o recorrente apresentado todas as peças processuais através dos meios eletrónicos disponíveis, o facto de ir ao processo repetir a entrega da contestação, agora em papel, apenas sujeita que seja desentranhada a contestação em papel e não o estatuído no nº 3 do artº 486º-A do CPC. Uma vez que a taxa de justiça já havia sido paga com a apresentação da contestação pelo SITAF, não estamos perante um pagamento omitido, mas sim perante um pagamento cumprido. * Notificadas as partes, nenhuma se pronunciou sobre o parecer emitido. * Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA. A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação do nº 4 do artº 6º do Regulamento das Custas Processuais.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO Com relevo para a decisão a proferir, dão-se como assentes os seguintes factos: “A) Em 23/01/2012, foi proferido o seguinte despacho: “I – O Réu apresentou a contestação via SITAF tendo, posteriormente, enviado os respetivos originais por correio registado. No entanto, fazendo-o não deu cumprimento ao previsto no nº 4 do artº 6º do RCP, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 52/2011, de 13 de abril. II – Posto isto, nos termos da norma citada, a parte considera-se em falta no que se refere ao pagamento da taxa de justiça inicial, o que determina a aplicação do regime previsto no nº 3 do artº 486º-A nº 3, do CPC, ex vi artº 23º do CPTA.” – cfr. fls. 3 dos autos; B) Por ofício datado de 24/01/2012 o mandatário do recorrente foi notificado do seguinte: “Assunto: Notificação – artº 486º-A nº 3 do CPC e artº 6º nº 4 do RCP Fica V. Exa., devidamente notificado, na qualidade de Mandatário do réu, relativamente ao processo supra identificado para, no prazo de 10 (dez) dias efetuar o pagamento da redução (10%), da qual beneficiou, por entrega de uma peça processual em papel (artº 6º, nº 3 e 4 do RCP, alteração introduzida pelo D.L. 52/2011 de 13/04) do qual perdeu o direito aquando do envio de Requerimento e documentos, via correio. Fica ainda notificado para o pagamento de multa, cuja guia aqui se junta, no prazo nela indicado – artº 486º-A nº 3 do CPC. A autoliquidar: O montante da redução da qual beneficiou (10% da taxa de justiça) Multa: 510,00 € - artº 486º-A nº 3 CPC (não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC). Junta-se cópia do despacho.” – cfr. fls. 9 dos autos;
DO DIREITO Considerada a factualidade dada por assente, importa entrar na análise do fundamento do recurso jurisdicional interposto pelo recorrente.
Erro de julgamento de direito, por violação do nº 4 do artº 6º do Regulamento das Custas Processuais No presente recurso jurisdicional vem o Município de P........... reagir contra o despacho, ora recorrido, que julgou que tendo o réu apresentado contestação via SITAF e posteriormente enviado os respetivos originais por correio registado, não tendo dado cumprimento ao previsto no artº 6º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redação dada pelo D.L. nº 52/2011, de 13/04, considera-se que está em falta no que se refere ao pagamento da taxa de justiça inicial, determinando a aplicação do regime previsto no artº 486º-A nº 3, do CPC, ex vi artº 23º do CPTA. Nos termos da factualidade assente resulta que tendo sido proferido o despacho ora recorrido, em seu cumprimento foi expedida a notificação a que se refere a alínea B) do probatório, nos termos da qual o ora recorrente foi notificado para autoliquidar o montante da redução da taxa de justiça da qual beneficiou, de 10% e ainda para proceder ao pagamento da multa, no valor de € 510,00 €, nos termos da guia que foi remetida. Considerando a matéria que foi dada por assente, é pois possível extrair que o recorrente apresentou a sua contestação através da aplicação informática que vigora no âmbito dos Tribunais Administrativos, o SITAF, beneficiando por esse facto da redução de 10% do valor da taxa de justiça devida e que pelo recorrente foi liquidada. Depois disso, o ora recorrente veio a apresentar esse mesmo articulado através de correio postal. Nos termos do despacho ora impugnado foi decidido que tendo sido entregue articulado por correio registado, a parte não deu cumprimento ao previsto no nº 4 do artº 6º do RCP, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 52/2011, de 13 de abril, pelo que se considera que está em falta no que se refere ao pagamento da taxa de justiça inicial, implicando a aplicação do regime previsto no nº 3 do artº 486º-A nº 3, do CPC, ex vi artº 23º do CPTA. A questão decidenda respeita a saber se o caso configurado em juízo preenche o âmbito da factie species do nº 4 do artº 6º do RCP. Vejamos. Os processos judiciais estão sujeitos a custas – artº 1º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais. As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, nos termos do artº 447º, nº 1 do CPC e do artº 3º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o Regulamento das Custas Processuais, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da Tabela I-A, que faz parte integrante do Regulamento – cfr. artº 447º nº 2 do CPC e artº 6º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais. O artº 1º do D.L. nº 52/2011, de 13/04 procedeu à alteração, de entre outros preceitos, do artº 6º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo D.L. n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação nº 22/2008, de 24/04, alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27/08, pelo D.L. n.º 181/2008, de 28/08, e pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31/12, e 3-B/2010, de 28/04 (e posteriormente, pela Lei nº 07/2012, de 13/02), o qual passa a adotar a seguinte redação: “Artigo 6º Regras gerais (…) 3 – Nos processos em que o recurso aos meios eletrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios eletrónicos disponíveis. 4 – Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça. (…)”. Em face da redação desse preceito é de entender, tal como alegado pelo recorrente, que enferma o despacho recorrido de erro de julgamento de direito. Prevê-se no nº 3 do artº 6º do RCP que, nos processos em que o recurso aos meios eletrónicos não seja obrigatório, como no caso em presença, a taxa de justiça é reduzida a 90% do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios eletrónicos disponíveis. Nos autos, o ora recorrente admite que beneficiou dessa redução, liquidando apenas 90% da taxa de justiça devida, ao apresentar a sua contestação através do SITAF. Porém, após a apresentação da contestação através de meios eletrónicos, veio a parte apresentar o mesmo articulado, através de correio postal. Determina o nº 4 do artº 6º do RCP que a parte que liquidou inicialmente 90% da taxa de justiça, perde o direito à redução, ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça. Tendo o ora recorrente, posteriormente à apresentação da contestação através do SITAF, procedido à apresentação desse mesmo articulado através de correio postal, decidiu-se no despacho recorrido que se verificavam os pressupostos de aplicação do disposto no nº 4 do artº 6º do RCP. Contudo, assim não deve ser entendido, não obstante corresponder esse entendimento ao sentido literal da norma jurídica. No caso dos autos está em causa a apresentação não de articulado diferente, mas do mesmo articulado, pelo que, não deve subsumir-se o caso em presença ao disposto na lei, no nº 4 do artº 6º do RCP. Considerando que não está em causa a apresentação de articulado diferente, não é de subsumir a situação configurada ao âmbito da factie species do nº 4 do artº 6º do RCP, que determina a perda do direito à redução e a obrigatoriedade de pagar o seu respetivo valor no momento em que entregar uma peça processual em papel. No caso trazido a juízo existe a apresentação do mesmo articulado em dois momentos distintos, tendo o apresentante utilizado em primeiro lugar os meios eletrónicos, pelo que, não se vislumbram existir razões ponderosas que determinem que não se mantenham as finalidades prescritas na lei, ao pretender incentivar o uso dos meios eletrónicos. Caso diferente seria o caso de a parte apresentar certo articulado através de meios eletrónicos e depois apresentar outro articulado através de outro meio, caso em que seria de considerar que a parte estaria a repudiar à utilização dos meios eletrónicos, deixando nesse caso de existir razões para poder beneficiar da redução da taxa de justiça nos termos legalmente previstos. No caso em presença, configura uma irregularidade a apresentação através de correio postal da contestação já anteriormente enviada através de meios eletrónicos, pelo que, deveria a mesma ter sido mandada desentranhar, ao invés da aplicação do regime previsto no disposto no nº 4 do artº 6º do RCP. Pelo exposto, procede o erro de julgamento imputado ao despacho recorrido, por errada interpretação e aplicação do disposto no nº 4 do artº 6º do RCP. *** Pelo exposto, procederá o recurso que se nos mostra dirigido, por provado o seu respetivo fundamento. * Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. Prevê-se no nº 3 do artº 6º do RCP que, nos processos em que o recurso aos meios eletrónicos não seja obrigatório, como no caso em presença, a taxa de justiça é reduzida a 90% do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios eletrónicos disponíveis. II. Determina o nº 4 do artº 6º do RCP que a parte que liquidou inicialmente 90% da taxa de justiça, perde o direito à redução, ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça. III. Não configura o âmbito da factie species do nº 4 do artº 6º do RCP a parte que apresentou a sua contestação através do SITAF, embora tenha posteriormente apresentado o mesmo articulado, através de correio postal. IV. No caso dos autos está em causa a apresentação não de articulado diferente, mas do mesmo articulado, pelo que, não se subsume o caso em presença ao disposto na lei, no nº 4 do artº 6º do RCP, pois não se vislumbram razões ponderosas que determinem que não se mantenham as finalidades prescritas na lei, ao pretender incentivar o uso dos meios eletrónicos. V. Caso diferente seria o caso de a parte apresentar certo articulado através de meios eletrónicos e depois apresentar outro articulado através de outro meio, caso em que a parte estaria a repudiar à utilização dos meios eletrónicos, deixando de existir razões para poder beneficiar da redução da taxa de justiça. VI. Por o caso em presença configurar uma irregularidade, deveria ter sido mandada desentranhar a contestação apresentada através de correio postal, ao invés da aplicação do regime previsto no disposto no nº 4 do artº 6º do RCP. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido. Sem custas. (Ana Celeste Carvalho - Relatora) (Maria Cristina Gallego Santos) (António Paulo Vasconcelos) |