Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1134/16.5BES
Secção:CT
Data do Acordão:07/28/2017
Relator:BARBARA TAVARES TELES
Descritores:ANULAÇÃO DE VENDA
INSOLVÊNCIA
Sumário:1. A declaração de insolvência obstava à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o executado, sendo o espírito e o escopo dos preceitos legais que ordenam a sustação e apensação dos processos executivos em curso, nos termos do artº 180º do CPPT, o da salvaguarda dos bens que pertencem à massa insolvente.
2. Assim, nas acções envolvendo questões relativas aos bens que integram a massa falida, nenhuma utilidade tem o prosseguimento da lide, após a declaração de insolvência, podendo mesmo entender-se que há impossibilidade superveniente de tais lides, por força do princípio da universalidade ou plenitude da instância falimentar, deixando a acção autónoma de ser o processo próprio para apreciação de tais questões.
3. Sendo assim, como é, tendo-se a venda judicial efectivada em data posterior à declaração de insolvência a venda não podia ser feita no PEF, uma vez que aqueles autos deveriam ter sido apensados aos autos de insolvência, nos termos do disposto nos artigos 180° do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.RELATÓRIO

M... , inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal por si interposta do despacho de 10/08/2016, proferido pela directora de Finanças Adjunta da DF de Lisboa que indeferiu o incidente de anulação da venda do imóvel nº ... referente à fracção autónoma designada pela letra “H”, do prédio urbano sito no largo ... , nº 5, Bloco 2 – apartamento 008, inscrito na matriz sob o artigo 2639, no ... , por extemporaneidade, interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“EM CONCLUSÃO:

a) O art. 257 nºs 1 e 2 do CPPT abrange os casos em que a venda está ferida de anulabilidade, estabelecendo prazos para o conhecimento de tal sanção, como decorre da sua própria letra textual; estando, em consequência, fora do seu âmbito de aplicação os casos em que a venda é nula, o que pode ser invocado a todo o tempo, sendo, inclusivamente, do conhecimento oficioso - art. 892° do Cod. Civil.

b) sendo a situação subjacente aos presentes autos notoriamente uma venda de bem alheio, o que fere a mesma de nulidade, inaplicável ao caso se mostra a limitação temporal estabelecida pelo referido art. 257 nºs 1 e 2 do CPPT;

c) a entender-se diferentemente, estar-se-á a conferir ao mencionado art. 257 nºs 1 e 2 do CPPT um entendimento inconstitucional por violador do principio da igualdade, plasmado e consagrado no art. 13° da Constituição da Republica Portuguesa;

d) a alegada anterioridade da venda, meramente aparente, pois que o pagamento do preço e o registo da venda ocorreu apenas em momento posterior ao da declaração da insolvência, não afasta a consideração de nulidade invocada;

e) a sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais invocados nas presentes conclusões de recurso.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!”


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Não foram produzidas contra-alegações.

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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT)).
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pelo Recorrente consistem em apreciar se a sentença a quo errou ao decidir pela intempestividade do pedido.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

A) Em 21 de Fevereiro de 2013, o Serviço de Finanças de ... , penhorou o imóvel inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 2639 – fracção H, pertencente ao Reclamante, M... , com o NIF n.º ... , para garantia da quantia exequenda de € 32.538,67, referente ao PEF n.º ... .cf. Ap. 3037, de 21 de Fevereiro de 2013, inscrita na certidão predial referente à ficha n.º 953/19901210-H, da freguesia do ... , de fls. 92 a 95 do PEF;

B) Em 3 de Junho de 2013, “por pessoa a quem foi entregue”, o Reclamante recebeu duas cartas remetidas pelo Serviço de Finanças de ... , informando-o que havia sido designado o dia 19 de Julho de 2013, para venda da "Fracção Autónoma designada pela letra "H", destinada a habitação (…) inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ... , concelho de Lisboa sob o artigo nº 2639". – cf. ofícios n.os 4173 e 4174, ambos de 23 de Maio de 2013, respectivos avisos de recepção, e edital junto aos mesmos, de fls. 100 e 104 a 107 do PEF;

C) Em 31 de Julho de 2013, por sentença proferida no processo n.º 719/13.6YXLSB, do 8º Juízo Cível de Lisboa, transitada em julgado em 16.08.2013, o Reclamante, M... , com o NIF n.º ... , foi declarado insolvente. – cf. sentença de fls. 225 a 232, do PEF;

D) Em 19 de Julho de 2013, o imóvel descrito nas alíneas A) e B) supra, precedentes foi vendido, pelo Serviço de Finanças de ... , ao Banco ... , S.A., pelo valor de € 229.320,00 – cf. auto de adjudicação, a fls. 122, do PEF

E) Em 12 de Dezembro de 2013, o Reclamante recebeu uma carta remetida pelo Serviço de Finanças de ... , identificando como assunto "ENTREGA DO BEM AO ARREMATANTE – ARTº 859º. DO CPC", e de cujo teor se extrai: "Fica por este meio citado (…) para (…) proceder à entrega do Rés do Chão, correspondente á fracção autónoma designada pela (s) letra (s) "H", do prédio urbano sito no Largo ... , nº 5, ... , Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ... , o qual foi objecto de venda judicial, realizada em 19-07-2013, (…). Mais fica notificado, que deverá proceder à entrega das chaves neste Serviço de Finanças da ... ". – cf. ofício n.º 10313, de 5 de Dezembro de 2013, e respectivo aviso de recepção, de fls. 138 e 139 do PEF;

F) Em 16 de Janeiro de 2014 o Reclamante recebeu uma carta remetida pelo Serviço de Finanças de ... , identificando como assunto "ENTREGA DO BEM (ARROMBAMENTO)”, e de cujo teor se extrai: Fica V. Ex.ª por este meio notificado, na qualidade de executado e ocupante do R/Chão – Bloco 2 – Apartamento 008 (…), o qual foi efectuada a venda judicial realizada em 19/7/2013, de que, por despacho de 10/1/2014 do Chefe deste Serviço de Finanças, que se junta fotocópia, foi designado o próximo dia 26/2/2014 pelas 11 horas, para ser concretizada a diligência de entrega do bem (Arrombamento) (…)

G) Em 8 de Janeiro de 2014, a Massa Insolvente de M... , apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa, uma acção administrativa especial, pedindo a anulação da venda das fracções autónomas "G" e "H", acima identificadas. – cf. petição de fls. 166 e ss do PEF apenso;

H) No dia 22 de Janeiro de 2014, na sequência da sua notificação para entregar as chaves do imóvel, a massa insolvente do Reclamante remeteu por correio dirigido ao Serviço de Finanças de ... , uma petição de reclamação, invocando a ilegalidade da penhora e da venda do imóvel efectuada no presente PEF, pedindo, além do mais, a anulação da venda e a suspensão da entrega do imóvel;

I) A petição descrita na alínea anterior, deu origem ao processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, que tramitou no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 693/14.1BELRS;

J) Em 2 de Julho de 2014, foi proferida sentença no processo identificado na alínea anterior, que concluiu que pela inutilidade superveniente da lide, em virtude de se encontrar pendente acção destinada a aferir da validade da venda;

K) Em 16 de Julho de 2014 foi proferida sentença na AAE julgando verificada a excepção dilatória de inidoneidade do meio processual, não se mostrando viável a convolação em Reclamação prevista pelo artigo 276.º do CPPT, pelo decurso do prazo de 10 dias estabelecido pelo n.º 1 do artigo 277.º do CPPT;

L) Em virtude da pendência dos processos a que antes se aludiu foi proferido pelo OEF despacho suspendendo a entrega do imóvel;

M) Decididos os processos foi por despacho de 28 de Janeiro de 2015 da Chefe do SF de ... , determinada a citação ao Administrador de Insolvência, para no prazo de vinte dias fazer a entrega do imóvel ao arrematante, com a cominação prevista no artigo 757.º do CPC;

N) Em 30 de Janeiro de 2015, o Administrador de Insolvência do Reclamante, recebeu uma carta remetida pelo Serviço de Finanças de ... , identificando como assunto "ENTREGA DO BEM AO ADJUDICATÁRIO", e de cujo teor se extrai: "Fica por este meio citado (…), na qualidade de Administrador de insolvência do executado, M... , para (…) proceder à entrega do R/Chão – Bloco 2 – Apartamento 008, fracção "H", do prédio urbano sito no Largo ... , nº 5 – ... - Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ... sob o artigo n.º 2639, o qual foi objecto de venda judicial, realizada em 19/07/2013, (…). Mais fica notificado, que deverá proceder à entrega das chaves neste Serviço de Finanças da ... ".cf. ofício n.º 431, de 29 de Janeiro de 2015, e respectivo aviso de recepção, de fls. 201 e 202 do PEF;

O) Em 2 de Fevereiro de 2015, o Reclamante, recebeu uma carta remetida pelo Serviço de Finanças de ... , identificando como assunto "ENTREGA DO BEM AO ADJUDICATÁRIO", a dar-lhe conhecimento "na qualidade de executado" da "notificação e despacho enviado ao Administrador de Insolvência, referente à entrega efectiva do bem vendido judicialmente (…) em 19/7/2013, correspondente ao R/Chão – Bloco 2 – Apartamento 008 do prédio sito no Largo ... , nº 5 – ... - Lisboa". – cf. ofício n.º 433, de 29 de Janeiro de 2015, e respectivo aviso de recepção, de fls. 203 e 204 do PEF;

P) No dia 6 de Fevereiro de 2015, na sequência da sua notificação para entregar as chaves do imóvel correspondente ao "rés-do-chão – apartamento 008 – fracção H", o Reclamante dirigiu ao Serviço de Finanças de ... , petição de reclamação, invocando a ilegalidade das penhoras e vendas dos imóveis e, em concreto, a efectuada no presente PEF, pedindo, além do mais, a suspensão da entrega do imóvel;

Q) A petição descrita na alínea anterior, deu origem ao processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, que tramitou neste Tribunal Administrativo e Fiscal, sob o n.º 1317/15.5BELRS;

R) Em 13 de Outubro de 2015, foi proferida sentença no processo identificado na alínea Q) supra, que decidiu "pela verificação da excepção dilatória atípica, ou inominada, de erro na forma do processo" e determinou "a convolação dos autos em requerimento de anulação de venda, com a consequente baixa dos autos ao Serviço de Finanças de ... , para o devido encaminhamento do (…) requerimento ao órgão periférico regional";

S) Em 21 de Março de 2016, a Directora de Finanças-Adjunta de Lisboa, indeferiu o pedido de anulação de venda apresentado pelo Reclamante, com a seguinte fundamentação: "(…) II – ANÁLISE: (…) Tendo por base tais considerações e retomando o caso em apreço, resulta dos factos supra descritos e da prova documental junta que: 1. O executado M... foi notificado através do ofício n.º 10313, com data de 05.12.2013, remetido por correio registado (identificado com a referência ... ), por si recepcionado em 12.12.2013, para proceder à entrega das chaves do imóvel que foi objecto da venda judicial realizada em 19.07.2013 pelo Serviço de Finanças de ... ; 2. Contra o despacho de entrega do bem reagiu a MASSA INSOLVENTE de M... , tendo intentado acção administrativa especial que correu termos sob o n.º 35/14.6BELRA, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e, simultaneamente, apresentado reclamação judicial que correu termos sob o n.º 693/14.1BELRS, pelo Tribunal Tributário de Lisboa; 3. Em resultado das decisões (improcedentes) proferidas em ambos os processos judiciais (transitadas em julgado), veio o adquirente requerer novamente a entrega do bem, o que foi determinado por despacho da Chefe do Serviço de Finanças da ... , em 28.01.2015; 4. Do teor do referido despacho foi notificado o administrador de insolvência para proceder em conformidade, o qual informou que não poderia concretizar o solicitado, pelo facto de não ter apreendido, nem ter tomado a posse do bem; 5. Tal despacho foi também levado ao conhecimento do executado e fiel depositário, através do ofício n.º 433, o qual veio a ser recepcionado em 02.02.2015; 6. Na sequência da tomada de conhecimento do teor do referido despacho, vem o executado M... em 06.02.2015, por si só, apresentar reclamação judicial, com os mesmos fundamentos que a MASSA INSOLVENTE de M... , já havia invocado na reclamação judicial supra referida em 2, sendo certo que ambas as referidas reclamações contemplam, precisamente, a mesma matéria de facto e de direito e encontram-se subscritas pelo mesmo mandatário; 7. A reclamação judicial apresentada pelo próprio executado, em 06.02.2015, então convolada em incidente de anulação de venda, correu os seus termos sob o n.º 1316/15.7BELRS, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. (…) Basta atentar ao intruito da sentença e aos factos invocados e comprovados para se concluir que, in casu, a convolação se verifica prejudicada, na medida em que entre a data em que o Executado apresentou a reclamação (06.02.2015) e aquela (12.12.2013) em que tomou conhecimento do acto lesivo decorreram mais que os 15 dias a que se refere o n.º 1, al. c) do Art.º 257° do CPPT, atento o fundamento invocado pelo executado, então insolvente, para fazer valer a sua pretensão. Com efeito, a infundada causa de anulação da venda alegada pelo executado (a venda ter sido efectuada em detrimento da massa insolvente e o valor obtido, desproporcional em relação ao valor comercial) faz-nos reverter para o prazo de 15 dias, previsto no Art.º 257°, n.º 1, alínea c), do CPPT. Tal prazo contar-se-à da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que serviu de fundamento à anulação, neste caso, competindo-lhe provar a data desse conhecimento (vd. art.º 257°, n.º 2 do CPPT). Acresce que, o prazo para deduzir o incidente de anulação de venda é um prazo judicial, atento o disposto no Art.º 20°, n.º 2 do CPPT. E, por isso, tratando-se, como se trata, de um prazo de natureza judicial (Art.º 103, n.º1 da LGT), aplica-se-lhe o regime do CPC, pelo que ele corre continuamente, suspendendo-se, no entanto, em férias judiciais (vd. Art.º 20°, n.º 2 do CPPT e Art.º 138° do CPC). Ora, no caso, acha-se demonstrado pelo elenco dos factos descritos e comprovados que a venda em processo de execução fiscal se concretizou em 19.07.2013. Como, também, se acha demonstrado que em 12.12.2013, quando foi notificado para proceder à entrega das chaves do bem imóvel, o executado, então insolvente, tomou conhecimento que o mesmo havia sido vendido, o que nos permite concluir que, pelo menos, nesta data, tomou conhecimento dos factos que invoca para fundamentar o incidente de anulação de venda. Assim sendo, se tivermos presente, aquelas duas referidas datas (19.07 e 12.12 de 2013) ter-se-á que concluir que, em 06.02.2015, quando deu entrada a reclamação judicial que o Tribunal decidiu convolar em incidente de anulação de venda, há muito se mostravam ultrapassados os prazos legais para suscitar tal incidente, conforme adiante melhor se demonstrará a propósito da tempestividade. (…) B - DA TEMPESTIVIDADE: Ora quanto à tempestividade do pedido haverá que se atender ao disposto no Art.º 257º, n.º 1, alª a), b) c) do CPPT. Com efeito, o prazo em que pode ser requerida a anulação d venda, com o fundamento invocado, é de 90, 30 ou 15 dias. O cômputo do mesmo prazo tem o seu início na data da venda ou naquela em que o requerente tomou conhecimento do facto que serviu de fundamento à anulação, neste caso, competindo-lhe a provar data desse conhecimento (vd. Art.º 257.º n.º 2 do CPPT). Considerando os prazos para requerer a anulação da venda, a factualidade descrita e a prova documental carreada para o processo, importa, para o efeito de aferir da tempestividade do pedido, analisar as datas em confronto: - a venda em processo de execução fiscal, ocorreu a 19.07.2013; - o conhecimento da venda ocorreu a 12.12.2013. - Com efeito, o executado, então insolvente, M... , foi notificado através do ofício n.º 10313, com data de 05.12.2013, recepcionado em 12.12.2013, para proceder à entrega das chaves do imóvel no Serviço de Finanças de ... , pelo que, pelo menos, nesta data tomou conhecimento da venda; a data da entrada da reclamação judicial então convolada em requerimento de anulação de venda, ocorreu a 06.02.2015. Tomando como referência a data mais recente em que o executado, então insolvente, tomou conhecimento da venda (12.12.2013), rapidamente se concluirá que em 06.02.2015, já havia decorrido o prazo mais longo (90 dias) para requerer a anulação da venda, sendo certo porém que atento o fundamento infundado, invocado pelo executado, sempre seria de aplicar, no caso em apreço, o prazo mais curto de 15 dias. Com efeito, retira-se da matéria de facto alegada pelo executado, então insolvente, e da prova documental junta que a causa de anulação da venda não se subsume, nem na alínea a), nem na alínea b) do supra citado Art.º 257º do CPPT. Todavia, ainda que se viesse a entender - o que, não se aceita e apenas se concede por hipótese de raciocínio - que o executado, então insolvente, poderia apresentar o pedido de anulação de venda, este seria, eventualmente, susceptível de integrar a previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 257.° do CPPT, face ao fundamento por si invocado. Portanto, a vislumbrar-se a sua admissibilidade, o incidente de anulação da venda sempre teria que ser suscitado no prazo de 15 dias. Acresce que, como supra se evidenciou, o prazo para suscitar o incidente de anulação de venda, contar-se-á da data da venda ou da que a requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à acção, competindo-lhe provar a data desse conhecimento (vd. Art.º 257°, n.º 2 do CPPT). Ora, no caso, acha-se demonstrado que a venda em processo de execução fiscal se concretizou em 19.07.2013. Como, também, se acha demonstrado que em 12.12.2013, o executado, quando foi notificado para proceder à entrega das chaves do bem imóvel, tomou conhecimento que o mesmo havia sido vendido, o que nos permite concluir que, pelo menos, nessa data, tomou conhecimento dos factos que invoca para fundamentar o incidente de anulação de venda. Assim sendo, se tivermos presente, quer a data (19.07.2013) em que se concretizou a venda, quer a data (12.12.2013) em que o executado tomou conhecimento dos factos que servem de fundamento ao incidente de anulação de venda (a venda foi efectuada em detrimento da massa insolvente e o valor obtido, desproporcional em relação ao valor comercial), ter-se-á que concluir que, em 06.02.2015, quando deu entrada a reclamação judicial que o Tribunal decidiu convolar em incidente de anulação de venda, há muito se mostravam ultrapassados os prazos para suscitar tal incidente. Vejamos: (i) se, se atender à data da venda o identificado prazo de 15 dias, teve o seu início em 20.07.2013, ocorrendo o seu termo final em 15.09.2013, o qual se transferiu para 16.09.2013 em virtude de o dia 15 ter sido num domingo e o prazo ter estado suspenso até 31.08.2013, por motivo de férias judiciais. (ii) se, se atender à data em que o executado, então insolvente, tomou conhecimento do facto que serve de fundamento ao incidente de anulação da venda, o identificado prazo de 15 dias, teve o seu início em 13.12.2013, ocorrendo o seu termo final em 09.01.2014, uma vez que esteve suspenso de 21.12.2013 até 03.01.2014, por motivo de férias judiciais. Tal determina que à data do envio postal da presente petição para efeito da sua entrada em juízo (06.02.2015) e atendendo aos fundamentos invocados, ainda que se mostrasse admissível o presente incidente de anulação da venda, sempre o pedido seria considerado intempestivo, uma vez que já se havia esgotado há muito, o citado prazo de 15 dias que se encontra legalmente previsto. Considerando o supra exposto, afigura-se-nos que o incidente de anulação de venda não deve prosseguir para conhecimento do mérito do pedido, por se mostrar manifestamente extemporâneo o recurso a esse meio processual. O prazo fixado para a dedução do incidente de anulação de venda, porque aparece como extintivo do respectivo direito de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E sendo, como é, um prazo de caducidade, significa que o direito de acção é de conhecimento oficioso, razão pela qual se encontra excluída da disponibilidade das partes, atento o disposto no Art.º 333°, n.º 1 do Código Civil.Em conclusão mostrando-se, como se mostra, inequivocamente, intempestivo a apresentação do pedido de anulação de venda em apreço, verifica-se a caducidade do direito de acção, o que constitui excepção peremptória, com a consequente absolvição do pedido, nos termos previstos no artigo 576.°, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea e), do CPPT. Não obstante o dever de resolução de todas as questões que as partes coloquem à apreciação do julgador, encontram-se "exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" (vd. n.º 2 do Art.º 608.° do CPC, aplicável por força do disposto no Art.º 2.°, el. e), do CPPT). Face ao que antecede e considerando que a extemporaneidade do pedido de anulação de venda em apreço determina, respectivamente, a absolvição do pedido, fica objectivamente prejudicada a apreciação do mérito do mesmo. III – CONCLUSÃO Em face do exposto, resulta amplamente demonstrado que o pedido de anulação de venda se mostra intempestivo, razão pela qual se INDEFERE O PEDIDO e se mantém, consequentemente, válida e eficaz a venda do prédio urbano nos seus precisos termos. Nestes termos, remeta-se a presente informação ao Serviço de Finanças de ... , para efeitos do disposto no n.º 6 do Art.º 257º do CPPT ". – cf. Despacho, Informação, Análise e Conclusão, de fls. 36 a 42 ”;

T) Em 21 de Abril de 2016, o Reclamante, recebeu uma carta remetida pelo Serviço de Finanças de ... , identificando como assunto "NOTIFICAÇÃO – ANULAÇÃO DE VENDA", a dar-lhe conhecimento da decisão de indeferimento descrita na alínea anterior. – cf. ofício n.º 2062, de 20 de Abril de 2016 e respectivo aviso de recepção, a fls. 36 e 37 dos autos;

U) No dia 29 de Abril de 2016, o Reclamante remeteu por correio dirigido ao Serviço de Finanças de ... , a petição da presente reclamação.


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FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

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MOTIVAÇÃO

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, não impugnados, com destaque para os referidos a propósito de cada alínea do probatório.”


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questão que nos vem colocada.
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II.2. Do Direito
Conforme resulta dos autos, constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a Reclamação interposta pela Recorrente do indeferimento expresso do pedido de anulação da venda do imóvel nº ... referente à fracção autónoma designada pela letra “H”, do prédio urbano sito no largo ... , nº 5, Bloco 2 – apartamento 008, inscrito na matriz sob o artigo 2639, no ... , por extemporaneidade.
A sentença a quo concluiu pela apresentação intempestiva do pedido de anulação de venda, mantendo o despacho reclamado.
A Recorrente, veio nesta sede recursiva veio antes de mais invocar quanto à tempestividade o seguinte: “a situação subjacente aos presentes autos é notoriamente uma venda de bem alheio, o que fere a mesma de nulidade, inaplicável ao caso se mostra a limitação temporal estabelecida pelo referido art. 257 nºs 1 e 2 do CPPT; estando, em consequência, fora do seu âmbito de aplicação os casos em que a venda é nula, o que pode ser invocado a todo o tempo, sendo, inclusivamente, do conhecimento oficioso - art. 892° do Cod. Civil.
O Recorrente refere-se ao facto de, em seu entender, o imóvel ter sido vendido quando já não lhe pertencia, mas sim à massa insolvente, uma vez que a declaração de insolvência entretanto ocorrida ter por efeito todos os bens do insolvente passem a integrar a pertencer à massa insolvente, deixando de estar na posse e disponibilidade do executado. Com isto quer dizer que, segundo o seu entendimento, trata-se de uma venda de bens alheio e em consequência esta ferida de nulidade.

Posto isto, avancemos.
Antes de mais importa verificar se efectivamente trata de uma venda ferida de nulidade.
O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artigo 257.º do CPPT, preceito que deve ser conjugado com os artigos 838.º e 839.º, do CPC/2013, onde se encontram enunciadas causas de anulação.
Artigo 257º do CPPT,
Anulação da venda
1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n.º 3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) do n.º 1 no período entre a acção e a decisão.
4 - O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.º da lei geral tributária.
5 - Decorrido o prazo previsto no número anterior sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido.
6 - Havendo decisão expressa, deve esta ser notificada a todos os interessados no prazo de 10 dias.
7 - Da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.º.
8 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa.”

Por sua vez, o actual artigo 838.º do CPC/2013 (correspondente ao anterior artigo 908.º do CPC/1961) dispõe que:
“1 - Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906º do Código Civil.

Ora, face ao que vem dado como provado nos presentes autos, e que não foi impugnado nesta sede pelo Recorrente, o conhecimento da venda ocorreu em 12/12/2013, mesmo considerando a data de entrega da petição convolada em requerimento, em 06/02/2015, pelo que rapidamente se concluirá que nessa data, já havia decorrido o prazo mais longo para requerer a anulação de venda (90 dias, se o fundamento da anulação se subsumir à alínea a) do n.º 1) do artigo 257º do CPPT), o que torna despiciendo aferir do respectivo fundamento para determinar qual o prazo aplicável (que seria sempre igual ou menor que aquele).

No entanto o Recorrente alega que no caso dos autos que a venda foi efectuada em detrimento da massa insolvente e que, tratando-se da venda de bem alheio, a mesma se encontra ferida de nulidade, pelo que não se aplicam os prazos do citado art. 257º.

O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. Estão sujeitos a apreensão no processo de insolvência todos os bens integrantes da massa insolvente, a qual abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendencia do processo. Uma vez declarada a insolvência é ordenada a imediata apreensão dos bens e a sua entrega ao Administrador nomeado e é fixado o prazo para reclamações. – Artigo 36º g) e j) do CIRE,

“Sentença de declaração de insolvência
(…)
f) Determina que o devedor entregue imediatamente ao administrador da insolvência os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º que ainda não constem dos autos;
g) Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150.º; “

Os objectivos prosseguidos pelo processo de insolvência passam, fundamentalmente, por num único processo reunir todos os bens que constituem o património do devedor/insolvente, por meio da sua apreensão para a massa insolvente, seguindo-se a sua liquidação para posterior satisfação dos créditos dos credores daquele. O processo de insolvência tem a natureza de execução universal e “manifesta-se, desde logo, no facto de a declaração de insolvência implicar a apreensão e liquidação de todos os bens penhoráveis. Mas para ela ganhar a sua plena consagração, torna-se necessário que se criem mecanismos que assegurem: a) a participação de todos os credores no processo; b) o tratamento igualitário dos credores, segundo a qualidade dos seus créditos” (cfr. Luís Carvalho Fernandes, in Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, p. 199).

Assim, e neste sentido, prevê o CIRE no artigo 149.º que se procede à apreensão após proferida a sentença:

“Apreensão dos bens

1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:

a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;

b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.

2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.

(…)

No caso em análise o Recorrente foi declarado insolvente por sentença datado de 31/07/2013, proferida no processo 719/13.6YXLSB que correu termos no 8º Juízo Cível de Lisboa e que transitou em julgado em 16/08/2013. Por outro lado o processo de execução fiscal correu termos no Serviço de Finanças de ... e a venda judicial ocorreu em 19/07/2013, tendo o imóvel sido penhorado sido adjudicado ao Banco ... .
Ainda sobre este assunto pode ler-se no Acórdão deste TCA Sul, de 09/02/2010, proferido no processo 03680/09
a declaração de falência (actualmente insolvência) obstava à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido, sendo o espírito e o escopo dos preceitos legais que ordenam a sustação e apensação dos processos executivos em curso, nos termos do artº 180º do CPPT, o da salvaguarda dos bens que pertencem à massa insolvente.
Como se considerou no Acórdão deste TCAS e desta formação de 17/12/2009, tirado no Recurso nº 3568/09, tais razões estão justificadas pelo facto de o regime legal estabelecido nos citados preceitos cuja ratio decorre do princípio da universalidade da falência.
Com efeito, vigora aqui o princípio da universalidade do procedimento contra o falido, quando se debatam interesses relativos à massa falida, princípio que se traduz em não se poder conhecer da responsabilidade patrimonial do falido fora do processo de falência.
Assim, nas acções envolvendo questões relativas aos bens que integram a massa falida, nenhuma utilidade tem o prosseguimento da lide, após a declaração de falência, podendo mesmo entender-se que há impossibilidade superveniente de tais lides, por força do princípio da universalidade ou plenitude da instância falimentar, deixando a acção autónoma de ser o processo próprio para apreciação de tais questões.
(…)
Sendo assim, como é, tendo-se a venda judicial efectivado em data posterior à declaração de falência, pontificam aqui as aludidas razões tendo também em conta a advertência do EPGA de que a venda não podia ser feita no PEF, uma vez que aqueles autos deveriam ter sido apensados aos autos de falência, nos termos do disposto nos artigos 180° do CPPT e 154° do CPEREF.
Como ficou dito, o decretamento da insolvência implica, legalmente, que todas as acções autónomas em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente instauradas contra o insolvente, em que se debatam interesses relativos à massa sejam sustadas, o que, na tese da decisão recorrida, impunha a suspensão obrigatória do processo de execução fiscal e a sua apensação ao processo falimentar.”

Como vimos quer a lei quer a jurisprudência expressamente referem sempre, e apenas, às situações de apreensão de bens, prosseguimento de acções executivas e eventual anulação/nulidade de venda judicial após decretada a insolvência, ou seja após ter sido proferida a respectiva sentença.
Assim sendo, verifica-se que na data em que o bem foi vendido no processo executivo aqui em causa não havia sido ainda decretada a insolvência, pelo que a venda efectuada não se encontra ferida de nulidade.
Resta concluir, face ao exposto, que improcedem na totalidade as alegações e conclusões de recurso.

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III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Lisboa, 29 de Julho de 2017.

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Carlos Araújo)


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(António Vasconcelos)