Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12937/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/24/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; FUMUS BONI JURIS; DIREITO SOCIAL À HABITAÇÃO
Sumário:i) Na medida em que o decretamento da providência depende da verificação cumulativa dos três requisitos legais enunciados no art. 120.º CPTA (na redacção então vigente), o decaimento em sede de formulação negativa da aparência do bom direito alegado (fumus non malus iuris) envolve a improcedência do pedido cautelar.

ii) Carecendo os requerentes da providência de um título legitimador da ocupação que promoveram e em que persistem, pois que à data em que foi feito, no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER – Decreto-Lei, n.º 163/93, de 7 de Maio), o levantamento dos moradores do Bairro do Casal de Santa Filomena aqueles não viviam lá, a pretensão de que se suspenda a eficácia do acto que ordenou tal desocupação e demolição soçobra, por falta do indispensável fumus boni juris.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Município da Amadora (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que deferiu a providência cautelar intentada por Eduíno ……….. e Edite da …………..(Recorridos) e determinou a intimação do Município a abster-se de executar a desocupação e demolição da construção ……….PER do Bairro de Santa Filomena, até que proceda à verificação dos pressupostos de financiamento directo ao requerentes, nos termos e para efeitos do disposto no art. 23.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 135/2004, de 3 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 54/2007, de 12 de Março.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. A douta sentença ora recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação do fumus boni iuris.

II. Na verdade, a douta sentença ora recorrida não teve em conta que o que pretende tal diploma é evitar que com a erradicação das construções ilegais os agregados familiares, nelas efetivamente residentes, em 1993, à data do recenseamento efetuado pelo Recorrente no âmbito do PER, se encontrem sem solução de alojamento.

III. Não tendo, seguramente, o legislador pretendido que o erário público procedesse ao realojamento de todas as pessoas que durante um período, mais ou menos longo, residissem na construção ilegal, após o realojamento dos residentes em 1993 e até a demolição da construção, como a construção PER/………., ora em causa.

IV. Neste mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência. A título de exemplo, o Supremo Tribunal Administrativo, no douto acórdão de 18.12.2013, no proc. nº 1373/13, que julgou que: Ora, a circunstância da recorrente [aqui Recorridos] carecer de um título legitimador da ocupação que, «sponte sua», promoveu e em que persiste, significa que ela não tem qualquer direito de permanecer na casa a demolir. E, em face disto, carece minimamente de base a denúncia de que o acto suspendendo seria inexistente ou nulo. A situação de carência habitacional em que a recorrente [aqui Recorridos] se encontra merecerá, porventura, a adopção dos meios assistenciais que estejam adaptados às circunstâncias. Mas essas necessidades da recorrente não se satisfazem pela via judicial, dada a certeza de que ela [aqui eles] não dispõe de um qualquer direito, oponível que lhe permita permanecer na habitação.

V. Entendimento jurisprudencial que tem sido constante também no Tribunal Central Administrativo Sul. A título de exemplo, o douto acórdão de 02.04.2014, no proc. nº 11033/14, que decide que: À face do PER de 1993 os ora Recorrentes [aqui Recorrido] não têm nenhum título jurídico que legitime a ocupação da construção ……/PER [aqui PER/………], consequentemente, nem o agir administrativo do Município no sentido da execução da demolição do 260/PER, ordenada ( ...) sofre de qualquer invalidade. O mesmo é dizer que não se verifica no caso dos autos o requisito cautelar da formulação negativa de aparência do bom direito -fumus non malus iuris - no tocante à providência cautelar conservatória requerida, estatuído no art. 120º nº 1 b) CPTA.

VI. Ou ainda, mais recentemente, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, acórdão de 01.10.2015, no proc. nº 12441/15, que, em situação muito similar a dos autos, decidiu que:

(...) decorrendo da factualidade dada como provada nos autos que o requerente não habitava a casa onde atualmente vive aquando do levantamento dos moradores no âmbito do PER, efetuado em 1993, que tal habitação foi objeto de determinação com vista à sua demolição, e não invocando o requerente possuir qualquer título jurídico individualizado que o legitime a ocupar aquela mesma habitação tem de concluir-se pela manifesta falta de fundamento da pretensão principal.

VII. A situação de facto que esteve na base dos doutos acórdãos supra referidos é exatamente a mesma que no caso em apreço: (i) em 1993, ano do recenseamento a efeitos do PER dos agregados familiares, os Recorridos não residiam na construção em causa (PER/….) - factos provados 3 e 8 -, e (ii) os Recorridos fora, encaminhados para o atendimento social integrado para capacitar o agregado para o reforço de rendimentos, bem como apoiá-los na criação de uma alternativa de alojamento adequada - facto provado 11.

VIII. Pelo que é forçoso concluir que o ato impugnado é válido e que o Recorrente respeitou o DL nº 163/93.

IX. Não entende o Recorrente porque afirma a douta sentença recorrida que a providência deve ser deferida até que proceda à verificação dos pressupostos de financiamento directo aos requerentes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 23º E, nº 1, al. b) do DL nº 13512004, de 3.6, alterado pelo DL nº 5412007, organizando e instruindo o competente processo administrativo.

X. Por um lado, a douta sentença não tem elementos para afirmar que o competente processo administrativo não foi devidamente "organizado e instruído". O que aconteceu no caso em apreço é que o Tribunal não solicitou a junção do PA, nem com a citação nem em momento posterior, sendo esta a única razão pela que este não foi junto, e não, como refere a douta sentença, que o mesmo não existe.

XI. Por outro lado, tendo a douta sentença recorrida dado como provado (nos pontos 9 e 10) que não se podiam celebrar acordos de cooperação que viabilizassem os financiamentos previstos no Pro-habita por falta de capacidade económica do IRHU, não vê o Recorrente de que maneira entende a douta sentença que o mesmo poderia/deveria ter agido após a "verificação dos pressupostos de financiamento direto" diferente de como fez, pois o PER não se pode aplicar aos Recorridos por estes não cumprirem os pressupostos (nomeadamente, fazerem parte dos recenseamentos elaborados no âmbito do PER) e Pro-habita não se pode aplicar por falta de fundos.

Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do artigo 146.º, n.º 1, e 147.º do CPTA, defendeu a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao ter deferido a providência cautelar requerida, devendo antes ter concluído pela inexistência de fumus boni juris com a sua consequente rejeição.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. No âmbito do Programa Especial de Realojamento – P……. (Decreto-Lei nº 163/93, de 7 de Maio) e do processo de erradicação do bairro degradado do Casal …………, em 1993 foi feito o levantamento dos moradores do bairro.

2. A construção onde agora habitam os Requerentes (Rua M nº…………C, no Bairro de Santa Filomena) é referenciada nesse levantamento com o nº PER/…… do Casal de Santa Filomena.

3. Nela foi recenseado em 1993 um único agregado familiar (PER 1115 003 0357.1) composto por José ………. (padrasto do Requerente) - doc. 1 junto com a Contestação, que se dá por integralmente reproduzido.

4. José …………….. faleceu em 2008 – facto admitido.

5. Desde 2008 que os Requerentes têm estado em contacto com o R, e optaram por permanecer nessa habitação com o seu agregado familiar, até que lhes fosse atribuída uma habitação.

6. A situação dos requerentes foi enquadrada ao abrigo do disposto no DL nº 54/07, 12/03, relativamente ao qual se aguardam directrizes do IHRU – doc. nº 2 junto com a Oposição

7. Em Dezembro de 2010, na sequência da publicação do Decreto-lei nº 54/2007, de 12 de Março, o Requerido procedeu ao levantamento dos residentes em núcleos abrangidos pelo PER que não se encontrassem abrangidos pelo PER.

8. Foram, então, identificados como ocupantes da construção em causa os Requerentes e os seus dois filhos - sendo que na actualidade o agregado está composto por mais um filho nascido recentemente – facto admitido

9. Nessa altura foi-lhes explicado, como potenciais beneficiários, das possibilidades que se abriam com a publicação desse diploma, contudo nunca chegou a ser celebrado qualquer Acordo de Cooperação com IHRU, ao abrigo do referido diploma.

10. Esta situação foi consequência, por um lado, das dificuldades de aplicação prática do diploma e, por outro, da sua suspensão por constrangimentos de ordem orçamental em Fevereiro de 2012 - doc. 4 junto com a oposição.

11. O Município requerido acompanhou os Requerentes e remeteu-os para atendimento social integrado, que tem vindo a decorrer desde Março de 2013, e que tem procurado capacitar os elementos do agregado para o reforço dos rendimentos, bem como apoiá-los na criação de uma alternativa de alojamento adequada – facto admitido.

12. No dia 2 de Junho 2015 os requerentes foram notificados para comparecer na Junta de Freguesia da Mina de Água, (…) Amadora, para assunto relacionado com a demolição da sua casa, nos termos seguintes:

« Texto no original»

13. Os requerentes encontram-se desempregados, sofrem de problemas de saúde e têm a cargo filhos menores – factos admitidos.

Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.



II.2. De direito

A questão trazida a juízo consiste em apurar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao ter deferido a providência cautelar requerida e intimando o Município ora Recorrente a abster-se de executar a desocupação e demolição da construção …….PER do Bairro de Santa Filomena, ou se, pelo contrário, devia antes ter concluído pela inexistência de fumus boni juris, como por aquele defendido.

Para assim decidir, após ter efectuado o devido enquadramento normativo no que se refere à tutela cautelar, afirmou a Mma. Juiz a quo o seguinte:

De regresso ao nosso caso concreto, desde logo se dirá que o pedido cautelar de suspensão de eficácia e de intimação para abstenção de conduta - pretende evitar que os requerentes e o seu agregado familiar sejam desalojados de imediato em virtude de demolição da construção ……/PER efectuada em execução do Programa Especial de Realojamento do Bairro de Santa Filomena, sito na freguesia da Mina, concelho da Amadora.

O que configura, como alegam, a adopção de providência conservatória.

Classificação que se nos afigura correcta, pois o que os requerentes pretendem com a presente providência mais não é do que manter ou conservar um alegado direito, ou seja, aqui o que se almejam é manter o status quo, conservar a situação habitacional (de não execução da demolição) existente à data da notificação a que alude o nº 12 do probatório, procurando que não se altere.

O facto de, além da suspensão de eficácia de acto, terem pedido a intimação para os requeridos se absterem de praticar actos que permitam a execução do Projecto, ainda assim não nos leva a dizer tratar-se, neste caso da intimação, de uma providência cautelar de natureza antecipatória, onde o que se visa é alterar o status quo, mediante a antecipação de uma situação que não existia anteriormente (cfr Ac do Supremo Tribunal Administrativo de 24.11.2004, processo n° 1011/04 (caso do Túnel do Marquês) e artigo publicado nos «Cadernos de Justiça Administrativa» n° 52, de Isabel Celeste M. Fonseca, sob o título «Indeferimento da condenação (cautelar) à emissão de parecer: porque o céu não é o limite ... », maxime pág 57).

Nos termos do art° 112°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode ser pedida a adopção da providência ou providências cautelares, antecipatórias e/ ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.

Considerando-se as requeridas, enquanto medidas cautelares de natureza conservatória, como adequadas a tutelar a situação apurada nos autos.

Analisemos pois cada um dos requisitos que a tutela cautelar exige estejam verificados para ser adoptada a medida adequada.

Da al a) do n° 1 do art 120° do CPTA

Pese embora não ser do âmbito dos presentes autos avaliar se ocorrem as ilegalidade invocadas pelos requerentes, designadamente violação do direito ao financiamento directo, nos termos e para efeitos do disposto nos arts 23º E, nº 1, al b); 23º F, nº 2; 23º H do DL nº 135/2004, de 3.6, alterado pelo DL nº 54/2007, de 12.3, mas tão só avaliar se as invalidades que os requerentes alegam são tão manifestas e evidentes que não restem dúvidas sobre a necessária procedência da pretensão a julgar na acção principal, caso em que a providência será adoptada sem mais, ou se, pelo menos, não sendo manifesta, é provável a procedência da acção principal e, então, se analisam os demais pressupostos da providência requerida.

Apenas as ilegalidades palmares devem ser entendidas como manifestas, evidentes, ostensivas.

Já se tais ilegalidades carecerem de demonstração, de facto e de direito, para ser decididas, as mesmas não são manifestas.

Mais, já a jurisprudência clarificou, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, em 28.2.2008, que «o conceito de evidência constante da al a) do nº 1 do art 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (...) é um conceito muito restrito, correspondendo às situações em que o êxito da acção é indiscutível, inexorável, salvo circunstâncias excepcionais ou anómalas. Havendo necessidade de explicar a verificação do vício não se pode dizer que esta é evidente. O que é evidente não precisa de ser explicado».

E estes argumentos valem para aferir da evidência do fumus boni iuris ou do fumus malus.

No entanto, quer a divergência de interpretação das partes, quer a matéria de facto apurada e a que carece de prova, mostram que a questão a decidir não é de solução ostensiva.

Dito de outro modo, nem a materialidade da causa demonstra que os requerentes têm direito a que o Município os realoje em virtude de serem ocupantes, sem estarem recenseados no Programa Especial de Realojamento, de uma construção PER que vai ser demolida.

Nem o Município da Amadora dispõe de documentos que provem ter procedido ao levantamento prévio que afaste os requerentes e respectivo agregado familiar do financiamento directo, por necessidade de alojamento urgente e temporário motivado pela inexistência de local para residirem, por necessidade de proceder à demolição 357 PER efectuada em execução do Programa Especial de Realojamento.

O Município da Amadora, enquanto entidade pública responsável, devia ter procedido à demolição integral da construção 357/PER em simultâneo com a decisão de excluir o padrasto do requerente, que pretende agora, mais de 10 anos volvidos, executar.

Se o Município da Amadora tivesse agido como manda a lei – cfr art 5º, al b) do DL nº 163/93, de 7.5 – não estaria, neste momento, a braços com a situação dos requerentes e outras idênticas, pelo menos, no Bairro de Santa Filomena.

É verdade que os requerentes não deviam ter ocupado uma construção que não lhes pertencia, que não se encontra licenciada e, como cidadãos, deviam diligenciar, sozinhos ou com o auxílio das entidades que dizem, mas não provam, ter procurado, por habitação condigna e meios de subsistência suficientes para o agregado familiar. Mas é de repudiar a inércia do Município da Amadora que deu causa ao litígio dos autos e, sem sequer organizar, ainda que a partir do atendimento social integrado, processo administrativo da situação dos requerentes, tenha avançado para a execução da demolição da construção 357/PER.

O Município devia ter esclarecido onde efectivamente vivem os requerentes, em nome de quem se encontra registado o imóvel onde recebem o correio, quais as condições económicas do agregado familiar, decidir se preenchem ou não os requisitos para beneficiar de financiamento directo e se os requerentes , depois de convocados, fosse indiferente a uma solução habitacional alternativa, então, tudo demonstrado com documentos, o Tribunal podia decidir pela manifesta falta de fundamento da pretensão dos requerentes.

O que não sucede no caso.

Pelo que passamos a analisar os pressupostos da concessão da providência cautelar vertidos na al b) do nº 1 do art 120º e no nº 2 do mesmo preceito legal do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

Como resulta expresso das conclusões de recurso, é desde logo esta conclusão acerca da falta de verificação de um fumus malus que vem, a título principal, questionada no recurso.

Diz o Recorrente que a sentença ora recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação do fumus boni iuris, pois que não teve em conta que o que se pretendeu com o Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de Maio, foi precisamente evitar que com a erradicação das construções ilegais os agregados familiares nelas residentes em 1993, à data do recenseamento efectuado pelo ora Recorrente no âmbito do PER, ficassem sem solução de alojamento e não que o erário público procedesse ao realojamento de todas as pessoas que durante um período, mais ou menos longo, residissem na construção ilegal, após o realojamento dos residentes em 1993 e até a demolição da construção, como a construção PER/…….., ora em causa (cfr. conclusões 1 a 3 do recurso). Por outro lado, invoca o ora Recorrente jurisprudência que teve como objecto casos idênticos, concluindo que a situação de facto que esteve na base dos doutos acórdãos supra referidos é exatamente a mesma que no caso em apreço: (i) em 1993, ano do recenseamento a efeitos do PER dos agregados familiares, os Recorridos não residiam na construção em causa (PER/357) - factos provados 3 e 8 -, e (ii) os Recorridos fora, encaminhados para o atendimento social integrado para capacitar o agregado para o reforço de rendimentos, bem como apoiá-los na criação de uma alternativa de alojamento adequada - facto provado 11. (conclusões 4 a 7 do recurso).

E efectivamente a razão está do lado do Recorrente, como também concluiu o Ministério Público nesta Instância ao afirmar que é notória a falta de razão dos requerentes que habitam uma construção clandestina que deve ser erradicada, sendo, portanto, evidente a falta de fundamento da pretensão a formular na acção principal.

Com efeito, sobre o tema em debate já existe jurisprudência firmada, optando-se assim por remeter para os fundamentos do acórdão deste TCAS de 1.10.2015, proc. n.º 12441/15, cujos contornos factuais são em tudo idênticos aos presentes, para o que transcrevemos o mesmo, na parte aqui relevante:

“(…)

O Tribunal a quo considerou não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que aí obstem ao conhecimento do mérito respetivo dando por verificado o requisito do fumus boni iuris.

O Recorrente insurge-se quanto ao assim entendido, defendendo que na esteira do considerado pela jurisprudência, que cita, em situações semelhantes, não se verifica no caso dos autos o requisito cautelar da formulação negativa de aparência do bom direito - fumus non malus iuris.

E assiste-lhe razão na invocação que faz. Com efeito, e tal como foi entendido pelo STA no seu Acórdão de 18/12/2013, Proc. 01373/13, in, www.dgsi.pt/jsta, citado pelo Recorrente, “Carecendo a recorrente de um título legitimador da ocupação que promoveu e em que persiste, a pretensão de que suspenda a eficácia do acto que ordenou tais desocupação e demolição soçobra, por falta do indispensável «fumus boni juris».”

Com efeito decorrendo da factualidade dada como provada nos autos que o requerente não habitava a casa onde atualmente vive aquando do levantamento dos moradores no âmbito do PER, efetuado em 1993; que tal habitação que foi objeto de determinação com vista à sua demolição, e não invocando o requerente possuir qualquer título jurídico individualizado que o legitime a ocupar aquela mesma habitação [situação que se verifica igualmente nos presentes autos] tem de concluir-se pela manifesta falta de fundamento da pretensão principal. De modo que, atenta a natureza instrumental das providências cautelares, que a exigência daquele requisito visa salvaguardar, não deve ser decretada a providência de suspensão de eficácia do ato que ordenou a demolição do identificado fogo habitacional se é de concluir que a pretensão anulatória, objeto da ação principal, está de modo manifesto votada ao fracasso. Sob pena de a providência cautelar se destinar apenas a retardar a execução do ato que ordenou a demolição e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da ação principal destinada à anulação daquele mesmo ato.

Assim, não é de decretar a pretendida providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo que ordena a demolição de fogo habitacional, se através dela se visa apenas retardar a execução de tal ato, e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da ação principal destinada à anulação daquele mesmo ato, por esta se evidenciar votada ao fracasso.

É o que sucede no caso.

Em face destas considerações, terá que concluir-se também que no caso em apreço, ao invés de ter sido julgado procedente o pedido cautelar de suspensão de eficácia, deveria ter sido julgado como verificada a existência de fumus malus iuris – falta de verificação de pressuposto do fumus boni iuris na sua formulação negativa – pelo que a presente providência é de indeferir ao abrigo do disposto na segunda parte da al. b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (na redacção então aplicável).

Por outro lado, necessário é ter presente que o direito social à habitação, ex vi art. 65.º, n.º 1 da CRP, não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos mediante a disponibilização de uma habitação, antes rege na garantia de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público (sobre esta questão, também em caso similar ao presente, o ac. deste TCAS de 2.04.2014, proc. n.º 1133/14; idem o ac. deste TCAS de 21.03.2013, proc. n.º 9712/13). Sendo que, demonstra afinal o probatório que vem fixado, os requerentes da providência foram acompanhados pelo Município ora Recorrente desde Março de 2013, que os remeteu para intervenção social no sentido capacitar os elementos do agregado para o reforço dos rendimentos, bem como no apoio na criação de uma alternativa de alojamento adequada (cfr. facto 11 supra).

Assim, na medida em que o decretamento da providência depende da verificação cumulativa dos três requisitos legais enunciados no art. 120.º CPTA, o decaimento em sede de formulação negativa da aparência do bom direito alegado (fumus non malus iuris) nos termos supra expostos, envolve a improcedência do pedido cautelar.

Pelo que, na procedência das conclusões de recurso, terá que ser revogada a decisão recorrida e indeferida a providência cautelar requerida.




III. Conclusões

Sumariando:

i) Na medida em que o decretamento da providência depende da verificação cumulativa dos três requisitos legais enunciados no art. 120.º CPTA (na redacção então vigente), o decaimento em sede de formulação negativa da aparência do bom direito alegado (fumus non malus iuris), envolve a improcedência do pedido cautelar.

ii) Carecendo os requerentes da providência de um título legitimador da ocupação que promoveram e em que persistem, pois que à data em que foi feito, no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER – Decreto-Lei, n.º 163/93, de 7 de Maio), o levantamento dos moradores do Bairro do Casal de Santa Filomena aqueles não viviam lá, a pretensão de que se suspenda a eficácia do acto que ordenou tal desocupação e demolição soçobra, por falta do indispensável fumus boni juris.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e, em substituição,

- Indeferir a providência cautelar requerida.

Custas pelos Recorridos, em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litigam.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2015



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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António Vasconcelos