Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1993/17.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:MARIA HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – PERICULUM IN MORA
Sumário:I - O princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como acolhido constitucionalmente no artigo 268º nº 4 da CRP e explicitado no artigo 2º nºs 1 e 2 alínea q) do CPTA, compreende “…a possibilidade (…) de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”, designadamente em termos que “…a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponda a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: (…) a adoção das providências cautelares adequadas para assegurar o efeito útil das decisões a proferir em processo declarativo”.
II - É precisamente por as providências cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA, “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
III - A questão de saber se na situação concreta existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência implica, também, ter-se presente o sentido e conteúdo do ato administrativo relativamente ao qual é pretendida a respetiva suspensão de eficácia até que seja definitivamente decidida na ação principal a sua invocada ilegalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

F……………., C…………………, J…………….., J………………….., M………….., G………….. e T…………… (todos devidamente identificados nos autos) requerentes no Processo Cautelar que instauraram no Tribunal Administrativo de Circulo de L........... em que é requerido o M………….. DE L………….. e contra-interessada a s………c…….. C… – ECP VII – I………., Lda. (igualmente devidamente identificada nos autos) – no qual peticionaram o decretamento de providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de 03/07/2017 do Vereador da C…… M…….. de L…………que aprovou o projeto de arquitetura apresentado no procedimento de licenciamento de obras de reabilitação, com alteração e ampliação, do prédio urbano identificado nos autos, e bem assim o decretamento provisório da providência, com intimação da contra-interessada a não proceder, direta ou indiretamente, a quaisquer obras – inconformada com a sentença de 26/01/2018 do Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido cautelar, dela interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1ª A sentença recorrida não se pronunciou sobre questão essencial para a decisão do presente litígio, cujo conhecimento a lei impõe, devendo ter sido apreciada e decididas todas as questões relativas a prejuízos invocados pelos Recorrentes, aqui se incluindo o ruído com obras e os prejuízos ao seu bom nome e imagem, pelo que é nula por omissão de pronúncia (arts. 608.º e 615.º/1/d) do CPC; - Cf. texto n.ºs 1 a 3;

2ª A douta sentença recorrida enferma ainda de erros de julgamento, sendo manifesto que o requisito do periculum in mora se encontra verificado in casu, pois a execução imediata do acto sub judice causa prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação aos Recorrentes, e que não respeitam apenas a prejuízos patrimoniais, mas ao próprio bom nome e reputação dos Recorrentes, os quais poderão ver-se obrigados a exercer as suas funções num prédio em obras e que viola normas do P…. D….. M……… de L………., bem como, no limite, serem despejados do imóvel locado verificando-se o fundamento para o decretamento da providência requerida nos termos do n.º 1 do art. 120º do CPTA - Cf. texto n.ºs 4 a 6;

3ª A sentença recorrida violou, ainda, o princípio da proporcionalidade e o princípio da livre iniciativa económica privada, constitucionalmente protegidos, ao decidir que o eventual despejo ou o exercício de atividade dos Recorrentes em condições ruidosas causadas por obras executadas na prossecução de atos administrativos ilegais não constituía qualquer prejuízo de difícil reparação - Cf. texto n.ºs 4 a 6;

4ª Deve assim ser deferida a providência cautelar requerida e, em consequência, ser ordenada a suspensão de eficácia do despacho do S…. V….da C…… M….. de L…..; Exmo. Senhor Arq. M........S........., de 03.07.2017, que deferiu o projeto de arquitetura apresentado pela contra-interessada para o edifício sito na Av……………., 23, em L……… - Cf. texto n.ºs 1 a 6;

5ª A sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 120.º do CPTA, 615º do CPC, 42º e 44º do RPDMLx, 70º, 79º e 268º da CRP.


O requerido M........ L......... contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, formulando o seguinte quadro conclusivo:
1. Os ora Recorrentes, em sede de alegação do periculum in mora, não alegaram um único prejuízo decorrente do acto impugnado, acto esse, consubstanciado na aprovação do projecto de arquitectura no processo nº…./…./2016;

2. Bem como, nenhum dos prejuízos alegados pelos Recorrentes são capazes de integrarem o critério do periculum in mora;

3. Os prejuízos alegados pelos Recorrentes decorrem da denúncia do contrato de arrendamento, cujo regime aplicável é o direito privado.

4. Face à iminência da desocupação do imóvel, os ora Recorrentes, lançaram mão da presente providência cautelar, “ficcionando” ilegalidades ao acto administrativo, de forma a conseguirem pela via administrativa, a suspensão da denúncia do contrato de arrendamento

5. Não foi alegado pelos Requerentes um único prejuízo decorrente da alegada violação de normas urbanísticas, que só agora invocam de forma vaga e genérica no ponto 2 das suas conclusões

6. A alegação de que o ruído causado pelas obras, provoca o seu descrédito e do seu bom nome no mercado, não consubstanciam de forma alguma, factos que permitam ao tribunal considerar preenchidos os pressupostos do periculum in mora.

7. Face à total ausência de alegação de danos concretos por parte dos Recorrentes, não se vislumbra em que medida a sentença recorrida possa ter violado o disposto no nº 2 do artigo 120º do CPTA, ou seja, o critério de ponderação de interesses.

8. O preenchimento do nº 1 do artigo 120º é absolutamente necessário, para que se acione a cláusula de salvaguarda prevista no nº2, o que, no caso em apreço, como se viu, não sucedeu.

9. Assim, sempre seria inútil entrar na análise do requisito do nº 2 do artigo 120º do CPTA.


A contra-interessada também contra-alegou pugnando igualmente pela improcedência do recurso, terminando com o seguinte quadro conclusivo:
a) É manifesto que a douta sentença recorrida se pronunciou sobre todos os prejuízos alegados pelos Autores e analisou de forma cristalina e destacada o «periculum in mora» sustentado pelos Autores;

b) Depois de analisados todos os prejuízos a douta sentença entendeu «que não ocorre uma situação de periculum in mora e não se verificando este requisito para o decretamento da providência cautelar, tal compromete irremediavelmente a concessão da providência, pelo que, prejudicados ficam os demais pressupostos previstos no artigo 120º, nº 1, 2ª parte e nº 2 do CPTA»;

c) A douta sentença recorrida teve em consideração todos os prejuízos alegados pelos Autores e pronunciou-se expressamente sobre os mesmos, pelo que não assiste qualquer razão aos Recorrentes ao invocarem que a douta sentença é nula por omissão de pronúncia;

d) A fundamentação dos Recorrentes para sustentar os seus alegados prejuízos é vaga, imprecisa, e totalmente omissa em relação a qualquer facto ou dado concreto;

e) No caso em análise, e no sentido de sustentarem os seus alegados prejuízos resultantes do ato que aprovou o projeto de arquitetura do licenciamento promovido pela contrainteressada, os Autores limitaram-se a sustentar o seguinte: i) Terão que desocupar o espaço arrendado, no âmbito da denúncia do contrato de arrendamento para a realização de obras por parte da contrainteressada; ii) Não lhes é possível arrendar um imóvel na zona central de L..........., próxima da localização do edifício arrendado por valores adequados aos valores que auferem por consultas e pacientes; iii) Que irão suportar um prejuízo estimado anual de € 450.000,00;

f) Os Autores não concretizam que dificuldades existem em arrendar um imóvel na zona central de L..........., próxima da localização do edifício arrendado. Nem tão pouco que procura poderão ter efetuado nesse sentido. A expressão «valores adequados» é tão subjetiva quanto impercetível, não referindo os Autores um único valor que, alegadamente, «auferem por consultas e pacientes». Nem tão pouco de que modo, e em que termos, sofrerão um prejuízo «estimado de € 450.000,00»;

g) Os Autores não demonstram, de modo algum, quaisquer prejuízos e muito menos que os mesmos sejam de difícil reparação, pois a difícil reparação prevista na lei não se compadece com alegadas dificuldades de arrendamento de um espaço e muito menos com valores não concretizados;

h) Face à total ausência de alegação de danos concretos por parte dos Recorrentes, não se vislumbra em que medida a sentença recorrida possa ter violado o disposto no nº 2 do artigo 120º do CPTA, ou seja, o critério de ponderação de interesses, sendo certo que ainda que houvesse lugar à ponderação de interesses, não se vislumbra quais são as consequências e riscos sérios, graves e iminentes, para os interesses dos Requerentes, os quais não são concretizados minimamente pelos Requerentes;

i) A ação cautelar apresentada pelos Autores, bem como as suas alegações de recurso, consubstanciam um conjunto de factos e argumentos jurídicos manifestamente improcedentes, tentando os Autores, com o pedido de anulação de acto administrativo que apresentaram nos autos, unicamente protelar de forma injustificada a entrega à contrainteressada do espaço que atualmente ocupam no prédio em causa nos autos;

j) Os Autores pretendem, de forma totalmente injustificada e infundamentada, trazer para a discussão nos Tribunais Administrativos uma questão de natureza única e exclusivamente obrigacional que mantêm com a contrainteressada - a validade da resolução do contrato de arrendamento existente entre os Autores e a contrainteressada, e que tem por objeto o 1º andar do prédio urbano sito na Av……….. nº 23, em L………..;

k) A douta sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento devendo, como tal, ser mantida na íntegra.


Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.


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Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face das conclusões formuladas pela recorrente as questões essenciais a decidir no presente recurso são:
- saber se a sentença recorrida incorre em nulidade por omissão de pronuncia - (conclusão 1ª das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificado o requisito do periculum in mora, em termos que ao invés de ter indeferido a providência cautelar a devia ter decretado - (conclusões 2ª a 5ª das alegações de recurso).

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:

A) Os Requerentes exercem a profissão de médicos – facto admitido por acordo;

B) Os Requerentes são arrendatários do 1.º andar, do prédio sito na Av…………, n.º 23, em L………. - facto admitido por acordo e cfr. documento junto com o requerimento cautelar com o n.º 2;

C) Encontra-se inscrita no registo predial a favor da Contrainteressada, a aquisição do prédio urbano sito na Av…………….., n.ºs 23, 23-A, 23-B, 23-C, 23-D, 23-E e 23-F, da f………… das A…….. N……… em L…….., com a descrição n.º ........./........ – cfr. documento junto com o requerimento cautelar com o n.º 3;

D) Em 27 de dezembro de 2016, a Contrainteressada apresentou junto da Entidade Requerida requerimento para licenciamento de obras de reabilitação, com alteração e ampliação do prédio urbano identificado na alínea antecedente – cfr. fls. 1 e ss. do PA;

E) Em 26 de janeiro de 2017, mediante notificação judicial avulsa, a Contrainteressada comunicou aos Requerentes, nomeadamente, o seguinte:
“(...).
O Prédio foi objeto de um pedido de licenciamento destinado a realizar obras de profunda alteração e remodelação do Prédio, apresentado pela COM C…….. M……..de L........... no dia 27 de Dezembro de 2016, que deu origem ao Processo n.º 2134/EDI/2016 (...).
(...).
A operação urbanística em causa, que terá por objeto o Prédio, implicará a execução de obras de reconstrução com demolições, remodelação e restauros profundos, as quais obrigam a uma praticamente total desocupação de todos os espaços, divisões, frações, andares habitacionais do prédio, que se encontram ou venham a encontrar ocupados e/ou arrendados no Prédio, onde se inclui o espaço Arrendado a V. Exas..
(...).
Acresce que com a finalização da obra, o espaço que se encontra atualmente arrendado a V. Exas. deixará de existir tal como se encontra atualmente (...), dando a fração ocupada por V. Exas. origem a um conjunto de frações autónomas de uso habitacional, bem como origem a diversos espaços de circulação no prédio.
(...).
Assim, a COM vem, através da presente comunicação, ao abrigo do disposto nos artigos 1101.º, alínea b), e 1103º, n.º 11, do Código Civil, e do disposto nos artigos 1º, 6º, 7º e 8º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, todos por aplicação do artigo 1110.º, n.º 1, do Código Civil, proceder à denúncia do contrato de arrendamento que tem por objeto o 1.º andar do prédio urbano sito na Av…………… , n.ºs 23, 23-A, 23-B, 23-C, 23-D, 23-E e 23-F, em L………..
A denúncia produzirá efeitos no dia 31 de Agosto de 2017, data limite para a entrega do espaço arrendado livre e devoluto de pessoas e bens (...).”- cfr. documento junto com o requerimento cautelar com o n.º 6;

F) Em resposta à notificação judicial avulsa referida na alínea antecedente, os Requerentes dirigiram à Contrainteressada, uma comunicação escrita, datada de 17 de fevereiro de 2017, junta com o requerimento cautelar como documento n.º 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

G) Em 01 de agosto de 2017, mediante notificação judicial avulsa, a Contrainteressada comunicou ao Requerente F............, nomeadamente, o seguinte:

“(...).
A OCM vem, pela presente, nos termos do disposto no Artigo 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, enviar para V. Exa. o comprovativo do deferimento do pedido de licenciamento referido no parágrafo anterior, conforme documento cuja cópia adiante se junta.
Assim, a OCM confirma a denúncia do contrato de arrendamento que tem por objeto o 1.º andar do prédio urbano sito na AV............, n.ºs 23, 23-A, 23-B, 23-C, 23-D, 23-E e 23-F, em L............
A denúncia produzirá efeitos no dia 30 de Setembro de 2017, data limite para que V. Exa. proceda à entrega do espaço arrendado livre e devoluto de pessoas e bens.” cfr. documento junto com o requerimento cautelar com o n.º 9;

H) Em 03 de julho de 2017, pelo V……. da C…….. M…….. de L..........., M........S........., foi proferido despacho de aprovação do projeto de arquitetura apresentado no procedimento de licenciamento referido em D) – cfr. fls. 271 a 272 do PA;

I) O despacho referido na alínea antecedente foi exarado sob a Informação da Chefe da Divisão de Licenciamento Urbanístico de 27 de junho de 2017, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 261 a 271 do PA.

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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Após dispensar a realização de diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, invocando o disposto no artigo 118º nº 3 do CPTA, a Mmª Juíza do Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida pela qual julgou improcedente o pedido cautelar.
Decisão que tendo por base a matéria de facto que deu como provada, assentou na consideração de que não se encontrava preenchido o requisito do periculum in mora, com a seguinte fundamentação, que com utilidade para a apreciação do presente recurso se passa a transcrever:
«(…)
In casu, os Requerentes, para sustentarem o preenchimento deste requisito, referem que, não se suspendendo o ato sub judice terão de abandonar o edifício até ao dia 30/09/2017, o que é manifestamente inadmissível pois a Contrainteressada pretende aplicar o regime previsto nos artigos 1101.º, alínea b) e 1103.º, n.º 11 do Código Civil e o disposto nos artigos 1.º, 6.º, 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 08/08, que permite a denúncia do contrato de arrendamento para realização de obras que impliquem o abandono do locado com base num ato de deferimento inválido; que, atualmente, não é possível aos Requerentes arrendarem um imóvel em zona central da cidade de L..........., próxima da localização do edifício sub judice por valores adequados aos valores pelos mesmos auferidos por consulta a pacientes e que a denúncia do contrato de arrendamento, tem por consequência que os Requerentes abdiquem de manter a sua atividade na cidade de L..........., com elevados prejuízos, que atualmente se estimam em € 450.000,00/ano, correspondente ao total das perdas anuais dos Requerentes por se verem forçados a abandonar o locado; caso a ação administrativa a propor seja julgada procedente, será impossível o reinício da atividade dos Requerentes no mesmo local se a obra continuar e, consequentemente, o imóvel locado for demolido para dar origem a apartamentos, pelo que a reparação in natura será inviável e a perda de clientela será inevitável.
Por seu lado, a Entidade Requerida sustentou que nenhum prejuízo alegado pelos Requerentes decorre do licenciamento em curso, bem como não são capazes de integrarem o critério do “periculum in mora”, derivando, antes da denúncia do contrato de arrendamento, o qual assenta numa relação jurídico-privada.
Diga-se, desde já, que assiste razão à Entidade Requerida.
Como resultou indiciariamente provado, a Contrainteressada procedeu à denúncia do contrato de arrendamento celebrado com os Requerentes e que tem por objeto o 1.º andar do prédio sito na AV............, n.ºs 23, 23-A, 23-B, 23-C, 23-D, 23-E e 23-F, em L..........., intimando-os a procederem à entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens, inicialmente até 31 de agosto de 2017 e, após, até 30 de setembro de 2017.
Ora, os alegados prejuízos invocados pelos Requerentes têm a sua origem na comunicação da denúncia do contrato de arrendamento e consequente intimação à entrega do locado até 30 de setembro de 2017. Ao contrário do que alegam os Requerentes, não foi o ato suspendendo que determinou esta intimação de entrega do locado até àquela data. Aliás, mesmo que fosse decretada a providência cautelar ora requerida, ainda assim, a comunicação de denúncia do contrato de arrendamento e intimação para entrega do locado mantinha-se, pelo que, os alegados prejuízos invocados pelos Requerentes manter-se-iam e em nada seriam salvaguardados pela procedência do presente processo cautelar.
Conclui-se, assim, que, sem a existência de danos decorrentes da relação jurídico-administrativa que se visa prevenir com a tutela cautelar, não se poderá concluir pela verificação de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, pelo que a providência requerida está votada ao insucesso e, como tal, o presente processo terá que improceder.
Conclui-se, assim que não ocorre uma situação de periculum in mora e não se verificando este requisito para o decretamento da providência cautelar, tal compromete irremediavelmente a concessão da providência, pelo que, prejudicados ficam os demais pressupostos previstos no artigo 120.º, n.º 1, 2.ª parte e n.º 2 do CPTA
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2. Da análise e apreciação do recurso
2.1 Da invocada nulidade por omissão de pronúncia
2.1.1 Os recorrentes invocam que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos dos artigos 608º e 615º nº 1 alínea d) do CPC, por não ter apreciado nem decidido a questão jurídica do pressuposto do periculum in mora considerando todos os prejuízos invocados, por ainda que se considerasse que os requerentes têm outro meio próprio para impedir o seu despejo do imóvel locado, podendo assim evitar os prejuízos daí decorrentes, como entendeu a sentença recorrida, tal facto não evita os prejuízos decorrentes das obras a realizar no edifício, nem sequer os prejuízos, também invocados pelos requerentes, decorrentes de um eventual exercício da atividade por parte dos requerentes num edifício que, manifestamente, violará normas urbanísticas – (vide conclusão 1ª das alegações de recurso).
2.1.2 A alínea d) do nº 1 do artigo 615º nº 1 do CPC novo dispõe que é nula a sentença quando “…o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do CPC novo de acordo com o qual o juiz “…deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”.
Tal nulidade serve, assim, de cominação ao desrespeito de tal dever e só ocorre quando o juiz não conheça de questões essenciais para dirimir a lide que as partes tenham submetido à sua apreciação, traduzidas no binómio pedido/causa de pedir e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras (vide a este respeito, entre outros, os Acórdãos deste TCA de 11/02/2010, Proc. 05531/09 e de 09/07/2009, Proc. 03804/08, in, www.dgsi.pt/jtcas e o Acórdão do STA de 11/02/2009, Proc. 0217/08, in, www.dgsi.pt/jsta).
2.1.3 Como é sabido a razão da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes.
2.1.4 As providências cautelares estão sujeitas aos critérios gerais de decisão previstos no artigo 120º do CPTA revisto (DL n.º 214-G/2015) nos seguintes termos:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 — Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.

2.1.5 A sentença recorrida enfrentando o pedido cautelar concretamente formulado pelos requerentes – a suspensão de eficácia do identificado despacho que aprovou o projeto de arquitetura do procedimento de licenciamento de obras de reabilitaçãodebruçou-se sobre a apreciação do requisito do periculum in mora a que alude a primeira parte do nº 1 do artigo 120º (“fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”), que veio a considerar não verificado pelos fundamentos nela expostos, supra transcritos.
2.1.6 Nessa apreciação a sentença não deixou de considerar o interesse visado pelos requerentes com a decretação da providência, em concreto, o de obstarem à desocupação do imóvel (na parte que lhes está arrendada) na sequência da denúncia do contrato de arrendamento feita operar pela contra-interessada ao abrigo dos artigos 1101º alínea b) e 1103º do Código Civil com fundamento na realização de obras de remodelação profundos que obrigavam a sua desocupação. E bem assim os danos e prejuízos que alegaram nesse contexto.
2.1.7 O que significa que, neste aspeto, a sentença não omitiu o conhecimento ou apreciação de qualquer questão. Se existem danos que a sentença recorrida não considerou no juízo que fez em tal domínio então, o que ocorrerá, é erro de julgamento, e não omissão de pronúncia.
2.1.8 Sendo certo, percorridos os artigos 90º a 101º do requerimento inicial da providência, que são aqueles aos quais os requerentes dedicaram à invocação dos prejuízos e danos decorrentes para si com a denúncia do contrato de arrendamento e consequente desocupação do locado, neles não é referido o que os recorrentes agora vertem no recurso, mormente quanto a eventuais danos «decorrentes de um eventual exercício da atividade por parte dos requerentes num edifício que, manifestamente, violará normas urbanísticas» a que agora se referem. No que se traduz, portanto, numa alegação nova.
2.1.9 Sendo assim, há que concluir que a sentença recorrida não incorre na nulidade por omissão de pronúncia propugnada pelos recorrentes. Improcedendo, pois, neste aspeto, o recurso.
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2.2 Do invocado erro de julgamento quanto ao requisito do periculum in mora
2.2.1 Pugnam os recorrente enfermar a sentença recorrida de erro de julgamento quanto ao requisito do periculum in mora, que defendem encontrar-se verificado por a execução imediata do ato suspendendo causar prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação aos requerentes, os quais não respeitam apenas a prejuízos patrimoniais, mas ao seu próprio bom nome e reputação, podendo ver-se obrigados a exercer as suas funções num prédio em obras e que viola normas do P…. D…. M……. de L..........., bem como, no limite, serem despejados do imóvel locado; que ainda que o despacho vertente venha a ser anulado ou declarado nulo em sede da ação administrativa principal, tal acontecerá apenas após os requerentes sofrerem severos prejuízos com a realização das obras ou, mesmo, com o seu despejo; que contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não se mantendo o ato administrativo impugnado válido, será inválida a denúncia comunicada pela Contra-Interessada, pelo que a mesma não se manteria, sendo, consequentemente, salvaguardados os prejuízos invocados pelos Recorrentes; que a sentença recorrida violou, ainda, o princípio da proporcionalidade e o princípio da livre iniciativa económica privada, constitucionalmente protegidos, ao decidir que o eventual despejo ou o exercício de atividade dos Recorrentes em condições ruidosas causadas por obras executadas na prossecução de atos administrativos ilegais não constituía qualquer prejuízo de difícil reparação, em termos que, ao invés de ter sido indeferida devia ter sido decretada – (vide conclusões 2ª a 5ª das alegações de recurso).
2.2.2 O princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como acolhido constitucionalmente no artigo 268º nº 4 da CRP e explicitado no artigo 2º nºs 1 e 2 alínea q) do CPTA, compreende “…a possibilidade (…) de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”, designadamente em termos que “…a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponda a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: (…) a adoção das providências cautelares adequadas para assegurar o efeito útil das decisões a proferir em processo declarativo”. Mas a decretação da providências cautelares depende, obviamente, do preenchimento das condições necessárias para o efeito à luz dos critérios legais ínsitos no artigo 120º do CPTA.
Ora, é precisamente por as providências cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal (o que tem por objeto a decisão sobre o mérito do litígio) que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA (“fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”) – cfr., entre muitos outros, o acórdão deste TCA Sul de 23/11/2017, Proc. 22/17.2BELSB, in, www.dgsi.pt/jtca – e pela mesma razão a lei faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus boni iuris) – cfr., entre muitos outros, o acórdão deste TCA Sul de 31/01/2018, Proc. 269/17.1BESNT, in, www.dgsi.pt/jtca.
2.2.3 O periculum in mora enquanto requisito para a decretação de uma providência cautelar tal como previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 120º do CPTA revisto, exige que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Tal significa que a questão de saber se na situação presente existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência implica, também, ter-se presente o sentido e conteúdo do ato administrativo relativamente ao qual é pretendida a respetiva suspensão de efeitos (suspensão de eficácia) até que seja definitivamente decidida na ação principal a sua invocada ilegalidade.
2.2.4 Na situação dos autos temos que o ato administrativo cuja suspensão de eficácia é pretendida pelos requerentes é o despacho datado de 03/07/2017 do V….. da C……. M…… de L........... que aprovou o projeto de arquitetura apresentado no procedimento de licenciamento de obras de reabilitação, com alteração e ampliação, do prédio urbano identificado nos autos, de que os requerentes são em parte arrendatários (1º andar do nº 23).
Ato que os requerentes sustentaram ser ilegal, pelos fundamentos que expuseram no requerimento inicial da providência.
Mas o que visam com a providência é obstar à efetivação da denúncia do contrato de arrendamento, feita operar pela contra-interessada com invocação dos artigos 1101º alínea b) e 1103º nº 11 do Código Civil e dos artigos 1º, 6º, 7º e 8º do DL. nº 157/2006, de 8 de Agosto, por aplicação do artigo 1110º nº 1 do Código Civil, ou seja, com fundamento na realização de obras de remodelação profundas do imóvel que obrigam à sua desocupação, com a desocupação do imóvel (entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens), a qual deveria ocorrer até 30 de setembro de 2017.
2.2.5 Ora, como de certa maneira a sentença recorrida não deixa de entender, não é o identificado despacho do V…….. C…….. M…… de L........... aprovador do projeto de arquitetura o gerador dos efeitos que os requerentes querem afastar (suspender). Como nela se disse, os prejuízos invocados pelos requerentes têm a sua origem na denúncia do contrato de arrendamento, com a consequente obrigação de entrega do locado, feita operar pela contra-interessada na qualidade de proprietária-senhoria.
2.2.6 Atenha-se que nos termos do disposto no artigo 1101º alínea b) do Código Civil o senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada “…para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado”.
Sendo que a comunicação para denúncia do contrato de arrendamento com tal fundamento deve, nos termos do disposto no artigo 1103º do Código Civil, ser feita “…mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a seis meses sobre a data pretendida para a desocupação e da qual conste de forma expressa, sob pena de ineficácia, o fundamento da denúncia” (nº 1), a qual deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, “…do comprovativo de que foi iniciado, junto da entidade competente, procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efetuar no locado” e “…do termo de responsabilidade do técnico autor do projeto legalmente habilitado que ateste que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição ou de uma obra de remodelação ou restauro profundos e as razões que obrigam à desocupação do locado” (nº 2).
Estabelecendo ainda o nº 3 do artigo 1103º do Código Civil que a denúncia “… é confirmada, sob pena de ineficácia, mediante comunicação ao arrendatário, acompanhada dos seguintes documentos: a) alvará de licença de obras ou título da comunicação prévia; b) Documento emitido pela câmara municipal, que ateste que a operação urbanística constitui, nos termos da lei, uma obra de demolição ou uma obra de remodelação ou restauro profundos para efeitos de aplicação do disposto na alínea b) do artigo 1101.º, quando tal não resulte do documento referido na alínea anterior.” Tendo então a desocupação lugar “…no prazo de 60 dias contados da receção da confirmação, salvo se não se encontrar decorrido o prazo previsto no n.º 1, caso em que a desocupação tem lugar até ao termo do último dos prazos” (nº 4).
E nos termos do disposto no artigo 8º do DL. nº 157/2006, de 8 de agosto (Regime jurídico das obras em prédios arrendados) a denúncia deve ser confirmada, sob pena de ineficácia, “…mediante comunicação ao arrendatário, acompanhada de: a) Comprovativo de deferimento do correspondente pedido, no caso de operação urbanística sujeita a licença administrativa; ou b) Comprovativo de que a pretensão não foi rejeitada, no caso de operação urbanística sujeita a comunicação prévia” (nº 3), caso em que a desocupação em lugar no prazo de 60 dias contados da receção da confirmação (salvo se não se encontrar decorrido o prazo previsto no n.º 1, caso em que a desocupação tem lugar até ao termo do último prazo) (nº 3).
2.2.7 Se nos termos das disposições conjugadas dos nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 1103º do Código Civil e dos nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 8º do DL. nº 157/2006 a denúncia do contrato de arrendamento deve ser confirmada perante o arrendatário, sob pena de ineficácia, obtido que seja o licenciamento (ou título da comunicação prévia, se for o caso), o qual deve ser remetido ao arrendatário, não podendo a desocupação ter lugar em prazo inferior a 60 dias contados da receção dessa confirmação, então há que reconhecer que o inquilino tem interesse na suspensão de eficácia do ato de licenciamento das obras, retirando dela utilidade, que é a de obstaculizar, por essa via, que o senhorio possa proceder à confirmação da denúncia do contrato exigida pelos artigos 1103º nº 3 do Código Civil e e 8º nº 3 do DL. nº 157/2006, impedindo, concomitantemente, a obrigação de entrega do locado, a qual só poderá ocorrer após a referida confirmação da denúncia.
2.2.8 Sucede que no caso essa confirmação foi feita pela contra-interessada através da notificação judicial avulsa efetuada em 01/08/2017, com a qual foi remetido o documento comprovativo do ato de licenciamento (vide G) do probatório). Efetivando-se, assim, a denúncia do arrendamento, e a consequente obrigação de entrega do locado pelos inquilinos, aqui requerentes.
E é por essa razão que deve considerar-se válida a asserção, feita pela sentença recorrida, de que mesmo que fosse decretada a providência cautelar requerida, de suspensão de eficácia daquele despacho, ainda assim manter-se-íam os efeitos da comunicação de denúncia do contrato de arrendamento e intimação para entrega do locado.
2.2.9 Por outro lado em face do julgamento da matéria de facto feito na sentença recorrida, que não vem impugnado no presente recuso, não pode o Tribunal ad quem formar qualquer juízo agora propugnado pelos recorrentes no sentido da verificação de periculum in mora.
2.2.10 Sendo certo que, como bem é sustentado nas contra-alegações de recurso, os requerentes não concretizaram, no requerimento inicial da providência, os danos e prejuízos decorrentes da efetivação da denúncia do arrendamento e entrega do locado, já que o que ali invocaram são juízos conclusivos, sem qualquer densificação ou concretização.
Com efeito o que as requerentes ali alegaram a tal respeito, e com vista a demonstrar o preenchimento do requisito do periculum in mora, é que atualmente, não lhe é possível arrendarem um imóvel em zona central da cidade de L..........., próxima da localização do edifício em causa, por valores adequados aos valores pelos mesmos auferidos por consulta a pacientes; que a denúncia do contrato de arrendamento tem por consequência que abdiquem de manter a sua atividade na cidade de L..........., com elevados prejuízos para os mesmos, que estimam em € 450.000,00/ano, correspondente ao total das perdas anuais, por se verem forçados a abandonar o locado e que caso a ação administrativa a propor seja julgada procedente será impossível o reinício da atividade dos requerentes no mesmo local se a obra continuar e, consequentemente, o imóvel locado for demolido, sendo inviável a reparação in natura e inevitável a perda de clientela.
Ora as premissas que os requerentes usam, no seu raciocínio silogístico, para justificarem a sua conclusão, que pretendem que o Tribunal corrobore, não consubstanciam realidades factuais concretas e objetivas, como se impunha, para que pudessem ser, em primeiro lugar contraditadas pelos requeridos, e em segundo lugar aferidas pelo Tribunal. Na verdade ali nada indicam os requerentes acerca do volume de faturação dos requerentes (incluindo por referência à atividade médica desenvolvida naquele locado), nem do valor atual da renda, nem dos valores praticados no mercado de arrendamento para um imóvel (fração) com as características do atual na mesma zona ou imediações, nem ainda da essencialidade daquela concreta localização para a atividade que desenvolvem, designadamente para manutenção da sua clientela e da rentabilidade da atividade.
2.2.10 Aqui chegados, não pode concluir-se o propugnado pelos recorrentes no sentido de se encontrar verificado, no caso, o requisito do periculum in mora. E se assim é, tem que manter-se a decisão de improcedência da providência cautelar requerida, ficando prejudicado o demais.
Com efeito, não se verificando o requisito do periculum in mora isso implica, necessariamente que o desfecho do pedido cautelar não pode ser outro que não o indeferimento, sendo concomitantemente inútil e infrutífero aferir do preenchimento dos demais requisitos, mormente o da ponderação dos interesses previsto no nº 2 do CPTA revisto e respetiva proporcionalidade a que os requerentes fazem apelo.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelos recorrentes - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 24 de maio de 2018
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)

António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos

Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (Voto de vencida)

Voto de Vencida

Compulsados os autos a que se referem o presente processo cautelar verifica-se que foi julgado em primeira instância a falta de verificação do pressuposto do periculum in mora e, consequentemente, o indeferimento da providência cautelar requerida.


Porém, ao contrário do decidido na sentença recorrida e agora mantido pela posição que faz vencimento, entendemos que o caso factual configurado em juízo permite dar por demostrado tal requisito de decretamento da providência cautelar.

Nesse sentido, concederia provimento ao recurso, na parte em que se alega o erro de julgamento da sentença recorrida a respeito da falta de verificação do requisito do periculum in mora, por o considerar demonstrado no caso configurado em juízo.

Lisboa, 24 de maio de 2018.


(Ana Celeste Carvalho)