Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:333/17.7BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/19/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REJEIÇÃO LIMINAR
INTERPRETAÇÃO DA P.I.
CASA MORADA DE FAMÍLIA
Sumário:I. Na interpretação da petição inicial não se pode adoptar um rigor formalista que constitua um entrave ao acesso ao direito, devendo o juiz pautar-se pelas regras processuais vigentes, mas nunca perdendo de vista o princípio da tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4 da CRP;
II. A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância, constituindo nulidade insanável do processo judicial tributário, de conhecimento oficioso e tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo (artigo 98.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e 3 do CPPT, e artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil);
III. A petição inicial é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (art. 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC), não bastando a mera irregularidade ou insuficiência do alegado, podendo, neste último caso, ser formulado convite nos termos do art. 590.º, n.º 4 do CPC para o suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

V... – Serviços Médicos, Lda vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, com o fundamento na ineptidão da petição inicial, rejeitou liminarmente a reclamação judicial que intentara, enquanto executada, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., que designou data para a venda judicial do bem imóvel penhorado no âmbito do processo de execução fiscal nº ....

A Recorrente, V... – Serviços Médicos, Lda, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«1. Em 14-06-2017, a ora reclamante apresentou reclamação do acto de órgão de execução fiscal, que designou a abertura de propostas da venda do imóvel de dois quintos indivisos do prédio urbano, sito em ....

2. Tendo o tribunal "a quo" por sentença datada de 27-06-2017 declarado a ineptidão da petição inicial apresentada pela Reclamante por ininteligibilidade da causa de pedir e contradição entre esta e o pedido.

3. A Reclamante ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto a petição inicial não pode ser julgada ininteligível, nem tão pouco se verifica contradição entre o pedido e a causa de pedir.

4. Contrariamente ao entendimento da sentença recorrida a Reclamante especifica que é proprietária de dois quintos do prédio em apreço e que a sua sócia-gerente M... é proprietária do restante, sendo aí que esta reside, que esta tem a sua morada fiscal, sendo essa a sua casa de morada de família.

5. Constituindo o pedido a suspensão da venda n°1082-2017-60.

6. Por outro lado, sempre se dirá que andou mal o tribunal "a quo" ao julgar a presente petição inepta, pois não estamos perante nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 186° do Código de Processo Civil.

7. Sendo certo que o artigo 186°, n°3 do Código de Processo Civil consagra que: "Se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.".

8. Resulta, desde logo, que o Reclamado não foi citado, nem por conseguinte não apresentou contestação, não sendo possível aferir se este interpretou ou não convenientemente a petição inicial, e bem assim o pedido e a causa de pedir.

9. Com a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis, [cfr. Direito Processual Civil Declaratório", vol. II, pág. 219].

10. A sentença recorrida considera, em primeiro lugar, que a acção enferma o vício da ininteligibilidade da causa de pedir, por a petição inicial se apresentar em termos ambíguos ou obscuros, não permitindo averiguar os fundamentos do pedido, o que não se concorda, pois embora se admita que a petição inicial possa apresentar algumas deficiências, certo é que a causa de pedir é bastante clara e encontra-se bastante perceptível.

11. Não sendo de todo a causa de pedir contraditória com o pedido.

12. Veja-se a este propósito aquele que tem vindo a ser o entendimento da nossa jurisprudência, nomeadamente do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo: 2281/11.5TBGMR.G1, datado de 24-04-2012, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo:666/07.OTYLSB.L1-2, datado de: 30-06-2011, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo:24944/10.2T2SNT.Ll-6, datado 27-09-2012, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 5582/11.9TBBRG.G1, datado de 26-06-2012 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 0230401, datado de 14-03-2002.

13. Embora se aceite que a petição inicial possa apresentar algumas deficiências esta apenas poderia implicar a improcedência da acção, mas não a ineptidão da petição inicial apresentada,

14. Um dos princípios consagrados no Código de Processo Civil é o princípio da cooperação (artigo 7°), seguindo a lição de Miguel Teixeira de Sousa [Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 65 e segs.], existe um dever de cooperação das partes com o tribunal, mas também há um idêntico dever de colaboração deste órgão com aquelas.

15. Este dever (trata-se, na realidade, de um poder-dever ou dever funcional) desdobra-se, para esse órgão, em quatro poderes deveres essenciais: dever de esclarecimento; dever de prevenção; dever de consulta das partes e dever de as auxiliar na remoção de dificuldades.

16. O que agora nos interessa é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o tribunal prevenir as partes sobre as eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos.

17. Este dever de prevenção tem várias consagrações legais específicas, entre elas, o convite às partes para aperfeiçoarem os seus articulados - artigo 590°, n°4 do Código de Processo Civil, o que não sucedeu no caso em apreço.

18. Assim, entende-se que a Reclamante deve ser convidada, nos termos do artigo 590°, n°4 do Código de Processo Civil, a suprir as insuficiências quanto à concretização da matéria de facto acima referidas e a expor os factos e os pedidos de forma mais clara.

19. A sentença recorrida ao declarar inepta a petição inicial violou o disposto no artigo 186°, n°2, alínea a) do Código de Processo Civil porquanto dos autos não resulta, nem se verifica ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, nem tão pouco há contradição entre ambos.

20. Bem como o n°3 do artigo 186° do Código de Processo Civil dado que não resulta dos autos qualquer contestação.

21. A sentença recorrida viola ainda o princípio da cooperação disposto no artigo 7° e o artigo 590°, n°4 ambos do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal "a quo" ao abrigo daquilo que é o princípio da cooperação não convidou a parte a suprir as deficiências e/ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

22. Devendo ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, concedendo-se prazo para a Reclamante aperfeiçoar a sua petição inicial, seguindo os autos os seus termos ulteriores.

Sem prescindir,

23. Ao rejeitar a petição inicial por inaptidão a douta decisão recorrida não interpretou o disposto no artigo 144° do CPPT.

24. Preceito legal que deverá ser interpretado no sentido de existindo compropriedade de um imóvel de uma sociedade comercial com um particular, decai a suspensão da venda.

25. Tal interpretação viola a ratio essendi que residiu à elaboração da mesma, devendo considerar-se que seja qual regime de propriedade que o detentor tiver desde que seja a casa de morada de família não pode ser o mesmo vendido.

26. A douta decisão não foi fundamentada nem de facto nem de direito violando assim o previsto no artigo 154° do CPC.

27. Estando cominada tal falta de fundamentação com a nulidade prevista no artigo 615° do CPC.

28. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência deverá a sentença recorrida ser revogada.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar a douta sentença recorrida, concedendo-se prazo para a Reclamante aperfeiçoar a sua petição inicial, seguindo os autos os seus ulteriores termos, assim se fazendo Justiça!»

****

Não foram apresentadas contra-alegações.
****
Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
****

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

****
As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ Erro de julgamento de facto e de direito, porquanto a p.i. não é ininteligível, nem se verifica contradição entre a causa de pedir e o pedido, violando-se o disposto no art. 186.º, n.º 2 alínea a) do CPC, devendo a Reclamante ser convidada, nos termos do art. 590.º, n.º 4 do Código de Processo Civil a suprir as deficiências quanto à concretização da matéria de facto, expondo os factos e o pedido de forma mais clara (conclusões 1 a 22);
_ Erro de julgamento de direito na interpretação do art. 244.º do CPPT (pese embora na conclusão 23 se refira ao art. 144.º do CPPT, tal constitui manifesto lapso, que ora se corrige, pois se quis dizer 244.º do CPPT - conclusão 23 a 25) e nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito nos termos do art. 615.º do CPC, porquanto a decisão ao indeferir liminarmente não se pronunciou sobre aquela questão (conclusões 26 a 28).

II. FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«I
V... - SERVIÇOS MÉDICOS, LDA., com o número de identificação fiscal ... e domicílio na Rua ... - Edifício ..., 1.° direito, em Loulé, vem reclamar do acto do órgão da Execução Fiscal n°... que designou o dia 24 de Agosto de 2017 para a abertura das propostas relativas à venda n°1082-2017.60.
Alega no artigo 3° da Petição que "o bem penhorado e que poderá ser adjudicado trata-se da casa de morada de família de M...".
Já no artigo 4° do mesmo articulado refere que o bem apreendido "é habitação própria permanente da aqui Reclamante", reafirmando no artigo 7° que se encontra especialmente protegido o "imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim".
E na conclusão 3 volta a referir que "o bem penhorado e que poderá ser adjudicado é a casa de morada de família de M...".
Enquanto no pedido insiste que pretende a suspensão da venda "relativa à casa de morada de família da ora Reclamante".
II
Nos termos do artigo 186°, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil, diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
A Reclamante alega indistintamente que o bem penhorado ora é casa de morada de família de M..., ora sua.
Mal se compreendendo, por um lado, como é que uma sociedade por quotas possa constituir família, nem, por outro, a legitimidade activa da Reclamante no caso de lá residir a referida M....
Não é, pois, possível compreender, face às contraditórias causas de pedir apresentadas, quais os factos que fundam a pretensão da Reclamante.
Impondo-se rejeitar a Petição, dada a sua ineptidão.
III.
Termos em que se rejeita a Reclamação por ineptidão da Petição Inicial (…)»
****
Com a fundamentação supra transcrita o Meritíssimo Juiz do TAF de Loulé rejeitou liminarmente a petição inicial (p.i.) por a considerar inepta, fundamentando a decisão, em síntese, no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil e por ser alegado indistintamente que o bem penhorado ora é casa de morada de família de M..., ora é casa morada de família da Reclamante, “não sendo possível compreender, face às contraditórias causas de pedir apresentadas, quais os factos que fundam a pretensão da Reclamante.”
Vejamos.
Invoca a Recorrente nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e de direito nos termos do art. 615.º do CPC, porquanto a decisão ao indeferir liminarmente não se pronunciou sobre aquela questão (conclusões 23 a 28) e erro de julgamento de direito na interpretação do art. 244.º do CPPT (pese embora na conclusão 23 se refira ao art. 144.º do CPPT, tal constitui manifesto lapso, que ora se corrige, pois se quis dizer 244.º do CPPT - conclusão 23 a 25).
Porém, é manifesto que não lhe assiste razão.
Com efeito, rejeitada liminarmente por ineptidão, como sucedeu no caso dos autos, o Meritíssimo juiz não se poderia pronunciar sobre o mérito da causa, tal como não se pronunciou, e bem, pois a ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa nos termos conjugados dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.
Neste contexto, não estamos perante uma situação de falta de fundamentação, mas tão-somente o não conhecimento do mérito da causa por se ter entendido que se verificava a ineptidão da p.i., e portanto, não se conheceu da questão da interpretação do art. 244.º do CPPT. Pela mesma razão, também não se verifica qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, uma vez que nada foi dito ou decidido acerca da questão jurídica que foi colocada pela Reclamante.
Em suma, improcedem as conclusões 23 a 28 das alegações de recurso.
Prosseguindo.
Invoca a Reclamante que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que a p.i. não é ininteligível como se entendeu, nem se verifica contradição entre a causa de pedir e o pedido, e nessa medida, violou-se o disposto no art. 186.º, n.º 2 alínea a) do CPC. Mais entende que deve ser convidada nos termos do art. 590.º, n.º 4 do Código de Processo Civil a suprir as deficiências quanto à concretização da matéria de facto, expondo os factos e o pedido de forma mais clara (conclusões 1 a 22).
Vejamos.
A ineptidão da petição inicial é uma nulidade insanável do processo judicial tributário, de conhecimento oficioso e tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo, tal como expressamente vem previsto no art. 98.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e 3 do CPPT.
Por outro lado, nos termos do art. 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC, a petição será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória, e assim sendo conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa, e à absolvição dos Réus da instância, sendo certo que tal excepção é de conhecimento oficioso pelo tribunal (cfr. artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil).
Por outro lado, importa ter presente que nos termos do art. 5.º, n.º 1 e art. 552.º, n.º 1, alínea d) do CPC às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, devendo constar da petição inicial os factos concretos e reais que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
Portanto, importa aferir se a petição inicial apresentada pela reclamante é inepta, ou seja, se falta ou é ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (não bastando a mera irregularidade ou deficiência), sendo certo que nesta tarefa não se poderá adoptar um rigor formalista que constitua um entrave ao acesso ao direito, ou seja, deve-se interpretar a petição inicial de acordo com as regras processuais vigentes, mas nunca perdendo de vista o princípio da tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4 da CRP.
Regressando ao caso dos autos, e interpretando a petição inicial da Reclamante de acordo com o supra enunciado, entendemos que não estamos perante uma situação de ininteligibilidade da causa de pedir como entendeu o Meritíssimo Juiz do TAF de Loulé, mas antes, perante uma situação em que a p.i. se encontra redigida de forma irregular e deficiente, podendo ser regularizada mediante a formulação de convite pelo juiz (cfr. 1.ª parte do n.º 5 do art. 98.º do CPPT e art. 590.º, n.º 4 do CPC, neste último dispõe-se: “Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.”).
Com efeito, a Reclamante, no artigo 3.° da p.i alega que "o bem penhorado e que poderá ser adjudicado trata-se da casa de morada de família de M..." e no artigo 4.° do mesmo articulado refere que o bem apreendido "é habitação própria permanente da aqui Reclamante" e no artigo 7° que se encontra especialmente protegido o "imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim".
Ora, pese embora tenha os factos tenham sido alegados com imprecisão, falta de clareza, verificando-se a necessidade de concretizar a matéria de facto alegada, ainda assim, não estamos perante ininteligibilidade da causa de pedir, pois considerando que a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge o direito do autor traduzindo-se num facto concreto tem de ser invocada na petição inicial, in casu, o facto alegado no art. 3.º de que o bem penhorado é casa morada de família de M..., integra claramente a causa de pedir, pois entende a reclamante que o bem penhorado não poderá ser adjudicado com base nesse facto e face ao disposto no art. 244.º do CPPT.
É claro que a Reclamante introduz alguma confusão ao afirmar no art. 4.º que o imóvel é habitação própria e permanente da Reclamante, porém, e ainda assim, não existe qualquer ineptidão da p.i. pois compreende-se que subjaz o entendimento de que o facto de o imóvel ser casa morada de família de M... (sócia e gerente da Reclamante, como resulta da procuração forense junta à p.i.) importa a aplicação, ao imóvel da Reclamante, do disposto no art. 244.º do CPPT.
É manifesto que deveria ter sido alegado a relação que existe entre M... e a Reclamante de forma a tornar explícito e claro o alegado no art. 4.º da p.i., mas trata-se de irregularidade e insuficiência na concretização dos factos, o que não importa a ineptidão da petição. Por outras palavras, verifica-se uma insuficiência na exposição e concretização da matéria de facto, relativamente às relações entre M... e a Reclamante, mas que poderá suprida mediante um convite nos termos do disposto no art. 590.º, n.º 4 do CPC.
Não existe qualquer contradição entre causas de pedir que torne inepta a petição, como entendeu o Meritíssimo Juiz do TAF de Loulé, desde logo porque apenas existe uma causa de pedir, o facto jurídico de que emerge o direito da Reclamante é a penhora da casa morada de família de M... (sócia gerente da Reclamante), que no entender da Reclamante (bem ou mal) preenche os pressupostos do art. 244.º, n.º 2 do CPPT.
Aliás, esta causa de pedir não é assim tão invulgar como poderá parecer à primeira vista, pois questão de fundo semelhante à dos presentes autos já foi objecto do acórdão do TCAS de 27/04/2017, proc. 0663/16.5BELLE, pela mesma Relatora do presente acórdão.

Em suma, a petição inicial não é inepta como foi decidido pelo Meritíssimo Juiz do TAF de Loulé, mas antes, deficiente e irregular, e nessa medida, atenta às normas processuais aplicáveis (art. 590.º, n.º 4 do CPC) e ao princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no n.º 4 do art. 268.º da CRP que deve presidir na interpretação da petição inicial, deve ser formulado convite à Reclamante para o suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido, e por conseguinte, o despacho de rejeição liminar deve ser revogado.

Sumário
I. Na interpretação da petição inicial não se pode adoptar um rigor formalista que constitua um entrave ao acesso ao direito, devendo o juiz pautar-se pelas regras processuais vigentes, mas nunca perdendo de vista o princípio da tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4 da CRP;
II. A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância, constituindo nulidade insanável do processo judicial tributário, de conhecimento oficioso e tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo (artigo 98.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e 3 do CPPT, e artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil);
III. A petição inicial é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (art. 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC), não bastando a mera irregularidade ou insuficiência do alegado, podendo, neste último caso, ser formulado convite nos termos do art. 590.º, n.º 4 do CPC para o suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e por conseguinte, revogando-se o despacho recorrido.
****
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 19 de Setembro de 2017.

____________________________

Cristina Flora

____________________________

Ana Pinhol

____________________________

Anabela Russo