Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1888/17.1BELRS
Secção:CT-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:PEDIDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES DA DÍVIDA
SEPARAÇÃO ENTRE O PEDIDO FORMULADO ANTES E APÓS A INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:1)A falta de pagamento de prestação no âmbito de plano de pagamentos autorizado ao abrigo do regime de cobrança do IRS e do IRC não preclude, só por si, o deferimento de pedido de pagamento da dívida em prestações, ou seja, em momento posterior à instauração da execução.
2)A ocorrência de incumprimento do plano de pagamento em prestações outorgado em momento anterior à instauração da execução para cobrança da dívida não contende com as faculdades que assistem ao executado, citado na execução para cobrança da mencionada dívida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 122/134, que julgou procedente a reclamação deduzida por T. R. T. contra a decisão de indeferimento do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3...
Nas alegações de recurso, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) A reclamante foi notificada do despacho que ora colocou em crise, em 29.05.2017, pelo que a partir dessa data dispunha de 10 dias para o atacar, sob pena do mesmo se tornar caso resolvido ou decidido.
2) Porém, a mesma apenas em 12.06.2017, deu entrada à presente reclamação, via carta registada, pelo que o prazo de 10 dias havia terminado em 08.06.2017, sendo a presente demanda intempestiva.
3) Neste seguimento, respeitosamente entendemos, que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a presente demanda mostra-se inquinada por caducidade do direito de acção, que se suscita expressamente, para todos os efeitos.
4) No tocante ao pedido de pagamento em prestações, a reclamante requereu um primitivo pedido de pagamento prestacional, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 492/88, de 30 de Dezembro, e apresentação da correspondente garantia, o qual foi aprovado.
5) Sucede, porém, que esta incumpriu o antedito plano prestacional, pelo que como consequência, levou a que nos termos do n.º do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 492/88, de 30 de 30 de Dezembro: “2-Verificada a falta de pagamento e instaurada a execução fiscal, será citada a entidade que prestou a garantia para no prazo de dez dias efectuar o pagamento da dívida ainda existente até ao montante da garantia prestada, sob pena de ser executada no próprio processo”.
6) Assim, considerar como faz o respeitoso tribunal a quo, que no âmbito da execução fiscal instaurada como consequência do incumprimento, pode lançar mão de novo pedido de pagamento em prestações, esvazia de conteúdo a norma do artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 492/88.
7) Até porque é o próprio tribunal a quo que, assertivamente, refere que “decorre do art.º 37.º, n.º 2 do citado diploma, que instaurada a execução fiscal, será citada a entidade que prestou a garantia para no prazo de dez dias efectuar o pagamento da dívida ainda existente até ao montante da garantia prestada, sob pena de ser executada no próprio processo, à semelhança do que se prevê no artigo 200.º, n.º 2, do CPPT, a propósito das consequências da falta de pagamento de prestações no âmbito da execução fiscal.
8) Ora, a ratio do art.º 200.º do CPPT, que o respeitoso tribunal a quo, faz um paralelismo com o n.º 2, do art.º 37.º do Decreto-Lei n.º 492/88, implica a perda do direito ao pagamento em prestações, com vencimento imediato das restantes e com a consequente exigência imediata das mesmas no processo de execução fiscal, não podendo aquele beneficiar, de novo, do regime de pagamento em prestações.
9) Veja-se, que, em situações cuja ratio, respeitosamente entendemos, tem alguma semelhança com o caso dos autos, o STA, no Acórdão n.º 01379/13, de 18.09.2013, sufragou que: «I- O pagamento em prestações apenas pode ser autorizado nos casos previstos na lei, pois consubstancia uma moratória, para efeitos do n.º 3 do artigo 85.º do CPPT. // II- De harmonia com o disposto nos art.º 200, n.º 1 e 189.º, n.º 6, do CPPT, a falta de pagamento de qualquer prestação implica a perda do direito ao pagamento em prestações, com vencimento imediato das restantes e com a consequente exigência imediata das mesmas no processo de execução fiscal. // III- Decorre, pois, destes normativos, que, uma vez excluído o executado do plano prestacional, o processo de execução fiscal prossegue os seus regulares termos, não podendo aquele beneficiar, de novo, do regime de pagamento em prestações, nomeadamente, da aplicação da nova redacção da alínea b), do n.º 3 do artigo 196.º do CPPT, introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, disposição esta que permite o pagamento da dívida exequenda em 24 prestações mensais».
10) Destarte, o quanto alegado se deixa reiterado, não fez o tribunal de primeira instância uma correcta apreciação dos factos, nem uma adequada e correcta aplicação da lei e do direito a esses factos, com clara repercussão negativa na posição processual e na esfera jurídica da Fazenda Pública.
11) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretações e aplicação do direito aos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.
Não há registo de contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando por que se negue provimento ao recurso (fls. 156/158).
X
II. Fundamentação
2.1. De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A) Ao abrigo do Decreto-Lei n° 492/88, de 30 de Dezembro, foi à reclamante autorizado o pagamento em prestações de dívida referente a IRS de 2014 (cfr. informação a fls. 6 e 16 dos autos).
B) O plano prestacional que antecede foi interrompido por incumprimento da reclamante (cfr. informação a fls. 6, 7 e 12 dos autos).
C) Em 30-03-2017, foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3..., com base na certidão de dívida n° 2017/6..., emitida em 30-03-2017, para cobrança de dívida de IRS referente ao ano de 2014, no montante de € 9.156,69 (cfr. autuação e certidão de dívida a fls. 1-A e 2 dos autos, respectivamente).
D) Em 13-04-2017, foi enviado à reclamante o ofício "citação postal", do qual consta, designadamente, o seguinte:
" (...) No prazo de 30 dias após a presente citação, deverá proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido. No mesmo prazo, poderá requerer a dação em pagamento, nos termos do artigo 201° do CPPT, ou deduzir oposição, com os fundamentos previstos no artigo 204° do CPPT. Até à marcação da venda dos bens penhorados poderá, ainda, requerer o pagamento em prestações, nos termos do artigo 196° do CPPT." (cfr. ofício a fls. 3 dos autos).
E) No âmbito do processo de execução fiscal identificado em C) que antecede, a reclamante dirigiu, em 07-05-2017, ao Chefe do Serviço de Finanças de V., requerimento para pagamento em 36 prestações (cfr. requerimento a fls. 4 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
F) Em 16-05-2017, foi elaborada pelo Serviço de Finanças de V. a seguinte informação:
"Aos 16/05/2017, junto aos autos o requerimento que antecede, no qual o(a) executado(a) solicita o pagamento da presente dívida em 36 prestações nos termos do art. 196° do CPPT. No âmbito da tramitação processual cumpre-me informar o seguinte:
- O(a) requerente possui legitimidade, na qualidade de executado.
- O pedido é tempestivo.
- A presente dívida respeita a IRS.
- Esta dívida integrou plano prestacional anterior em sede de IRS, com o n° 2016/8752, o qual foi interrompido por incumprimento.
- Tinha sido prestada garantia através de hipoteca.
- Nos termos do n° 2 do artigo 37° do Decreto-Lei n° 492/88, de 30 de Dezembro actualizado pela Lei n° 7-A/2016, de 30 de Março, verificada a falta de pagamento e instaurada a execução fiscal, será citada a entidade que prestou a garantia para no prazo de dez dias efectuar o pagamento da dívida ainda existente até ao montante da garantia prestada, sob pena de ser executada no próprio processo.
- Logo perante o disposto no citado artigo 37° no que se refere ao pagamento, conclui-se que não é permitido efectuar o pagamento em prestações, conforme requerido." (cfr. informação a fls. 12 dos autos).
G) Em 19-05-2017, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de V., despacho do qual se extrai o seguinte teor:
"Face à informação que antecede dos autos, considerando o n° 2 do artigo 37° do Decreto-Lei n° 492/88, de 30 de Dezembro actualizado pela Lei n° 7- A/2016, de 30 de Março, indefiro o presente pedido de pagamento em prestações." (cfr. despacho a fls. 13 dos autos).
H) Em 08-06-2017, no âmbito do processo executivo identificado em C) que antecede, foi penhorado o bem imóvel descrito na matriz predial urbana sob o artigo 1..., sito na R. J. A., n° .., União das freguesias de A. e S. (cfr. comunicação de penhora a fls. 31 dos autos).
X
Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se o seguinte:
Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado em cada um dos pontos do probatório.
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
12) Por meio do ofício n.º 3..., de 23.05.2017, recebido pela destinatária, em 31.05.2017, a recorrida foi notificada do teor do despacho referido em G) – fls. 14 e 30.
13) Em 12.06.2017, a presente petição inicial de reclamação foi remetida ao serviço de finanças de V. através de correio registado – fls. 77.
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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 122/134, que julgou procedente a reclamação deduzida por T. R. T. contra a decisão de indeferimento do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3...
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento por referência às questões seguintes:
1) Caducidade do direito de acção, dado que a presente reclamação judicial mostra-se intempestiva.
2) Errada apreciação dos factos e aplicação do direito, dado que o preceito do artigo 37.º/2, do Decreto-lei n.º 492/88, não permite outra solução que não seja o indeferimento do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda.
2.2.3. No que respeita à alegada caducidade do direito de acção, importa referir o seguinte.
O prazo de caducidade da acção de reclamação judicial dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal é de dez dias a contar da notificação ao interessado da decisão (artigo 277.º/1, do CPPT). O prazo conta-se nos termos do disposto nos artigos 138.º e 139.º do CPC, ex vi artigo 20.º/2, do CPPT) (1)

O despacho impugnado foi notificado à interessada, em 31.05.2017 (2) sendo 10.06.2017, sábado, o prazo termina em 12.06.2017. Nesta data, a petição inicial de reclamação foi remetida, por correio registado, ao Serviço de Finanças de V. (3) Pelo que a mesma mostra-se tempestiva. De onde se impõe concluir que a invocada excepção de caducidade da acção não se comprova nos autos.

Termos em que se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.4. A recorrente considera que a sentença incorreu em erro de julgamento, porquanto, perante o incumprimento de um plano de pagamento em prestações da dívida exequenda, o disposto no artigo 37.º/2, do Decreto-Lei n.º 492/88, de 30 de Dezembro, impede o deferimento de novo requerimento tendente ao pagamento em prestações da mencionada dívida exequenda.
Por seu turno, a sentença recorrida determinou a anulação do despacho impugnado, com base, em síntese, na argumentação seguinte:
«(…) nada resulta da lei, designadamente, do preceito ao abrigo do qual o órgão de execução fiscal sustenta a sua decisão, que permita concluir que o incumprimento de um plano de pagamento ao qual o contribuinte aderiu antes da instauração do processo de execução fiscal, determina a inaplicabilidade do disposto no art. 196° do CPPT após a instauração daquele.
Com efeito, o que resulta do art. 37° do Decreto-Lei n° 492/88, é a instauração do processo de execução fiscal quando se verifique a falta de pagamento de qualquer uma das prestações, para cobrança do valor em dívida, que se vence imediatamente.
Por seu turno, decorre do art. 37°, n° 2, do citado diploma, que instaurada a execução fiscal, será citada a entidade que prestou a garantia para no prazo de dez dias efectuar o pagamento da dívida ainda existente até ao montante da garantia prestada, sob pena de ser executada no próprio processo, à semelhança do que se prevê no art. 200°, n° 2, do CPPT, a propósito das consequências da falta de pagamento de prestações no âmbito da execução fiscal».
Segmento que é colocado sob censura por parte da presente intenção rescisória.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 492/88, de 30 de Dezembro, tem em vista regulamentar a cobrança e as formas de reembolso dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas. Para o efeito, é criada a possibilidade de uma gestão integrada da cobrança. (4)

Estatui o artigo 29.º, n.º 1, do diploma, o seguinte: «As dívidas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas poderão ser pagas em prestações, após o decurso do período do pagamento voluntário e antes da instauração do respectivo processo de execução fiscal».
Por seu turno, o artigo 37.º/1, do diploma, determina que «[a] falta de pagamento de qualquer das prestações importa o vencimento imediato das seguintes, instaurando-se o processo de execução fiscal pelo valor em dívida». O n.º 2 do preceito concretiza os termos em que é de realizar a citação da devedora na execução pelo valor em dívida.

Por outro lado, o preceito do artigo 196.º/1, do CPPT, estabelece que «[a]s dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal».
A questão que se suscita consiste em saber se a falta de pagamento de prestação ao abrigo de plano de pagamentos autorizado ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 492/88, de 30 de Dezembro, preclude, só por si, o deferimento de pedido de pagamento da dívida em prestações, ao abrigo do disposto no artigo 196.º do CPPT, ou seja, em momento posterior à instauração da execução.
A este propósito, não sofre dúvida, que «[o] processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas. A este título, deve levar-se em consideração, desde logo, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, enunciado no artº.30, nº.2, da L. G.Tributária» (5)

A preclusão do direito do executado a ver deferido o pedido de pagamento em prestações, deduzido ao abrigo do disposto no artigo 196.º, com o regime dos preceitos dos 197.º a 202.º do CPPT, significaria o cerceamento das garantias de defesa do executado, confrontado com a citação para os termos da execução, nessa qualidade (artigo 189.º/1, do CPPT).

Ou seja, a ocorrência de incumprimento do plano de pagamento em prestações outorgado em momento anterior à instauração da execução para cobrança da dívida em nada contende com as faculdades que assistem ao executado, uma vez instaurada a execução para cobrança da mencionada dívida, incluindo a de ver deferido o pedido de pagamento em prestações da mesma, caso se mostrem preenchidos os pressupostos elencados no preceito do artigo 196.º do CPPT. De onde se impõe concluir que o despacho impugnado ao rejeitar o pedido em causa apenas com base na existência de incumprimento de plano anterior à instauração da execução enferma de vício de violação de lei e deve ser anulado, como foi determinado pela sentença recorrida.
A sentença não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)



1) Neste sentido, V. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, 6.ª Ed., Vol. IV, p. 292.
2) N.º 12 do probatório.
3) N.º 13 do probatório.
4) V. preâmbulo do diploma.
5) Acórdão do TCAS, de 30.04.2014, P. 07557/14