Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 911/17.4BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/08/2018 |
Relator: | ANA PINHOL |
Descritores: | DEPOSITÁRIO RETRIBUIÇÃO |
Sumário: | I. Os poderes e deveres do depositário judicial são, em grande parte, diversos dos do depositário convencional dado que este é essencialmente um guarda e aquele além de guarda é administrador e, porque o é, está sujeito ao regime geral dos administradores de bens alheios, regime que tem a sua expressão mais característica na obrigação de prestação de contas (cfr. artigo 760.º do CPC). II. Na nomeação de fiel depositário (no caso ocorrida no âmbito do processo de execução) não existe uma relação de direito privado que possa ser enquadrável na definição de contrato de depósito, nos termos e no regime legal constante do artigo 1185º do CC, já que nenhum contrato é feito entre a Administração Tributária, e o particular a quem é cometida a incumbência do depósito III. Desta forma, faz sentido afirmar que o depositário que é investido na guarda de um bem por determinação da Administração Tributária é sujeito de uma relação jurídica de direito público. IV. Tendo, numa execução fiscal, o contribuinte sido nomeado depositário e como tal constituído na obrigação de prestar contas por se tratar de um administrador de bens alheios e enquanto «interveniente acidental» no processo de execução fiscal, a retribuição devida pelo depósito cai na alçada no artigo 17º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I.RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Tribunal Central Administrativo da sentença do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, datada de 19 de Setembro de 2017, que julgou procedente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal interposta pela sociedade ...-Transportes, Lda, na qualidade de fiel depositária, contra o despacho do Chefe de Serviço de Finanças de ... do não reconhecimento a essa sociedade os créditos que reclamou no âmbito do processo de execução fiscal n.º..., em que é executado o “Grupo ...”, relativos a encargos de armazenagem de mercadorias e no valor de €53.280,00. A recorrente formula na sua alegação recursória as conclusões que infra se transcrevem: «A) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferia pelo Tribunal “a quo”, nos autos em que é Reclamante ... – TRANSPORTES LDA que julgou procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto no art.276.º e seguintes do CPPT e anulou o despacho proferido pelo chefe do serviço de finanças de ..., em 05 de Abril de 2016, que recusou o reconhecimento de créditos reclamados pela fiel depositária, no montante de €53.280,00, relativos a encargos de armazenagem da mercadoria penhorada no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º.... B) O Ilustre Tribunal “a quo” concluiu que a referida decisão do órgão de execução fiscal padece de ilegalidade por violação do art.20.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários. C) No entendimento da Representação da Fazenda Pública, ora Recorrente, a decisão ora recorrida, não considerou que dos autos resultam provados determinados factos passíveis de afectar a sua douta decisão. D) Entende que foram incorrectamente julgados os pontos de facto que constam dos artigos 30º, 31º, 32º e 70º do libelo inicial, dos artigos 4º, 46º a 55º da resposta da Fazenda pública, e dos pontos b), b2), 11, 12, 13, d2) da informação subjacente ao despacho reclamado que consubstancia erro de julgamento. E) Nestes termos, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como demonstrado e provado, o facto de a Reclamante, ora Recorrida, não ter comunicado ao órgão de execução fiscal, à data da sua constituição como fiel depositária, que o depósito era efectuado de forma onerosa e a sua tabela de preços de encargos de depósito. F) Porquanto tal decorre da informação do órgão de execução fiscal ao afirmar que não teve conhecimento da exigência desses encargos e respectivos valores à data da constituição da reclamante como fiel depositária. G) E decorre do alegado pela Recorrida nos artigos supra referidos, conjugando-se, em suma, que só após 4 meses decorridos da penhora é que comunicou o valor em dívida de encargos, à data de 30/12/2015. H) Apenas nessa data, a Recorrente teve conhecimento da exigência pela Recorrida de encargos com o depósito, e atente-se, só em sede dos presentes autos é que Recorrente teve conhecimento da tabela de preços de depósito praticada pela Recorrida. I) Com o devido respeito e salvo melhor opinião, na convicção expressa pelo Tribunal “a quo”, em sede factos provados, deveria ter dado como provado que o órgão de execução fiscal não foi informado pela Recorrida, sobre a existência de encargos de depósito e da respectiva tabela de preços, à data da constituição de fiel depositário. J) Mais se entende, que o Tribunal “a quo” não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice. K) A disposição legal sobre o regime do depósito encontra-se disposta no art.1186.º do Código Civil, que rege que é aplicável o disposto no art.1158.º do Código Civil, referente à disposição do mandato, o que obriga a fazer a devida adaptação à luz dos elementos do depósito, e ainda, para efeitos de âmbito da constituição de fiel depositário, em face do quid em apreço. L) Ora, as presunções dispostas no n.º1 do art.1158.º do Código Civil tem um nexo causal subjacente, que decorre da protecção legal, sem afastar o seu carácter ilidível. M) A presunção de que o depósito se presume oneroso, se essa for a actividade do depositário, tem subjacente uma relação económica entre o depositário e o depositante, e para que essa presunção possa existir, as partes envolvidas tem de ter conhecimento da sua existência, sob pena de não produzir efeitos, em face da ausência de conhecimento. N) Desde logo, a depositante tem de obter o conhecimento cabal e completo de que a depositária exerce uma actividade que engloba a capacidade de depósito de bens, para que dessa forma a presunção da onerosidade do depósito possa ser produzir efeitos, porque caso se verifique que a depositante não teve conhecimento de que a depositária exercia essa actividade, então o depósito não se pode presumir oneroso, mas antes gratuito. O) Porque, a 1ª parte do nº1 do art.1158º do Código Civil, dispõe que o depósito presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o depositário pratique por profissão, e neste caso presume-se oneroso. P) Entende-se que foi intenção do legislador configurar como regra geral a presunção da gratuidade do depósito, e excepcionar a presunção da onerosidade ao utilizar a terminologia “excepto”, e nesse sentido, no silêncio das partes e da falta de informação, deve vigorar a regra geral e não a excepção. Q) Tal exigência de aviso da onerosidade, também pode ser assacada na al.b) do disposto no art.1187.º do Código Civil, sobre as obrigações do depositário, quando se refere “b) Avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhecido do depositante;”. R) Esta obrigação de aviso do depositário quando saiba de algum perigo que ameaça a coisa, também deve ser interpretada nas situações da existência de uma onerosidade que ameaça a relação de depósito, em face da regra geral da gratuidade e da excepção da onerosidade. S) E porque se trata de um elemento central na relação de depósito, que o legislador expressamente valorizou ao criar a excepção da presunção da onerosidade, então não existem dúvidas, que consubstancia um “perigo” para a relação jurídica existente entre depositante e depositário. T) Na ausência de um aviso do depositário ao depositante sobre a onerosidade do depósito, a excepção da presunção de oneroso não pode prevalecer sobre a regra geral da presunção da gratuidade do depósito. U) Sendo certo, que ter o por objecto social de “transporte de mercadorias e prestação de serviços armazenagem não frigorífico e armazenagem frigorífico”, não significa só por si que uma entidade exerça a actividade de depósito como fiel depositário, mas apenas, e só, que essa entidade tem como escopo e finalidade um leque de aticidades referentes ao transporte de mercadorias e armazenagem, ficando ao critério da entidade exercer ou não a actividade de armazenagem a título de depósito. V) Posto isto, atento o supra alegado quanto à matéria de facto, entendendo-se que ficou provado que a Recorrida não informou a Recorrente da onerosidade e tabela de preços do depósito, então não procedeu ao devido aviso a que estava incumbida, pelo que jamais se pode aceitar o entendimento preconizado na doutra sentença sobre os efeitos da onerosidade do depósito em apreço e da simples fundamentação no art.20.º do Regulamento de Custas de Processos Tributários. W) Por outro lado, mesmo que se entenda que o depósito em apreço é oneroso, sempre será de reiterar que a Recorrente apenas teve conhecimento nos presentes autos da tabela de preços de depósito de bens praticada pela Recorrida, pelo que nunca poderia consciencializar os encargos que podiam ser devidos pelo depósito de bens. X) O n.º2 do art.1158.º do Código Civil refere que “2. Se mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade”. Y) Daqui decorre, que a retribuição pelo depósito de bens será efectuado em primeiro lugar por um ajuste das partes, em segundo lugar pelas tarifas profissionais, em terceiro lugar pelos usos e em quarto lugar pela equidade. Z) Deste ajuste de partes, depreende-se que se trate de um acordo ou concordância com as condições, em face da constituição do depósito oneroso decorrer uma obrigação de guarda de um bem sujeito a uma prestação, conforme decorre do art.397.º e 400.º n.º1 e n.º2 do Código Civil, e “ Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”, conforme disposto no art.405º do Código Civil. AA) Acontece que, na situação em apreço não ocorreu um ajuste de partes, porque no momento temporal em que a Recorrente designou a Recorrida para fiel depositária, por se encontrarem em sua posse os bens penhorados, a Recorrente não foi avisada que a Recorrida exercia o depósito de bens como uma das suas actividades, nem da sua respectiva tabela de preços. BB) Sobre as tarifas profissionais, o Tribunal “a quo”, entendeu a fl.17, que “Por último, quanto aos valores peticionado, os mesmos correspondem às tarifas profissionais (cfr. Ponto 2. Do probatório), o que está em conformidade com o disposto no art.1158.º, n.º2 do Código Civil que estabelece que, sendo o depósito oneroso, “na medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais (…)”. CC) Ora, com o devido respeito, em nosso entendimento o Tribunal “a quo” efectua uma confusão entre as tarifas profissionais referidas no art.1187.ºn.º2 do Código Civil e a tabela de preços da Recorrida, que consta do ponto 2 do probatório. DD) Porquanto a tabela de preços da Recorrida consubstancia as tarifas profissionais que a Recorrida exerce na sua actividade, sendo as tarifas que determinou por sua opção para exercer a sua actividade. EE) Logo, as tarifas dadas como provadas no Ponto 2 do probatório não constituem as tarifas exercidas de forma homogénea pelo mercado, porquanto apenas ficou provado que eram as tarifas da Recorrida. FF) Em face do disposto no n.º2 do art.1198.º do Código Civil, entende-se que o legislador refere-se as tarifas profissionais em sentido geral e abstracto, e não as tarifas profissionais das partes. GG) Pelo que, entende-se que o Tribunal “a quo” não poderia utilizar as referidas tarifas profissionais da requerida para apreciar os valores peticionados pela Recorrida. HH) Aqui chegados, terá que ser apreciada a utilização dos usos, como terceira opção indicada no n.º2 do art.1187.º do Código Civil, entendendo-se que deve-se buscar no ordenamento jurídico uma medida de cálculo da retribuição do depósito. II) Ora, o Regulamento das Custas dos Processos Tributários não dispõe sobre o cálculo das retribuições devidas aos depositários de bens penhorados, referindo-se apenas que as custas compreendem estes encargos, nos termos al.c) n.º1 do art.20.º. JJ) Assim, nos termos do art.2.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários deve-se remeter para o aplicável no art.17 n.º1 e o n.º6 do Regulamento das Custas Judiciais, sendo que o n.º1 do art.17.º do tem uma incidência semelhante à al.c) do n.º1 do art.20.º Regulamento das Custas dos Processos Tributários. KK) Logo, a medida de cálculo de 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, disposta no n.º6 do art.17 do Regulamento de Custas Judiciais, deve ser aplicada às situações de retribuições devidas aos depositários dos bens penhorados, por efeitos do disposto no art.2.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários. LL) Nesse sentido, acompanha-se o referido por Jesuino Alcântara Martins e José Costa Alves, em Procedimento e processo tributário, 2015, Almedina, pág.334. MM) Considerando que aos bens penhorados foi atribuído um valor de 66.895,23€, conforme auto de penhora junto aos autos e informação subjacente ao despacho em crise, aplicando-se a percentagem de 5% ao valor de 66.895,23€, por aplicação do disposto no n.º2 do art.1158 do Código Civil e do art.17.º n.º6 do Regulamento das Custas Processuais, por remissão do art.2.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, entende-se que o valor devido pelos encargos de depósito dos bens penhorados é de até 3.344,76€. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!» ** A Sociedade Recorrida contra-alegou, aí concluindo do modo que segue:«1. A sentença que julgou procedente a Reclamação da decisão do órgão de execução fiscal e, em consequência, anulou o despacho de 5 de Abril de 2016, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., através de Oficio n.º 6421, de 08/04/2016, que indeferiu o reconhecimento do crédito de €53.280,00, não merece reparo ou censura pelo que deve ser confirmada na íntegra. 2. Nos termos do disposto no art.640º CPC, aplicável ex vi al. e) do art. 2º e art. 281º CPPT deve ser rejeitado o recurso quanto à matéria de facto provada uma vez que a Recorrente incumpriu o ónus de identificar quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre a matéria de facto diversa da recorrida na medida em que a matéria alegada nos pontos 30º, 31º, 32º e 70º da petição inicial bem como nos artigos 4º, 46º a 55º da resposta da Fazenda Pública e dos pontos b), b2), 11, 12, 13, d2) da informação subjacente ao despacho reclamado constitui, genericamente, preposições conclusivas ou argumentativas e não meios de prova. Ainda que assim não se entenda 3. A pretendida alteração da resposta à matéria de facto teria sempre de improceder na medida em que a Recorrente não podia presumir que a Recorrida assumiria o cargo e as obrigações de fiel depositário gratuitamente; 4. Alegar desconhecer a actividade de entreposto aduaneiro exercida pela Recorrida, a sua tabela de preços ou a obrigação de pagamento de encargos de armazenagem é totalmente desprovido de sentido já que o órgão de execução fiscal não procedeu ao levantamento da mercadoria nem à remoção do cargo de fiel depositário mesmo após a reclamação do pagamento dos encargos de armazenagem, conformando-se com a situação vigente. 5. Não pode o órgão de execução fiscal alegar desconhecer a obrigação de pagamento de encargos de armazenagem, o que ademais constitui obrigação legal, pelo que deve improceder a pretendida alteração da resposta à matéria de facto provada, confirmando-se, na íntegra, a decisão recorrida. 6. Na data da penhora - e em consequência desta - cessou, por caducidade, o contrato de depósito celebrado entre a transitária ... e o entreposto aduaneiro, ora Recorrido, nos termos do disposto no art.799º CC, motivo pelo qual a mercadoria deixou de poder ser objecto de quaisquer operações logísticas e operacionais levadas a cabo pelo transitário. 7. A Recorrida, enquanto depositário judicial, passou a actuar por conta do órgão de execução fiscal que o nomeou, passando a actuar como “agente ad hoc do Estado”., sendo legítimo e expectável que venha a ser remunerada pelos serviços prestados, em conformidade com a legislação em vigor, máxime o vertido no art.20º nº1 al. c) do Regulamento das Custas nos Processos Tributários, no qual se estabelece, inequivocamente, que as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo, incluindo as compensações legalmente estabelecidas, nomeadamente aos depositários de bens penhorados, apreendidos, abandonados ou declarados perdidos a favor da Fazenda Pública são encargos do processo executivo. 8. Da matéria de facto provada, com especial enfoque para os pontos 1, 2, 6, 8 e 9, resulta, de modo inequívoco, que a Recorrida é titular de um crédito resultante dos encargos de armazenagem da mercadoria penhorada no processo de execução, em conformidade com a tabela de preços em vigor, cujos preços de modo algum podem qualificar-se de leoninos ou abusivos. 9. Nos termos dos art.1186º e 1158º CC, o depósito presume-se gratuito, salvo se tiver por objecto actos que o depositário pratique por profissão, no mesmo sentido, aliás, do art.404º do CCom. 10. Ao declarar que a “obrigação de aviso do depositário quando saiba de algum perigo que ameaça a coisa, também deve interpretada nas situações da existência de uma onerosidade que ameaça a relação de depósito, em face da regra geral da gratuitidade e da excepção da onerosidade” a Recorrente faz uma incorrecta interpretação do disposto no art.1187º CC. 11. A onerosidade do depósito não pode ser integrada no conceito de perigo ou ameaça para a coisa depositada, sendo certo que tal enquadramento não encontra qualquer suporte na letra nem no espirito da norma, apresentando-se-nos como despropositada, forçada e criada a preceito dos interesses da Recorrente, ainda que contra legem. 12. A al b) do art.1187º CC aponta para os perigos de subtracção, destruição e dano, não abrangendo seguramente o “perigo de cobrança de créditos legalmente previstos no artigo 20º do Regulamento das Custas dos processos tributários devidos a depositário”. 13. A Recorrida cumpriu os deveres impostos nos arts.760º e 771º do CPC, art.1187º do CC e art.233º CPPT, sendo agora credora da respectiva remuneração (art.1199º do C.C.), calculada pelos preços tabelados, conforme resulta do art.1200º C.C conjugado com o vertido no art.1158º n.º 2 CC. 14. Tratando-se de sociedade comercial, com escopo lucrativo, cuja actividade profissional se prende precisamente com o depósito e guarda de mercadorias em trânsito, os encargos de armazenagem não podem deixar de ser, na falta de acordo, aqueles que resultam dos preços tabelados conforme decorre do art.1158º n.º 2 CC e art.404º CCom. 15. A Recorrida manteve o depósito e guardar da mercadoria durante cerca de 8 meses, período durante a qual não pode usar o espaço onde se encontravam aquelas mercadorias para depositar outras e assim obter os rendimentos próprios do exercício da sua actividade. 16. Não pode haver dúvidas que os encargos de armazenagem, desde a data da penhora até à data da remoção da mercadoria, são encargos próprios do processo executivo, porém, caso o órgão de execução fiscal entenda que a factura pelos encargos de armazenagem deve ser emitida em nome da Autoridade Tributária e Aduaneira, a Recorrida procederá à respectiva correcção. 17. As despesas com a guarda da mercadoria constituem encargos do processo executivo, pelo que a Reclamante emitiu a factura junta a fls … dos autos em nome da Executada, com expressa menção ao processo executivo em causa. 18. O vertido no art.17º n.º1 e n.º6 do Regulamento das Custas Judiciais não merece aplicação ao caso dos autos na medida em que a Recorrida não actuou como liquidatária, administradora nem encarregada da venda. 19. Assim, por todo o supra exposto, deve ser confirmada a douta sentença recorrida que sancionou com a ilegalidade, por violação do art.20º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, o despacho da Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 05/04/2016, conforme ofício nº6421. Nestes termos e os demais de direito deve a douta sentença recorrida ser confirmada, na íntegra, Assim se fazendo a Costumada Justiça!» ** ** Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.** De harmonia com o disposto nos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil (CPC) é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que aqui se não detectam. No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber: (i) se a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto; (ii) se a sentença incorre em erro de julgamento por considerar ao caso aplicável o artigo 20.º do Regulamento das Custas nos Processos Tributários (RCPT). ** A. DOS FACTOS Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos: «1. A Reclamante dedica-se à actividade de entreposto aduaneiro, tendo como objecto social “transporte de mercadorias e prestação de serviços, armazenagem não frigorífico e armazenagem frigorífico”. (Cfr. artigo 10º da PI não contestado e certidão permanente a fls. 42 a 52 dos autos). 2. No âmbito da sua actividade pratica os seguintes tarifários: 2. ARMAZENAGEM 2.2 ARMAZENAGEM ENTREPOSTO 2.3 ARMAZENAGEM EXPORTAÇÃO 2.4 ARMAZENAGEM GERAL 3. No decurso da actividade como entreposto aduaneiro, foi contactada pela sua cliente, ... - ..., Lda., que lhe solicitou a armazenagem de mercadoria, em representação da sua cliente, Grupo .... 4. A ... - ..., Lda. é uma empresa transitária que, no exercício da sua actividade, presta serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias. 5. A sociedade Grupo ..., com sede na Calle ..., Zamora 49159 Espanha, cliente da sociedade ..., com quem celebrou um contrato de prestação de serviços, é Executada nos presentes autos (cfr. fls. 1 do PEF apenso aos autos). 6. Em 17/08/2015, a AT procedeu à penhora e apreensão de bens da Executada para pagamento da quantia exequenda de € 297.832,11. 7. A mercadoria penhorada é composta por: 8. Na mesma data, no âmbito da referida penhora, o Órgão de Execução Fiscal constituiu como fiel depositária a ora Reclamante, tendo a mercadoria permanecido nas suas instalações. 9. A transitária ... assumiu as despesas de armazenagem perante a Reclamante até à data da penhora das mercadorias, data em que cessou, por caducidade, o contrato entre a transitária e o entreposto aduaneiro. 10. A Reclamante incorreu em encargos com a armazenagem da mercadoria penhorada, tendo remetido, em 30/12/2015, uma comunicação ao Serviço de Finanças de ..., solicitando o pagamento do valor de € 41.711,76, referente a encargos de armazenagem desde a data da penhora até ao dia 18/01/2016, data inicialmente projectada para a venda executiva. 11. Através do Ofício nº390, de 11/01/2016, a AT solicita o envio de comprovativos de encargos e expedição da respectiva factura. 12. Em 19/01/2016, em resposta ao mencionado Ofício, a Reclamante envia facturas dos encargos, desde 14/08/2015 a 24/02/2016, esclarecendo o facto de as mesmas serem emitidas ao cliente ... e procede à rectificação dos montantes, até à (nova) data designada para a venda - 24/02/2016. 13. Através do Ofício nº1195, de 26/01/2016, a Chefe do Serviço de Finanças decidiu: 14. Através dos Ofícios nº5248 e 5249, de 22/03/2016, a Reclamante foi notificada da adjudicação dos bens apreendidos, objecto da penhora, à sociedade M..., Lda. 15. Por requerimento datado de 30/03/2016, a Reclamante solicita à AT o reconhecimento do crédito decorrente dos encargos de armazenagem da mercadoria penhorada nos autos, desde 14/08/2015 a 22/03/2016, no valor de € 53.280,00, acompanhado de factura emitida em 28/03/2016, em nome de Grupo de .... 16. Por despacho datado de 05/04/2016, transmitido através do Ofício nº6421, de 08/04/2016, a Chefe do Serviço de Finanças de ... confirma e determina, na parte com relevo para a causa, que aqui se transcreve: 17. A presente reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças de ... a 22/04/2016 (cfr. carimbo a fls. 3 dos autos).» ** DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTOEntende a recorrente que foram incorrectamente julgados os pontos de facto que constam dos artigos 30º, 31º, 32º e 70º da petição inicial, dos artigos 4º, 46º a 55º da resposta da Fazenda pública, e dos pontos b), b2), 11, 12, 13, d2) da informação subjacente ao despacho reclamado. A primeira questão que se levanta no caso concreto diz respeito a saber-se se a recorrente cumpriu os pressupostos legais de que depende a reapreciação, por este Tribunal Central Administrativo, da matéria de facto, designadamente os requisitos definidos no artigo 640.º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. Estabelece este artigo 640.º nº 1, als. a), b) c), que deve, aquele que impugne a matéria de facto, especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Ora, lidas as alegações e conclusões de recurso, este Tribunal não pode deixar de concluir que, a este propósito, a recorrente não indicou os meios de prova que impunham uma decisão diferente daquela que foi feita na sentença recorrida. Assim, e quanto aos apontados factos cuja impugnação vem dirigida, e sem necessidade de outras considerações, é de rejeitar a impugnação da decisão proferida sobre os mesmos. B.DE DIREITO É pacífico nos autos que a reclamante ora recorrida foi nomeada fiel depositária em 17.08.2015, dos bens penhorados no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..., instaurado contra o executada «Grupo ...» para pagamento da quantia exequenda de € 297.832,11. E, foi nessa qualidade que a reclamante que solicitou ao Serviço de Finanças de ..., em 30.03.2016, o reconhecimento do crédito decorrente dos encargos de armazenagem da mercadoria penhorada nos autos, desde 14/08/2015 a 22/03/2016, no valor de € 53.280,00, acompanhado de factura emitida em 28/03/2016, em nome de Grupo de .... Sobre esta pretensão o órgão de execução fiscal elaborou as informações/pareceres e despacho (identificado ponto 16 do probatório) que aqui se transcrevem: DESPACHO Face ao alegado e á informação, conclusão e parecer acima vertida, analisada a prova documental, o enquadramento temporal do tramitado, observando-se todo o enquadramento jurídico, não é dado provimento ao solicitado, não sendo assim reconhecidos os créditos decorrentes de encargos de armazenagem. (…) Notifique-se deste despacho o fiel depositário, mandatário do fiel depositário, e S.F. .... S.F., ..., 2016/04/05, A chefe do Serviço de Finanças.». Notificado deste despacho, a reclamante dele apresentou reclamação para o Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). A sentença sob recurso deu razão à reclamante, depois de realçar: «Resultando do Probatório que a Reclamante foi constituída fiel depositária no âmbito do PEF em que é Executada Grupo ... (cfr. pontos 1., 5., 6., 7. e 8. do Probatório), e tendo incorrido em despesas com o depósito ou armazenamento da mercadoria penhorada, conclui-se que tais despesas se subsumem ao conceito de “encargos” previsto no artigo 20.º supra citado, pelo que deverá tal crédito peticionado ser reconhecido e integrar a conta de custas do processo executivo. Nestes termos, é despicienda a discussão sobre a onerosidade/gratuitidade do depósito (a que se referem os artigos 1158.º ex vi do artigo 1186.º do Código Civil), e bem assim, do valor do silêncio da Reclamante, ao qual a Fazenda Pública, (erroneamente, diga-se) atribui valor declarativo. Neste segmento, importa realçar que não assiste razão à Fazenda Pública que, aliás, faz transparecer evidente confusão de raciocínio jurídico – em síntese, não pode a Representante da Fazenda Pública declarar que as partes “concordaram” com o conteúdo do contrato de depósito (gratuito), extorquindo “valor constitutivo” ao silêncio da ora Reclamante, para, de seguida, fazer funcionar a presunção de gratuitidade. Refira-se a este propósito que a presunção legal em causa apenas funciona na medida em que não tenha havido acordo entre as Partes ou nada tenha sido estabelecido a esse respeito.». Inconformada com a referida decisão, a Fazenda Pública interpôs recurso para Tribunal Central Administrativo tendo formulado na sua motivação as conclusões supra transcritas. A questão nuclear que no caso dos autos se coloca é aferir da legalidade do despacho aqui visado [proferido na sequência do requerimento apresentado em 30/03/2016 (cfr.pontos 15. e 16. do probatório)] circunscrita à fundamentação de facto e de direito eleita para a sua determinação. Apuremos, então, do mérito do recurso. A figura do depositário surge em diversos institutos e situações judiciárias sendo a grande maioria das vezes um particular que colabora temporariamente com o tribunal assumindo o papel de um verdadeiro auxiliar da Justiça (A. dos Reis in Processo de execução pág. 136 e segs.). Impendem sobre o depositário, para além dos deveres específicos consignados no artigo 233.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), os deveres gerais constantes do Código Civil (CC), nomeadamente os de guardar a coisa e restituí-la, com os seus frutos (cfr. artigo 1187.º alíneas a) e c), do CC). No entanto os poderes e deveres do depositário judicial são, em grande parte, diversos dos do depositário convencional dado que este é essencialmente um guarda e aquele além de guarda é administrador e, porque o é, está sujeito ao regime geral dos administradores de bens alheios, regime que tem a sua expressão mais característica na obrigação de prestação de contas (cfr. artigo 760.º do CPC). Em face do que fica dito, constituindo a retribuição do depositário um encargo que entra em regra de custas, aferido nos termos supra apontados, e tendo o pedido sido apresentado após a consumação da venda dos bens penhorados, no processo em que a execução, não pode o acto reclamado manter-se na Ordem Jurídica embora de acordo com a fundamentação acima exposta. Em face do que fica dito, ter-se-á que julgar improcedente o recurso. IV.CONCLUSÕES I. Os poderes e deveres do depositário judicial são, em grande parte, diversos dos do depositário convencional dado que este é essencialmente um guarda e aquele além de guarda é administrador e, porque o é, está sujeito ao regime geral dos administradores de bens alheios, regime que tem a sua expressão mais característica na obrigação de prestação de contas (cfr. artigo 760.º do CPC). II. Na nomeação de fiel depositário (no caso ocorrida no âmbito do processo de execução) não existe uma relação de direito privado que possa ser enquadrável na definição de contrato de depósito, nos termos e no regime legal constante do artigo 1185º do CC, já que nenhum contrato é feito entre a Administração Tributária, e o particular a quem é cometida a incumbência do depósito III. Desta forma, faz sentido afirmar que o depositário que é investido na guarda de um bem por determinação da Administração Tributária é sujeito de uma relação jurídica de direito público. IV. Tendo, numa execução fiscal, o contribuinte sido nomeado depositário e como tal constituído na obrigação de prestar contas por se tratar de um administrador de bens alheios e enquanto «interveniente acidental» no processo de execução fiscal, a retribuição devida pelo depósito cai na alçada no artigo 17º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais. V.DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, com a fundamentação antecedente, anular o acto reclamado. Custas a cargo da recorrida. Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018. [Ana Pinhol] [Jorge Cortês] [Cristina Flora] |