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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:118/09.4BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/22/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADES PROCESSUAIS.
NULIDADES PROCESSUAIS SECUNDÁRIAS. REGIME DE ARGUIÇÃO.
NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA DECISÃO JUDICIAL. REQUISITOS LEGAIS.
FORÇA PROBATÓRIA DE UM DOCUMENTO AUTÊNTICO. ARTº.371, Nº.1, DO C.CIVIL.
Sumário:1. As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil). As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
2. Tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição da nulidade neste último.
3. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
4. A fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária.
5. No que diz respeito à força probatória de um documento autêntico, o mesmo apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público que os realiza ou daqueles que são diretamente percepcionados pela referida entidade documentadora, já não garantindo a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador, somente que eles as fizeram. Por outras palavras, se no documento o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (cfr.artº.371, nº.1, do C.Civil).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"C..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.219 a 231 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a presente impugnação judicial intentada pela sociedade recorrente e tendo por objecto liquidação oficiosa de I.M.T., relativa ao ano de 2004 e no valor total de € 125.076,16.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.256 a 263 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Nos termos do artº.84 do CPT a Administração Tributária, tem por obrigação legal de junção completa do Processo Administrativo, facto que não ocorreu nos presentes autos;
2-A não junção ou junção incompleta do processo administrativo configura uma clara e patente ilegalidade processual;
3-A omissão de documentos no processo administrativo por parte da Administração Tributária tornou impossível a prova dos factos pela impugnante e originou um erro na qualificação jurídica dos factos por parte do Tribunal a quo erro este manifesto de apreciação;
4-Acresce que apesar de vigor no processo tributário português o princípio da livre apreciação da prova ínsito no artº. 607, nº.5, do CPC, aplicável ex vi do artº.2, al.e) do CPPT, a verdade é que este não domina na apreciação das provas juntas ao processo, designadamente no que respeita às escrituras de rectificação, por configurarem documentos autênticos;
5-O Tribunal Recorrido não procedeu à apreciação crítica das provas produzidas, limitando-se a invocar, quanto aos factos não provados que “não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa”, omitindo assim quais os factos que não foram dados como provados nos presentes autos, em clara violação do nº.4 do artº.86 da LGT e do nº.4 do artº.269 da CRP;
6-Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que proceda devidamente à apreciação dos respectivos fundamentos, os quais deverão ser considerados procedentes por provados, a bem da JUSTIÇA!
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Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.276 a 278 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.221 a 226 dos presentes autos - numeração nossa):
1-"C..., L.da.", ora impugnante, com o n.i.p.c. …, encontra-se colectada pela actividade de «compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos», CAE 70120, tendo no ano de 2003, de forma normal e habitual, exercido aquela actividade (cfr.documentos juntos a fls.9 a 12 e 14 dos presentes autos);
2-Em 27/12/2004, por escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial de ..., a sociedade Impugnante declarou comprar a M... e mulher, M..., e estes declararam vender, pelo preço de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), o prédio urbano, destinado a habitação, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 649 e inscrito na matriz sob o artigo 240, constando ainda da referida escritura que «o prédio adquirido se destina a revenda» e que a «aquisição encontra-se isenta de IMT nos termos do nº 1 do artº 7º, do respectivo Código» (cfr.documento junto a fls.17 a 20 dos presentes autos);
3-Em 15/10/2007, em Cartório Notarial de Lisboa, por escritura pública de compra e venda, a sociedade Impugnante declarou vender à sociedade “... – Restauração, Lda.”, e esta declarou comprar, pelo preço de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), o prédio identificado no nº.2, constando ainda da referida escritura que a sociedade adquirente «destina o imóvel a revenda» (cfr.documento junto a fls.30 a 33 dos presentes autos);
4-Em 16/10/2007, a sociedade “... – Restauração, Lda.” procedeu ao pagamento do IMT referente à aquisição mencionada no nº.3 (cfr.documento junto a fls.23 dos presentes autos);
5-Em 21/07/2008, o Serviço de Finanças de ... expediu, por correio registado com aviso de recepção, o ofício n.º 1217, dirigido à impugnante, para a sua morada, em Av. do ..., nº 18 C, Loja 6, do qual se destaca o seguinte teor:
“(…)
Fica V. Exa. notificado(a), nos termos do nº 2 do artº 19º, nº 6 do artº 36, nº 1 do artº 34º e nº 5 do artº 11º do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e dos art. 36º e 38º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para proceder ao pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de 120.000,00€, (2.000.000,00 € x 6%), acrescidos de Juros Compensatórios, nos termos do disposto do artº 35º da Lei Geral Tributária (LGT), com referência à transmissão por compra do artigo Urbano nº 240, da freguesia da ..., concelho da ..., conforme escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de ..., no dia 27/12/2004, iniciada a folhas 142, do Livro 29-E, para a qual beneficiou de isenção de IMT, nos termos do disposto no artº 7º do CMT.
Dado que o referido prédio foi vendido no dia 15/10/2007, por escritura de compra e venda celebrada, no Cartório Notarial de Lisboa, a cargo da Notária, M..., mencionando que a sociedade “ ... – Restauração, Lda, aceitou a venda, e que destina o imóvel a revenda, ficando assim sem efeito, a isenção que beneficiou aquando da aquisição, conforme o disposto no nº 5, do artº 11º do CIMT.
O Pagamento deverá ser efectuada no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura, do aviso de recepção da presente notificação, mediante Documento a solicitar neste Serviço de Finanças.
Da liquidação do Imposto do IMT, poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70º, 99º e 102º do CPPT.
Não sendo efectuada o pagamento acima referido, dentro daquele prazo, começarão a correr imediatamente juros de mora e haverá lugar a procedimento executivo, nos termos dos artigos nºs 88º e 162º do CPPT e dos nºs 3 e 4, do art.º 102º do CIRC, por remissão do art. 67.º do CIS»
(…)”
(cfr.documento junto a fls.34 dos presentes autos);
6-Com data de 24/07/2008, a impugnante remeteu missiva dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de ..., sob o assunto «Notificação de pagamento de IMT», na qual se pode ler o seguinte:
“(…)
Exmo. Senhores,

Acusamos recebida a vossa notificação ofício 1217 de 21 do corrente, hoje recebida.

A escritura efectuada no Cartório Notarial de ..., demonstra claramente que foi pago o IMT, na compra e venda efectuada, conforme referido na mesma. Não tendo ficado isento de IMT porque esta Sociedade já ter beneficiado dessa isenção. Por tal facto (de ter sido já pago o IMT), carece de fundamento a notificação.
Anexamos o comprovante do pagamento do IMT da compra e venda efectuada.
Com os melhores cumprimentos.»
(…)
(cfr.documento junto a fls.35 dos presentes autos);
7-Em 26/08/2008, o Serviço de Finanças de ... expediu, por correio registado com aviso de recepção, o ofício n.º 1441, dirigido à impugnante, para a sua morada, em Av. do ..., nº 18 C, Loja 6, do qual se destaca o seguinte teor:
“(…)
Na sequência da notificação efectuada pelo nosso ofício nº 1217, datado de 21/07/2008 e da vossa resposta através da carta de 24 de Julho de 2008, informo V. Exa. que a questão em análise é referente ao primeiro IMT, do qual beneficiou de isenção nos termos do disposto no artº 7º do CIMT, ou seja, referente à aquisição.
Assim, fica V. Exa. novamente notificado(a), nos termos do nº 2 do artº 19º, nº 6 do artº 36, nº 1 do artº 34º e nº 5 do artº 11º do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e dos art. 36º e 38º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para proceder ao pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de 120.000,00€, (2.000.000,00 € x 6%), acrescidos de Juros Compensatórios, nos termos do disposto do artº 35º da Lei Geral Tributária (LGT), com referência à transmissão por compra do artigo Urbano nº 240, da freguesia da ..., concelho da ..., conforme escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de ..., no dia 27/12/2004, iniciada a folhas 142, do Livro 29-E.
Dado que o referido prédio foi vendido no dia 15/10/2007, por escritura de compra e venda celebrada, no Cartório Notarial de Lisboa, a cargo da Notária, M..., mencionando que a sociedade “... – RESTAURAÇÃO, LDA”, aceitou a venda, e que destina o imóvel a revenda, ficando assim sem efeito, a isenção que beneficiou aquando da aquisição, conforme o disposto no nº 5, do artº 11º do CIMT, “A aquisição a que se refere o artº 7 deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou foram novamente para revenda”.
O Pagamento deverá ser efectuada no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura, do aviso de recepção da presente notificação, mediante Documento a solicitar neste Serviço de Finanças.
Da liquidação do Imposto do IMT, poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70º, 99º e 102º do CPPT.»
(…)
(cfr.documento junto a fls.36 dos presentes autos);
8-O expediente mencionado no número anterior veio devolvido com a indicação dos CTT de ter sido deixado avisado (cfr.documento junto a fls.37 dos presentes autos);
9-Em 29/09/2008, o Serviço de Finanças de ... expediu, por correio registado com aviso de recepção, o ofício n.º 1640, dirigido à ora impugnante, para a sua morada, em Av. do ..., nº 18 C, Loja 6, de conteúdo idêntico ao ofício mencionado no nº.7, tendo o expediente vindo devolvido com a indicação dos CTT de ter sido deixado avisado (cfr.documentos juntos a fls.38 e 39 dos presentes autos);
10-Com data limite de pagamento até 04/12/2008, foi emitida, em nome da impugnante, liquidação oficiosa de IMT, no montante total a pagar de € 125.076,16, do qual o montante de € 120.000,00 corresponde a imposto e o montante de € 5.076,16 a juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.15 e 16 do processo administrativo apenso);
11-Para cobrança da liquidação mencionada no número anterior, o Serviço de Finanças de ... instaurou o processo de execução fiscal n.º ... (cfr. informação constante de fls.27 e verso dos presentes autos);
12-A impugnante foi citada na execução fiscal em 22/12/2008 (cfr.informação constante de fls.27 e verso dos presentes autos);
13-A petição inicial dos presentes autos foi remetida ao Serviço de Finanças, por correio, em 02/02/2009 (cfr.informação constante de fls.27 e verso dos presentes autos);
14-Em 19/09/2011, em Cartório Notarial de Lisboa, foi outorgada escritura pública de rectificação da escritura de compra e venda mencionada no nº.2, passando a constar da mesma que o preço do imóvel foi de € 10.000,00/dez mil euros (cfr.documento junto a fls.74 a 77 dos presentes autos);
15-Em 19/09/2011, em Cartório Notarial de Lisboa, foi outorgada escritura pública de rectificação da escritura de compra e venda mencionada no nº.3, passando a constar da mesma que o prédio adquirido não se destina a revenda (cfr.documento junto a fls.90 a 92 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informação oficial juntos aos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve o acto de liquidação de I.M.T. objecto do processo (cfr.nº.10 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante aduz, em primeiro lugar, que a A. Fiscal tem por obrigação legal a junção completa do processo administrativo, facto que não ocorreu nos presentes autos. Que a omissão da junção de documentos no processo administrativo por parte da Fazenda Pública tornou impossível a prova dos factos pela impugnante alegados e originou um erro na qualificação jurídica por parte do Tribunal “a quo” (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, a existência de nulidade processual de que padecem os autos.
Examinemos se o presente processo enferma de tal vício.
Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.79).
As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Mais, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Por outro lado, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,14/5/2013,proc.6018/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.).
Voltando ao caso concreto, do exame do processado pode constatar-se que a sociedade impugnante/recorrente foi notificada da junção do processo administrativo, por apenso (cfr.fls.136 dos presentes autos), não tendo suscitado junto do Tribunal “a quo” qualquer falta de junção de documentos no mesmo processo, nomeadamente, de documentação relativa a acção inspectiva a que terá sido sujeita e incidente sobre os anos de 2007 e 2008, em sede de I.R.C. Ora, tal acção inspectiva nada tem a ver com a liquidação de I.M.T. objecto do presente processo. Nestes termos, deve considerar-se sanada a alegada irregularidade processual anterior à sentença recorrida.
Por outro lado, a questão sob apreciação não foi invocada nos articulados da presente impugnação em 1ª. Instância, conforme já mencionado, pelo que o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova (a qual não é de conhecimento oficioso), o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
Face ao exposto, nega-se provimento ao presente esteio do recurso.
O recorrente defende, igualmente, que o Tribunal “a quo” não procedeu à apreciação crítica das provas produzidas, limitando-se a invocar, quanto aos factos não provados que “não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa”, omitindo assim quais os factos que não foram dados como provados nos presentes autos, em clara violação do artº.86, nº.4, da L.G.T., e do artº.269, nº.4, da C.R.P. (cfr.conclusão 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida, devido a falta de especificação dos fundamentos de facto.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).
Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.219 a 231 do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão ("in casu", na vertente factual) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outro lado, quanto ao exame crítico da prova, porque nos encontramos perante processo em que, essencialmente, foi produzida prova documental, a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos foi atingida com a indicação dos respectivos meios de prova.
Por último, sempre se dirá que não percebe este Tribunal a menção efectuada pelo recorrente aos artºs.86, nº.4, da L.G.T. (preceito relativo à impugnação de acto tributário baseado em avaliação indirecta da matéria colectável) e 269, nº.4, da C.R.P. (normativo do diploma fundamental que se refere à não possibilidade de acumulação de empregos ou cargos públicos).
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
Como derradeiro esteio do recurso, defende o apelante que apesar de estar em vigor no processo tributário português o princípio da livre apreciação da prova ínsito no artº.607, nº.5, do C.P.C., a verdade é que este não domina na apreciação das provas juntas ao processo, designadamente no que respeita às escrituras de rectificação, por configurarem documentos autênticos (cfr.conclusão 4 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de direito, derivado da irrelevância dada pelo Tribunal “a quo” às escrituras de rectificação identificadas nos nºs.14 e 15 do probatório.
A sentença recorrida examinou as duas escrituras de rectificação identificadas nos nºs.14 e 15 do probatório, concluindo que em ambos os casos tais rectificações não têm a virtualidade de determinar a ilegalidade da liquidação oficiosa de I.M.T. objecto do presente processo, sendo que todos os elementos constantes dos autos apontam no sentido de que as mesmas escrituras, celebradas na pendência da presente acção, visaram exclusivamente o propósito de obstar à tributação, ou, pelo menos, reduzir o valor do acto tributário.
Antes de mais, recorde-se que, no que diz respeito à força probatória de um documento autêntico, o mesmo apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público que os realiza ou daqueles que são diretamente percepcionados pela referida entidade documentadora, já não garantindo a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador, somente que eles as fizeram. Por outras palavras, se no documento o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (cfr.artº.371, nº.1, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.9600/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/10/2016, proc.7347/14; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume I, 3ª. Edição, 1982, pág.325 e seg.; Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, Almedina, 2015, pág.80 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, se dirá que estamos perante escrituras de compra e venda e respectivas rectificações (cfr.nºs.2, 3, 14 e 15 do probatório), portanto, perante quatro documentos autênticos, com igual força probatória.
No que diz respeito à escritura de rectificação do preço de compra do imóvel, tendo presente que o preço constitui um elemento essencial/determinante, para ambas as partes, na transmissão de um imóvel através de contrato de compra e venda, afigura-se inverosímil que ambas as partes, numa escritura pública, tenham feito constar, por lapso, o preço de € 2.000.000,00, em vez de € 10.000,00. E recorde-se que cabia à sociedade recorrente o ónus de provar que pagou pelo imóvel o valor de € 10.000,00, mais sendo esse o valor do custo da mercadoria que registou na sua contabilidade para efeitos de apuramento de I.R.C., não tendo, no entanto, o apelante carreado para os autos quaisquer documentos comprovativos relativos a ambas as situações.
Passando ao exame da escritura de rectificação do destino dado ao imóvel vendido, o qual deixou de ter o objectivo da revenda.
Nos termos da lei, tendo a aquisição do prédio pela sociedade recorrente beneficiado de isenção de imposto, por o mesmo se destinar a revenda, a sua posterior aquisição, novamente para revenda e por terceiro, determinou, automaticamente, a caducidade da isenção prevista no artº.7, nº.1, do C.I.M.T., conforme expressamente consagrado no artº.11, nº.5, do mesmo diploma, pelo que, nessa precisa medida, a A. Fiscal estava obrigada, de acordo com o princípio da legalidade, a liquidar o I.M.T. devido pela aquisição efectuada pelo apelante.
Ora, ao outorgar a escritura pública de compra e venda, em 15/10/2007, a sociedade recorrente sabia que estava a vender o prédio para revenda, pois o adquirente declarou-o expressamente no acto, pelo que, em face de tal declaração, aquela não podia deixar de saber que, em tais condições, perdia o benefício da isenção, conforme resulta da lei. Tal como em relação ao preço, também neste caso se afigura inverosímil que o representante da sociedade recorrente não tivesse atentado em tal questão no momento da celebração da escritura, em 15/10/2007. Mas mais, em qualquer das escrituras em causa, a celebrada em 15/10/2007, e a rectificativa levada a efeito em 19/09/2011, o representante das duas empresas intervenientes é a mesma pessoa, M…, sócio gerente de ambas. Tal constatação, segundo as regras da experiência, impede a existência de um alegado lapso na estruturação da primeira escritura, apenas detectado aquando da realização da escritura rectificativa, segundo alega o recorrente.
Por último, sempre se dirá que as regras da caducidade do direito de liquidar impostos igualmente obviam a qualquer alteração da liquidação oficiosa de I.M.T. objecto do presente processo (cfr.artº.45, da L.G.T.).
Arrematando, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto) – com declaração de voto*



(Ana Pinhol - 2º. Adjunto) – com declaração de voto**


* Não acompanho a fundamentação da decisão nas considerações relativas à caducidade do direito à liquidação (artigo 45º da LGT), tal como constam do penúltimo parágrafo do presente acórdão.

** Por acompanhar o entendimento vertido na declaração elaborada pela 1ª Adjunta, com a qual concordo.